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JORNAL

Escola inova em metodologia de ensino bilíngue para surdos

Aluno utiliza linguagem de sinais na sala de aula

A inovação e a criatividade estão em toda a escola. Por salas de aula e corredores silenciosos flui o conhecimento que poucos ouvintes conseguem entender e apreender. Com gestos rápidos e uma infinidade de sinais que traduzem palavras, frases e conceitos, professores e alunos interagem e avançam nos conteúdos obrigatórios da educação básica. A Escola Bilíngue Libras e Português Escrito, em Taguatinga, uma das regiões administrativas mais populosas do Distrito Federal, é a única da rede pública do Brasil a criar metodologia adequada para crianças e adolescentes surdos que têm como língua materna a língua brasileira de sinais (libras).

Criada em 2013, por lei local, a escola nasce, portanto, sob um projeto político inovador e se revela inclusiva também no sentido reverso. “O que é bom para o aluno surdo é bom para o aluno ouvinte”, explica a diretora Maristela Batista de Oliveira Bento, pedagoga com 20 anos de experiência na educação de alunos surdos. Por isso, por escolha das famílias, nas salas de aulas há alunos ouvintes que aprendem a língua de sinais para se comunicarem com os irmãos e os amigos surdos. O bilinguismo na língua de sinais e português escrito configura-se, portanto, numa espécie de chave para aproximar sujeitos de dois mundos que não se integram por não dominarem os códigos da comunicação.

“As pessoas ouvintes geralmente não sabem, mas para os alunos surdos, o português é a sua segunda língua e isso implica uma metodologia apropriada para que possam ter maior fluência no entendimento da escrita”, explica Gisele Morisson Feltrini, supervisora pedagógica da escola bilíngue. Thalya da Silva, 18 anos, aluna do segundo ano do ensino médio, conta que a escola tem permitido a ela se aprofundar nos conhecimentos cobrados nas provas de seleção para ingresso nas universidades. Com talento para desenhar, Thalya pensa em seguir uma profissão nessa área. Porém, entender o conteúdo das provas é ainda um problema e, por isso, os alunos surdos precisam de intérprete na realização dos exames.

“O português é muito pesado e seria importante ter uma prova adequada, com tradução na íntegra para libras por meio de vídeos”, sugere a aluna, que ficou surda antes dos dois anos em decorrência de uma meningite. A dificuldade com a língua portuguesa ocorre também no contexto social e familiar, uma vez que são poucas as pessoas que dominam a língua de sinais. Em casa, por exemplo, Thalya não consegue se comunicar com o irmão, apenas com a mãe. Ela não é exceção. Outros alunos da escola relataram a mesma dificuldade.

Acesso — Luana de Jesus, 17 anos, aluna do primeiro ano do ensino médio, diz que quer estudar direito para lutar pelos direitos dos surdos. “Existe uma pressão da sociedade ouvinte sobre os surdos porque não sabem das suas habilidades e potencial. É preciso dar acesso aos ouvintes à cultura surda”, observa. Em razão de todas essas dificuldades, Hudson Gonçalves, 20 anos, aluno do segundo ano do ensino médio, fala da importância da escola bilíngue de Taguatinga. “Eu consigo não apenas aprender, como tirar minhas dúvidas e me aprofundar no conhecimento de biologia, química, física, português e matemática para ingressar num curso superior”, explica. “As traduções feitas pelos intérpretes em libras nas escolas onde estudei são rápidas demais. Não dá para absorver tudo.”

A diretora explica que, nas escolas regulares em que há inclusão, o aluno surdo muitas vezes sente-se isolado por estar numa turma de ouvintes. “Ele se sente intimidado em expressar dúvidas e acaba acumulando defasagem de aprendizagem”, comenta.

A professora de biologia Thatiane do Prado, que prepara os alunos surdos para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Programa de Avaliação Seriada (PAS) da Universidade de Brasília (UnB), salienta que a metodologia adotada pela escola possibilita um aprendizado mais ativo. “Os alunos são sujeitos ativos no processo do conhecimento, opinam o tempo todo e não ficam apáticos”, afirma.

A escola bilíngue atende alunos da educação infantil ao ensino médio, com limite de dez alunos por turma, em razão da especificidade do ensino. O sistema bilíngue adotado pela escola atrai estudantes de outras regiões do Distrito Federal e Entorno. “A primeira língua da escola é a libras, mas o português escrito não é ensinado da mesma forma que os alunos ouvintes aprendem”, diz a diretora. “Usamos muito o visual para que eles possam adquirir vocabulário. Os surdos precisam muito do visual para interiorizar o conteúdo.”

Chamada — A Escola Bilíngue Libras e Português Escrito foi uma das 178 instituições de ensino selecionadas pela chamada pública aberta pelo Ministério da Educação, em 2015, para divulgar experiências de inovação e criatividade nas escolas de educação básica no Brasil.

Para participar da chamada, a direção decidiu enviar o projeto político-pedagógico da própria escola, que já nasceu dentro de uma proposta de inovação na gestão e na metodologia de ensino. O objetivo é divulgar e mostrar os resultados positivos e emocionantes que os 53 professores surdos e ouvintes, com proficiência em libras, têm alcançado. “Se não fosse essa escola, muitos alunos surdos já teriam se evadido e desistido de avançar nos estudos, simplesmente porque não conseguem ser entendidos”, ressalta Maristela.

Com a metodologia empregada pela escola, as crianças matriculadas adquirem fluência em libras e português escrito e, assim, podem ser entendidas dentro e fora dos limites do contexto escolar.

Filha de pais surdos, a professora da educação infantil Andréa Beatriz Messias Belém Moreira conta que conviveu em meio a ouvintes e surdos, habitantes de dois mundos que têm dificuldades em se comunicar e se compreender. “Numa sociedade em que a maioria das pessoas é de ouvintes, os surdos têm muito a nos ensinar”, afirma. “Eles são sempre considerados inferiores, mas não têm dificuldade para aprender, só não encontram facilidades para desenvolver suas habilidades.”

A professora relata que desde cedo teve de aprender a superar o sofrimento pessoal por sentir a rejeição e o preconceito de professores que não chamavam seus pais na escola para saber do seu desempenho em sala de aula. “Ouvia-os dizer que meus pais eram aqueles mudinhos, mas eu não aceitava isso, e dizia que eles falavam, sim, e que eu os entendia muito bem porque sabia a língua deles.”

Libras — A língua brasileira de sinais foi instituída pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, e reconhecida como sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, para a transmissão de ideias e fatos. É a língua natural usada pelas comunidades surdas brasileiras. Estudos sobre a libras foram iniciados no Brasil em 1981.

Libras e português carregam estruturas diferenciadas. Documento publicado pelo Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos do Ministério da Educação, em 2004, sobre a língua brasileira de sinais e a língua portuguesa evidencia que, como em qualquer língua falada, “a fonologia é organizada baseada em um número restringido de sons que podem ser combinados em sucessões para formar uma unidade maior, ou seja, a palavra. Nas línguas de sinais, as configurações de mãos, juntamente com as localizações em que os sinais são produzidos, os movimentos e as direções, são as unidades menores que formam as palavras”. (Rovênia Amorim)