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JORNAL

Estímulo à Matemática

Quarta-feira, 25 de Setembro de 2013

Edição 92

EDITORIAL - Estímulo à Matemática

Em sua 92ª edição, o Jornal do Professor aborda o tema Estímulo à Matemática, escolhido por 58,25% dos leitores que votaram na enquete em nossa página.

Apresentamos, nesta edição, experiências desenvolvidas por professores de Buritizeiro (MG); Dourados (MS); Itabaiana (SE); Natal (RN) e Terra Boa (PR).

O participante da seção Espaço do Professor é André Magri Ribeiro de Melo, da Escola Municipal Adalberto Nobre de Siqueira, em Ipanguaçu (RN). A entrevistada é a professora Miriam Cardoso Utsumi, do Departamento de Matemática do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, câmpus de São Carlos.

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

Seja bem-vindo!

Aprendizado ganha interesse com versos e paródias musicais

Professora Lúcia e alunos na sala de aula

Ao observar alguns alunos que sempre cantarolavam durante as aulas, a professora de matemática Maria Lúcia Faria Barbosa teve a ideia de convencê-los a cantar temas referentes à disciplina. Como tem facilidade para fazer versos, resolveu unir o útil ao agradável. Assim, desde 2010, ela insere temas matemáticos em paródias musicais, com receptividade entre os estudantes.

Com licenciatura plena em matemática e oito anos de magistério, Maria Lúcia leciona na Escola Estadual Prefeito José Maria Pereira, no município de Buritizeiro, no norte de Minas Gerais. Ela atende turmas do sexto ao nono ano do ensino fundamental e presta apoio ao ensino médio. Na época em que passou a adotar paródias musicais, trabalhava também na Escola Estadual do Bairro Cidade Jardim, no vizinho município de Pirapora.

Na primeira paródia, ela adaptou Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, ao conteúdo da regra dos sinais. "Os alunos viviam cantando pelo pátio da escola e até em aulas de outros professores", afirma. Entusiasmada, a professora compôs uma música, Equação, que obteve sucesso ainda maior entre os estudantes. "Eles saiam cantando pelas ruas e em casa. Até os irmãos menores aprenderam a cantar", revela.

Maria Lúcia criou ainda canções sobre temas como tabuada, porcentagem, raiz quadrada e geometria. Ela usa temas musicais também para descontrair os alunos quando as aulas se tornam cansativas. "A música é como uma injeção de ânimo, composta de alegria e prazer, que abre horizontes e desperta, levando o aluno a fazer as atividades com vontade", avalia. Com melodias, ela aproveita para ensinar conteúdos mais complexos e de importância no dia a dia. "Eles aprenderam a gostar de matemática. E quando gostam de um conteúdo, se esforçam para aprender", destaca.

De acordo com a professora, os estudantes ficaram mais prestativos e entusiasmados e fazem as atividades sem precisar de cobranças. "Descobriram a arte de aprender matemática com alegria e prazer. Assim, ficam felizes, e eu, mais ainda", salienta.

Os alunos que mais davam trabalho foram os primeiros a decorar as músicas e até a inventar passos de dança para acompanhar as melodias. "Com isso, têm passado de piores para os melhores no aprendizado", acrescenta Maria Lúcia. Alguns até inventam as próprias músicas e paródias. A professora já lançou dois livros de poesias, o que tem servido de motivação para os estudantes também criarem seus versos.

Entusiasmo — Para a diretora da escola, Sônia Queiroz Marques, a iniciativa de Maria Lúcia resultou em aumento no percentual de alunos que gostam de matemática e na melhora nas notas. "A aula da professora é prazerosa e envolvente", destaca. "Por meio da música, ela tem entusiasmado os alunos, levando-os ao enriquecimento do aprendizado."

Sônia tem licenciatura plena em geografia, com pós-graduação em metodologia do ensino de geografia. Há 25 anos no magistério, ela atua há cinco na direção da escola, que atende 720 alunos da educação básica e também da técnica do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). (Fátima Schenini)

Estímulo de professor ajuda a decidir a vida do estudante

Professor José Mílton na sala de aula

O professor José Milton Melo é sempre lembrado pela doutora em matemática Ana Maria Menezes como o grande responsável por seu interesse pela disciplina. O encontro inicial ocorreu quando ela cursava o nono ano (antiga oitava série) do ensino fundamental no Colégio Estadual Murilo Braga, no município de Itabaiana, região central de Sergipe, e prosseguiu durante todo o ensino médio.

"Sempre tive certa facilidade em matemática, mas até conhecer o professor Milton, eu não tinha noção de quão bonita ela é", diz Ana Maria. "Ele sempre me estimulava a ir além no estudo da matéria e passava problemas interessantes e desafiadores", salienta. Ela avalia as aulas do professor como motivadoras. “Ele gostava de explicar o porquê das coisas."

Ana Maria é doutora em matemática pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Ela recorda que José Milton tinha mais confiança no potencial da aluna do que ela própria. "Sem seu estímulo, sem suas aulas esclarecedoras e motivadoras, não sei se eu teria feito a graduação em matemática", afirma. "Quando eu disse a ele que iria fazer o curso, ele ficou muito feliz e me aconselhou a seguir em frente, não parar na graduação."

Com licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe e mestrado pela Universidade Federal de Alagoas, Ana Maria faz pós-doutorado na Université Paris-Est Marne-la-Vallée, na França, com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). "Um bom professor pode mudar completamente a vida de um aluno, como o professor Milton mudou a minha", diz. Ela pretende conciliar o trabalho de professora com o de pesquisadora.

Na visão de Ana Maria, o professor que demonstra pouco entusiasmo pela disciplina, deixa de explicar a razão das coisas, só apresenta fórmulas e obriga o aluno a resolver equações sem entender para que servem torna a aula realmente desinteressante. "Esse professor não está fazendo o seu papel, que é de mostrar a beleza e a importância da disciplina e motivar o aluno a continuar e aprofundar os estudos", enfatiza. "Um professor estimulado, que gosta do que faz, e tem prazer em ver os alunos aprendendo pode passar essa energia aos estudantes e atrair o interesse deles para a disciplina."

Diálogo — Professor da educação básica das redes pública e particular de ensino de Sergipe desde 1997, José Milton defende a importância do diálogo entre professores e alunos. Ele salienta que o professor precisa despertar a capacidade que os estudantes têm para crescer a partir do conhecimento. "Costumo, ao conversar com os alunos, mostrar que eles têm muita capacidade. Basta acreditarem em si próprios para superar as dificuldades e traçar um objetivo", explica.

É importante, de acordo com José Milton, que o professor estimule os alunos e que a família e a comunidade escolar participem desse processo. "Em um trabalho conjunto, as deficiências podem ser superadas, e o estudante tem como se preparar para absorver o conhecimento que levará por toda a vida", destaca.

Licenciado em matemática, com pós-graduação em educação matemática, José Milton é professor do curso pré-vestibular da rede pública em projeto desenvolvido pela Secretaria de Educação do estado. (Fátima Schenini)

Competição ajuda estudantes a entender importância e utilidade da matemática

Alunos participam de jogo de matemática na sala de aula

Um torneio de matemática faz parte dos recursos adotados pela Escola Estadual Ministro João Paulo dos Reis Veloso, de Dourados (MS), desde o início dos anos 1990, para estimular o interesse dos estudantes pela disciplina. A competição, chamada de Tornemática, envolve turmas desde o sexto ano do ensino fundamental até o terceiro do ensino médio.

O torneio foi criado para despertar nos alunos o gosto e o prazer pela matemática, além de desmitificar a matéria e mostrar sua importância e utilidade na solução de problemas do cotidiano. "Os alunos aprendem a olhar a matemática de uma maneira diferente, passam a vê-la além de fórmulas e decorebas e também se desprendem do livro didático", enfatiza o diretor da instituição, José Carlos Severiano de Souza. "Projetos como esse contribuem para despertar no aluno um olhar diferenciado pela rainha das ciências, que na maioria das vezes é rotulada como algo distante e impossível de ser alcançado."

Com licenciatura em matemática, pós-graduação em educação matemática e em gestão escolar, Souza tem experiência de oito anos como professor de matemática no ensino médio e de nove anos na direção.

A Tornemática é realizada em duas fases. Na primeira, os estudantes passam por avaliação individual, de acordo com o ano (ou série). Na segunda, as questões são respondidas coletivamente. Cada equipe é composta por sete alunos, um de cada série. São premiados um estudante por série e as três equipes mais bem colocadas. Os três melhores alunos recebem prêmios especiais e o campeão geral, um notebook.

A avaliação contém 20 questões que têm como prioridade aferir o raciocínio lógico, sem preocupação com o domínio de regras ou fórmulas. "Observamos que nem sempre aqueles alunos que tiram as melhores notas se sobressaem nesse tipo de avaliação", ressalta o diretor.

Ampliação — Criada como uma disputa interna, a Tornemática foi ampliada a partir de 2010, por iniciativa do diretor. Ele abriu espaço para a participação de outras escolas e transformou a atividade em competição municipal. "Com a ampliação, firmamos parceria com a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) para que acadêmicos e professores formulem as questões para a prova", revela.

Outra parceria foi firmada com a Secretaria de Educação do estado para o patrocínio do projeto. “Todos os anos, criamos um logotipo diferente e confeccionamos camisetas do torneio”, diz Souza. "O logotipo é criado pelos alunos." (Fátima Schenini)

Acesse o blog da EE Ministro João Paulo dos Reis Veloso

 

Jogos são opção para ampliar a concentração dos estudantes

Professora Marilena Benetão na sala de aula

Ao observar que alunos das turmas de sétimo ano do ensino fundamental apresentavam dificuldades de concentração nas aulas de matemática, Marilene da Cunha Benetão decidiu fazer experiência com jogos relacionados ao conteúdo abordado. Professora da Escola Estadual Professor Léo Kohler, em Terra Boa, município do noroeste paranaense, ela desenvolve projeto de jogos matemáticos desde 2008.

“Os jogos configuram uma ótima alternativa para estimular a aprendizagem, pois desenvolvem habilidades e potencializam a autonomia dos pensamentos”, diz Marilene. Para a professora, eles também ajudam a aumentar a autoconfiança e a capacidade de organização, concentração, atenção, raciocínio lógico dedutivo e o senso cooperativo dos estudantes. “Essas habilidades são muito importantes na aprendizagem”, afirma.

Em sala de aula, os jogos contribuem para o desenvolvimento do raciocínio lógico e ajudam os estudantes a melhorar a coordenação motora, ter maior participação nas atividades conjuntas, desenvolver a capacidade de ouvir e respeitar a criatividade de cada participante, de expressar ideias e fazer questionamentos. Segundo Marilene, as regras impõem a disciplina na sala de aula e o respeito entre os colegas. “Cada um tem a sua vez de participar e se integrar ao grupo.”

Trilha, Batalha Naval, Bingo da Tabuada e Dominó das Quatro Operações são os jogos mais usados. Os próprios estudantes confeccionam as peças, com material como cartolina, papel sulfite, pincel atômico e borracha colorida. Outra opção é o Tangram, um quebra-cabeça com sete peças que possibilita a formação de várias formas ou figuras.

“Ao trabalhar com materiais concretos, percebo que os educandos prestam mais atenção, interagem com os colegas e assimilam melhor o conteúdo”, analisa a professora. Graduada em ciências, com habilitação em matemática e química, Marilene tem especialização em pedagogia escolar e em educação especial. Há 20 anos no magistério, atende atualmente a quatros turmas do sétimo ano e a três do nono.

Na visão do diretor da escola, Alaércio Cesar Balan, os jogos em sala de aula proporcionam melhoria na atenção, no raciocínio lógico e nas habilidades: “A disciplina torna-se prazerosa”, avalia. Para ele, os jogos possibilitam aos alunos encontrar equilíbrio entre o real e o imaginário e ampliar conhecimentos. Há 12 anos no magistério e há cinco no exercício da direção, Balan é graduado em educação física, com especialização em gestão, supervisão e orientação educacional. (Fátima Schenini)

Jogos e objetos tecnológicos dão reforço ao aprendizado

Aluno observa imagem no computador

No período de dois anos em que trabalhou na Sala de Recursos da Escola Municipal Profª Maria Cristina Ozório Tavares, em Natal, a professora Marta Gomes das Neves usou diversas tecnologias e jogos voltados para o aprendizado de matemática. Entre eles, a atividade pedagógica Fazenda Rived e os jogos Tux of Math Command, Feche a Caixa e Montando o Tangram.

“Com os recursos, as crianças puderam aprofundar o aprendizado”, salienta a professora. Ela destaca também a realização de trabalhos em grupos e a prática de atitudes de cordialidade e de solidariedade. Marta leciona a turmas de segundo ano do ensino fundamental em duas escolas municipais. Mesmo sem ter agora a oportunidade de adotar os jogos nas aulas, ela os considera de grande importância. “Todos brincam, competem e aprendem”, destaca.

Há 30 anos no magistério, Marta tem graduação em pedagogia e pós–graduação em psicopedagogia e em atendimento educacional especializado. O conhecimento e o acesso a jogos virtuais ocorreram em cursos na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e em pesquisas no Portal do Professor do Ministério da Educação.

“A Escola Maria Cristina busca formas eficientes para tornar o aluno interessado, capacitado e estimulado a usar os conhecimentos matemáticos presentes no cotidiano, construindo uma dinâmica entre a teoria e a prática, entre o concreto e o abstrato, através de jogos diversos”, diz a diretora da unidade de ensino, Maria de Fátima da Silva. Segundo ela, os resultados desse trabalho podem ser observados no bom desempenho dos alunos nas demais áreas do conhecimento, bem como em suas atitudes com relação ao cumprimento das regras da escola.

Com pós-graduação em educação infantil, Maria de Fátima tem 27 anos de magistério, seis dos quais na direção da escola, que atende 704 alunos em turmas do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental. (Fátima Schenini)

Formação do educador passa pela formação de leitores

Professor André segura igreja feita de isopor

O professor André Magri Ribeiro de Melo leciona língua e literatura portuguesa na Escola Municipal Adalberto Nobre de Siqueira, na área rural de Ipanguaçu, município potiguar a 200 quilômetros de Natal. Admirador e incentivador da leitura, ele atua também como coordenador municipal de leitura e ensino. Este ano, o foco de suas ações está no magistério, com o projeto Formando Leitores, Formando Professores.

André também está à frente do Grupo de Estudos em Educação e Literatura (Geeli) de Ipanguaçu. "As ações com as quais tenho contribuído estão intimamente ligadas à formação dos meus colegas professores", ressalta. Um exemplo nesse sentido é o curso de formação continuada Mediadores de Leitura: uma Ponte Entre o Leitor e o Texto, que tem atendido cerca de 50 profissionais da educação básica. Os professores são auxiliados quanto a práticas efetivas de mediação literária em sala de aula.

Outra ação é o seminário Ler Faz Crescer, que reúne pesquisadores das instituições de educação superior da região do Vale do Açu e do Nordeste em geral. O propósito, segundo André, é que eles possam compartilhar pesquisas com os educadores a fim de ajudá-los a melhor atrair os estudantes com o texto literário.

"No que concerne ao campo dos estudantes, o trabalho que tenho realizado tem sido organizado em oficinas de vivência literária, realizadas em todas as escolas da rede municipal de ensino", explica o professor. Os encontros dão prioridade à formação literária das crianças e adolescentes do ensino fundamental. "O trabalho resulta na apresentação da literatura às comunidades, ocasião em que autores como Drummond, Cecília Meireles, Clarice Lispector e Vinícius de Moraes ganham as ruas e praças dos quatro cantos da cidade e das comunidades", ressalta André, que cursa o sexto período do curso de licenciatura em letras vernáculas na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

"O desafio de formar leitores já era grande. Agora, como formador de professores mediadores de leitura em suas salas de aula, tenho vivenciado cada vez mais o sentido pleno da educação: a transformação de pessoas", destaca o professor, que já recebeu diversos prêmios por projetos pedagógicos desenvolvidos na escola. Entre eles, está o primeiro lugar, obtido em 2010, no prêmio Construindo a Nação (ensino fundamental), com o projeto Literatura de Terror: uma Visita à Elegante Essência do Medo. A conquista foi repetida em 2011, com o projeto Identidade e Voz do Povo Nordestino na Literatura Regionalista. (Fátima Schenini)

(Republicada com pequenas alterações em 27.9.2013)

 

 

Miriam Cardoso Utsumi (USP): "O aluno se apaixona quando domina a linguagem matemática"

Profa. Miriam Cardoso Utsumi

Com graduação em matemática, mestrado e doutorado em educação, Miriam Cardoso Utsumi é professora do Departamento de Matemática do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP), câmpus de São Carlos. Ela leciona as disciplinas de ensino de matemática por múltiplas mídias e metodologia da pesquisa em educação matemática. É ainda orientadora do Programa de Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional (Profmat). Também integra o projeto de pesquisa Inovando na Formação de Professores de Matemática e de Ciências Exatas: Associação Teoria-Prática-Estágios.

Na visão de Miriam, a matemática só é temida pelo estudante enquanto ele não compreende seu funcionamento. "Quando o aluno domina essa linguagem, ele enxerga as potencialidades de leituras de mundo que pode fazer e se apaixona pela disciplina", afirma.

Jornal do Professor O que é necessário para ser um bom professor de matemática? Ele deve ter características especiais?

Miriam Utsumi — Um bom professor de qualquer disciplina deve ter, além do conhecimento específico da matéria, os conhecimentos de como transformar esse conteúdo científico em conteúdo escolar. Esse conhecimento não advém apenas do curso de formação de professores, mas da experiência diária do professor com seus alunos, das experiências dele enquanto aluno, do seu interesse e busca por novas metodologias, materiais didáticos. Enfim, de uma conjugação de fatores.

Por que a matemática é uma das disciplinas mais temidas pelos estudantes?

— Porque a matemática tem uma linguagem com sintaxe própria e um pouco abstrata para os aprendizes. Compreender como essa linguagem funciona, os significados das unidades que a compõem, dá trabalho, principalmente no início. Se a base não for compreendida, tudo o que vem depois fica difícil de entender. Daí muitos alunos optarem por memorizar e repetir, sem compreensão. Essa situação gera desconforto, ansiedade e mal-estar que podem ser transferidos para a disciplina, para o professor que a ministra, para a escolha de uma profissão que use pouca matemática. Entretanto, quando o estudante domina essa linguagem, ele enxerga as potencialidades de leitura de mundo que pode fazer e se apaixona pela disciplina.

É possível derrubar a barreira que há entre alguns estudantes e a matemática, de modo que eles passem a se interessar mais pela disciplina? De que maneira isso pode ser feito?

— Claro que sim. Há um bom tempo, os educadores matemáticos vêm investigando e sugerindo caminhos para desmitificar a matemática como "bicho de sete cabeças" ou a ideia de que "os alunos não gostam de matemática". Na USP, em São Carlos, participamos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), no qual os licenciandos vão às escolas para trabalhar conteúdos de matemática de forma diferenciada, mais dinâmica, usando outras mídias. Além da participação ativa no planejamento semestral e na sala de aula (uma hora de aula por semana em duas turmas de uma série), há outras inserções. Uma delas, no intervalo do almoço (12h30 às 13h20) da Escola Sebastião de Oliveira Rocha. Os licenciandos levam jogos didáticos de matemática à quadra da escola. Alguns estudantes até se esquecem de almoçar. Entre as opções, estão Samurai Jack e as Equações e os Jogos no Intervalo da escola.

Para comemorar o Dia da Matemática, em maio, reunimos no câmpus cerca de 450 alunos das três escolas que participam do Pibid para atividades recreativas, narração de histórias matemáticas, gincana matemática, demonstração de experimentos de óptica, oficina de robótica e palestras para os maiores, além de visita ao Observatório. Um vídeo mostra um funk criado pelos alunos do ensino fundamental para a matemática. Na comemoração do Dia das Crianças na Escola Dr. Álvaro Guião e no aniversário da escola, praticamente precisávamos expulsar os alunos das salas. Eles não queriam interromper os desafios e os jogos de matemática e atrasavam a entrada de outros grupos. Esse é comportamento de quem não gosta de matemática?

Os estudantes não gostam da forma pela qual a matemática é ensinada, quando parece um receituário ou compêndio de fórmulas e regrinhas. É claro que não dá para ensinar tudo trabalhando apenas com metodologia de jogos e resolução de problemas, mas muita coisa pode ser feita com uso de computadores, softwares e ambientes virtuais de aprendizagem, vídeos de matemática — um episódio do desenho animado Cyberchase foi usado para trabalhar probabilidade com alunos da Escola Ary Pinto das Neves, com resultado excelente —, webquests, atividades investigativas. Tudo isso, no entanto, exige tempo do professor na preparação. E sabemos que ele está assoberbado de atividades didáticas e burocráticas.

Acreditamos que as inovações são necessárias e que a preparação do professor para trabalhar com elas é fundamental. Porém, com a quantidade de profissionais habilitados em matemática, a carga horária semanal dos que estão em serviço, salários e infraestrutura das escolas, estamos longe de ver tais metodologias empregadas na maioria das salas de aula.

Há recursos ou materiais didáticos mais eficientes do que outros?

— Alguns são mais adequados para algumas turmas ou algum conteúdo do que outros. Cada professor deve fazer uso crítico daqueles que julgar mais úteis para as turmas e se adequar à infraestrutura da qual dispõe.

Como avalia a formação dos professores de matemática no Brasil, atualmente? É possível melhorar? De que forma?

— Há uma demanda muito forte da sociedade por professores que usem metodologias mais ativas, que saibam trabalhar interdisciplinarmente, que se envolvam mais com a formação integral dos alunos. Contudo, essa demanda ainda não foi completamente absorvida pelos cursos de formação. Com certeza, é possível melhorar, e as instituições de ensino estão sempre discutindo e buscando aprimorar seus cursos, inserindo disciplinas mais adequadas às necessidades formativas do licenciando. Por exemplo, no ICMC, a disciplina de ensino de matemática por múltiplas mídias foi inserida na grade curricular da licenciatura em matemática como optativa em 1996, mas a partir de 2012 tornou-se obrigatória, a pedido dos estudantes. Também inserimos a disciplina de ensino de matemática para alunos com necessidades especiais e criamos os Colóquios das Licenciaturas. Neles, profissionais como psicólogos, fonoaudiólogos, diretores, supervisores, entre outros, que estudem ou trabalhem com alguma temática interessante para a atuação do professor são convidados a fazer palestras aos licenciandos e interessados da comunidade, entre outras ações.

Enfim, as mudanças na estrutura curricular são feitas a partir de discussões das exigências e necessidades observadas na escola básica, nos vários projetos que temos nesse lócus. Nesse sentido, projetos como o Pibid, o Programa de Mestrado Profissional para Professores de Matemática (Profmat) e o Laboratório Interdisciplinar de Formação de Educadores (Life) aproximam professores da escola básica, licenciandos e professores-pesquisadores da universidade. E essa aproximação teoriza as práticas e ressignifica as teorias, trazendo contribuições para todos.