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JORNAL
Edição 128 - Escola e Comunidade
14/09/2016
 
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Ulisses Ferreira de Araújo (USP): “Relação entre escola e comunidade é uma das chaves para a melhoria da qualidade da educação”

"Educação é responsabilidade da escola, da família e da sociedade como um todo", diz Ulisses

Autor: Arquivo pessoal


Professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP) e do programa de pós-graduação em educação da mesma universidade, Ulisses Ferreira de Araújo considera a relação entre escolas e comunidade uma das chaves para a melhoria da qualidade da educação em todo o mundo, pois tira a escola do isolamento e estabelece pontes entre o currículo, a vida real e as famílias.

“Não existe educação de qualidade sem que esse vínculo seja estabelecido, pois educação é responsabilidade da escola, da família e da sociedade como um todo”, diz o educador, que foi consultor do Ministério da Educação para o programa Ética e Cidadania: Construindo Valores na Escola e na Sociedade, no período de 2003 a 2010.

Doutor em psicologia escolar e do desenvolvimento humano pela USP, Ulisses fez pós-doutorado nas universidades de Barcelona, Espanha, e de Stanford, Estados Unidos. Tem graduação em pedagogia e mestrado em educação. (Fátima Schenini)

Jornal do ProfessorQual é a importância de uma maior aproximação entre a escola e a comunidade na qual a instituição está inserida? Quem ganha com isso?

Ulisses Ferreira de Araújo — Essa relação entre escolas e comunidade é uma das chaves para a melhoria da qualidade da educação em todo o mundo, pois tira a escola do isolamento em que se encontra hoje em dia e estabelece pontes entre o currículo, a vida real e as famílias. Fechada em seus muros e trabalhando apenas os conteúdos de livros e apostilas didáticas, descontextualizados do universo em que as crianças estão inseridas, a escola, de forma geral, vem tendo um comportamento autista, que a deixa cada dia menos relevante para alunos e sociedade.

A saída encontrada por muitos é a de aproximar a família da escola, mas isso vem sendo feito de forma equivocada. Em geral, as famílias são chamadas às escolas para ouvir críticas a seus filhos ou para ajudar a resolver problemas de indisciplina com os quais os professores não conseguem lidar. Claro que isso não promove aproximação e que não é esse o sentido das relações entre escolas e comunidades.

Essa ideia de aproximar a escola da comunidade é uma tendência mundial?

— Modelos assim são vistos como naturais e estão disseminados na maioria das escolas dos países desenvolvidos. É assim que funcionam. Nos EUA, por exemplo, a participação dos pais em trabalho voluntário nas escolas é quase que uma obrigação, bem como o apoio da comunidade à escola. Assim, isso está introjetado, já. E é assim em vários países da Europa. Não existe educação de qualidade sem que esse vínculo seja estabelecido, pois educação é responsabilidade da escola, da família e da sociedade como um todo.

Que tipo de colaboração ou parceria pode ser feito entre a escola e a comunidade?

— Na perspectiva em que atuo, a escola deve promover o desenvolvimento de ações e projetos que, inter-relacionados, tenham uma dupla direção: para dentro e para fora da escola. Para fora da escola localizam-se as ações que promovem a articulação entre a ela e os espaços de aprendizagem de seu entorno. Assim, a partir dos projetos interdisciplinares e transversais iniciados em sala de aula, a escola pode se aproximar da comunidade externa, ao usar seus equipamentos e espaços como fonte de aprendizagem. Assim, promove-se o desenvolvimento de trilhas, mapas e roteiros. Professores e alunos são incentivados a levar a escola para fora de seus muros, com ações nas praças, ruas, equipamentos públicos, córregos etc. Em tais ações, são incorporadas as pessoas que convivem nesse entorno, como familiares, profissionais que trabalham nos equipamentos públicos, comerciantes e trabalhadores do bairro. Pode-se dar um passo grande em direção à construção de ambientes éticos que extrapolem a escola e envolvam a comunidade de seu entorno próximo. Com papel, caneta, filmadora, máquina fotográfica digital e gravador de voz, os professores e estudantes podem organizar excursões pelas ruas da região da escola, observando e registrando a realidade local. Tais observações, no entanto, não são livres, mas pautadas pelos estudos e conteúdos de ética e cidadania trabalhados nos projetos em sala de aula.

Para dentro da escola há ações pautadas na pedagogia de projetos, incorporados os princípios de transversalidade e interdisciplinaridade e estimuladas reflexões sistematizadas sobre o que foi problematizado, observado e registrado nos espaços externos. Os conteúdos relacionados ao entorno são incorporados nas aulas das disciplinas específicas e em outros momentos de natureza transdisciplinar. Nessa concepção, as disciplinas específicas passam a ser vistas como ferramentas para o estudo e compreensão de questões relacionadas à vida e aos interesses da comunidade.

A chave para promover esse trabalho é a instituição do que chamamos de fóruns da escola e comunidade. Esses fóruns têm como papel essencial articular os diversos segmentos da comunidade escolar, com a participação de representantes docentes, discentes, de servidores, das famílias, de líderes comunitários e representantes da comunidade, como comerciantes e moradores. As reuniões do fórum devem ocorrer ao menos uma vez no semestre, com duração de duas a três horas, e ter, dentre seus objetivos, a definição coletiva de temáticas que pautem os projetos escolares e as relações com a comunidade durante os meses seguintes. Não há um único modelo para o desenvolvimento das reuniões do fórum, uma vez que cada escola deve adaptá-lo à sua própria realidade e interesses específicos. Mas em geral, sob a coordenação de um grupo de professores e alunos, pode-se iniciar as reuniões com uma palestra ou uma mesa-redonda sobre temáticas de ética e cidadania. Na sequência, pequenos grupos, pautados por questões suscitadas durante o momento inicial, levam para uma plenária final as propostas de temas a serem adotados pela comunidade escolar. Tais temas, como questões ambientais, situações de preconceito e discriminação etc., são a base para o desenvolvimento de ações e projetos que envolvam escola e comunidade.

Entre os temas que mais atraem seu interesse estão a educação comunitária e a educação em cidadania. Como formar professores capacitados nessas áreas?

— A formação de professores se dá na ação, fazendo, não apenas refletindo sobre os problemas. Aprender esse modelo educativo significa romper as amarras do imobilismo e se lançar a experimentar. Por isso, o caminho que sigo é o de incentivar as escolas a promover os fóruns. Geralmente, surgem resistências, devido à enorme quantidade de atividades que os professores e gestores já têm. E isso acaba servindo de desculpas para a escola seguir encerrada em seus próprios muros. A saída para isso é entregar a organização dos fóruns aos próprios alunos e a quem tenha interesse, tempo e energia. Dessa maneira, tendo os alunos como protagonistas do processo, com suas famílias, ONGs, igrejas e outras entidades da sociedade, a escola vai vencendo o isolamento. E o diálogo vai sendo construído de forma positiva e permanente.

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