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Edição 107 - Superdotação
28/11/2014
 
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Susana Graciela Pérez Barrera Pérez: “Identificação precoce dos alunos com AH-SD permite o atendimento de qualidade”

Identificar e desenvolver potenciais é um dever da escola, diz Susana Pérez

Identificar e desenvolver potenciais é um dever da escola, diz Susana Pérez

Autor: Arquivo pessoal


A presidente do Conselho Brasileiro para Superdotação (Conbrasd), Susana Graciela Pérez Barrera Pérez, diz que a identificação precoce dos alunos com altas habilidades–superdotação (AH-SD) permite o atendimento de qualidade, que exige conhecimento e atitude e deve garantir o desenvolvimento do potencial e das habilidades específicas.

Doutora em educação, pesquisadora e docente com experiência na formação de professores em cursos de extensão e pós-graduação, Susana acredita que o trabalho feito com alunos que apresentam AH-SD deve ser pautado em suas áreas de interesse para haver comprometimento com a tarefa e criatividade. “O objetivo é que eles possam alcançar autonomia para a busca do conhecimento socialmente elaborado e a construção do seu próprio conhecimento”, diz.

Consultora da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) para a então Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, no período de 2007 a 2011, e delegada do Brasil na Federación Iberoamericana del World Council for Gifted and Talented Children (Ficomundyt), ela defende a necessidade de formação especializada de pediatras, psicólogos, psicopedagogos e professores para o atendimento a alunos com superdotação.

Jornal do ProfessorQuais as principais características de uma pessoa com altas habilidades–superdotação? Como fazer esse reconhecimento? As altas habilidades manifestam-se em quais áreas?

Susana Pérez — As pessoas com altas habilidades–superdotação apresentam três grandes conjuntos de traços — habilidade acima da média, criatividade e comprometimento com a tarefa relacionada à área na qual ela apresenta habilidade acima da média, não com a tarefa da escola. Elas mostram desempenho e potencial elevados em áreas gerais ou específicas relacionadas às inteligências (lógico-matemática, espacial, naturalista, musical, linguística, intrapessoal, interpessoal ou corporal-cinestésica). São pessoas muito curiosas, com interesses complexos e diversos, com um senso de humor muito sofisticado. Muitas vezes, não gostam da rotina e se distraem na sala de aula se não forem suficientemente desafiadas. São perfeccionistas, gostam de ler muito e costumam aprender a ler e a escrever antes de ingressar na escola. É importante destacar que o termo correto é altas habilidades–superdotação, não altas habilidades ou superdotação, visto que é a mesma coisa. O trabalho A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e documentos anteriores usam essa terminologia, cunhada pelo Conbrasd em sua fundação, em 2003. A identificação dos indicadores de AH–SD pode ser feita por professores ou por profissionais com conhecimentos sobre o assunto ou supervisionados por especialistas. Esse potencial elevado pode se expressar em qualquer área do conhecimento e do desenvolvimento humanos.

Qual a importância de se detectar a existência de alunos com altas habilidades–superdotação nas escolas? Que encaminhamento deve ser feito por professores e escolas?

— Identificar e desenvolver potenciais é um dever da escola, pois é um direito do aluno ter suas necessidades educacionais especiais identificadas e atendidas. Assim, a identificação precoce dos alunos com AH-SD permite o atendimento de qualidade, que exige conhecimento e atitude e deve garantir o desenvolvimento do potencial e das habilidades específicas. O contexto acadêmico deve, também, favorecer a socialização dos superdotados com seus colegas e assim buscar um desenvolvimento integral desses alunos. O estudante com AH-SD deveria ser identificado e atendido pelo professor do atendimento educacional especializado, na sala de recursos multifuncionais. É isso que está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) [Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996], na Resolução nº 4/2010 e no Parecer nº 13/2009 do Conselho Nacional de Educação, no Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011 e na Lei nº 13.005, 25 de junho de 2014 [Plano Nacional de Educação]. Infelizmente, são pouquíssimos os professores ou profissionais formados para isso. Os cursos de atendimento educacional especializado geralmente oferecem um número insuficiente de horas dedicado a esse conteúdo, o que não permite qualificar os professores para o processo de identificação e atendimento. Como resultado, temos menos de 12 mil alunos registrados no Censo Escolar e uma política pública precária, sem apoio financeiro que a sustente.

Que tipo de trabalho deve ser feito com esses alunos, com quais objetivos? Há uma idade mínima para dar início a esse trabalho?

— O trabalho feito com alunos com AH-SD deve ser pautado em suas áreas de interesse para que possa haver comprometimento com a tarefa e a criatividade. O objetivo é que eles possam alcançar autonomia para a busca do conhecimento socialmente elaborado e a construção do próprio conhecimento. Isso deve ser feito de forma integral e inclusiva, visando à expressão livre de potencialidades e criatividade. Para isso, o processo de ensino-aprendizagem deve seguir um curso atraente e desafiador. Ele pode acontecer já na educação infantil. Também devem ser trabalhadas eventuais dificuldades ou áreas com desenvolvimento prejudicado. Esse atendimento educacional visa a atender as necessidades educacionais especiais, conforme previsto no documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, e deve ocorrer, como o mesmo documento orienta, “desde a educação infantil até a educação superior”.

Como preparar os professores para trabalhar com alunos superdotados, de forma a estimulá-los a desenvolver as potencialidades?

— Aos professores deve ser oferecida capacitação sobre as altas habilidades–superdotação para que os mitos que envolvem a área sejam substituídos por conhecimentos pertinentes e científicos. Seria um avanço, nesse quesito de capacitação, a educação superior, nos cursos de graduação, oferecer na grade uma disciplina sobre o tema, assim como formação específica para o atendimento educacional. Profissionais da área da saúde (pediatras, psicólogos), psicopedagogos e professores de todas as disciplinas deveriam receber formação para o atendimento a esses estudantes. Além disso, deveria haver formação continuada dos professores por parte das secretarias estaduais e municipais de educação e pelo próprio Ministério da Educação. Nos cursos de atendimento educacional especializado oferecidos pelo MEC, nos programas de formação de educação na diversidade e nos cursos privados há uma carga horária muito maior destinada às áreas de deficiência. Em números, os estudantes com AH-SD são a metade daqueles com deficiências. Além disso, a identificação e o atendimento aos estudantes com AH-SD é mais complexa.

Alunos com altas habilidades também são vítimas de bullying e de preconceito?

— Com certeza, muitos passam por essa experiência. Isso ocorre porque esses alunos apresentam interesses em assuntos que não são muito comuns para a idade. O pensamento divergente causa estranheza aos colegas e até mesmo aos professores. Esses estudantes também são muito sensíveis a temas sociais que se distanciem dos abordados pelo currículo escolar. Como a escola e a sociedade ainda estão despreparadas para lidar com as diferenças, o bullying tem sido frequentemente denunciado por esses alunos e seus familiares. O bullying chega a ser tão forte que, em alguns casos, os alunos com AH-SD escondem o desempenho para não ser identificados.

Qual sua opinião sobre os núcleos de atividades de altas habilidades–superdotação (Naahs) criados pelo MEC?

— Como instrumento de implementação da política educacional para esses alunos, são boas iniciativas, que deveriam ter mais apoio e cuidados em todos os sentidos. Deveriam existir no país 27 desses núcleos. Mas no 2º Encontro Nacional dos Naahs, de 11 a 13 de novembro último, em Foz do Iguaçu (PR), com o apoio do Conbrasd, não mais de 20 representantes, entre coordenadores ou participantes, estiveram presentes. Isso, apesar de o MEC ter enviado passagens e subvencionado um representante de cada núcleo. Sabemos que em muitos estados esses núcleos foram extintos ou não estão funcionando. Isso é realmente preocupante porque nesses estados não há nenhum atendimento a nossos alunos. Em outros, os Naahs funcionam acoplados a serviços de atendimento a alunos com deficiência, sem profissionais qualificados. Em outros, ainda, o atendimento é feito por profissionais sem a necessária qualificação.

Outra dificuldade é a localização dos núcleos nas capitais e, em duas delas, Belo Horizonte e Recife, subordinados à secretaria municipal de educação. Isso limita a atuação. Em estados como Amazonas e Maranhão, por exemplo, é humanamente impossível oferecer orientação ou atendimento no interior, o que compromete a eficiência. Sabemos que a grande maioria dos Naahs tem sérias dificuldades, como falta de recursos econômicos, materiais e humanos. Não raramente, falta apoio das secretarias de educação estaduais. Essa realidade inviabiliza o aumento do número de alunos identificados, hoje insignificante frente aos mais de 2,5 milhões de estudantes com AH-SD que deveriam estar identificados e sendo atendidos, de acordo com as estimativas mais conservadoras.

Outra questão importante é que as escolas particulares não atendem alunos com AH-SD. Alegam que a LDB estabelece, como “dever do Estado”, oferecer esse atendimento. De outra parte, alguns Naahs deixam de atender alunos da rede particular, com base em orientações contraditórias dos órgãos aos quais estão subordinados e do próprio MEC. É um equívoco. Os alunos com AH-SD também são sujeitos de direito e devem ser atendidos. Mas esta é a realidade que vivemos.

Quais os principais resultados dos eventos realizados em Foz do Iguaçu, no 2º Congresso Internacional sobre Altas Habilidades–Superdotação, no 10º Congreso Internacional sobre Superdotación, Talento y Creatividad, e no 6º Encontro Nacional do Conbrasd?

— Os resultados foram positivos, em termos de aprimoramento teórico e prático. Esses eventos vêm se constituindo em fatores de máxima relevância no país e no exterior. Tivemos palestrantes e participantes de 12 países diferentes (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Espanha, Irlanda, México, Peru, Portugal e Uruguai), que deram contribuições importantíssimas para a área, ao expor e compartilhar experiências. Certamente, todos saíram enriquecidos.

Durante o evento foi feita uma homenagem à professora Maria Helena Novaes Mira, pesquisadora pioneira da área, e criado o Prêmio Maria Helena Novaes, outorgado às comunicações orais que obtiveram nota 10 na avaliação dos membros da comissão técnico-científica dos eventos. Haverá continuidade nos próximos encontros nacionais do Conbrasd (EnCo). Também foi elaborada declaração, resultado das mesas sobre políticas públicas internacionais, que oferece recomendações para a melhoria do atendimento aos alunos com AH-SD. Ela será entregue aos ministérios de educação dos 12 países participantes.

Acesse a página do ConBraSD na internet

Acesse a página do Ficomundyt na internet

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