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JORNAL

Especial Dia do Professor-2016

Sexta-feira, 14 de Outubro de 2016

Edição 129

Professores que moram no entorno do DF enfrentam longas distâncias para dar aulas

Dos 15 profissionais da educação que atuam na escola Classe Lamarão, na zona rural do Paranoá (DF), apenas uma reside na comunidade

A tranquilidade do lugar, o carinho das crianças e da comunidade e o clima de parceria compensam o cansativo percurso diário de até 100 quilômetros para chegar à Escola Classe Lamarão, situada na zona rural do Paranoá, no Distrito Federal. Dos 15 profissionais da educação que atuam na escola, onde estudam 180 crianças de turmas da educação infantil ao quinto ano, apenas Ivanossa Alves Rolim, de 52 anos, reside na comunidade. Todos os demais moram em cidades vizinhas, de Minas Gerais e Goiás.

Como pertencem ao quadro de professores da rede pública de ensino do DF, eles buscam dar aula em escolas mais próximas das suas casas, o que nem sempre é possível. O diretor Rafael Rocha de Oliveira Weschenfelder, 29 anos, mora em Formosa, em Goiás, e tenta vaga em alguma escola de Planaltina. “Diminuiria bastante o meu percurso, uma vez que ida e volta somariam uns 90 quilômetros”, calcula ele, que gasta cerca de R$ 1.500,00 por mês apenas com combustível e três horas por dia para ir trabalhar.

Dinalva José de Souza, 40 anos, e Tíssila Thainá de Melo, 29 anos, também vêm de Formosa e afirmam que, embora fosse possível atuar em uma escola mais próxima da divisa, elas preferem percorrer mais alguns quilômetros porque gostam de dar aula em escola rural. “Eu prefiro trabalhar com alunos da zona rural porque é um estilo de vida mais calmo e os alunos são mais dóceis”, afirma Dinalva, uma das coordenadoras. “Os alunos são carinhosos, têm muita força de vontade para aprender e gostam de vir para a escola”, acrescenta Tíssila, professora do terceiro ano.

Apesar das despesas extras com a gasolina, os professores afirmam que a remuneração compensa, uma vez que ganhariam menos se atuassem nas escolas municipais da vizinhança. “É cansativo, mas eu e outras três professoras fazemos revezamento nas caronas, e, em cada dia, uma dirige”, explica Marta Gonçalves dos Santos, 50, professora do segundo ano e moradora de Unaí, cidade mineira que fica a cerca de 100 quilômetros da escola. “Mas basta a gente chegar aqui que esquece o cansaço. Os alunos são calmos e prestam atenção nas nossas aulas”, diz.

Alenir Azevedo Ramiro de Mendonça, 58, professora do primeiro ano, também vem de Unaí e confessa cansaço pelo tempo que fica no carro. “São dezenove anos indo e vindo”, justifica. “Mas não tenho vontade de morar no DF para ficar mais perto da escola porque minha vida está em Unaí”, explica. Segundo ela, a Escola Classe Lamarão é a mais próxima. “Fico cansada, é uma viagem todos os dias, mas prefiro ficar aqui. A escola é pequena, muito organizada e peguei carinho por ela”, argumenta. “Somos como uma família. Trabalhamos unidos, em parceria”, acrescenta Elieta Cantuária dos Reis Ornelas, 42 anos, professora da educação infantil e moradora de Unaí.

Embora a questão salarial motive os professores a vencer a longa distância de casa até a escola, Cláudia Versiani, 38 anos, professora do segundo ano e moradora de Unaí, garante que não trocaria a escola do Lamarão por uma urbana e mais próxima. “Os alunos da zona rural têm o diferencial de serem mais receptivos; a realidade social é mais uniforme e eles não vivenciam a violência”, pondera.

A vice-diretora Érica de Fátima Tatsch, 34, também se sente aconchegada pela comunidade de Lamarão, que recebe esse nome por conta do córrego que corta a região cercada por morros e grandes lavouras de alho, batata e cebola. “A minha filha Valentina, de dois anos e seis meses, vem comigo no carro e passa o dia na casa da mãe de um dos alunos da escola”, conta Tatsch, que mora na zona rural de Cristalina, na divisa de Goiás com o DF. “Há uma troca de carinho com os moradores da comunidade, que sabem que estamos cuidando bem dos seus filhos aqui na escola”, acrescenta.

Os moradores e os agricultores do Lamarão também são parceiros em diversas atividades. Além de participar dos projetos no centro comunitário, estão presentes nas reuniões da escola, contribuem para o reforço da alimentação escolar e doam mudas para a horta escolar. “O problema é esse tempo de secura, quando a água da cisterna quase seca e precisamos racionar, senão os alunos ficam sem água até para beber e temos de suspender as aulas”, explica.

A escola funciona em tempo integral, oferecendo período extra para atividades esportivas, artísticas e de acompanhamento pedagógico. Os desenhos e artesanatos produzidos pelos alunos ficam expostos pelos corredores. A escola tem parquinho e é cercada por árvores. Na hora do recreio, as crianças brincam de pular corda e de bambolê. “Nossos alunos também têm tablets e celulares, mas não focam só nisso; eles valorizam muito a tradição do campo e de antigas brincadeiras. Gostam de plantio de horta e de cavalgadas”, conta a diretora. “A escola é o shopping delas”, compara.

 

Texto de Rovênia Amorim e foto de Mariana Leal.

Escola pública mais antiga de Planaltina guarda história de gerações de professores

Bruna Freitas, Luciene Alves Carlos, Dona Lila e Davi

Na escola de paredes azuis, que exibe mangueiras e goiabeiras pelo pátio, as histórias de gerações de professores entrelaçam-se pelos corredores entre as salas de aula, onde estudam 1.500 alunos do primeiro ao nono ano. O Centro de Ensino Fundamental (CEF) 02 fica situado no centro histórico de Planaltina, cidade de 157 anos, a mais antiga do Distrito Federal, e revive diariamente os tempos passados nas boas lembranças de professores, muitos dos quais ex-alunos ou filhos de ex-professores da escola.

E, assim, tem-se a história da professora Bruna Luísa Ribeiro de Freitas, 29 anos, filha da dona Lila, uma ex-aluna da escola e que, em 1978, tornou-se professora de português por 19 anos no mesmo local onde estudou. “Sempre amei ser professora e, no começo de cada ano letivo, eu comprava um vestido novo para conhecer os meus novos alunos”, conta a senhora de 68 anos, natural de Formosa, Goiás. Lila é tia de Luciene Alves Carlos, 44 anos, professora de português há 27 anos no CEF 02.

“Estudei na escola de 1978 a 1997 e fui aluna da minha tia (professora Lila)”, explica Luciene que, por sua vez, foi professora de português da prima Bruna nos anos finais do ensino fundamental.

E a história continua. Hoje, Davi Miranda, de 9 anos, sobrinho de Bruna, é aluno do terceiro ano na escola, que começou a funcionar 23 anos antes da inauguração de Brasília. Nessa época, as aulas aconteciam na residência de Dona Etelvina da Silva Campos, sob a direção do Frei Benevenut Casabant, e era chamada de Escola Paroquial, por pertencer à Paróquia de São Sebastião. Até hoje a comunidade conhece o CER 02 por Escola Paroquial, a primeira a ser fundada em Planaltina. A professora Gabriela Guimarães Freitas, avó da professora Bruna, foi a primeira diretora da escola, em 1937. “Nessa época, diretora ainda levava circunflexo na letra ‘o’”, ensina dona Lila.

As professoras Lila e Luciene falam com entusiasmo da profissão que acolheram. “Desde menina, eu brincava de dar aula para a vizinhança e usava carvão para escrever no muro da minha casa. É vocação mesmo”, conta Luciene. Mãe da Bruna, tia de Luciene e avó de Davi, dona Lila, que ninguém conhece por Maria Alves de Freitas, seu nome de batismo, explica que o segredo da boa educação é trabalhar com alegria: “Quando a gente gosta do que faz, o aluno sente que o professor trabalha com amor e então ele senta para te ouvir”.

As professoras Necy Ribeiro de Castro, 63 anos, e Paula Valéria Ribeiro de Castro, mãe e filha, também têm suas histórias para contar. Mesmo aposentada, Necy volta sempre ao CEF 02 para contar histórias infantis às crianças. “Ela é uma excelente contadora de histórias”, explica Neiva de Oliveira Badu, 39 anos, 22 anos na escola, os últimos cinco como a atual diretora. Ela explica que a “grande família” que compõe a escola e a vocação pelo magistério ajudam no trabalho comprometido com a qualidade da educação. “Nosso Ideb (índice de desenvolvimento da educação básica) para os anos iniciais é de 6,1, previsto como resultado para 2022”, afirma.

“A gente percebe que o ensino da escola tem qualidade quando a criança chega feliz em casa. É assim com o Davi, meu neto. Ela chega muito mais feliz em casa do que quando sai de casa”, compara a professora Lila. Observadora num canto da sala, a professora Bruna Luísa ouve a mãe falar com entusiasmo. “Aprendo a ter paciência com ela”, explica. Lila também foi professora de Paula Valéria, que é a filha da ex-professora Necy, que também foi diretora na Escola Paroquial. “Este aqui era o meu armário, onde guardava as minhas coisas”, recorda-se ela. “Eu era brava e muito rigorosa, mas também dava liberdade aos alunos. Eles podiam ficar descalços em sala de aula”, conta. “Tínhamos muitos dificuldades, a gente usava os versos de panfletos para os deveres de casa, mas se fosse preciso começar tudo de novo, começaria como professora. É gratificante ter histórias para contar”, prossegue ela.

Hoje, os dois filhos de Andréia Cristina de Sousa Neves, 37 anos – André Eduardo, 7 anos, e Heloysa Helena, de 11 – são alunos da Escola Paroquial, assim com foi um dia a avó deles, Alice de Melo Neves, de 83 anos. “Eu também fui professora. Eu dava aulas na zona rural para adultos que não tiveram a oportunidade de estudar quando crianças”, conta dona Alice. Nesse instante, a professora Luciane de Mello Ricci Fernandes, 47 anos, 27 deles como professora no CEF 02, aproxima-se para dar um abraço em dona Alice, sua tia. “Somos uma família com tradição no magistério”, diz.

A diretora Neiva comenta que trabalhar no CEF 02 é um grande desafio para os professores, pela história da escola e os vários profissionais de sucesso que passaram como alunos pelas suas salas de aula. “A gente se sente obrigada a manter o bom trabalho e a qualidade do ensino, mas isso só é possível porque há muito integração entre os professores, que formam uma única família”, afirma. E assim, novas histórias vão se construindo. Andréia Cristina de Sousa Neves, 37, estudou na escola e é filha de Magno Sérgio de Melo Neves, ex-professor e ex-diretor de lá. “Ele fez muito pelo ensino de Planaltina e somos todos muito gratos”, diz a diretora.

 

Texto de Rovênia Amorim e foto de Rafael Carvalho.