05/03/2009
Mary Grace Martins (orientação)
Modalidad / Nivel de Enseñanza | Disciplina | Tema |
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Ensino Fundamental Inicial | Língua Portuguesa | Língua escrita: prática de produção de textos |
Ensino Fundamental Inicial | Língua Portuguesa | Língua escrita: prática de leitura |
O lixo
Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam.
- Bom dia...
- Bom dia.
- A senhora é do 610.
- E o senhor do 612
- É.
- Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente...
- Pois é...
- Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...
- O meu quê?
- O seu lixo.
- Ah...
- Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...
- Na verdade sou só eu.
- Mmmm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata.
- É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...
- Entendo.
- A senhora também...
- Me chame de você.
- Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim...
- É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas, como moro sozinha, às vezes sobra...
- A senhora... Você não tem família?
- Tenho, mas não aqui.
- No Espírito Santo.
- Como é que você sabe?
- Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.
- É. Mamãe escreve todas as semanas.
- Ela é professora?
- Isso é incrível! Como foi que você adivinhou?
- Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.
- O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
- Pois é...
- No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.
- É.
- Más notícias?
- Meu pai. Morreu.
- Sinto muito.
- Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.
- Foi por isso que você recomeçou a fumar?
- Como é que você sabe?
- De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
- É verdade. Mas consegui parar outra vez.
- Eu, graças a Deus, nunca fumei.
- Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo...
- Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou.
- Você brigou com o namorado, certo?
- Isso você também descobriu no lixo?
- Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel.
- É, chorei bastante, mas já passou.
- Mas hoje ainda tem uns lencinhos...
- É que eu estou com um pouco de coriza.
- Ah.
- Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
- É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
- Namorada?
- Não.
- Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
- Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.
- Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
- Você já está analisando o meu lixo!
- Não posso negar que o seu lixo me interessou.
- Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia.
- Não! Você viu meus poemas?
- Vi e gostei muito.
- Mas são muito ruins!
- Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.
- Se eu soubesse que você ia ler...
- Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
- Acho que não. Lixo é domínio público.
- Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?
- Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...
- Ontem, no seu lixo...
- O quê?
- Me enganei, ou eram cascas de camarão?
- Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.
- Eu adoro camarão.
- Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode...
- Jantar juntos?
- É.
- Não quero dar trabalho.
- Trabalho nenhum.
- Vai sujar a sua cozinha?
- Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.
- No seu lixo ou no meu?
Fonte: Disponível em http://literal.terra.com.br/verissimo/porelemesmo/porelemesmo_lixo.shtml?porelemesmo
Originalmente publicada em O Analista de Bagé. L&PM, 1981.
Nome | Tipo |
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Luis Fernando Veríssimo | Vídeo |
Quatro estrelas 9 calificaciones
Denuncia opiniones o materiales indebidos!
19/08/2012
Quatro estrelasÓtima aula! O texto é realmente incrível e as possibilidades de trabalhá-lo são infinitas. Gostaria de sugerir também uma parte extra: "O ESCRITOR AGORA É VOCÊ..." Os alunos poderiam: 1. criar o final de uma sugerida "história de amor" (Será que vai dar namoro depois do jantar?) 2. Você já observou o lixo de algum vizinho? O que descobriu sobre ele? Ou será que já pegou alguém remexendo o seu? Como foi a cena?
17/11/2011
Cinco estrelasMuito bom! Adoro essa história, porque, na verdade, já tinha lido na escola. Ela é excelente!
30/09/2011
Cinco estrelasA crônica é divertida e as ideias, do autor e do professor, são muito boas.
13/10/2010
Quatro estrelasAula interessante.e elucidativa.
02/10/2010
Cinco estrelasestava procurando algo do tipo, achei maravilhosa a sugestão, fiz algumas adaptações para as minhas turmas...
26/06/2010
Cinco estrelasRealmente esse é o caminho, disponibilizar o conhecimento, as informações, as introduções e depois partir para a prática.
24/03/2010
Cinco estrelasMuito apropriado - e atual - o tema dessa crônica do Veríssimo para trabalhar em sala de aula. Além das sugestões recomendadas, acrescento que reciclagem e conscientização para o uso racional de nossas riquezas naturais devem ser abordadas. Excelente.
24/03/2010
Cinco estrelasGostei do tema proposto. Acredito que não poderia ter sido melhor, pois o aluno aprende brincando e tendo interesse pela leitura! Parabéns!.
24/03/2010
Cinco estrelasSequência bem organizada. Excelente!