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JORNAL

Educação Integral

Quinta-feira, 14 de Maio de 2015

Edição 113

EDITORIAL - Educação Integral

A 113ª edição do Jornal do Professor trata do assunto Educação Integral. O tema foi escolhido por 55,87% dos leitores que votaram na enquete colocada em nossa página.

Selecionamos experiências desenvolvidas em escolas das cinco regiões brasileiras: Escola Municipal de Tempo Integral Padre Josimo Tavares Palmas (TO); Colégio Estadual Helena Celestino Magalhães, Salvador (BA); Escola Classe Cariru, no Paranoá (DF); Escola Municipal Dom Justino José de Sant’Anna, Juiz de Fora (MG); Escola Estadual de Educação Básica Neusa Mari Pacheco, Canela (RS).

O professor Peterson Soares da Silva, do Colégio Estadual Hebe Camargo, no Rio de Janeiro (RJ), participa da seção Espaço do Professor.

Nossa entrevistada é a professora Ana Maria Villela Cavaliere, do Departamento de Didática da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

Seja bem-vindo!

Fartura da horta resulta em notas melhores na área rural do DF

Crianças em horta

A jornada diária das 46 crianças começa cedo, às 7h30, com o café da manhã na sala de aula. De segunda a sexta-feira, elas têm uma rotina escolar puxada de oito horas e meia de atividades, mas não reclamam e querem mais e mais. Situada numa comunidade rural cercada pelo verde das lavouras, a cerca de 60 quilômetros de Brasília, a Escola-Classe Cariru adota desde 2009 a educação em tempo integral.

Apesar das plantações ao redor, a diretora Edilene Ferreira de Oliveira explica que as mudanças no aprendizado das crianças e as notas melhores nas provas começaram com o reforço nutricional. “Nossos alunos são filhos de boias-frias e de caseiros que trabalham para os donos das terras e não têm tanta fartura de alimentos em casa”, conta. “Eles acham a comida da escola gostosa e se alimentam bem.”

Além do café da manhã e do almoço, entre as 15h e 15h15, as crianças lancham antes de voltar para casa. O alunado é formado por crianças da própria comunidade do Cariru e por outras que moram mais distante, no lugarejo chamado Café sem Troco, a 11 quilômetros da escola. No total, a unidade de ensino tem, matriculados, 128 alunos, da pré-escola ao quinto ano. Como não há espaço para oferecer a jornada ampliada a todos, tiveram prioridade na seleção as turmas da pré-escola, primeiro e quinto anos. “Uns porque estão começando a rotina de estudos e precisam mais de acompanhamento e adaptação”, explica a diretora. “As crianças do quinto ano porque vão deixar a escola. O integral é uma oportunidade de seguirem mais preparados para a próxima fase educacional.”

Às 14h de uma quarta-feira, a turminha dos menores escovava os dentes e se preparava para visitar a horta e o pomar, atrás da escola, enquanto os maiores contorciam-se na quadra de esportes, alongando os músculos antes de começar a correr em zigue-zague entre os cones enfileirados. “Há um ano, eu faço essa corrida. É divertido, bom para a saúde, e estou correndo cada vez mais rápido”, explica Tiago Souza, aluno do quinto ano, na timidez de seus 12 anos.

Horta — Na horta escolar, o trabalhador rural aposentado Jovelino Oliveira, 61 anos, cuida das plantas e presta atenção nas explicações dos professores. “Eu já sei que tomate não é verdura”, conta e ri, antes de voltar a revolver a terra. Quando a criançada sai de férias, ele garante a vida nos canteiros de cenoura, abóbora, batata-doce, chuchu, repolho, quiabo e hortaliças variadas. Tudo cultivado sem agrotóxico. “Já comi banana daqui”, diz uma menininha de cinco anos, antes de se afastar com a turma. Além das verduras, Jovelino plantou um pomar, e as primeiras frutas já se exibem.

A horta, bem cuidada pelo antigo vaqueiro, serve de aprendizado para as aulas regulares e atividades do integral, além de complementar a merenda. O professor Maicon Derlan, coordenador da educação integral da escola, explica que dois projetos pedagógicos sobre alimentação saudável a partir da horta foram premiados, em 2014, na feira de ciências realizada pela Secretaria de Educação, responsável pela Escola-Classe do Cariru. “As crianças fizeram um bolo de alface para a feira de ciências e ofereciam um pedaço ao visitante que ouvia as explicações”, diz o professor. “Eles aprenderam, por exemplo, que alface vem da semente.”

A partir da horta, os alunos aprenderam também sobre sustentabilidade ambiental. A água da chuva que escorre do telhado da escola foi canalizada e armazenada numa caixa d’água para ser utilizada na época de seca. Assim, a horta não sofre com a estiagem.

Além da horta e do atletismo, os alunos têm atividades de acompanhamento escolar em matemática e português e contam com ajuda para fazer as tarefas de casa e atividades de lazer, com aulas de musicalização e tênis de mesa.

Música — O professor Marcos Arcanjo, do quinto ano, cantor e compositor num grupo de samba, complementa o projeto de canto coral das aulas regulares com iniciação musical no integral. “As atividades de musicalização ajudam na concentração e instigam a inteligência emocional”, afirma. “A minha ideia é que os alunos saibam, a partir de uma partitura, cantar o som da nota, ou seja, aprendam a solfejar e, depois, a cantar a letra no som da melodia.”

Após seis anos de experiência com a jornada ampliada, a diretora Edilene de Oliveira, que acompanhou toda a transformação na escola, desde o início, não tem dúvidas dos ganhos para o ensino e a aprendizagem. “Esse tempo a mais significou notas melhores e melhor domínio da leitura e diminuição da reprovação, além de a escola ter passado a fazer parte das coisas que a criança gosta”, constata. (Rovênia Amorim)

Projetos variados atendem estudantes de escola rural mineira

Alunos apresentam peça sobre o Sítio do Picapau Amarelo

Localizada no distrito de Torreões, na área rural de Juiz de Fora, a Escola Municipal Dom Justino José de Sant’Anna oferece educação em tempo integral desde o início de 2007, por iniciativa da Secretaria de Educação do município mineiro. A escola tem cerca de 280 alunos matriculados, em turmas da educação infantil ao nono ano do ensino fundamental. Todos participam de atividades nos dois turnos, de segunda a sexta-feira.

“Os alunos que atendemos são provenientes das camadas populares e moradores de zona rural; dificilmente teriam acesso a projetos tão diversificados se não existisse a escola de tempo integral”, ressalta a pedagoga Renata Rodrigues Rainho. Professora de português e matemática em uma turma de terceiro ano do ensino fundamental, no período da tarde, e na função de apoio pedagógico, de manhã, Renata explica que a escola aderiu ao programa Mais Educação e oferece a oportunidade de os alunos escolherem os projetos dos quais pretendem participar no decorrer do ano letivo. Esportes, informática, artes, música (flauta e violão), jornal e rádio escolares são algumas das atividades disponíveis. Também são oferecidas oficinas que servem como suporte para os estudos de forma mais sistemática, nas quais os alunos podem rever conteúdos de português e matemática.

“A educação integral trouxe a oportunidade de vivenciar práticas pedagógicas mais atraentes e significativas para os estudantes, de forma a potencializar a aprendizagem e o prazer de aprender”, analisa Renata. Para ela, a educação integral também possibilitou uma reavaliação das práticas educativas em relação ao currículo e à organização do espaço e do tempo escolar. “Quanto ao currículo, o desafio é realizar trabalhos interdisciplinares na escola. É um grande desafio, diário e coletivo”, diz. “O currículo diversificado proporciona uma visão multifacetada dos conhecimentos de forma geral e com temas específicos, o que enriquece sobremaneira a aprendizagem.”

Há 23 anos no magistério, 14 dos quais na mesma escola, Renata tem mestrado em gestão escolar.

Qualidade — Professora de apoio à coordenação no turno intermediário (16h30 às 20h40), Terezinha Cristina Campos de Resende acredita que todas as atividades oferecidas pela escola interferem positivamente na qualidade da educação dos alunos. Seja a oportunidade de estudar em tempo integral, com apoio pedagógico extraclasse, seja participar de iniciativas culturais, esportivas e de lazer gratuitas, sempre com a orientação de profissionais especializados.

Responsável pela oficina de teatro nos horários matutino e vespertino, Terezinha diz buscar, ao máximo, a valorização do trabalho coletivo, a integração, a socialização e o respeito pelo outro. “Todos participam e colaboram de alguma forma, pois conseguimos criar um forte sentimento de pertencimento ao grupo de teatro que criamos há cinco anos, o Encanta-Ação”, afirma.

Segundo a professora, a maioria dos estudantes adora o palco. Até os mais tímidos podem dar contribuição, em funções como a de ajudante de cena, figurinista, sonoplasta e contrarregra. Formada em letras, com mestrado e doutorado em linguística, Terezinha está no magistério há 25 anos, 13 deles na escola de Juiz de Fora.

Oportunidades — Entre os benefícios resultantes da educação integral, o diretor da instituição, professor Heraldo José Gonçalves Maciel, cita a retirada de crianças e adolescentes das ruas, maior integração entre os setores da escola e o oferecimento de oportunidades que os alunos não teriam se estudassem em unidade de ensino regular, especialmente com relação a oficinas e atividades. “Ainda falta muita coisa para chegarmos ao que realmente entendemos como educação em tempo integral, mas estamos buscando aperfeiçoar sempre, com o apoio e a dedicação de toda a equipe da escola”, afirma.

Maciel preocupa-se com o cardápio de refeições e lanches e com a oferta de atividades como gincanas, torneios esportivos, passeios, piqueniques ecológicos, sonorização de recreios e intervalos, entre outras iniciativas. “Estamos reativando um projeto em que os alunos fazem trabalhos de campo usando bicicletas (a escola dispõe de 12), possibilitando a participação em eventos esportivos, como campeonatos e corridas de rua”, diz. “Cada dia é um desafio, mas também uma alegria ver que estamos conseguindo implantar ideias a respeito da educação integral em que acreditamos.”

Com graduação em geografia e em comunicação social (jornalismo) e pós-graduação em cartografia, Maciel está no magistério municipal há 26 anos, com passagem por várias escolas, como professor e como diretor.

A Escola Municipal Dom Justino José de Sant’Anna funciona em prédio preparado para receber a educação em tempo integral, com salas adaptadas e grande área no entorno. Funciona em tempo integral para todos os segmentos, diariamente, de 8h10 às 16h30. (Fátima Schenini)

Participação da comunidade faz a diferença em escola gaúcha

Professor e alunos observam tomates em cima de mesas

Da comunidade e para a comunidade. Assim é a Escola Estadual de Educação Básica Neusa Mari Pacheco, na Serra Gaúcha, com 1.150 alunos matriculados em turmas do ensino fundamental e do ensino médio politécnico. Os projetos oferecidos incluem áreas como agricultura, artes, cultura, ecologia, desporto e turismo, além de reforço de conteúdos. Eles foram escolhidos em função das necessidades e anseios da comunidade de Canelinha, no município de Canela, a 123 quilômetros de Porto Alegre.

“A escola trabalha com os anseios dos alunos e da comunidade, de um crescimento na educação”, diz a professora Rosângela Marisa da Silva, que atua na área do projeto cultural. “Ela busca garantir a formação integral com a inserção de atividades que tornam o currículo mais dinâmico, atendendo às expectativas dos alunos e às demandas da sociedade local”, destaca.

Segundo Rosângela, que está no magistério há dez anos e já lecionou em outras escolas, há uma diferença dos estudantes do período integral em relação à cultura e ao rendimento escolar. “Uma criança que passa a tarde sozinha em casa dificilmente usará o tempo ocioso para estudar”, diz. “Muitas vezes, o tempo é usado para ver tevê, jogar videogame etc.”

Os estudantes que permanecem na escola têm horários para fazer as tarefas escolares, recebem acompanhamento pedagógico de qualidade, de professores especializados, e dispõem de infraestrutura e recursos como piscina, quadra de esportes e sala de informática. “Eles têm vivências muito mais ricas”, avalia.

Com licenciatura em pedagogia e pós-graduação em psicopedagogia e em orientação educacional, Rosângela desenvolve atividades com teatro e hora do conto em turmas do ensino fundamental. “Todos os alunos participam de tudo de maneira exemplar. Eles aprendem e se divertem”, garante.

Lazer — Na visão do professor de natação Jonas Luís Stange, que atua na área do projeto de esportes, lazer e recreação, os alunos apresentam melhor repertório motor, pois a escola oferece número maior de atividades. “As aulas de natação, dança, recreação e educação física auxiliam no desenvolvimento integral dos alunos, possibilitando que enfrentem os desafios com autoestima elevada, confiança e disciplina”, enfatiza.

No magistério há 16 anos, Jonas tem graduação em educação física e pós-graduação em treinamento desportivo. A disciplina de natação é obrigatória. Ele dá aulas em turmas dos três anos do ensino médio.

Valores — “Os alunos são mais engajados e participativos, e atribuo isso a todo o histórico de participação comunitária, que vai desde a conquista de espaços como a piscina, o centro agrícola, o centro ecológico etc., bem como a manutenção desses espaços em perfeitas condições de funcionamento”, ressalta a professora Mercí Kurschner, do projeto turístico.

De acordo com a professora, os estudantes apresentam maior autonomia na realização das atividades propostas e uma peculiar visão de mundo. “A escola mescla os valores de uma comunidade que emergiu de uma situação de extrema pobreza, mas procura se adequar aos novos tempos e à nova realidade de uma escola que passou a ser procurada inclusive por alunos oriundos de segmentos sociais com uma situação mais privilegiada”, enfatiza.

Professora de turismo no ensino fundamental, Mercí lembra a importância dessa disciplina na região, pois é uma de suas principais atividades econômicas. “Procuro sempre estabelecer conexões interdisciplinares, principalmente com história e geografia, que também leciono para as mesmas turmas.” Com graduação em história, ela exerce o magistério há oito anos e faz curso de direito.

Comunidade — A escola oferece aulas em turno integral há 21 anos, quando foi transformada em centro integrado de educação pública (Ciep). “Nesse período, os principais benefícios foram a diminuição da evasão e da repetência, a manutenção dos alunos nove horas por dia na escola (o que possibilita aos familiares trabalhar com tranquilidade), a melhora da autoestima dos alunos e o engajamento da comunidade com a proposta”, explica o professor Márcio Gallas Boelter, diretor da instituição. Para ele, a participação da família é fundamental. “A família precisa acreditar na escola, estar presente nas reuniões e atividades esportivas, sociais e culturais.”

O diretor acentua, ainda, a necessidade da colaboração. “Em 2014, cerca de 44% de todos os recurso investidos na manutenção da instituição foram provenientes da comunidade, apesar de a mesma ser pobre e trabalhadora.”

Há 17 anos no magistério, Boelter foi vice-diretor da Escola Neusa Mari Pacheco por cinco anos e atua na direção há mais de dois anos. Graduado em letras, com pós-graduação em gestão escolar e mestrado em filosofia, já lecionou no ensino fundamental e médio e no ensino superior. (Fátima Schenini)

Acesse o site da Escola Estadual Neusa Mari Pacheco

Escola baiana registra melhora no rendimento e na convivência

Alunos fazem apresentação de dança

Redução da violência na escola, aumento do interesse dos estudantes pela aprendizagem, melhora significativa no rendimento escolar e na convivência entre os alunos e destes com os professores. Estes são alguns dos benefícios resultantes da educação integral no Colégio Estadual Helena Celestino Magalhães, na capital baiana.

Segundo o diretor da instituição, Perieldo Jesus de Barros, a educação integral também contribui para suprir a carência de lazer, cultura e acesso dos estudantes a tecnologias digitais. Ele também constata mais zelo pelo patrimônio da instituição e mais respeito aos professores. “Esses motivos fazem a educação integral ser bem aceita por pais e professores”, enfatiza Barros.

O colégio adotou a educação integral em 2008, quando aderiu ao programa Mais Educação. A partir de 2014, passou a ser oficialmente uma escola de educação integral da rede estadual de ensino da Bahia. “Essa modalidade foi adotada com o objetivo de alcançar a desejada qualidade de ensino, de buscar formas de melhorar o aprendizado do estudante e o seu desempenho nas avaliações”, explica o diretor. Ele cita ainda a vontade de promover a perspectiva de uma vida melhor para os alunos, fora dos perigos das ruas.

Barros tem 23 anos de magistério e quatro no cargo de diretor. A experiência como gestor escolar, entretanto, é de 13 anos. Com graduação em letras e pós-graduação em educação, ciência e contemporaneidade e em docência no ensino superior, ele faz atualmente o curso de direito.

Oficinas — Os estudantes participam de atividades educativas de segunda a sexta-feira, em um total de sete a nove horas de aulas por dia. Eles permanecem na escola no decorrer do dia, com lanche de manhã e à tarde, além do almoço. Todos participam obrigatoriamente das oficinas que fazem parte do currículo. Esporte e lazer (futsal e basquete), cultura e arte (dança, hip-hop, grafitagem e africanidades), uso de mídias e cultura digital (tecnologias digitais, vídeo e rádio) são as opções oferecidas.

Ator, bailarino e coreógrafo, Vagner Jesus dos Santos ministra oficina de dança no horário matutino, em articulação com as disciplinas arte e linguagem artística. Há sete anos no exercício da atividade, ele percebe um grande interesse dos estudantes durante suas aulas. “Eles participam com entusiasmo”, revela. Em sua visão, a educação integral proporciona muitos benefícios. Entre eles, o incentivo à participação dos alunos nas atividades lúdicas e pedagógicas, com êxito na integração social, a frequência assídua às aulas e o período por mais tempo na escola, com aprendizagens significativas.

Diálogo — Para a professora Márcia Regina da Silva Paim, os resultados da educação integral ainda são incipientes, mas é possível evidenciar a importância do diálogo e das parcerias entre a unidade escolar e a comunidade. “O diálogo auxilia na integração, na participação e no sentimento dos alunos em relação ao bairro, à escola e à comunidade, assim como o aumento do rendimento escolar em algumas situações”, salienta. De acordo com Márcia Regina, as estratégias de educação integral possibilitam experiências e discussões e a realização de atividades interdisciplinares, como feiras de ciências e matemática e a Feira das Nações Africanas, inseridas no calendário e no projeto político-pedagógico e social da escola, com aceitação dos estudantes.

“A partir da educação integral, houve o entrelaçamento com o programa Mais Educação nas áreas de dança, cultura, informática e mídias, que corrobora o sentido de criar oportunidade de desenvolvimento holístico de crianças e adolescentes”, enfatiza a professora. Isso, na opinião de Márcia Regina, favorece um ensino que contemple a integração professor, monitor e aluno pela diversidade, inclusão, acesso e permanência e sucesso do estudante dentro e fora do ambiente escolar.

Há 21 anos no magistério, Márcia Regina tem licenciatura em história e mestrado em história social. Ela leciona no Colégio Helena Celestino Magalhães há seis anos, de manhã e à tarde. Este ano, dá aulas a turmas do nono ano do ensino fundamental e dos três anos do ensino médio. (Fátima Schenini)

Atividades escolares tiram alunos da situação de vulnerabilidade

Em Palmas, capital de Tocantins, a Escola de Tempo Integral Padre Josimo Tavares tem contribuído para retirar as crianças das ruas e de situações de vulnerabilidade. Situada em uma região carente, a escola, da rede pública do município, atende a 1.160 alunos do ensino fundamental.

A rotina escolar é dividida em turno e contraturno, em um total de nove horas diárias. Os estudantes devem participar de 20 disciplinas e atividades obrigatórias: língua portuguesa, matemática, ciências, história, geografia, educação física, artes, língua inglesa, ensino religioso, pesquisa e produção de texto, filosofia, experiência matemática, teatro, dança, práticas corporais marciais, leitura, tecnologias, música, esporte-natação e jogos educativos de tabuleiro. “Essa grade foi formada para atender à parcela da comunidade em vulnerabilidade, crianças das classes sociais menos favorecidas”, explica a diretora da escola, Cleudemar Abreu Lopes. “Uma escola dessa magnitude tira as crianças da vulnerabilidade, pois proporciona meios para que experimentem a cultura, a filosofia, a ética, entre outros pontos.”

Pedagoga, com pós-graduação em administração escolar, Cleudemar está no magistério há 27 anos. Sua experiência na sala de aula inclui as disciplinas de filosofia, sociologia, matemática e ciências. Diretora desde 2006, ela diz ter como principal objetivo envolver a escola como um todo, elevar a construção do conhecimento e respeitar as habilidades e a individualidade de cada aluno.

Segundo a professora Fabiane Borges Rocha Coelho, o maior benefício da educação integral é a possibilidade de inserção cultural e esportiva dos estudantes. “Crianças e adolescentes que não têm recursos financeiros podem ter acesso a aulas tão diversificadas como teatro, dança e natação, gratuitamente, no ambiente escolar”, salienta. Graduada em ciências biológicas, com mestrado em ciências do ambiente, leciona a disciplina de ciências desde 2009. (Fátima Schenini)

Projeto em escola do Rio leva alunos a aprendizado e reflexão

No magistério desde 2007, Peterson Soares da Silva trabalha no Colégio Estadual Hebe Camargo, em Pedra de Guaratiba, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Além de dar aulas de matemática a alunos do ensino médio, ele desenvolve o Projeto de Vida – Produção Cultural, que consiste em levar para a sala de aula as ações relacionadas à arte e à cultura e aplicá-las na comunicação do conhecimento.

“As possibilidades dessa atividade como instrumento pedagógico são bem conhecidas”, ressalta Peterson. “Esteja o aluno como espectador ou como figurante, o projeto é um poderoso meio para gravar na sua memória um determinado tema, ou para levá-lo, através de um impacto emocional, a refletir sobre determinada questão moral.”

De acordo com o professor, em 2014, além da valorização cultural, o Projeto de Vida conseguiu tornar os alunos mais confiantes, autônomos e protagonistas. “Isso pode ser notado no desempenho das diversas áreas do conhecimento, com 100% de aprovação e nenhuma evasão escolar no ano passado”, informa.

Para este ano, o projeto dobrou o número de vagas para os alunos e foi ampliado em mais algumas áreas culturais. “O projeto entra no processo de educar os alunos para a sociedade e o mercado de trabalho”, avalia Peterson. “As ações em que mais se identificam são adotadas como instrumentos para o aprendizado da ética, justiça, compreensão de mercado de trabalho, responsabilidade, hierarquia e trabalho em equipe, além do desenvolvimento do aluno autônomo e protagonista.”

O professor desenvolve este ano uma adaptação acadêmica do musical Chicago, de John Kander, Fred Ebb e Bob Fosse; uma adaptação infantil do livro Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll; um espetáculo de stand-up, coral e oficina de desenho. Os alunos são os responsáveis pela atuação, dança, parte técnica e todo o contexto cênico (cenário e figurino), marketing e tarefas importantes para o desenvolvimento das atividades.

Peterson tem licenciatura em matemática e pós-graduação em administração escolar e coordenação pedagógica. Cursa, atualmente, pós-graduação em produção cultural.

O Projeto de Vida faz parte da matriz curricular do Colégio Estadual Hebe Camargo, como componente do currículo. Além de produção cultural, oferece atividades em áreas como sustentabilidade e esporte. (Fátima Schenini)

Ana Maria Cavaliere (UFRJ): “Educação integral precisa de mais tempo, mais espaços e atividades educacionais de diferentes naturezas”

Foto de Ana Maria Cavaliere

Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas dos Sistemas Educacionais (Gesed) e do Núcleo de Estudos Tempos, Espaços e Educação Integral (Neephi), Ana Maria Cavaliere define a educação integral como uma concepção de educação escolar multidimensional, que pretende ir além da instrução escolar stricto sensu. Para isso, segundo a professora, essa educação precisa de mais tempo, mais espaços e atividades de diferentes naturezas.

Em tese, defende Ana Maria, “a educação integral pode formar indivíduos mais preparados para a vida em sociedade, em todas as suas dimensões, especialmente devido à maior riqueza de experiências compartilhadas”.

Com graduação em ciências sociais, ela tem mestrado em educação pelo Instituto de Estudos Avançados em Educação (Iesae) da Fundação Getúlio Vargas, doutorado em educação pela UFRJ e pós-doutorado pelo Institut d’Études Politiques de Paris (Sciences Po) e pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atuou como professora de história da rede pública municipal do Rio de Janeiro de 1985 a 1994, quando trabalhou em escolas de tempo integral e participou da equipe estadual de coordenação do programa dos centros integrados de educação pública (Cieps).

Jornal do ProfessorO que é educação integral?

Ana Maria Cavaliere – É a ação educacional que envolve diversas e abrangentes dimensões da formação dos indivíduos. Quando associada à educação não intencional, diz respeito aos processos socializadores e formadores amplos, que são praticados por todas as sociedades por meio do conjunto de seus atores e ações, sendo uma decorrência necessária da convivência entre adultos e crianças. Do ponto de vista de quem educa, indica a pretensão de atuar em diferentes aspectos da condição humana, tais como os cognitivos, emocionais e societários. Quando referida à educação escolar, apresenta o sentido de religação entre a ação intencional da instituição escolar e a vida em sentido amplo. No Brasil, aparece quase sempre associada à ampliação da jornada escolar.

Quando surgiu esse conceito no Brasil?

– Não é possível determinar um momento preciso. O conceito já foi utilizado no Brasil em diferentes contextos históricos. Os anarquistas, em suas escolas do início do século 20, defendiam, tal como seus pares na Europa, a educação integral, vista por eles como o caminho para a emancipação dos indivíduos. Já o Movimento Integralista, de viés autoritário, desenvolveu, nas décadas de 1920 e 1930, em teoria e prática, uma escola de educação integral. Essa educação envolvia o Estado, a família e a religião, postos em sintonia pela escola, numa intensiva ação educativa. Anísio Teixeira, representando a escola nova, embora pouco utilizasse o termo, propôs, ao longo de sua obra, uma educação escolar que fosse além da instrução escolar. Afirmava que a escola já não poderia ser a escola dominantemente de instrução de antigamente, mas fazer as vezes da casa, da família, da classe social e por fim da escola, propriamente dita, oferecendo à criança oportunidades completas de vida, compreendendo atividades de estudo, de trabalho, de vida social e de recreação e jogos. No Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, a expressão está explícita e afirma o direito de cada indivíduo à sua educação integral, a ser realizada com a cooperação de todas as instituições sociais.

Quais os benefícios desse tipo de educação para o aluno?

– Como sempre em educação, seus resultados–benefícios dependem de qual escola e de qual aluno estamos tratando. A educação integral é uma concepção de educação escolar multidimensional. Isto é, que pretende ir além da instrução escolar stricto sensu. Para isso, precisa de mais tempo, mais espaços e atividades educacionais de diferentes naturezas. O desafio é fazer isso sem retirar a instrução escolar do centro das preocupações. Ou melhor, conseguir fundir ou, no mínimo, articular essas ações educacionais de diferentes naturezas. Em tese, a educação integral, a depender de seu direcionamento, isto é, da visão político-educacional que a informe, pode formar indivíduos mais preparados para a vida em sociedade, em todas as suas dimensões, especialmente devido à maior riqueza de experiências compartilhadas. Mas, ela não pode fazer nada que já não esteja no horizonte da sociedade onde se situa. Nenhuma educação de massas, intencional e institucional, pode mais do que a sociedade que a produz.

Como a escola deve se organizar para oferecer a educação integral?

– Depende das condições prévias. Mas, imaginando-se que os alunos passarão mais tempo na escola, será preciso um ambiente mais bem preparado, mais espaço e equipamentos, mais profissionais da educação e uma estrutura organizacional que permita vivências ricas, baseadas no protagonismo de alunos e professores. A fraca construção institucional da escola brasileira tem sido um entrave para a efetivação de qualquer política–projeto educacional. Não é diferente com as tentativas de implantação da chamada educação integral. O fortalecimento institucional da escola brasileira passa por muitos caminhos. Entre eles, a valorização dos profissionais que nela trabalham.

A escola tem recursos para implementar os novos projetos?

– Infelizmente, a escola brasileira ainda tem poucos recursos. O programa Mais Educação é uma tentativa de levar algum recurso para estimular a escola a praticar uma educação que diversifique suas práticas e objetivos. Mas as dificuldades têm sido enormes. Nossas escolas, especialmente nas grandes cidades, são minimalistas. Ou seja, pouco espaço, pouco tempo, poucos profissionais, mas muitos alunos. Sem recursos não se faz uma boa educação convencional, muito menos uma educação integral que se pretende multidimensional. O mínimo ainda predomina na educação brasileira, e o mínimo na escola acaba sendo o conteúdo estritamente escolar, o que não poderia ser diferente.

Como deve ser o professor de uma escola que funciona no sistema de educação integral?

– Não me parece que exista um sistema de educação integral. Existem escolas de tempo integral que pretendem praticar um tipo de educação chamada de educação integral. Tudo isso ainda muito embrionário e sem possibilidades (políticas e materiais) de universalização. Na verdade, a grande maioria das escolas brasileiras apresentadas hoje como de educação integral oferece o horário integral com atividades adicionais para um grupo pequeno de alunos. Essas atividades são desconectadas daquelas dos turnos regulares (no mínimo dois), que todos frequentam. Por isso, me parece necessário explicitar melhor o significado do conceito e as perspectivas de sua incorporação à educação pública brasileira. É uma proposta para todos? Ou para os alunos mais vulneráveis socialmente? É prioritária para as crianças menores, que necessitam de cuidados intensivos? Mas, respondendo à pergunta, sendo uma escola de tempo integral, com todos os alunos em turno integral, o professor também precisa estar lá o dia inteiro. Sendo uma escola com recursos, o professor precisa participar das decisões sobre o uso desses recursos. Sendo uma escola que oferece múltiplas dimensões educacionais, ele precisa participar, coordenadamente com outras instâncias legítimas de decisão, das escolhas temáticas e processuais da ação pedagógica.

A educação integral é oferecida em outros países. Como está o Brasil em relação a esses países? Temos exemplos na América Latina?

– Mesmo sem usar o termo educação integral, a ideia que ele embute existe e é praticada em muitos países. Especialmente nos mais ricos, com sistemas escolares fortes e muito organizados. Deixar as crianças por mais tempo na escola é reivindicação dos pais nas sociedades contemporâneas. A vida para as crianças e adolescentes nas grandes metrópoles ficou difícil, e as mulheres estão definitivamente no mercado de trabalho. A educação, em sentido amplo, é cada vez mais compartilhada entre família e escola. Mas o custo é muito alto. Mesmo em países ricos, essas práticas ampliadoras da ação escolar estão associadas com frequência aos programas de atenção prioritária aos mais necessitados, o que gera debates e controvérsias, como é o caso das zonas de educação prioritária francesas. Isso porque os perigos da estigmatização surgem em todas as iniciativas focalizadas em segmentos populacionais específicos, aqueles com dificuldades escolares.

No Brasil, no programa Mais Educação e em outras experiências anteriores, a educação integral e mesmo a jornada integral foram associadas aos segmentos da população mais vulneráveis socialmente. Temos de pensar melhor sobre isso. Entretanto, a ideia de uma escola multidimensional, nos termos explicitados por Anísio Teixeira, pode ser válida para todas as crianças e adolescentes e abrir caminhos para uma nova concepção de educação escolar, com ou sem o nome de educação integral.