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JORNAL

Química Descomplicada

Quinta-feira, 4 de Julho de 2013

Edição 89

EDITORIAL - Química Descomplicada

Química Descomplicada é o tema da 89ª edição do Jornal do Professor. O tema foi escolhido por 38,93% dos leitores que votaram na enquete em nossa página.

Nesta edição, apresentamos experiências desenvolvidas por professores de instituições de ensino de Brasília (DF); Goiânia (GO); Itabuna (SP); Lavras (MG); e São Carlos (SP).

O entrevistado desta edição é o professor Márlon Herbert Flora Barbosa Soares, do Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás (UFG), coordenador do Laboratório de Educação Química e Atividades Lúdicas.

A professora Sandra Regina Damázio, do Secretaria Municipal de Educação de Ouro Verde (GO), participa da seção Espaço do Professor.

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

Seja bem-vindo!

 

Aprendizado fica mais fácil com representações teatrais

Integrantes do Ouroboros durante peça teatral

“Odeio química, química, química!" Talvez, se os professores de Renato Russo tivessem usado a criatividade do teatro para ensinar química no palco, a letra da música fosse outra. Desde 2004, uma iniciativa do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) tem despertado paixões por essa área do conhecimento. O Projeto Ouroboros de Divulgação Científica transforma temas científicos, explicados por fenômenos químicos, em encenações teatrais itinerantes pelo Brasil.

“Química é difícil mesmo, mas é possível aproximá-la dos alunos, quebrando essa má impressão e essa visão de disciplina vilã", garante a professora Karina Omuro Lupetti, que dirige o Núcleo Ouroboros da UFSCar desde 2005. Pátios de escolas, salões de igrejas, praças públicas e até mesmo salas de aula viram palco para os alunos-atores. Mais de 150 estudantes de graduação em química já foram formados pelo projeto de divulgação científica, que tem mais de 15 montagens teatrais com textos adaptados a públicos diferentes, da educação infantil à graduação.

O objetivo do projeto é aproximar a população em geral dos conhecimentos e do meio cultural vivido dentro das universidades. O próprio nome do projeto desperta curiosidade. Ouroboros é a representação de uma serpente ou dragão que morde a própria cauda. O nome vem do grego antigo e significa “aquele que devora a própria cauda". É um símbolo relacionado com a alquimia e contém as ideias de autofecundação, de eterno retorno. Uma das peças encenadas pelos estudantes faz referência aos alquimistas que buscam o elixir da vida eterna, o Santo Graal, que salvaria o lendário Rei Arthur.

Encontro — De 7 a 10 de agosto, será realizada na cidade serrana de Pacoti, a 95 quilômetros de Fortaleza, a sétima edição do Encontro Ciência em Cena de Teatro Científico. A organização do evento é do grupo Tubo de Ensaio, da Faculdade de Educação de Itapipoca da Universidade Estadual do Ceará (Facedi/Uece).

Além dos estudantes da UFSCar, participarão grupos de teatro de universidades do Ceará (UFCE), de São Paulo (USP) e de Portugal. As encenações serão gratuitas. A peça apresentada pelo Núcleo Ouroboros tratará do tema pecuária sustentável.

“Será um teatro de sombras, e os personagens viajarão pelos biomas, onde enfrentarão problemas como as queimadas e desmatamentos", explica Karina. Mas o que tem a química a ver com essas questões ambientais? “Costumo dizer que a ciência contextualizada muda a visão de mundo, cria uma mentalidade crítica. É uma alfabetização científica."

A química estará, por exemplo, nas falas dos personagens aos explicarem as reações dos gases do efeito estufa, a química que produz a eructação bovina (o popular arroto do boi) e o impacto disso na emissão de gás metano na atmosfera e, por consequência, no aquecimento global. Além das apresentações teatrais, os alunos-atores participarão de oficinas com temas variados envolvendo a química.

A empolgação pelo projeto de teatro é tanta que alguns ex-alunos continuam participando das peças como voluntários. É o caso de João Henrique Nunes, 24 anos, apaixonado pelas artes cênicas e também por ciências. “É uma oportunidade de juntar essas duas paixões em uma atividade que rompe os muros da universidade e leva conhecimento a diferentes públicos", avalia. “Cada apresentação, cada intervenção, cada bate-papo com os diferentes tipos de público gera crescimento e amadurecimento. Continuo no projeto porque, mesmo sendo eu quem supostamente deveria ensinar, ainda aprendo."

Desde 2006 no grupo de teatro, o estudante Tiago Martins Pereira, 30 anos, do quinto semestre de licenciatura em química pela Universidade Metropolitana de Santos (Unimes), pretende ensinar química nas salas de aulas do ensino fundamental e médio. “O teatro de química nas escolas abre possibilidade de absorver o conhecimento científico de forma lúdica”, diz o estudante. Ele se apaixonou pela matéria ainda criança, assistindo ao Mundo de Beakman, programa exibido pela TV Cultura entre 1994 e 2002, com abordagem divertida de conceitos científicos. “Gostava de misturar os produtos de limpeza em casa e, no ensino médio, uma professora me fez gostar ainda mais de química."

Efeitos — Em algumas das peças, os estudantes aprendem reações químicas para produzir fumaça e luminosidade. São efeitos visuais que aparecem no palco e despertam dúvidas e curiosidades na plateia. “Esses questionamentos podem ser trabalhados depois pelos professores em sala de aula”, sugere João Henrique. Ele diz que o teatro como método de divulgação científica está inserido no que é chamado de ensino não formal, que tem por objetivo corroborar o método formal. “O teatro traduz aquele conteúdo científico, tido como denso e desinteressante, em uma linguagem lúdica, que gera a curiosidade e a vontade de aprender mais sobre determinado conteúdo."

A professora Karina concorda. Segundo ela, doutora e pós-doutora em química, a linguagem artística do teatro deixa essa disciplina mais próxima do dia a dia dos alunos. “A contextualização ajuda a descomplicar a química. Os alunos precisam enxergar que a ciência, de modo geral, está inserida no cotidiano e tem inúmeras aplicações, que muitas vezes eles nem imaginam", acrescenta João Henrique, professor em cursinho pré-vestibular comunitário de São Carlos (SP). (Rovênia Amorim)

Saiba mais sobre o projeto Ouroboros

Atividades lúdicas são aliadas no processo ensino-aprendizagem

Alunos participam de jogo de tabuleiro

Professora de química há 12 anos, Eliana Moraes de Santana logo percebeu que as atividades lúdicas poderiam ser uma alternativa importante no processo de ensino-aprendizagem da disciplina. Ela passou a se identificar com a temática lúdica quando ainda era aluna de licenciatura em química. Logo começou a ler, pesquisar e adotar métodos próprios em suas aulas. Até hoje, mantém pesquisa sobre o uso de jogos e atividades divertidas no ensino de ciências, química e educação ambiental.

“No modelo tradicional, o aluno é sujeito passivo, reprodutor e repetidor do processo de aprendizagem”, diz. “Com as atividades lúdicas, ele se torna sujeito ativo, construtor de seu conhecimento.”

Professora de ensino fundamental e médio, Eliana trabalha no Colégio Estadual General Osório e na Escola Pio XII, em Itabuna, sul da Bahia, e no câmpus de Ilhéus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA). Neste, ela leciona a alunos do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).

Uma atividade criada pela professora — O Uso do Jogo Autódromo Alquímico como Mediador da Aprendizagem no Ensino de Química —, aplicada em turmas do nono ano do ensino fundamental da Escola Pio XII, serviu de tema para a dissertação de mestrado em ensino de ciências, modalidade química, na Universidade de São Paulo. No trabalho, segundo ela, a importância dos jogos e atividades lúdicas no processo de ensino e aprendizagem em química é apresentada e discutida em sua extensão para afirmar a relação íntima entre essas metodologias e as emoções existentes em cada aluno. Na visão de Eliana, a aprendizagem é facilitada quando os estudantes estão envolvidos emocionalmente no processo.

Em 2012, com o projeto Os Defensores do Meio Ambiente, a professora baiana conquistou o primeiro lugar em concurso promovido pela Sociedade Brasileira de Química (SBQ), na modalidade de atividades desenvolvidas com estudantes matriculados em turmas do terceiro ao nono ano do ensino fundamental. Hoje, com alunos do primeiro ao quinto ano da Escola Pio XII, ela executa o projeto Clube da Ciência: Levando Divertimento aos Experimentos. A proposta do trabalho é facilitar a alfabetização científica dos estudantes com o uso de experimentos, jogos, brincadeiras, dramatizações, filmes e outros tipos de atividades.

Superação — A vocação para a área de ensino de química surgiu como uma superação pessoal, quando Eliana ainda era aluna do ensino fundamental. “Não gostava da disciplina, achava que só servia para decorar fórmulas e fazer contas e não conseguia visualizar como a tabela periódica poderia fazer parte da minha vida prática”, relembra. Ela atribui o desinteresse de então à maneira de o professor ministrar as aulas. “Foi inevitável criar uma antipatia pela química e, consequentemente, fiz recuperação da matéria, considerada maçante naquele momento.”

A necessidade de estudar para passar de ano fez a então estudante passar a gostar do assunto. “Para superar as dificuldades, comecei a pesquisar e a perceber como era interessante e lógica aquela ciência”, revela. “Acabei me apaixonando pela química.”

Com a participação em eventos acadêmicos sobre o ensino de química, Eliane começou a observar as inovações e metodologias que tornavam mais agradável o ensino da matéria. “Não queria reproduzir em sala de aula o que me traumatizou no passado”, destaca. Interessada em contribuir para a atualização dos colegas, ela criou, no ano passado, o blogue Química Lúdica, que contabiliza mais de 22 mil acessos. “Sempre tento postar coisas novas, que contextualizem o ensino e tornem a química mais divertida para todos nós.” (Fátima Schenini)

Confira as páginas na internet do Pronatec; do câmpus de Ilhéus do IFBA e do concurso da SBQ

Blogue como ferramenta didática pode inspirar tese de mestrado

Professora Thaiza durante aula

Professora de química em Goiânia há 15 anos, Thaiza Montine Gomes dos Santos Cruz mantém o blogue Quimilokos, que funciona como extensão da sala de aula. “O professor não está o tempo todo com os alunos, nem todos os dias na mesma escola”, diz. “O blogue faz essa ponte com os alunos.”

No blogue, criado há oito anos, ela publica material relacionado ao conteúdo abordado em aula e compartilha vídeos e outros temas complementares. Licenciada em química, com especialização em ensino de química, Thaiza é aluna de mestrado no Programa de Ensino de Ciências e Matemática (MECM) da Universidade Federal de Goiás (UFG). “O uso do blogue como ferramenta didática no ensino de química e ciências é, em princípio, meu projeto do mestrado”, esclarece.

A convite da professora Cristiana Passinato, do Rio de Janeiro, Thaiza também participa do blogue Pesquisas de Química. O projeto de parceria inclui a professora Andrea Barreto, de biologia. “O interessante é que nunca nos encontramos pessoalmente”, afirma Thaiza. “Nós nos conhecemos pela blogosfera e é por ali que mantemos contato e tiramos dúvidas de nossos alunos e de quem quer que passe pelo blogue."

Professora no Colégio Estadual Jardim América, no Externato São José, no Colégio da Polícia Militar de Goiás, Unidade Ayrton Senna, e no Centro Universitário de Goiás, Thaiza percebe, em suas turmas de ensino fundamental e médio e de educação superior, dificuldades relacionadas a conteúdo abstrato, como modelos atômicos e distribuição eletrônica, por exemplo. Outros problemas detectados referem-se a cálculos matemáticos e raciocínio lógico, leitura e interpretação de textos de enunciados. Para tentar minimizar as dificuldades dos estudantes, ela desenvolve projetos que facilitem a proximidade com os alunos e deles com a química.

“Isso colabora para um maior rendimento em termos de nota e, o que para mim é o mais importante, em conteúdo e na vida pessoal e social”, destaca. De acordo com Thaiza, o aluno compreende o conteúdo, consegue associá-lo ao dia a dia e sabe quando e como usá-lo. Também aprende valores e diferenças, a respeitar o outro e a conhecer limites.

Entre os projetos desenvolvidos está o Química e Cinema - Elaboração de Curtas-Metragens no Ensino Médio: Usando o Cinema para Abordar Temas sobre Radioatividade em Sala de Aula. Em outro trabalho, H’ Química, a professora usa histórias em quadrinhos para ensinar radioatividade e outros conteúdos de química desenvolvidos no Colégio Jardim América. Os dois projetos foram convertidos na disciplina eletiva Química e Mídias e em um grupo denominado Clube dos Nerds e Otakus, que se reúne quinzenalmente.

“Não incentivo diretamente os alunos, mas eles percebem, nas aulas, um certo encantamento pela disciplina e acabam optando pelo curso”, revela Thaiza. Alguns de seus antigos alunos são hoje engenheiros químicos; outros, licenciados em química. “No Centro Universitário, cheguei a lecionar, no bacharelado, para ex-alunas minhas do ensino médio”, salienta. “Foi uma experiência gratificante.”

Alguns alunos do Colégio Jardim América farão vestibular para química no fim do ano. (Fátima Schenini)

Acesse os blogues Quimilokos e Pesquisas de Química

Laboratório na UnB atende alunos e professores da educação básica

Professor Roberto Ribeiro da Silva no LPEQ

Professores e alunos da educação básica têm um espaço à disposição na Universidade de Brasília (UnB) para participar de atividades de experimentação nas áreas de química e ciências em geral. É o Laboratório de Pesquisas em Ensino de Química (LPEQ), criado pelo professor Roberto Ribeiro da Silva, em 1993, com o objetivo de desenvolver estudos e pesquisas no ensino da disciplina.

O interesse pela química surgiu para Roberto quando ele cursava o ensino médio. “Tive professores que ainda estudavam no curso de química e souberam dar aulas que motivaram os alunos”, destaca. Bacharel em química, com mestrado e doutorado na área, ele é professor universitário desde 1969, com passagem também pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

O LPEQ recebe em torno de 1,5 mil visitantes por ano — aproximadamente 1.350 alunos e 150 professores —, provenientes de escolas públicas e particulares do Distrito Federal e de municípios vizinhos. No local, que funciona no próprio Instituto de Química, no câmpus Darcy Ribeiro, no Plano Piloto de Brasília, professores e alunos da educação básica têm oportunidade de participar de minicursos e oficinas e recebem assessoria para o desenvolvimento de atividades como a realização de exposições de ciências nas escolas. “Nossa função é, em parceria com esses professores, diagnosticar situações-problema e propor soluções possíveis e viáveis para as questões identificadas”, analisa Roberto.

Uma das contribuições do LPEQ tem sido a de incentivar a criação de salas-ambiente nas escolas, em lugar de laboratórios. “Em uma sala-ambiente de química ou de ciências os professores podem usar modalidades didáticas diferenciadas, tais como experimentos, aula teórica normal, projeção de vídeos e filmes, discussões em pequenos grupos, seminários, exposição de painéis etc.”, explica o professor. Ele destaca, além disso, o custo de montagem e manutenção de uma sala ambiente, bem inferior ao de laboratórios tradicionais.

“Na perspectiva de ensino em sala-ambiente, temos desenvolvido dezenas de experimentos simples e de baixo custo que podem ser usados também nas salas tradicionais das escolas”, esclarece. Esses experimentos incluem temas interdisciplinares e contextualizados, como atmosfera, água, alimentos, metais, energia e polímeros. No LPEQ ocorrem ainda experimentos voltados para temas disciplinares, como ligações químicas e interações intermoleculares, equilíbrio químico, cinética química, métodos de separação e estrutura da matéria, entre outros.

Visitas — O laboratório também é responsável pela promoção de palestras de divulgação científica para professores e alunos da educação básica, por meio do Projeto UnB Tour. As visitas semanais podem ser agendadas pelo telefone (61) 3107-6307.

Depois de 20 anos, o professor Roberto passou a coordenação do laboratório para as professoras Renata Cardoso de Sá Ribeiro Razuck e Patrícia Fernandes Lootens Machado, também do Instituto de Química da UnB. Os professores do DF e Entorno podem marcar atendimento pelos telefones (61) 3107-3814 (LPEQ), 3107-3903 (professora Renata) e 3107-3811 (professora Patrícia). (Fátima Schenini)

Bruno A.P. Monteiro (Ufla):“Novos professores devem aprender e reaprender constantemente”

Prof. Bruno Monteiro

O professor Bruno Andrade Pinto Monteiro recebeu o Prêmio Professor Rubens Murillo Marques, edição 2011, da Fundação Carlos Chagas — Incentivo a quem Ensina a Ensinar —, pela criação de uma nova disciplina para o curso de licenciatura em química: Espaços Não Formais de Educação em Ciências. O objetivo é incluir na formação dos professores a reflexão sobre o uso de espaços não formais no ensino de ciências, como museus e centros científico-tecnológicos.

Há dez anos no magistério, quatro dos quais com alunos do ensino médio, Monteiro é professor do Departamento de Química da Universidade Federal de Lavras (Ufla), em Minas Gerais. Sua atuação ocorre, principalmente, na formação de professores de ciências e de química e no mestrado em educação; no desenvolvimento e na inovação de material didático de ciências e química e em projetos de divulgação científica em museus e centros de ciência e tecnologia.

Com doutorado em educação em ciências e saúde pela Universidade de Aveiro, Portugal, e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele tem licenciatura em química e mestrado em tecnologia educacional nas ciências da saúde.

Jornal do ProfessorQuais as maiores dificuldades que os alunos enfrentam no aprendizado de química?

Bruno Monteiro — As clássicas deficiências formativas dos anos de escolarização anteriores: dificuldades em ler, escrever e interpretar; dificuldades com operações matemáticas básicas; despreparo dos docentes; falta de infraestrutura física nas escolas; falta de material didático adequado à realidade local.

Por que resolveu criar a disciplina espaços não formais de educação em ciências? Quais os principais conteúdos que dela fazem parte?

— Ao observar o contexto das práticas educativas empreendidas no âmbito das relações entre escolas e museus de ciências, centros de ciências e tecnologia, não é raro constatar a existência de diversas formas de relacionamento que variam entre atividades de cunho ilustrativo, a exemplo das visitas escolares, até a realização de abordagens didáticas planejadas por meio de interesses e objetivos comuns entre instituições. De qualquer modo, o argumento que buscamos construir advoga em favor de um tipo de relacionamento que seja abrangente e que ultrapasse a dimensão da visita ilustrativa, como um fim em si mesma, para uma intervenção que potencialize a inserção cultural e social dos atores envolvidos. A consequência preeminente dessa visão nos interpõe o grande desafio de vislumbrar a questão das relações possíveis entre escolas e MCCT como pauta do cenário de formação inicial e continuada de professores de ciências. Alguns estudos já sinalizaram a necessidade de se preparar os professores para utilização dos MCCT como um recurso pedagógico numa perspectiva que extrapola a mera visitação ilustrativa aos acervos dessas instituições.

A literatura da área de pesquisa em educação em ciências vem apontando que a constituição das relações, parcerias e colaborações entre o contexto escolar formal e os MCCT é um aspecto que deve ser levado em conta nas iniciativas que buscam promover inovações e agregar novas práticas no contexto da formação inicial de professores. A colaboração entre escolas e MCCT já pode ser vista como uma estratégia favorável para melhoria do letramento científico por parte do público escolar.

Entre os argumentos que reafirmam tal ponto de vista, destaca-se a visão de que os MCCT oferecem ambientes facilitadores da aprendizagem, uma vez que conjugam de múltiplas linguagens capazes de aguçar o interesse pela informação de forma mais profunda do que no ambiente escolar, ora centrado no modelo livresco e expositivo-oral do conhecimento. A partir dos argumentos apresentados, os quais, por sua vez, testemunham o início de um processo de inovação formativa, que se inaugura por meio da inserção do tema da educação não formal no contexto da licenciatura em química, construímos a proposta de uma intervenção didática que colocou em pauta o referido tema num momento singular da formação de um grupo de futuros professores. Ou seja, no último semestre do curso, no momento de finalização dos estágios supervisionados.

Sua atuação ocorre diretamente na área de formação de novos professores. O que os novos professores de química precisam saber e pôr em prática quando forem lecionar?

— É fundamental para os novos professores a disposição para aprender e reaprender constantemente; a ampliação do capital cultural, letramento e conhecimento geral; habilidades de liderança e para condução de trabalhos em equipes; habilidades para condução de projetos pedagógicos; habilidades para problematização do cenário escolar sob diversas perspectivas (gestão, avaliação, currículo, violência etc.); engajamento político e social e domínio conceitual.

Professora de Goiás faz acompanhamento pedagógico de aulas virtuais

Profa. Sandra no laboratório de informática

Com formação em pedagogia e em comunicação social (habilitação em relações públicas) e pós-graduação em Mídias na Educação, Sandra Regina Damázio está no magistério há 15 anos. Lotada, atualmente, na Secretaria de Educação do município de Rio Verde, no sudoeste de Goiás, ela exerce a função de multiplicadora do Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional (Proinfo Integrado), do Ministério da Educação.

“Faço o acompanhamento pedagógico das aulas realizadas no laboratório de informática das escolas da rede de ensino do município”, explica Sandra. Segundo ela, a busca pela qualificação profissional está cada vez mais presente na vida dos professores e dos demais profissionais. Assim, destaca, “cursos em ambientes on-line proporcionam momentos de exposição sobre assuntos relacionados às áreas de interesse e se tornam importantes para que ocorra a qualificação.”

De acordo com Sandra, o ambiente virtual é um espaço que utiliza a internet e permite diversas ações, além de proporcionar ao cursista a liberdade de executar seus compromissos com o curso matriculado conforme sua disponibilidade de tempo, horário e local.

Ela já participou de diversos cursos para professores, todos na modalidade semipresencial. Podemos citar, entre eles, os seguintes: Dinamizando com Competência, realizado em 2011; Projetos, em 2010; Introdução à Educação Digital, em 2008; e Ensinando e Aprendendo com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), em 2009. (Fátima Schenini)

Saiba mais sobre o Proinfo Integrado

 

 

Márlon Herbert Flora Barbosa Soares (UFG): “Lúdico em educação é alternativa viável e eficiente”

Professor do Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás (UFG) e coordenador do Laboratório de Educação Química e Atividades Lúdicas (Lequal), Marlon Herbert Flora Barbosa Soares acredita que o lúdico na sala de aula desperta o interesse dos estudantes. “Aprendemos melhor quando gostamos do que estamos a tentar aprender”, enfatiza.

Licenciado em química, com mestrado e doutorado em química, ele é orientador de alunos de mestrado e doutorado e pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Ensino de Ciências (Nupec) da UFG.

Seu grupo de pesquisa estuda todas as nuances relacionadas ao lúdico no ensino de ciências. “Nossos principais resultados mostram que o uso do lúdico em educação é uma alternativa viável e eficiente quando consideramos que nossos jovens precisam de mais ação em sala de aula”, avalia. Soares também coordena o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência do curso de licenciatura em química.

Jornal do Professor — É possível ensinar química de maneira descomplicada? Qual a influência do lúdico na aprendizagem?

Marlon Soares — Há várias maneiras. A primeira delas pressupõe que o profissional saiba química. Uma de nossas grandes preocupações como formadores é o futuro professor, que domina uma ampla base de conhecimentos pedagógicos e curriculares necessários para a prática docente, mas não sabe a química básica, que sai de um curso de química sem o mínimo necessário para exercer a profissão. Assim, se o profissional é plural, ou seja, movimenta seus saberes pedagógicos, curriculares e experienciais com o saber profissional de conteúdo, há uma grande chance de esse professor ser um descomplicador em sala de aula. Um profissional que se movimente entre todos esses saberes pode fazer uma série de proposições experimentais em sala de aula ou em um laboratório, utilizando reagentes alternativos, o que leva a uma experimentação de baixo custo, extremamente lúdica em sala de aula. Daí em diante, podemos citar ainda o uso de atividades relacionadas a gincanas, júris simulados, apresentações teatrais e jogos. Interessante notar que há por trás dessas propostas a ação em sala de aula. O adolescente deve ser retirado de sua atitude passiva em sala de aula para uma atitude de ação, movimento. Assim, um bom professor é o que promove a ação e movimenta todos os saberes docentes aliados a um conhecimento químico necessário para ousar e ensinar adequadamente uma química que seja de fato significativa em sala de aula.

Quanto ao lúdico na aprendizagem, podemos dizer que mexe com estruturas cognitivas antes adormecidas. Inicialmente, o lúdico em sala de aula desperta um interesse praticamente perdido em nossas escolas. Insistimos no termo “desperta”, pois o interesse é intrínseco ao ser humano e não pode ser criado — deve ser despertado. Assim, o primeiro aspecto positivo do lúdico está nesse despertar de características adormecidas nos alunos. Esse interesse, aumentado, propicia motivações diversas de ação em relação aos tópicos e conceitos, o que tem como consequência uma melhoria no aprendizado, considerando-se o fato lúdico de que aprendemos melhor quando gostamos do que estamos a tentar aprender. Como o jogo, o lúdico e tudo mais relacionado a esses termos são características humanas naturais, que nos caracterizam desde as primeiras fases infantis. Fica evidente em alguns aspectos que ensinar pelo lúdico pode trazer resultados satisfatórios a partir do momento que se alia aprendizagem e prazer. É assim na vida. Por que não pode ser assim na escola?

— Uma de suas áreas de pesquisa é sobre o tema Jogos e Atividades Lúdicas Aplicadas ao Ensino de Química. Quais as principais atividades desenvolvidas e os resultados mais importantes já obtidos?

— Nosso grupo de pesquisa estuda todas as nuances relacionadas ao lúdico em ensino de ciências. Temos estudos filosóficos e epistemológicos do uso dos jogos em educação, estudos de aplicações diretas de jogos e atividades lúdicas em sala de aula e, consequentemente, os resultados e análises dessas aplicações. Também estudamos de que forma o jogo pode vir a substituir as avaliações tradicionais na escola, o que nos parece um caminho promissor na aferição da aprendizagem. Nossos principais resultados mostram que o uso do lúdico em educação é uma alternativa viável e eficiente quando consideramos que nossos jovens precisam de mais ação em sala de aula. Já estabelecemos relações de aprendizagem pelo jogo com teorias de aprendizagem piagetiana, vigostkiana e freireana. O valor avaliativo de um jogo é bastante forte, tanto de maneira diagnóstica quanto formativa. Há uma série de outros resultados interessantes que podem ser vistos em dissertações e teses defendidas em nosso grupo de pesquisa.

— Quais as principais atividades desenvolvidas pelo Laboratório de Educação Química e Atividades Lúdicas da UFG, coordenado pelo senhor?

— Além do descrito acima, desenvolvemos uma série de jogos e atividades com professores da rede e orientamos alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado em diversas áreas do conhecimento. Temos um grupo sempre presente nas escolas de nível médio, públicas e particulares, com experimentos e jogos, além de orientarmos grupo de alunos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid). Temos presença forte no Pátio da Ciência da UFG — ambiente lúdico entre o Instituto de Química e o Instituto de Física —, com vários estandes sobre experimentos e demonstrações voltados para alunos de nível fundamental e médio. O laboratório conta com a coordenação também da professora Nyuara Mesquita.

O senhor desenvolve projeto de extensão que envolve a realização de atividades em escolas públicas aos sábados. Em que consiste esse projeto?

— Chamamos o projeto de Os Intocáveis e o Sábado Aberto. Escolhemos algumas escolas públicas, preferencialmente de periferia, e promovemos atividades de extensão, de acordo com o que pretende o professor. Temos palestras, cursos, experimentos alternativos e jogos diversos. Participam do projeto os dois coordenadores do laboratório, um aluno de doutorado, três de mestrado e mais quatro de iniciação científica. Os resultados obtidos estão relacionados à maior presença do aluno e de seus familiares na escola, considerando-se que a comunidade é convidada a comparecer. Além disso, a essa comunidade são ministrados, na escola, cursos sobre fabricação de detergentes alternativos e de sabão líquido. Outro resultado significativo é o índice de aprovação de alunos dessas escolas em vestibulares para o curso de química.

O senhor foi professor de química no ensino médio durante oito anos. Como aproveita essa experiência na formação de novos professores?

— Usamos a experiência de docente em nível médio para ilustrar várias situações possíveis de ocorrer em sala de aula, sejam elas relacionadas a conteúdo, ao relacionamento com o aluno, à estrutura da escola ou ao corpo diretivo e pedagógico, entre outros aspectos. Portanto, fica claro que o sujeito, para ser um bom formador de professores, tem de passar antes pelo nível médio. Precisa ter vivido aquela realidade para poder falar sobre ela. Se vamos ensinar o aluno a fazer um planejamento ou a preparar uma aula experimental para o segundo ano do nível médio, tal aspecto é facilitado se o saber pedagógico presente na disciplina estiver aliado ao próprio saber experiencial de ter vivido exatamente aquela situação. Em síntese: quer ser formador de professor? É importantíssimo que tenha sido professor no nível para o qual você quer formar o professor.

Quando e por que surgiu sua vocação para a área de química?

— Tive uma professora entusiasta da química em meu ensino médio. Por consequência, ela nos deixava também entusiasmados. Ela tinha visão global da química, de sua utilização, de sua caracterização como ciência e de sua importância na sociedade. Por causa dela, procurei ser o melhor professor possível, capaz de mostrar aos alunos a importância e a beleza da química. Tal aspecto mostra a importância do professor, não só de química, na escolha da profissão de nossos jovens.

O senhor teria algum conselho para os professores de química?

— Que estejam, antes de tudo, compromissados com a educação do Brasil. O resto é consequência. Daí, procurar sempre aprender mais, melhorar a prática docente com atividades alternativas, novos desafios. Enfim, fazer a diferença em sala de aula. É sempre isso que os alunos esperam. Para transformar os alunos, temos de nos transformar primeiro. Para formarmos cidadãos, temos de ser cidadãos primeiro. Educar é transformar. Transformar é educar. E, finalmente, façam porque gostam. Não façam nada que não seja satisfatório. Se não gostam do que fazem, não façam. Há sempre alternativas.