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JORNAL

Culinária e Aprendizagem

Terça-feira, 3 de Setembro de 2013

Edição 91

EDITORIAL - Culinária e Aprendizagem

Em sua 91ª edição, o Jornal do Professor aborda o tema Culinária e Aprendizagem. O tema foi o preferido de 40,91% dos leitores que votaram na enquete em nossa página.

Nesta edição, apresentamos experiências desenvolvidas por professores de instituições de ensino de Belo Horizonte (MG), Batatais (SP), Bagé e Canela (RS).

A professora Otília Maria Alves da Nóbrega Alberto Dantas, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) participa da seção Entrevista. A professora Michelle Coêlho Lima, de Itabuna (BA), está na seção Espaço do Professor.

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

Seja bem-vindo!

Química e biologia aplicadas na cozinha

Professora Adlane e participantes de uma oficina de ciências na cozinha

A receita do nosso pão de todo dia pode fazer milagres na sala de aula. Ao amassar os ingredientes com as mãos, estudantes compreendem que reações químicas e biológicas ocorrem no nosso cotidiano e podem ser apaixonantes. Juntar o microscópio e o fogão para oficinas de ciências na culinária é uma ideia da bióloga e professora de genética Adlane Vilas-Boas, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB–UFMG).

"Como eu gosto de fazer comidas simples e saborosas, e a cozinha aproxima as pessoas ao redor da mesa, quis popularizar a ciência pela culinária", explica Adlane, que tem mestrado em genética e biologia molecular pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutorado em genética pela University of British Columbia. Ao fazer o pão na cozinha da escola, segundo ela, o professor pode explicar mais facilmente conceitos de microbiologia, bioquímica e até conteúdos de física.

"É preciso aproveitar a curiosidade dos alunos ao redor de algo que todos gostam", ensina. Da mistura dos ingredientes ao pão assado, o aluno vê diante dele várias etapas de conhecimento científico — pode visualizar no microscópio as proteínas da farinha de trigo, que no movimento de sovar a massa passam por reações necessárias à formação do glúten.

E que substância é essa? É uma proteína responsável pela elasticidade da massa produzida com farinha de trigo. A professora Adlane dá a dica de lavar vagarosamente a massa do pão em água corrente. "O amido vai embora e sobra o glúten, que é uma substância emborrachada", conta.

Na biologia, o professor pode explorar o sistema nervoso, como funciona a química dos receptores para o gosto e o olfato. Sabe o cheirinho bom de bolo assado ou bife acebolado? Pois então, é um exemplo de química que os alunos desconhecem. "Em altas temperaturas, a mistura de proteínas e carboidratos resulta em moléculas voláteis, que vão para o ar e instigam o nosso olfato", explica Adlane.

Esse é o conceito da reação química de Maillard [Louis Camille Maillard, médico e químico francês (1878-1936)]. “Muitas pesquisas vêm sendo feitas atualmente tentando produzir sinteticamente a substância, que é produzida em altíssimas temperaturas e dá o gostinho bom do alimento”, ressalta a bióloga. Pela reação de Maillard, obtêm-se moléculas voláteis, que dão sabor, odor e cor aos alimentos, como, o dourado dos alimentos assados ou do bife frito.

Experimentação — Professor de química do Colégio Técnico da UFMG, Alfredo Luís Martins Lameirão Mateus diz que a culinária pode ser usada como atividade prática para experimentação e explorações. Se bem usada, segundo ele, pode levar o aluno a entender melhor como funciona a ciência, e ver a química como algo ao seu alcance, que acontece o tempo todo ao seu redor.

Como em química estudam-se os materiais e sua transformação, Mateus explica que para cozinhar é preciso conhecer as propriedades dos alimentos e controlar sua transformação até o ponto certo. "As coisas que acontecem no dia a dia são mais familiares, os materiais são em geral baratos e fáceis de conseguir, os experimentos são mais seguros — alguns são até comestíveis — e as pessoas em geral têm curiosidade sobre o assunto", comenta.

Quais, por exemplo, os fatores que afetam a velocidade de uma reação? O professor explica que é possível listar os fatores e pedir aos alunos que os memorizem ou criar situações em que eles mesmos explorem as reações e cheguem a conclusões. "Então, pode-se comparar o tempo de cozimento em diferentes temperaturas, com o alimento em pedaços grandes ou pequenos, fazer experimentos que lidem com a conservação dos alimentos e saber por que usamos a geladeira”, exemplifica Mateus, que tem mestrado em química pela Universidade de São Paulo (USP-SP) e doutorado pela Universidade da Flórida.

"O mundo da cozinha é um universo muito rico para a ciência", comenta a professora Adlane. A culinária está nas salas de aula também das universidades, em laboratórios onde se trabalham as ciências e as relações culturais. No microscópio, é possível ver o que ocorre no processo de levedura, a multiplicação celular. “É interessante observar o grão de amido, no início em grande quantidade, ir sumindo do microscópio à medida que o pão cresce porque o amido é transformado em açúcar, álcool e gás carbônico, que são aquelas pequenas bolhas."

O ciclo de aprendizagem na cozinha pode incluir ainda o sistema digestório e as reações químicas dos alimentos no organismo. "Boa parte dos alunos tem muita curiosidade pela ciência", afirma o professor Mateus. "Em uma situação mais informal, sem ter de memorizar fórmulas e realizar cálculos repetitivos, eles demonstram bastante interesse pelo assunto."

De acordo com o professor, basta ver o sucesso dos inúmeros vídeos sobre experimentos no YouTube. "A questão envolve tornar as aulas mais contextualizadas e tornar o aluno responsável pelo seu aprendizado, mais engajado na aula", salienta. Segundo ele, as aulas em que os alunos ficam passivos, só ouvindo o professor falar, têm tudo para dar errado.

No Portal do Professor do Ministério da Educação há conteúdos de ciência na culinária que podem ser aplicados em sala de aula. "A culinária é algo que permite trabalhar os conceitos a partir dos fenômenos, usar experimentos de forma mais investigativa e que engajem os alunos", acrescenta Mateus. (Rovênia Amorim)

Acesse o site do ICB-UFMG e do Colégio Técnico da UFMG

Receitas ‘adoçam’ aprendizado de português e matemática

Aluno com fatia de bolo na mão

No município de Canela, na Serra Gaúcha, professoras da Escola Estadual de Ensino Fundamental Carlos Wortmann adotam a culinária como mais um recurso de apoio ao aprendizado dos estudantes. Na visão da diretora da instituição, Kátia Regina Schütz Tomasini, a realização de atividades culinárias possibilita que os alunos levem seus conhecimentos prévios para a sala de aula, como por exemplo, as unidades de medidas presentes nas receitas familiares.

“Dessa forma os conceitos fazem mais sentido, dando vida aos conteúdos aprendidos”, defende a pedagoga, pós-graduada em gestão educacional. Ela está há três anos na direção da escola, que tem 186 alunos matriculados em turmas do primeiro ao nono ano do ensino fundamental.

Professora do primeiro ano, Giselle Bortoluzzi de Souza gosta de envolver a culinária com a matéria trabalhada em sala de aula, principalmente quando o tema é a introdução de letras do alfabeto. Ao desenvolver o projeto D, de doce, para ensinar essa letra aos alunos, a professora optou pela produção de brigadeiros. A compra dos ingredientes teve a colaboração dos pais.

Segundo Giselle, os alunos participaram de todo o processo de preparo dos doces, iniciado com a lavagem das mãos e colocação de toucas para passar às crianças noções básicas de higiene. Cada aluno pôde fazer oito brigadeiros — cinco foram embalados para levar para casa e três, degustados na escola. “Foi uma experiência significativa”, diz Giselle. “Eles ficaram felizes por levar os docinhos para casa.”

Para a professora, um trabalho como esse envolve várias disciplinas de maneira lúdica e significativa para todos os envolvidos. “Quando há significado no que fazem, os alunos aprendem melhor”, diz Giselle, graduada em pedagogia e há 18 anos no magistério.

Também adepta da culinária como forma de conteúdo pedagógico, a professora Evelin Hillig a adota nas aulas de matemática, ao abordar o tema frações. Uma das receitas usadas foi a do bolo conhecido como nega maluca. Os ingredientes foram levados por ela. “Sempre que usamos recursos diferentes em sala de aula, a aprendizagem torna-se mais significativa e o entendimento do conteúdo, facilitado”, avalia Evelin. Com licenciatura em matemática, ela dá aulas dessa disciplina a turmas do sexto e do sétimo anos e de ciências a alunos do oitavo e do nono anos. Também é regente de classe em turma do quarto ano do ensino fundamental.

Outro recurso culinário usado por Evelin foi a salada de frutas, preparada pelos próprios alunos. Cada grupo de estudantes ficou encarregado de levar um tipo de fruta. “Nas duas experiências, os produtos foram divididos na mesma proporção, de acordo com a quantidade de alunos”, explica.

Há 23 anos no magistério, ela é defensora também do uso de material concreto e de jogos nas aulas de matemática. (Fátima Schenini)

Acesse o blog da Escola Estadual de Ensino Fundamental Carlos Wortmann

Jantar quinzenal ajuda a reduzir a evasão em turno da noite

Professores José Henrique Barbieri e Elizabete Caseta

Um jantar, promovido nas noites de sexta-feira, a cada 15 dias, é o recurso adotado pela Escola Estadual Cândido Portinari, no município paulista de Batatais, para atrair os 120 alunos que estudam à noite, tanto na educação de jovens e adultos quanto no ensino médio regular. Com um cardápio variado e pratos preparados pelos próprios professores, em sistema de rodízio, o projeto Sexta-Feira é Dia de Jantar na Escola tem conseguido bons resultados.

"Estamos conseguindo diminuir a evasão e, ainda, revitalizar, de maneira simples, mas direta, nosso período noturno", avalia a idealizadora do projeto, Elizabete Fátima Caseta. Há 25 anos no magistério, a professora de língua inglesa teve a ideia do projeto ao constatar que um dos motivos da redução da frequência no período da noite, às sextas-feiras, era o fato de nesses dias não haver jantar na escola, somente lanche. "Muitos alunos vêm direto do emprego e não aguentam permanecer até o fim do período", diz.

Nas sextas-feiras em que há jantar, alguns professores cozinham enquanto outros ministram aulas diferentes, nas quais são discutidos temas transversais, exibidos filmes com teor pedagógico e simuladas situações de aprendizagem contextualizadas. Após a aula, os alunos são convidados a descer para o refeitório, envolvido por música ambiente. "Os jantares costumam ser bem animados" avalia a professora.

Os pratos são sugeridos pelos próprios alunos, e os ingredientes, adquiridos por meio de parceria entre professores, prefeitura, funcionários e estudantes. Para Elizabete, isso tem permitido maior entrosamento entre professores e alunos, além de criar elo de amizade.

O professor de história José Henrique Barbieri, que colaborou na implantação do projeto, constata que os alunos começaram a avaliar a unidade escolar de uma outra maneira e a perceber que a escola não os vê apenas como um número, mas como pessoas sempre em formação e dispostas a aprender. Para Barbieri, é necessário desenvolver ações pedagógicas que levem os estudantes a observar que são o alvo principal do trabalho da escola.

De acordo com Barbieri, o compartilhamento de atitudes coletivas resgata a importância que o ambiente e o trabalho realizado pela escola significam no cotidiano do aluno. "Não é apenas o jantar, mas a cada fase do projeto, os alunos têm atividades diferenciadas, como filmes, palestras, dinâmicas de grupo e outras de integração de toda a comunidade escolar do período noturno”, enfatiza o professor, com 25 anos de magistério. “Tão importante quanto fazer é fazer com carinho, dedicação e comprometimento."

Melhorias — Segundo a coordenadora pedagógica do ensino médio, Andréa Biagi, a implantação do projeto resultou em várias melhorias. "Além de fortalecer a relação entre professores e alunos, a expectativa por assistir a uma aula diferente, ministrada com a visão de mais de um educador, às vezes fora do ambiente da sala de aula, tem despertado a curiosidade dos educandos", salienta. Na análise da professora, o fato de os alunos serem atraídos à escola às sextas-feiras contribui para a diminuição da evasão.

O aumento significativo da presença dos alunos nesses dias foi observado também pela professora de biologia Maria Tereza Corrêa Garcia, 21 anos de magistério. Em um dos jantares, ela ajudou a preparar uma macarronada e também a organizar o local após a refeição.

"A escola é de todos e para todos, e é nossa função transformá-la num local onde aprendemos conosco mesmo", destaca a diretora, Solange Navarro Fabbri. Há 23 anos no magistério, sete dos quais na direção, ela reconhece que o projeto motiva os estudantes e faz aumentar a frequência, com resgate dos que estavam ausentes e retornaram à escola ao saber das atividades nas noites de sexta-feira. (Fátima Schenini)

Acesse o blogue da EE Cândido Portinari

Preparação de alimentos serve de base ao ensino de química

Três mulheres na cozinha

No município gaúcho de Bagé, a culinária serviu como apoio ao ensino de química a alunos do período noturno da Escola Estadual de Ensino Médio Silveira Martins. O projeto Química na Cozinha foi desenvolvido no primeiro semestre de 2011 com estudantes da educação de jovens e adultos durante estágio supervisionado da então estudante Milena Severo Esmério, do curso de licenciatura em química da Universidade Federal do Pampa (Unipampa).

O projeto parte da ideia de que a culinária oferece possibilidades de exploração em sala de aula. De forma lúdica, é possível ensinar conteúdos variados de disciplinas como matemática, por meio de medidas ou frações; língua portuguesa, com as receitas de pratos; história ou geografia, com a realização de pesquisas sobre o que se comia em determinadas épocas e quais os pratos típicos de cada país.

Na execução do trabalho, de acordo com o professor Elenilson Freitas Alves, coordenador do projeto, foram aproveitados a vivência dos alunos e os fatos cotidianos para promover a aprendizagem e a construção do conhecimento químico por meio da elaboração e preparação de alimentos. No caso específico, os alunos prepararam bolos e maionese. "É possível trabalhar muitos conceitos químicos com base em produtos in natura ou seus derivados", diz Elenilson.

Como exemplo, o professor cita o cozimento de grãos, o uso de óleo comestível na preparação das refeições e o processo de manufatura de alimentos, desde a lavoura até a prateleira. "Dessa forma, é possível trabalhar conteúdos químicos como misturas, sistemas, propriedades das substâncias, ligações químicas e estrutura de compostos orgânicos, entre outros", ressalta. Ao observar a participação dos alunos nas atividades desenvolvidas ao longo do semestre, ele percebeu a ampliação no comprometimento com os estudos. "Por meio das práticas, da análise de textos, dos debates e discussões, os estudantes entenderam a importância dos conceitos de química", afirma.

Elenilson observa ainda que o tema gerador Química na Cozinha teve grande influência para que a aprendizagem fosse efetivada. "O assunto estava em pauta nas conversas dos alunos, principalmente por que eram pessoas experientes, que têm contato com a culinária no seu dia a dia", salienta. O professor percebeu também a melhora na compreensão dos conteúdos programáticos ensinados, o que se refletiu na elevação das médias.

"Os alunos precisam ser estimulados com novidades que os tirem da rotina, como trabalhos em grupo, que aproximem os conceitos teóricos aos do cotidiano, e aulas práticas, que favoreçam o processo de ensino-aprendizagem", diz o professor. Com licenciatura, mestrado e doutorado em química, ele é coordenador do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação. (Fátima Schenini)

Acesse a página do Câmpus Bagé da Unipampa

 

Abordagem de temas sociais torna aprendizado mais fácil

Professora Michelle Coêlho Lima

Há oito anos no magistério, a professora de química Michelle Coêlho Lima leciona no Centro Territorial de Educação Profissionalizante do Litoral Sul II (Cetep), em Itabuna, sul da Bahia. Apaixonada pela química, ela admite que nem sempre foi assim.

Quando Michelle cursava os anos finais do ensino fundamental, uma professora a deixou com medo tanto de química quanto de física. O trauma foi superado com a ajuda de outro professor. “Ele era excelente, e mostrava como os conteúdos químicos tinham importância e relação com o nosso cotidiano”, afirma. “Isso fez eu me apaixonar pela disciplina e querer aprender mais.”

Hoje, Michelle incentiva os alunos ao mostrar como a química está relacionada ao dia a dia. “Para melhorar o aprendizado, foco o ensino de química em temas sociais e ambientais, como água, lixo e alimentação, trabalhando bastante com leitura e interpretação de textos”, ressalta.

Segundo a professora, as maiores dificuldades dos estudantes, de modo geral, são relacionadas a cálculos, fórmulas e interpretação de textos. Eles também têm dificuldades em compreender a importância da química e a relação da disciplina com o cotidiano. Na sala de aula, Michelle procura promover atividades experimentais, com material simples e de fácil aquisição.

Com a professora Margarete Correia, antiga colega de trabalho, Michelle desenvolveu projeto que deu origem a duas cartilhas sobre o ensino de química. O material tem o lixo como tema. “Os resultados obtidos foram ótimos”, salienta. “A maioria dos alunos envolveu-se no projeto e apresentou melhor compreensão do conteúdo abordado.” (Fátima Schenini)

Otília Maria A. N. A. Dantas (UnB): "A culinária é maneira concreta de aprender inúmeros conteúdos"

Professora Otília Dantas, da UnB

Graduada em pedagogia, com mestrado e doutorado em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Otília Maria Alves da Nóbrega Alberto Dantas é professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), onde atua também como chefe do Departamento de Métodos e Técnicas.

Otília desenvolve pesquisa, ensino e extensão na área de educação, com ênfase em pedagogia. Atua principalmente na abordagem de temas como formação de professores, didática, educação, pedagogia, ludicidade e construção do conhecimento. É pesquisadora-membro do Grupo de Pesquisa Aprendizagem Lúdica: Pesquisas e Intervenção em Educação e Desporto (Gepal) e do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação e Atuação de Professores-Pedagogos (GEPFAPe), entre outros.

Jornal do ProfessorQual a importância de o professor usar diferentes métodos e técnicas de ensino?

Otília Dantas — Todo professor carrega em sua prática um conjunto de métodos e técnicas de ensino que caracterizam o seu fazer docente. O método é o estilo de ensinar, a gestão do trabalho do ensino. Ou seja, o caminho que pretende desenvolver no ensino. Por exemplo, se o ensino será individual ou coletivo, se dialogal ou unidirecional. A técnica de ensino é a ação concreta do método. Um ensino individualizante pode ser realizado com técnicas de estudo dirigido ou provas. Sendo assim, já é possível perceber porque determinadas escolas desenvolvem certas práticas de ensino e não outras.

Tomando emprestado o pensamento da estudiosa brasileira Ilma Passos Veiga (2006), podemos entender que as técnicas de ensino, como componentes operacionais do método, podem servir às relações de dominação em sala de aula ou, ao contrário, de emancipação social, valorizando diferentes estilos de aprendizagem. Então, o professor com formação saberá utilizar adequadamente as diferentes técnicas de ensino, conforme a política expressa no projeto político-pedagógico da escola em que atua. Uma escola tradicional pode se propor a técnicas diferentes daquelas adotadas em uma escola construtivista. Nesse sentido, cada unidade de ensino se sustenta em métodos próprios de sua cultura escolar. Portanto, as técnicas de ensino, quando empregadas numa relação aberta entre professor e alunos, proporcionam atitudes de colaboração, responsabilidade e autonomia entre os estudantes.

Alguns professores usam a culinária para ensinar diferentes conteúdos, que incluem disciplinas variadas. Que disciplinas podem se beneficiar com esse recurso?

— Ensinar diferentes conteúdos, que incluem disciplinas variadas, representa um conceito importante no campo da pedagogia e da didática — a interdisciplinaridade. Não que seja apenas isso, mas se constitui também nesse movimento. Destacamos que os métodos e as técnicas de ensino são utilizados conforme a política implementada no ambiente escolar. Certamente, trabalhar de modo interdisciplinar demanda uma política emancipatória de construção coletiva do conhecimento. Para Ivani Fazenda (2003) a interdisciplinaridade é muito mais que o encontro entre disciplinas: é o grande encontro de homens e mulheres que habitam o território das disciplinas e que desejam ir para além dele, em direção a um conhecimento que possa fazer sentido para a história da humanidade. Para tanto, está constituída no tripé correspondente ao conhecimento (conteúdo), ao fazer (a prática) e ao ser (essência humana). Cabe ao professor interdisciplinar desenvolver práticas voltadas para o entrelaçamento dos conhecimentos, práticas e sentidos das diversas disciplinas no intuito de proporcionar situações-problema visando à construção do conhecimento no aprendiz. Então, a culinária é um dos vários temas que o professor pode trabalhar de modo interdisciplinar e promover a construção do conhecimento na criança.

Sobre isso, tenho um exemplo de estudo que desenvolvi com alunos do curso de pedagogia da UFRN (DANTAS, 2013). O estudo partiu dos questionamentos: como o ser humano constrói seu conhecimento? Em que medida as brincadeiras contribuem para o processo de aprendizagem dos infantes? Como explorar pedagogicamente a curiosidade da criança? Nesse estudo, pretendíamos compreender como ocorre a construção do conhecimento das crianças e como acontece a mobilização dos seus saberes e habilidades. Para tanto, realizamos uma oficina, a Fábrica de Doces, destinada a crianças entre 8 e 10 anos de uma escola pública de Caicó (RN). Na oficina, facilitamos a revisão de conhecimentos matemáticos (medidas, formas geométricas, etc.), habilidades e atitudes mediante a confecção de docinhos de leite. A oficina explorou simultaneamente os conhecimentos matemáticos apreendidos em sala de aula, bem como o desenvolvimento da motricidade fina, a interação, o estímulo, o autocontrole e a criatividade. Os resultados demonstraram que a construção do conhecimento tende a ocorrer muito particularmente em cada sujeito e que cabe ao professor explorar essas diversas capacidades, respeitando o estilo e o ritmo de cada aprendiz.

Uma conclusão é que a ênfase no ensino mediacional tende a facilitar a (re)construção do conhecimento pelo aprendiz. Sobre isso, publiquei essa experiência em livro que será lançado no final de novembro, com o título Aprendizagem Lúdica e suas Interfaces. A obra foi elaborada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Aprendizagem Lúdica (Gepal), vinculado ao programa de pós-graduação em educação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.

Portanto, o mais importante é que o docente saiba usar os inúmeros recursos, desde a culinária até corte e costura, por exemplo, para provocar nos alunos situações-problema que os levem a pensar, refletir, para solucioná-los, construindo ou reelaborando os conhecimentos.

A culinária pode ser usada desde a educação infantil até a superior?

— Sim. Vale destacar que eu me refiro ao concreto, e a culinária é uma maneira concreta de apreender inúmeros conteúdos. Na educação superior, especificamente em minha realidade de formadora de professores, considero que ensinar a se tornar professor demanda, de minha parte, apresentar aos formandos e futuros professores situações-problema que os levem a pensar a docência na atualidade, dentro do contexto de formação de cada licenciatura (matemática, geografia, história, inglês, português...).

Durante estudos sobre “identidade docente” pedi aos cursistas que entrevistassem um professor, a fim de conhecer um pouco de sua prática. Todos chegaram encantados na sala de aula porque “entenderam a realidade do trabalho docente”, o que não é simples como se pensa. Ouviram do entrevistado a realidade da profissão e o quanto ele a preza. Outra vez, trabalhando “planejamento”, pedi que visitassem a sala de aula daquele professor e, em seguida, elaborassem plano de aula para aquela turma. Ao retornarem à sala de aula, os cursistas apresentaram proposta de ensino na qual aproveitavam jogos de videogame para ensinar história; aulas de culinária para ensinar química: aula de música, com partitura, para ensinar matemática, etc.

Eles sempre concluem o quanto é difícil o trabalho docente e que não pode ser qualquer um, sem formação própria, a assumir aquela função, e a formação é o que proporciona a segurança e o saber da profissão. A docência está comparada a um iceberg. O leigo enxerga apenas uma pequena parte e limita-se a essa parte. Somente o profissional da docência conhece a arquitetura completa do iceberg. Ou seja, do trabalho docente.

Quais os principais benefícios que a culinária pode trazer para os alunos?

— Por tudo que já conversamos até aqui, estou tomando a culinária como um exemplo de recurso didático para desenvolver a prática de ensino. Na oficina Fábrica de Doces que realizamos com crianças entre 8 e 10 anos, pudemos comprovar o quanto atividades diferentes provocam aprendizagens lúdicas e ajudam os aprendizes a solucionar diversas situações-problema que a atividade suscita. Nessa oficina, uma criança, questionada sobre a simetria de uma colher, propôs outro modo de resolução da situação-problema: se cortássemos a colher na sua largura, estaríamos enxergando-a assimetricamente. Enfim, todo recurso — especificamente, a culinária — pode ajudar bastante na consolidação dos processos de ensino e de aprendizagem. A prática da culinária pode promover aprendizagens mediante os sentidos, o exercício da cidadania, a ética, conhecimentos matemáticos, químico-físicos, geográficos, históricos e culturais, além de promover boas relações interpessoais.

As instituições de educação superior brasileiras preparam os alunos de licenciatura para usar a culinária como recurso didático? Como isso ocorre na UnB?

— Estou considerando a culinária como prática de ensino mediadora de aprendizagem, como tenho dito desde o início. Considero fundamental que a formação docente em nível superior (licenciatura) use a relação teoria-prática. As diretrizes curriculares para os cursos de licenciatura determinam que os estágios supervisionados e a relação teoria-prática sejam garantidos aos formandos no decorrer da formação. Na UnB, há uma preocupação acerca de se formar profissionais pedagogicamente inseridos no contexto da profissão, sensibilizados com os processos de ensino e de aprendizagem, sem perder de vista os problemas sociais e o avanço científico e tecnológico. Todavia, a iniciativa ainda é tímida. Não recomendo uma formação de professores em nível superior que valorize mais a prática (técnicas de ensino, por exemplo) do que a teoria pautada no excessivo uso de técnicas e próxima do senso comum, produzindo a supervalorização da técnica sobre a teoria. Essa luta, nós professores da UnB, temos travado no decorrer dos anos através das mobilizações nacionais como está registrado nos meios de comunicação mundiais.

Referências

DANTAS, O. M. A. N. A. Brinquedos, brincadeiras e construção do conhecimento: edificando o conhecimento matemático na criança. In: DANTAS, O. M. A. N. A. Et al. Aprendizagens lúdicas e suas interfaces. (no prelo), 2013.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade: qual o sentido. São Paulo: Paulus, 2003. DANTAS, 2013.

VEIGA, I. P. A. (org.). Técnicas de ensino: novos tempos, novas configurações. Campinas: Papirus, 2006.