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JORNAL

Mônica Ribeiro da Silva (UFPR): Em busca de um ensino médio mais próximo dos jovens

Mônica Ribeiro da Silva, professora da UFPR

Professora e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Mônica Ribeiro da Silva atua nos cursos de formação de professores e no Programa de Pós-Graduação em Educação. Pedagoga, com mestrado e doutorado em educação, é autora de vários livros sobre o ensino médio. Atualmente, coordena o grupo de pesquisa Observatório do Ensino Médio, vinculado ao Observatório da Educação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Obeduc-Capes) e de ações nacionais de produção de material para a formação de professores no âmbito do Pacto Nacional do Fortalecimento do Ensino Médio.

Nesta entrevista, a especialista fala das novas ideias para a reestruturação do ensino médio no Brasil e dos resultados de pesquisa realizada entre 2011 e 2014 em escolas públicas que aderiram ao Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI) do Ministério da Educação. Ela defende a integração entre as disciplinas e a aproximação da escola com a realidade da juventude como estratégias para a redução da evasão escolar, um dos grandes problemas dessa última etapa de formação da educação básica no Brasil. Segundo Mônica, as novas atividades incorporadas ao cotidiano escolar pelos oito macrocampos de conhecimento (Acompanhamento Pedagógico; Iniciação Científica e Pesquisa; Cultura Corporal; Cultura e Artes; Comunicação e uso de Mídias; Cultura Digital; Participação Estudantil e Leitura e Letramento) despertam mais interesse e ajudam a escola a dialogar com os jovens. (Rovênia Amorim)

Jornal do Professor O que o Ministério da Educação tem feito com relação à reformulação do ensino médio?

Mônica Ribeiro da Silva – Hoje, tem-se ouvido falar muito na questão da reformulação e da reestruturação do ensino médio, mas já existem ações do Ministério da Educação que tratam disso. Não estamos começando do zero. Eu destacaria duas políticas que já estão trabalhando nesse sentido. A primeira é o Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), criado em 2009, que recebe adesão dos sistemas estaduais de ensino e das próprias escolas. O programa leva recursos financeiros às escolas, que para recebê-los elaboram projetos de reestruturação de seus currículos, consideradas as áreas do conhecimento constantes das diretrizes curriculares nacionais do ensino médio e os campos de integração curricular, como cultura digital, cultural corporal, cultura e artes, iniciação científica. Então, o próprio programa já é uma política de indução à reestruturação do ensino médio, com o apoio e a gestão do MEC. A outra política é o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, que além de capacitar quase 450 mil professores no Brasil, tem por foco a estruturação dessa etapa do ensino e o que seria o novo currículo. Então, o pacto é uma ação que discute com os professores a base nacional comum e a reestruturação curricular.

No período de 2011 a 2014, a senhora coordenou a pesquisa Avaliação da Implementação do Programa Ensino Médio Inovador no Brasil. O que foi possível observar e concluir?

– No nosso grupo de pesquisa, que é o Observatório do Ensino Médio da UFPR, analisamos os projetos de reestruturação curricular das escolas naquele período. Foram coletados dados junto a 1.280 professores e 867 gestores dentre as duas mil escolas participantes do programa em 2014. Concluiu-se que os estudantes são os grandes beneficiários do ProEMI, por várias razões. Primeiro, pela ampliação do tempo da escola – jornada de cinco ou de sete horas. Além disso, a própria diversificação da forma pela qual o tempo é trabalhado com esses campos. Tudo isso qualificou o tempo de permanência dos nossos alunos na escola. De alguma forma, o programa levou os professores a trabalhar mais coletivamente e a repensar as disciplinas mais tradicionais.

Esses resultados apontados pela pesquisa eram os objetivos do programa?

– O ProEMI começou, na prática, em 2010, em 339 escolas. Passou depois para duas mil escolas, com uma projeção de chegar a 10 mil. Ele foi criado com a intenção de rediscutir e reformular o que é praticado em termos de currículo no ensino médio, o que é praticado em sala de aula e, assim, qualificar o tempo de permanência dos estudantes para que eles se interessem pela escola, reduzindo a evasão escolar. Outra conclusão importante é a de que as escolas que aderiram ao ProEMI desde 2009 tiveram tendência de reduzir o abandono. A não conclusão do ensino médio é um grande problema.

A reformulação do ensino médio passa pela redução de conteúdos?

– É muito problemático falar que o ensino médio é conteudista. A depender de como, metodologicamente, o conhecimento é trabalhado, pode-se ter uma lista de dois conteúdos e ser conteudista. O que muda a ideia de não ser conteudista é o enfoque que se dá ao conhecimento na escola. Desde que esse conhecimento faça sentido para os jovens e tenha um poder de explicação sobre a realidade, não é o número de conteúdos que vai qualificar o currículo. Não é tirar e diminuir uma lista de conteúdos que vai qualificá-lo. Talvez, fazer isso seja empobrecer a formação de nossos estudantes. Penso que qualificar o tempo de permanência do aluno, e fazer sentido para ele, é que a escola o auxilie a compreender o mundo em que vive. Conteudista é uma lista de conteúdos com base no mero caráter informativo de repasse de informação. O que vem ao caso é saber quais conhecimentos qualificam o tempo de permanência do aluno na escola. Isso significa, ainda, pensar um formato de formação de professores que não seja mera repetição de conceitos, mas pensar quais conhecimentos são relevantes e em que momento são relevantes para aqueles estudantes, em sua situação de vida. Isso não quer dizer abandonar conteúdos, mas priorizar conhecimentos, assegurando o domínio de produção e elaboração desses conhecimentos.

Existem experiências de sucesso nessa nova concepção de ensino médio? Há uma fórmula?

– As experiências de sucesso em escolas públicas apresentam invariavelmente algumas características para além do currículo. Por exemplo, tempo de estudo para os professores, estrutura física da escola adequada, tanto no sentido do ambiente mais acolhedor quanto dos equipamentos, como acesso à internet e a laboratórios. Não é suficiente tentarmos dar um novo significado ao conhecimento sem ter as condições para que ele de fato assuma outro formato. As experiências que coletamos com a pesquisa e com escolas públicas do país, em seminários realizados pelo próprio MEC, mostram que, potencialmente, as escolas com mais condições, inclusive com professores fixos e com maior tempo de integração, são favorecidas para uma qualidade de ensino superior. Em uma experiência bem-sucedida de escola pública de Mato Grosso, os professores compatibilizavam o conhecimento entre as disciplinas ao mesmo tempo. Isso vai dando a noção para o estudante de mais totalidade, de conhecimento menos fragmentado.

A proposta de um novo ensino médio apresentada pelo MEC prevê o trabalho em oito macrocampos – Acompanhamento Pedagógico; Iniciação Científica e Pesquisa; Cultura Corporal; Cultura e Artes; Comunicação e uso de Mídias; Cultura Digital; Participação Estudantil e Leitura e Letramento. Por que essas áreas foram escolhidas?

– Eu prefiro falar em campos de integração curricular. Essas propostas, como iniciação científica, cultura corporal e cultura digital, não estão atreladas a um mesmo componente. Para serem desenvolvidas, forçam uma integração curricular. Foram escolhidas por serem campos de interesse dos jovens, mas muitas vezes ganham menos prioridade na escola. Um exemplo é o campo cultura corporal. O conhecimento sobre o corpo e o lugar que ocupa na sociedade não é assunto só da educação física. É uma questão sociológica, filosófica, química, etc. Assim, ter um campo de estudo chamado cultura corporal leva a tratar o corpo a partir de uma abordagem interdisciplinar, integrada, tanto para a compreensão dos jovens em relação ao mundo digital, à comunicação, à literatura, à arte, quanto pela capacidade de integrar várias disciplinas. Esses campos sofreram várias metamorfoses, desde o primeiro documento orientador do ProEMI até hoje, por conta das experiências que as escolas iam vivendo.

A proposta de reestruturação do ensino médio segue algum modelo adotado em outros países?

– Não. O ProEMI tem a ver com o debate que se vinha fazendo no Brasil sobre as diretrizes curriculares nacionais e deriva de um reconhecimento da necessidade de romper com um currículo tradicional no ensino médio, fragmentado e com hierarquia entre as disciplinas. Nasceu daí a proposta de um programa que começasse a induzir uma mudança no ensino médio. É inovador no sentido de romper com os limites de um currículo tradicional, mas não vai na direção de um currículo por ênfases. Por ação do MEC e do Movimento Nacional do Ensino Médio, do qual fazem parte a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), conseguimos retirar, no ano passado, alguns problemas contidos no projeto de lei, em tramitação na Câmara, que incorpora o currículo por ênfases. Entendemos que esse currículo por ênfases formativas é um retrocesso da lei à época da ditadura militar, quando se optava por estudar humanas ou biológicas. O que defendemos é uma base curricular, comum a todos os estudantes, que possibilite, em outro tempo, aprofundar o que eles gostem e tenha mais propensão de estudar na educação superior. Mas que seja uma formação única e comum para todos os brasileiros.

Outra questão é a ideia de educação integral no ensino médio. Não a vejo como algo que politicamente possa se fazer como uma obrigatoriedade. Temos mais de dois milhões de jovens de 15 a 17 anos que trabalham. Proibi-los de estudar à noite ou proibi-los de estudar em um único turno significa, talvez, eles deixarem a escola. Devemos ir no sentido do direito à educação, de assegurar amplamente o acesso à educação como uma política pública universal para um país que até hoje tem 5 milhões de jovens de até 17 anos que não estão no ensino médio. Há uma preocupação do MEC com o tempo integral. Mas, especialmente para o ensino médio, temos de pensar que tempo integral, para quem e em que lugar neste país, não deva ser uma compulsoriedade.

Já é possível, então, resumir as principais ideias que estão sendo pensadas para um novo ensino médio no Brasil?

– A ideia de um currículo mais integrado, menos fragmentado, que busque superar a fragmentação das disciplinas que não dialogam entre si, aquele isolamento disciplinar – química é química, física é física –, está posta desde a origem das diretrizes curriculares. Outra ideia é o diálogo com os jovens por meio de uma organização do currículo, do conhecimento na escola que leve em consideração as várias juventudes que temos: a negra, a indígena, a do campo, a da cidade, homem, mulher, homossexual, dessa religião, daquela outra. Essas várias cores e esses vários movimentos de jovens não podem ser estranhos ao currículo que a escola oferece. Ou esses jovens se veem representados no que a escola oferece ou a escola não faz sentido para eles. Esse é um elemento que já nas diretrizes curriculares, na resolução do Conselho Nacional da Educação, no ProEMI, na discussão do pacto do ensino médio. É uma escola que busca acolher esses jovens e pensar em um conhecimento que, de fato, seja dirigido a eles, não ao contrário. Uma perspectiva de escola que não seja meramente preparatória para o vestibular. Essa é outra ideia. O ensino médio precisa fazer sentido nele mesmo. É a última etapa da educação básica, não pode ser antessala da universidade. É educação, não cursinho preparatório para o mercado e para a educação superior. Essa foi a tradição do ensino médio.

Nós, brasileiros e, especialmente, nós, professores, temos de fazer uma pergunta: que lugar estratégico da sociedade, da economia e da cultura o ensino médio ocupa no Brasil? Temos de saber que rumos vamos dar a ele.