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JORNAL

Educação de Jovens e Adultos

Quarta-feira, 25 de Maio de 2016

Edição 125

EDITORIAL - Educação de Jovens e Adultos

Para a 125ª edição do Jornal do Professor, que tem como tema a educação de jovens e adultos, apresentamos algumas das experiências selecionadas pela premiação Medalha Paulo Freire. Promovido pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação, o prêmio tem o objetivo de identificar, reconhecer e estimular experiências educacionais que promovam políticas, programas e projetos cuja contribuição seja relevante para a educação de jovens e adultos no Brasil.

Nesta edição, você irá conhecer duas das cinco experiências ganhadoras da Medalha Paulo Freire em 2016: Alfabetizar e Emancipar, desenvolvida pela Secretaria de Educação da Bahia, e Proeja-FIC em Território Campo, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina, campus de São Miguel do Oeste (SC).

Também mostramos duas das cinco experiências ganhadoras de menção honrosa na mesma premiação: Agricultura Familiar em Contexto: da Vivência à Sobrevivência, desenvolvida no Centro Educacional Sesc Ler, de Acauã, Piauí, e Solidariedade e Cidadania em EJA, desenvolvida na Escola Estadual Professora Francisca Pereira Rodrigues, de Piraúba, Minas Gerais.

Nosso entrevistado é o professor Leôncio José Gomes Soares, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A professora Regina Júlia dos Reis Cairus, de Brasília, participa da seção Espaço do Professor.

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Seja bem-vindo!

Pequenos agricultores voltam à escola e compartilham técnicas

Estudantes assistem aula prática sobre técnicas agrícolas

O reencontro com a escola tantos anos depois rendeu novos conhecimentos para a lida no campo, mais autoestima e amizades entre os agricultores de duas comunidades da zona rural de São Miguel do Oeste, município catarinense de 38,9 mil habitantes. “Não queria que o projeto acabasse; com as aulas, a gente volta a ser criança, esquece os problemas e a vida de só trabalhar”, comenta Santina Alves Ferreira, 50 anos. Ela e o marido, que moram numa chácara de 11,5 hectares, onde plantam “de tudo um pouco” e criam 50 galinhas, oito porcos e cinco vacas, estão entre as duas turmas de 60 trabalhadores rurais que concluíram, em 2015, o ensino fundamental.

O curso foi ofertado pelo Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC), em parceria com a prefeitura de São Miguel do Oeste, que pretendia revitalizar as escolas da zona rural. Além da formação nos anos finais do ensino fundamental (quinto ao nono ano), os alunos frequentaram aulas do curso de formação inicial continuada de técnicas em agricultura familiar. Esse projeto (Proeja FIC em técnicas de agricultura familiar) foi um dos vencedores do prêmio Medalha Paulo Freire, do Ministério da Educação. Desde 2005, o prêmio identifica experiências relevantes para a alfabetização e a educação de jovens e adultos no Brasil.

Dona Santina e o marido, Vilmar Pereira, 52 anos, interromperam os estudos na antiga quarta série por falta de oportunidades. “Sempre passei correto e gostava de estudar; tinha os cadernos caprichados”, diz dona Santina. “Mas a escola, depois da quarta série, ficava muito longe, não dava para ir a pé: eram mais de quatro quilômetros só para ir; naquela época, não tinha ônibus escolar, e meu pai não podia pagar transporte.”

Mãe de três filhos, a caçula com 17 anos e no último ano do ensino médio, a agricultora espera que o projeto do IFSC prossiga, com turmas de ensino médio. “Alunos não vão faltar; eu mesma serei a primeira da fila”, garante.

Parceria — A oferta dessa etapa de escolarização depende de parceria do IFSC com a rede de ensino do estado. “Ficamos tocados com os relatos e estamos trabalhando para viabilizar o ensino médio”, diz Douglas Antonio Rogeri, coordenador dos cursos Proeja FIC do IFSC, campus de São Miguel do Oeste. “Se a parceria der certo, ofereceremos apenas disciplinas técnicas, praticamente as mesmas descritas na forma de curso FIC, porém, nesse caso, integrado ao ensino médio.”

A parceria é importante para o serviço de transporte escolar dos alunos e para a composição do quadro de professores. “Hoje, o IFSC não tem condições de oferecer o ensino médio, pois os professores dessa área já estão sobrecarregados com as disciplinas do campus”, justifica Rogeri.

Para concluir o ensino fundamental, Santina, Vilmar e os demais agricultores precisaram ir à escola duas vezes por semana, durante quatro anos. As aulas eram ministradas à noite, em duas comunidades rurais. Na Linha Dois Irmãos, os agricultores assistiam às aulas na Escola Municipal Padre José de Anchieta; em Canela Gaúcha, na Escola Municipal Rural Waldemar Antonio von Dentz. O IFSC cedeu professores da área técnica e alguns da área básica. O município ofereceu professores da área básica, transporte, espaço físico e alimentação.

A experiência foi proveitosa tanto para os alunos quanto para os professores. “Eu tinha aulas das 19h às 22h30; assim que chegava em casa, ia fazer logo os deveres de casa porque, no outro dia, tinha de trabalhar na lavoura e cuidar dos animais”, conta Santina, que estudava na escola da comunidade Linha Dois Irmãos, a 25 quilômetros do IFSC. “Tinha dia, depois do dia todo trabalhando na roça, que o cansaço batia, mas mesmo assim a gente não deixava de ir. Valeu muito a pena e não senti dificuldade nenhuma em aprender.”

Coordenador do curso Proeja FIC em técnicas de agricultura familiar nos dois anos iniciais, o professor José Carlos Martins, de português e inglês, descreve a experiência para chegar ao povoamento rural: “O trajeto era bem acidentado, com bastante sobe e desce; dificuldades nos dias de chuva, com possibilidades de nem poder sair de lá no mesmo dia”.

Tanto na Linha Dois Irmãos quanto em Canela Gaúcha, a 8 quilômetros do IFSC, o professor encontrou estudantes com idades de 40 a mais de 60 anos, com muita experiência para compartilhar, o que tornava as aulas mais fáceis. “Lembro que trabalhamos na aula de português um texto que envolvia uma raposa; como, nessas comunidades, raposa é o mesmo que gambá, histórias fantásticas surgiram”, diz. Nas aulas de inglês, muitos alunos confessavam que jamais se imaginaram um dia estudando essa língua. O rendimento escolar foi um sucesso, na avaliação do professor. “Não havia nada de excepcional no material didático; o que fez a diferença foi o sentimento de inclusão, de valor como ser humano, de comunidade que tinha o que dizer, de reconhecimento de identidades”, afirma. “Trabalhar com pessoas que ficaram tanto tempo fora da escola é trabalhar a valorização do ser humano e suas experiências. É saber que, em determinados contextos, mais aprendemos do que ensinamos.”

Prática — Além das disciplinas da grade curricular comum, como matemática, português e inglês, os agricultores tiveram aulas práticas sobre técnicas de agricultura e pecuária. Professor do ensino profissionalizante, Cherilo Dalbosco ministrou aulas de gestão agropecuária. Segundo ele, os alunos aprenderam sobre fluxo financeiro da propriedade rural familiar, custos de produção e apuração de resultados econômicos. “O objetivo foi ensinar o agricultor familiar a fazer controles e gestão financeira da sua propriedade”, explica.

Para assimilar o conteúdo, o trabalho final dessa disciplina foi realizado nas pequenas propriedades dos próprios alunos. A aquisição de conhecimentos básicos de matemática e o uso da calculadora permitiram aos agricultores, garante Dalbosco, obter “um maior domínio de conceitos e técnicas de controles e registros financeiros” das propriedades rurais familiares. “Foi tudo muito bom no curso: aprendemos a plantar árvores frutíferas, o modo certo de criar galinhas, como organizar as pastagens, fazer a matemática baseada na nossa realidade”, resume uma ex-aluna ao relatar a experiência com o curso em um encontro de avaliação do MEC. “Todas as aulas foram importantes.”

O diretor do campus de São Miguel do Oeste, Diego Albino Martins, explica que há demanda na região para novas turmas de agricultores com o perfil de Santina e do marido. Duas turmas que unem a educação de jovens e adultos ao ensino profissionalizante estão em andamento no município de Iporã do Oeste, a 35 quilômetros de São Miguel do Oeste. “Percebemos a mudança, o empoderamento dessas famílias, que voltam a estudar, que querem tirar carteira de motorista, seguir para o ensino médio e a graduação”, afirma Martins. “E como as aulas são alinhadas com as atividades e realizadas em escolas das comunidades, eles reforçam os laços sociais e incentivam uns aos outros para que ninguém desista dos estudos”. (Rovênia Amorim)

Formação de cidadãos motiva projeto em escola de Minas

Engenheiro agrônomo Celso de Barros faz palestra para alunos de EJA

Ao observar que os alunos matriculados na educação de jovens e adultos (EJA) mostravam desânimo e insegurança quanto à possibilidade de concluir o curso, a professora Márcia Moreira Lourenço Vidal, que leciona inglês e português na Escola Estadual Professora Francisca Pereira Rodrigues, em Piraúba, Minas Gerais, percebeu que era hora de mudar a maneira de agir e ir ao encontro dos estudantes. “Procuramos entrar em suas vidas e saber quais as necessidades”, diz a professora.

Assim, na busca de um ensino mais humano, surgiu o projeto Solidariedade e Cidadania em EJA, desenvolvido ao longo dos anos letivos de 2014 e 2015. De acordo com Márcia, a motivação era a de formar alunos cidadãos, participativos, capazes de se movimentar em busca de sonhos e objetivos. “Queremos incentivá-los a ser pessoas atuantes, que façam a diferença na sociedade em que vivemos”, explica.

No primeiro contato, em uma roda de conversa, os estudantes, com idades de 15 a 70 anos, receberam explicações sobre o trabalho que seria feito. Depois, em uma segunda etapa, foram apresentadas sugestões de atividades. “Foram levadas em conta ideias trazidas pelos alunos, selecionadas de comum acordo”, diz Márcia. Posteriormente, a escola fez parcerias com a prefeitura e outros órgãos e entidades para a realização de oficinas, palestras e minicursos. Paz, meio ambiente, sustentabilidade, motivação, comportamento em sociedade, valores éticos, drogas, família e resgate de nossa cultura foram alguns dos temas abordados.

Método — A professora explica que saber lidar com as diferenças é um fator importante do Método Paulo Freire, exercitado a cada passo do projeto. “Valorizamos a experiência de cada um.” Segundo Márcia, cada aluno deu sua contribuição e todos puderam aprender uns com os outros nas rodas de conversa, nas oficinas, nos seminários e nas palestras.

Os encontros, pelo menos uma vez por mês, no auditório da escola, eram realizados nos dois últimos períodos (quarto e quinto horários) das aulas noturnas. Os dias da semana eram alternados para evitar interferência no horário de apenas uma disciplina.

A experiência mostrou, de acordo com a professora, que os alunos da educação de jovens e adultos estão aprendendo a ser praticantes da solidariedade e da cidadania, a aproveitar as oportunidades e a melhorar seu modo de viver e de suas famílias. “Pudemos enxergar novas possibilidades em suas vidas”, destaca. Na visão de Márcia, a maioria dos estudantes quer mudar, crescer e expandir os conhecimentos. “Bastou oferecermos a eles uma dose de coragem, de dedicação e amor e olhar para eles de forma diferente”, diz. “A EJA tem hoje um novo olhar, os alunos participam, dão sugestões; houve um amadurecimento gradativo em suas personalidades. Resgatamos os sonhos e a autoestima dos estudantes.”

Premiação — O projeto Solidariedade e Cidadania em EJA recebeu menção honrosa em premiação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação, a Medalha Paulo Freire de 2016. Para Márcia, isso tem um significado especial: “Mostra o reconhecimento de uma educação de qualidade em nossa escola e em nossa cidade”. Em 2013, a professora recebeu a medalha pelo projeto Economia Solidária em EJA.

Com graduação em letras e pós-graduação em docência superior, Márcia está no magistério há 24 anos. Ela leciona nos três turnos e, além de alunos da educação de jovens e adultos, atende turmas de ensino fundamental e médio.

Motivação — O diretor da escola, Marzolini dos Santos Borges, entende que trabalhar com projetos na educação de jovens e adultos é um caminho interessante. “Cria uma motivação a mais para a frequência e permanência do aluno na escola e possibilita o conhecimento de vários aspectos culturais e sociais”, afirma.

Marzolini revela que os planos para 2016 incluem a manutenção dos projetos específicos para as turmas da educação de jovens e adultos, além da criação de um projeto de leitura que envolva toda a escola. “Estamos estudando a possibilidade de fazer um projeto sobre desenvolvimento sustentável devido à vasta zona rural que temos”, diz. Nesse projeto, segundo Márcia, será possível explorar o cultivo de frutas e oferecer um destino lucrativo e sustentável, com respeito ao próximo e ao meio ambiente. (Fátima Schenini)

 

Realidade de alunos possibilita novos projetos e tecnologias

Professor e alunos de EJA na sala de aula

Apaixonado por educação, o professor Almir Francisco de Sousa desenvolveu projeto pedagógico com os alunos da educação de jovens e adultos (EJA) no Centro Educacional Sesc Ler, no município de Acauã, Piauí, que foi além da sala de aula. Iniciado em 2013, durante período de escassez de água, comum naquela região do Semiárido, o projeto Agricultura Familiar em Contexto: da Vivência à Sobrevivência possibilitou o cultivo de frutas e verduras na escola e na residência dos alunos.

O sistema, que usa garrafas plásticas e um equipo — dispositivo usado em aplicação de soro para controle de fluxo e dosagem de líquidos —, foi criado coletivamente com os estudantes a partir de suas próprias experiências. De acordo com Almir, a sala de aula, se apropriando do contexto dos alunos, repensa com eles novas possibilidades, a partir da própria realidade, para nela intervir.

Usado inicialmente em uma plantação de melancias na horta da escola, o projeto foi disseminado entre as famílias dos alunos e passou a ser adotado em diferentes locais e com outras espécies de plantas. Isso foi possível por se tratar de uma tecnologia artesanal, que aproveita materiais reciclados, como embalagens de refrigerantes e de sabonetes líquidos.

Segundo Almir, hoje na direção do centro educacional, a experiência reafirma a importância da condição do professor enquanto aprendente. “É na escuta dos alunos que precisamos focar o nosso saber-ouvir”, diz. “Devemos enxergá-los como participantes no processo de definição do currículo, na organização do planejamento e na avaliação, a partir de suas necessidades de aprendizagem, com o desafio de torná-las significativas e contextualizadas à realidade.”

De acordo com o professor, a colheita das melancias foi o principal indicador do resultado do experimento e comprovou a funcionalidade do sistema de irrigação. “A aplicabilidade da tecnologia construída, simples e acessível, que ultrapassou os muros da escola e chegou aos quintais e roças dos alunos e seus familiares, irrigando outras culturas, como caju, abóbora, laranja e goiaba, foi um benefício significativo provocado pela invenção”, avalia.

Premiação — Agraciado com menção honrosa, em abril deste ano, durante a premiação da Medalha Paulo Freire, promovida pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação, o projeto continua a desenvolver ações, testes e experimentos. Assim, o sistema de irrigação foi instalado recentemente em uma goiabeira do pomar da escola, enquanto outra árvore da mesma espécie foi deixada exposta ao clima característico da região. “O resultado foi notório: a árvore com o sistema de irrigação produziu frutos viçosos e em maior quantidade ao receber dosagem controlada e sem desperdício de água; a outra frutificou em menor quantidade e de forma atrofiada”, revela Almir.

Pedagogo, com especialização em gestão escolar e em docência dos anos iniciais do ensino fundamental, das populações do campo e carcerária, na modalidade da educação de jovens e adultos, Almir, 30 anos, ingressou no Sesc Ler há seis, na função de professor, nessa área. Mas sua experiência com a EJA tem mais tempo. “Comecei aos 16 anos, com alfabetização solidária, dando aulas na casa de um aluno”, recorda. “Ao perceber a carência e a necessidade dos estudantes em recuperar o tempo perdido, meu gosto pela área aumentou.”

Além de aulas a turmas da EJA do primeiro ao quarto ano do ensino fundamental, no período noturno, o Centro Educacional do Sesc Ler oferece aulas de educação infantil, de manhã; à tarde, de orientação escolar, recreação e lazer, por meio do Projeto Habilidades de Estado (PHE).

Estímulo — Para Rozenilda Castro, coordenadora estadual do Projeto Sesc Ler Piauí, o trabalho com diferentes comunidades no campo da educação de jovens e adultos tem sido, antes de tudo, um estímulo à inventividade no currículo e nas estratégias pedagógicas para a permanência dos alunos em sala de aula. “Os desafios nos alertam, mas é na busca de superações que focamos os nossos olhares e as nossas ações”, analisa.

De acordo com a coordenadora, muitas vezes, basta escutar os alunos com muita atenção, pois eles dão pistas o tempo todo. “Então, fazemos um exercício constante com nossa equipe pedagógica: o que os alunos nos dizem? E o que fazemos com o que escutamos dos nossos alunos?”

Há 30 anos no Sesc Piauí e há 12 no Projeto Sesc Ler — desde que foi implantado no estado —, Rozenilda coordena cinco centros educacionais do Serviço Social do Comércio (Sesc), nos municípios de Acauã, Guaribas, Piripiri, São João do Piauí e São Raimundo Nonato. Pedagoga, com mestrado em educação, ela cursa doutorado em educação na Universidade Federal do Piauí (UFPI). (Fátima Schenini)

Moradora de rua é professora em programa de alfabetização

Professora Edlúcia Menezes e alunos, na praça

Logo após o almoço, os moradores de rua, com cadernos e apostilas nas mãos, vão se acomodando nas mesas e cadeiras de plástico, dispostas de forma improvisada na Praça Marechal Deodoro, mais conhecida como Praça das Mãos, no bairro do Comércio, em Salvador. Homens e mulheres que não tiveram a oportunidade de ser alfabetizados encontraram a oportunidade de aprender a ler e a escrever. O fato de a professora conhecer tanto quanto eles a realidade de viver nas ruas da capital baiana, por ser ela também, há quase sete anos, moradora de rua, facilita o processo de aprendizagem.

A pernambucana Edlúcia Menezes, 52 anos, tem curso de magistério e, pelas circunstâncias da vida, foi morar nas ruas de Salvador. Ao verificar que ela tinha certificado de conclusão do curso, dirigentes do movimento Rua Tua, que trabalha com a população de rua em Salvador, resolveram aproveitá-la no projeto de alfabetização, em parceria com o programa Todos pela Alfabetização (Topa), da Secretaria de Educação da Bahia. “É a primeira experiência de alfabetização de população de rua que acontece em ambiente aberto, e tem dado muito certo”, explica Daiane Sodré, coordenadora do Topa. “Estamos colocando em prática o método de Paulo Freire de levar a escola onde os alunos estão.” O movimento Rua Tua tem sede no Pelourinho, na Ladeira de São Francisco, na capital baiana.

As aulas são dadas à tarde, no centro da Praça das Mãos, de segunda a sexta-feira. Tem-se a expectativa de que os 25 alunos que frequentam o curso da professora Edlúcia iniciem o processo de alfabetização e encontrem motivação para, em seguida, fazer a matrícula em uma turma regular de educação de jovens e adultos (EJA) em escola pública de Salvador.

Nesse processo inicial, que busca aliar alfabetização e cidadania, o estímulo e o exemplo da importância dos estudos e da emancipação vêm da própria Edlúcia. “Eu tenho a maior paciência com eles, conheço seus problemas e vejo a alegria que eles têm em aprender”, conta. “Meu marido, mesmo, está estudando na turma e já está juntando as letras para ler os nomes nos ônibus. Eu amo ensinar e há dez anos não tinha essa oportunidade.”

Pelas aulas na “escola da praça”, Edlúcia recebe R$ 400. “O dinheiro ajuda na alimentação, mas não dá para sair da rua. Aluguel aqui em Salvador é muito caro”, diz a professora. Ela também se preocupa com os alunos, que são assíduos e fazem os deveres de casa, mas não recebem merenda. “Essa escola na praça está dando certo porque os alunos se sentem livres para aprender, mas quando chove não temos como ter aula. Se tivesse uma cobertura aqui na praça seria muito bom”, sugere.

Redução — Coordenadora-geral do Topa há nove anos, a professora Elenir Alves, doutora em educação, com área de atuação em educação de jovens e adultos, observa que em 2007, quando o programa foi criado, o índice de analfabetismo na Bahia era de 23,15%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O programa já conseguiu reduzir esse índice para 14,7%, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2014. “O que significa uma alfabetização de cerca de 1,4 milhão de pessoas, oriundas de segmentos sociais diversos, tais como pescadores, quilombolas, trabalhadores rurais, pessoas privadas de liberdade e moradores de rua”, afirma Elenir.

O programa Topa já envolveu 600 entidades e levou atendimento a 416 municípios baianos. Os professores que trabalham como alfabetizadores são voluntários e devem ter, no mínimo, o ensino médio completo e experiência com educação popular. “Acreditamos na ressocialização a partir do processo educativo porque a alfabetização contribui para o empoderamento dos indivíduos”, diz Daiane.

Todos os alfabetizadores recebem bolsa do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e passam por cursos de formação, inicial e continuada nas universidades contratadas pelo Topa. “Alfabetizar as pessoas é uma das tarefas mais dignas que considero enquanto educadora popular que sou”, afirma Elenir. “O Topa vai além da ação alfabetizadora. Os espaços de sala de aula são espaços de socialização e cidadania para os nossos alfabetizandos.”

Premiação — O programa de alfabetização da Secretaria de Educação da Bahia, que procura aliar educação e emancipação, está entre as iniciativas de educação de jovens e adultos premiadas em 2016 pelo Ministério da Educação com a Medalha Paulo Freire. Desde 2005, o MEC promove essa premiação, que tem o objetivo de divulgar experiências bem-sucedidas, nos estados e municípios, de alfabetização e de ensino fundamental e médio para a EJA.

A educação de jovens e adultos é um grande desafio para o Brasil. Segundo dados recentes da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do MEC, o país tem 3,8 milhões de pessoas com 18 anos ou mais que retomaram os estudos em classes de educação de jovens e adultos. Apesar do número considerável de matrículas, as turmas de EJA atendem apenas a 5% do público potencial, de 81 milhões de brasileiros sem ensino médio.

Recentemente, o MEC anunciou ações, como unir as turmas de alfabetização de jovens e adultos ao Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). A ideia é que o estudante da EJA, ao desenvolver o aprendizado, tenha direito a escolher determinados cursos do Pronatec para que a formação ocorra de forma associada. Assim, tem-se a integração entre o conteúdo da escolarização e o do mundo do trabalho. (Rovênia Amorim)

(Republicada em 6.6.2016, com acréscimo de informações.)

Professora de Brasília defende equilíbrio entre disciplina e amor

Regina em aula sobre partes componentes da flor no CEF 17 de Taguatinga

Professora de ciências no ensino fundamental e de biologia no ensino médio, com experiência em escolas particulares e da rede pública de ensino no Distrito Federal, Regina Julia dos Reis Cairus leciona atualmente no Centro Educacional Sigma, em Águas Claras, no Centro de Ensino Fundamental 17, de Taguatinga e no Centro Educacional 123, de Samambaia, regiões administrativas do DF.

“Sempre quis ser professora”, diz Regina, que tem graduação em licenciatura em ciências biológicas. Para ela, a disciplina em sala de aula é fundamental, mas acredita ser necessário equilibrá-la com amor. “Se conseguirmos cativar o aluno, a aprendizagem será mais efetiva”, ressalta.

A professora brasiliense enviou depoimento especialmente para o Espaço do Professor. (Fátima Schenini)

«Quando criança, tive meus primeiros contatos com a biologia no jardim da minha casa e na cozinha. Meu pai, policial, era apaixonado por história e dominava a língua portuguesa com excelência. Embora tivesse pouca formação acadêmica, foi revisor de jornal e tinha uma vivência interessante, considerando-se suas viagens pelo Brasil e o tempo em que morou na Europa. Em casa, eu sempre ia com ele cuidar das plantas: adubar, semear, podar, acompanhar. Ele ainda me explicava sobre fotossíntese. Além disso, havia um canto no quintal, que eu chamava de laboratório. Só Deus sabe dos meus experimentos. Tinha coleção de pedras que meu pai trazia de suas viagens — esmeralda bruta, lapidada, quartzo, ouro, formação de ouro, ametista etc. Cresci em contato com vários animais, e cuidava deles — nossa casa era um zoológico... Pensei até em ser veterinária.

Na cozinha, achava interessante observar minha mãe, contabilista, batalhadora e de uma sabedoria ímpar. Com ela, tive as primeiras aulas de bioquímica, embora ela nem soubesse disso. Quando preparava massas, dizia que o pão crescia mais rapidamente se produzido em dias quentes ou se fosse deixado para “descansar” na bancada, sob o aquecimento do sol. Observava que ela separava uma pequena porção de massa de pão e colocava em copo d’água. Ela dizia que, quando a bolinha subisse, a massa já poderia ir ao forno. Eu não me interessava pela receita da massa, mas me fascinava ver a tal bolinha subir. Não entendia por que isso acontecia, mas futuramente descobriria a explicação. Eu gostava de preparar chás a partir das folhas da erva-doce. Particularmente, não tinha coragem de beber, mas todo mundo provava. O que me encantava, mesmo, era a cor da água clorofilada.

Uma inspiração importante para as minhas aulas são as minhas filhas. Sempre tive em mente que desejo para meus alunos o que gostaria que minhas filhas vivenciassem em sala de aula.

Vocação — Estudei minha vida quase toda em escola pública. Os anos mais marcantes foram no Centro Educacional Setor Oeste, na Asa Sul, escola na qual cursei o ensino médio. Eu me encantava por literatura, gramática e matemática, principalmente. Além disso, no mesmo período, estudava piano. Cheguei a me inscrever na prova de habilidades específicas, vestibular da UnB, para música. Entretanto, no meio da manhã na qual se realizariam as provas, sentei-me embaixo de uma árvore, olhei para o céu e resolvi ir embora. Não era o que eu queria enquanto profissão, embora tivesse optado por licenciatura.

Sempre quis ser professora. Ajudava meus primos e irmãos. Dava aulas particulares. É divertido e desafiador buscar uma forma de ajudar a mente a descobrir caminhos e encontrar soluções para as situações-problema. Até hoje uso isso em minhas aulas: mais importante do que chegar a um resultado em uma questão de genética, ou diferenciar um protostômio de um deuterostômio, é o caminho que a mente usa para construir os conceitos. A neurociência é um campo empolgante, e ninguém pode dizer ao outro o que ele não pode fazer. Pelo contrário, criamos meios e construímos oportunidades de aprendizagem.

No meu ensino médio, antigamente 2º grau, tive um professor de biologia que me inspirou desde o primeiro dia de aula, o professor Paulo Salles. Eu era apaixonada pelas aulas dele. Ele falava de biologia contando história. Era fascinante. Eu ficava triste quando o sinal tocava, indicando o término da aula. No entanto, ele saiu da escola ainda no primeiro semestre, e parece que meu encanto pela biologia foi junto. Retomei o amor pela área no final do terceiro ano, tive a grata oportunidade de reencontrar esse professor na UnB e contei com sua orientação novamente.

No Setor Oeste, tive um professor de matemática, Clovis Sabino, cujas aulas me encantavam. O quadro dele era impecável, e a aula sempre respeitava o tempo programado. Eu pensava: “Um dia, serei assim”. Quando ele terminava a resolução de um problema no quadro, escrevia: “C.Q.D”. Certa vez, depois de quase dois meses de aula, perguntei aos meus colegas, o que significava C.Q.D. Ninguém soube responder. Então, discretamente, fui à mesa do professor e perguntei: “O que significa C.Q.D?” Ele respondeu “Clóvis quem disse”. Meu olhar de decepção era notório. Então, ele sorriu e respondeu: “Significa, na verdade, em matemática, ‘como queríamos demonstrar’.” Então, rimos juntos.

Método — Gosto de trabalhar com projetos e laboratório, mas isso, ao contrário do que muitos pensam, nem de longe significa aula sem conteúdo. O uso de recursos nos possibilita a associação de informações. Isso minimiza a distância entre a teoria e a prática. Sou relativamente tradicional. Embora use recursos digitais e outros materiais, não abro mão de construir, com os estudantes, esquemas no quadro. Acredito que a epistemologia empirista seja um bom caminho para se desenvolver uma aula de biologia. A disciplina em sala também é importante: para que um escute, é necessário que o outro silencie, mas todos devem ter sua oportunidade respeitada — professor e alunos. Aula boa é aquela que envolve o aluno e ele envolve o professor. Quando o sinal toca, você ouve alguém dizer: “Nossa! Já acabou?”

Quantas vezes elaborei questões de avaliação a partir do que pude coletar em sala de aula? Acompanhar os processos seletivos aos quais os alunos se submetem ao final do ensino médio é fundamental, seja o Enem ou o PAS, que se desenvolve ao longo dos três anos. Se o professor preparar bem um aluno, consideradas as potencialidades desse aluno, as tendências de ensino a partir de uma análise crítica do conteúdo e as relações com outras disciplinas, ele estará apto para qualquer tipo de avaliação, principalmente se a realidade for o ponto de partida.

Disciplina em sala de aula é fundamental, mas é necessário equilibrá-la com amor. Atualmente, consigo desenvolver a aula com mais emotividade. Sou mais carinhosa em relação a um tempo anterior. Se conseguirmos cativar o aluno, a aprendizagem é mais efetiva. O casamento entre a razão e o coração certamente se aplica nesse sentido. O sistema límbico, em consonância com a razão, promove um desenvolvimento cognitivo surpreendente. Muitas vezes, somos consumidos pelo tempo cronometrado e tratamos “os diferentes como iguais” se não tomarmos cuidado. Mas vale a pena um olhar mais atencioso para aquele “aluno-problema”. Ele, muitas vezes, precisa mais do professor do que aqueles que o enquadram em um estereótipo desejado. Conversar separadamente ou perguntar: “Tudo bem com você?” pode desencadear um sucesso muito mais efetivo do que retirar o aluno de sala. Entretanto, se o encaminhamento for necessário, deve ser feito e de forma assertiva, sem excesso.

Sabe, é apaixonante acompanhar o aluno durante um ano, e até por mais tempo, e ver seu crescimento.

Quanto à aula prática, nem sempre podemos levar o aluno ao laboratório, mas podemos convidá-lo a uma perspectiva diferente. Uso outros recursos: “Estou de mono ou dicotiledônea hoje?” Espero os alunos observarem um pouco os detalhes... Nesse momento, uso um brinco de folha cujo tipo de nervura tenha relação com o número de pétalas das flores que compõem o discreto, mas perceptível, bordado da blusa. Se possível, ainda uso uma delicada pulseira com borboleta, para lembrar a coevolução das angiospermas com os insetos. O look fica fashion... A partir daí, trabalhamos as outras partes da planta. Se precisar, imito uma planta distribuindo seiva bruta e elaborada. A performance é um horror, mas eles parecem entender. Se a aula é sobre grupos sanguíneos, passo no hemocentro e vejo como anda a disponibilidade de sangue e ainda faço a campanha em sala de aula para doação. Também peço que eles cruzem os braços e que observem se o braço direito cai sobre o esquerdo ou o contrário, pois há uma relação genética nessa situação.

Comentamos reportagens e fazemos um paralelo histórico. Muitos têm uma ideia equivocada de que todos os cientistas já morreram... Cabe a nós, professores, mostrar que a ciência é contínua. Além disso, nem todas as informações são antigas. Os alunos entregam-se à reflexão quando percebem, por exemplo, que a descoberta do DNA é algo relativamente recente. Muitos avós acompanharam em notícias avulsas de jornais o que hoje se apresenta como fato até em livros do ensino fundamental. Eles ficam perplexos quando descobrem que James Watson, um dos cientistas que “descobriram” e elucidaram a composição do material genético na década de 1950, ainda é ativo na área.

É interessante ajudar a tornar evidente aquilo que o cotidiano encobre e fazer o elo entre o senso comum e o científico. Aliás, hoje, os processos seletivos exigem essa destreza do aluno. Conceitos decorados são informações em blocos mortos. Não é esse tipo de estudante que as universidades buscam. Apesar da globalização, ficamos diante de um desafio: trabalhar conteúdos significantes e fazer um link com os recursos tecnológicos sem perder o foco acadêmico. Se não houver uma mediação adequada, o aluno informa-se sobre tudo, mas não conhece nada, e a alienação diante do bombardeio de informações toma o espaço da sabedoria.

Inclusão — Associado a todos esses fatos, ainda há o descompromisso de muitas famílias que desmoronam e transferem à escola suas responsabilidades. Dessa forma, recebemos, muitas vezes, alunos que apresentam lacunas emocionais sérias, que se refletem nas relações e na aprendizagem. Além disso, ainda precisamos lidar com vários tipos de laudos que nem sempre refletem um diagnóstico, um tratamento e medicações corretos. Claro que há casos cujo tratamento é bem-sucedido, e nessas situações vemos que a família é presente, o que faz a diferença, principalmente.

Muitas pessoas tratam características como se fossem defeitos. Particularmente, penso diferente. Tomando o uso de uma enxada como analogia, compreendo que não é um instrumento bom ou ruim. Pode ser usado de forma correta em um jardim ou para atacar alguém. Nossas características também são assim. Mais importante do que rotular alguém é ver o que se pode fazer com as características apresentadas. Não paro diariamente para ficar pensando nisso durante a aula. Assim que recebo os laudos, estudo sobre o assunto e procuro profissionais da área quando possível. Trabalho as habilidades de acordo com as oportunidades. Conhecer um pouco mais sobre síndromes e distúrbios de aprendizagem pode nos ajudar a ter um olhar mais diferenciado e trabalhar expectativas.

Infelizmente, o sistema de ensino no Brasil ainda não promove uma educação realmente inclusiva. Em sala de aula, há alunos com vários tipos de potencialidades. Para o aluno mais sinestésico, dar aula em movimento pode ser mais interessante, pois ele não se dispersa tão facilmente se você o convida. Quanto ao aluno mais visual, um quadro bem elaborado ou um slide com letra e imagem bem relacionadas torna-se um recurso importante. Quanto aos mais auditivos, histórias sobre o assunto, mesmo que engraçadas, ajudam a compreender e a identificar partes da matéria. Os meninos não sabem que olhamos tudo isso. Pelo menos, é assim que procuro lidar com as situações. Não deixo aluno dormir. Não abro mão da minha importância em sala e não abro mão de ninguém. A pior forma de destruir um ser humano é o desprezo, e meu papel em sala não é esse.

Quanto aos recursos didáticos, se a aula é sobre homopolissacarídeos, levo um colar de pérolas. Esse mesmo colar é utilizado na aula sobre ácidos nucleicos. Se for sobre proteínas, o polímero é outro. Uso um colar de miçangas distintas. Não há déficit de atenção que resista. Nem sempre conseguimos os resultados que gostaríamos, mas vamos caminhando. A dificuldade de aprendizagem pode ser decorrente de fatores distintos. Nem sempre conseguimos atingir nossos objetivos, principalmente quando a turma é muito heterogênea.

Tenho três lembranças de alunos com síndrome de Asperger, em graus distintos, que me ensinaram muitas coisas. Aceitar uma condição é diferente de alimentar frustrações. Além disso, as situações podem apresentar resultados surpreendentes se tivermos um olhar diferenciado.

Todo esse cenário transforma a sala de aula em laboratório!

Equipe — Um ponto determinante para o desempenho do corpo acadêmico é o trabalho em equipe, tanto docente quanto discente. Escolas cujos professores trabalham sozinhos não conseguem um bom rendimento acadêmico. Tenho a felicidade de dizer que trabalho em escolas cujo trabalho em equipe é bem-sucedido. No Sigma, trabalhamos várias unidades em sincronia. É um desafio. Acertamos conteúdos, fazemos combinados, elaboramos avaliações e trocamos ideias semanalmente, respeitando a individualidade e o jeito peculiar de cada um. Divido frentes com colegas que têm sido um referencial na minha prática docente, sob uma coordenação cuidadosa e organizada. Na secretaria, desenvolvemos projetos importantes. As direções das escolas nas quais trabalho têm um foco acadêmico importante e dão oportunidade ao desenvolvimento das propostas com excelência. Componho uma equipe com colegas que me inspiram. Aliás, se pudesse, mencionaria nominalmente todos com quem trabalho atualmente e aqueles que me ensinaram tantas coisas, desde o início da minha carreira profissional. Em ambientes de trabalho assim, apenas crescemos.

Quanto aos aspectos negativos, além de poucos, transformo-os em adubo. Uma boa semeadura em terreno bem adubado é tudo.

Embora trabalhe com projetos continuamente, raramente inscrevi as produções em concursos. Certa vez, ganhei o segundo lugar no prêmio Professor Nota 100, premiação proporcionada pelo Sinepe [Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Particulares do DF], com um projeto sobre modelos biológicos no qual os alunos deveriam desenvolver e usar modelos em 3D na explicação de uma proposta dada, consideradas as proporções reais da estrutura em questão. Por exemplo, um grupo montaria um modelo para explicar a síntese de colágeno em uma célula animal. Não iria apenas construir uma célula. Ele deveria usar o modelo no seminário, a fim de explicar como ocorria a síntese do colágeno. O projeto envolvia a elaboração do anteprojeto, com a explicação teórica sobre o assunto, a proposta de trabalho do grupo, o desenho do modelo com os materiais usados e a proposta do grupo. O anteprojeto, depois de lido pelo professor, seria devolvido ao grupo de alunos, que deveria fazer as correções necessárias. Então, seria entregue o projeto final, no dia da apresentação dos seminários. Lembro-me de um grupo que produziu o modelo de uma membrana plasmática com 6 mil cotonetes. Além disso, ainda havia um motor na membrana que a fazia vibrar. Ganhei prêmio de destaque na escola algumas vezes.

Aproveito algumas datas comemorativas para o desenvolvimento de aulas variadas. Gosto de fazer o aulão do Dia dos Namorados. O projeto começou com a equipe de biologia da qual eu fazia parte no Centro Educacional Leonardo da Vinci. Fazíamos a aula com direito a música, teatro e explicações sobre a fisiologia e a bioquímica da paixão. Nos anos seguintes, passei a desenvolver o projeto com alunos e convidados. A aula combina tecnologia e conteúdo. Explora, também, poesia, história e as habilidades dos alunos, com direito a dança e outras formas de expressão corporal. Sempre tem um eixo central que desencadeia um olhar mais atento e respeitoso para a sexualidade de uma forma saudável, diferentemente do que se preconiza na mídia.

Livro — Quanto ao livro didático, uso pouco em minhas aulas. Ele deve ser o apoio para o aluno, não a “bengala” para o professor. Não critico o uso do livro em sala. Até mesmo porque cada disciplina tem sua dinâmica e, mesmo nas minhas aulas, faço algumas leituras sugeridas ou oriento como determinado capítulo seria mais bem estudado a partir do próprio livro. Também há ilustrações que podem ser um bom recurso. Se o livro for digital, ainda pode oferecer animações. Sei que há opiniões distintas sobre o assunto. Certamente, se o livro é adotado, ele deve ser usado e cobrado. Não faz sentido um item tão caro da lista de materiais ser pedido desnecessariamente. Mas isso não significa que ele deva ser a única fonte de uma aula. Além disso, se não for digital, é muito pesado para ser transportado. Gosto de fazer a aula com o uso de várias fontes. Não há um livro de biologia que atenda a todas as necessidades. A biologia é uma área que passa por modificações continuamente. O desenvolvimento de técnicas, de aparelhos e as descobertas contínuas em várias áreas exigem que o professor se atualize continuamente. Além disso, há alterações pertinentes ao contexto sociocultural. Enquanto o livro é escrito, já está desatualizado.

Certa vez, enquanto produzíamos um material sobre álcool e comentávamos o percentual aceito pela legislação, com o capítulo praticamente escrito, o código mudou e foi aprovada a Lei Seca. Todo recurso que possa ajudar o aluno a compreender melhor a realidade e construir conceitos pode e deve ser usado pelo professor. Até clipes e tampas de canetas podem ser recursos adotados em sala. Particularmente, não uso práticas mnemônicas que não favoreçam a construção do conhecimento. Prefiro práticas que estimulem o raciocínio.

Escrevo materiais didáticos usados em cursos preparatórios e no material didático do ensino médio. Reviso livros e outros materiais. Recentemente, foi publicado pela Editora Enovus o livro digital de biologia para o primeiro ano, disponível em fascículos na Apple Store. Escrevi em parceria com os colegas Rogério de Oliveira e Sílvio Miranda. É uma experiência gratificante. O livro conta com imagens e animações que enriquecem o material e tornam o conteúdo bem mais interessante. Considero importante que os textos partam da realidade do aluno para que ele se sinta familiarizado e confortável ao ler o livro. No entanto, a obra deve oferecer condições, vocabulário e conteúdos que possibilitem ao aluno expandir seus conhecimentos e elaborar novos conceitos. Mediar o senso comum e o científico não é tarefa simples.

Ganhei motivação para escrever material didático na UnB, enquanto fazia a graduação. Lá participei de projetos que envolviam a análise de livros didáticos sob a orientação dos professores Maria Helena da Silva Carneiro e Wildson dos Santos. Uma das referências de amor pelo ensino na minha carreira profissional é o professor Ricardo Gauche, coordenador da integração das licenciaturas da UnB, que sempre se dedicou à educação. Com ele, compreendi melhor a importância de um olhar mais cuidadoso para a prática docente e os processos de avaliação. Além disso, participei como monitora de cursos de atualização para professores no ensino de evolução, também oferecidos pela UnB, sob a orientação das professoras Rosana Tidon e Nilda Rojas. Tive ali a oportunidade de participar da elaboração de material publicado sobre práticas no ensino de evolução, o que me despertou ainda mais o interesse pela produção de textos.

Inspiradores — Quanto à paixão pela prática, agradeço a vários professores que me inspiraram e orientaram, como Anamelia Bocca. Ela me proporcionou a orientação na área de imunologia. Sua paixão pela pesquisa, que me inspirou, e sua praticidade foram fundamentais na minha formação acadêmica. O professor Edivaldo Ximenes foi uma das referências práticas em didática porque suas aulas de bioquímica eram realmente inspiradoras.

Poderia citar vários profissionais que me orientaram, mas são muitos. Deixo o pedido de desculpas, mas represento-os na prática docente no dia a dia. Aliás, não gosto muito de assinar os textos que produzo. Originalmente, não são ideias minhas, já que sempre parto de bibliografias cujas fontes são referências. Além disso, em um texto nunca fica o pensamento de uma pessoa apenas. Registramos no papel o somatório de experiências vividas que sempre foram inspiradas por outras pessoas e imagens. Cada palavra que imprimimos corresponde à verbalização de sentimentos, de sensações e de raciocínios cujos créditos se devem a vários autores que nos inspiraram e contribuíram para nossa formação. Dessa forma, ninguém escreve sozinho. Somos muitas vozes que falam em uma só. Nossas palavras e ações certamente ecoam e têm a capacidade de transformação em outras mentes. Assim, o papel do educador e do escritor não fica circunscrito a um ponto no espaço. Somos resultado da motivação daqueles que tocaram nossa alma e da inspiração daqueles que nos motivam a continuar. Nesse contexto, esses professores, que também são cientistas, fazem parte das minhas aulas até hoje.

Ao longo da docência, conheci muitas pessoas maravilhosas. Dentre as quais, cito a auxiliar Nilza de Jesus, auxiliar de laboratório do Centro Educacional Leonardo da Vinci e do Laboratório de Genética da Faculdade de Saúde da UnB. É importante aprender com as pessoas que nos cercam. Uma aula é uma orquestra. Você pode executar a mesma peça várias vezes, mas cada apresentação será sempre ímpar. As lâminas e todo o material de laboratório que a Nilza preparava para as aulas eram impecáveis para todos os horários. A sabedoria que ela trazia em suas colocações até hoje me ensinam. Algumas coisas, eu compreenderia muito tempo depois. Creio que a relação entre aluno e professor também seja assim. Compreendi certos exemplos e condutas de meus ex-professores apenas muitos anos depois de suas aulas, porque a aula nem sempre se encerra após os 50 minutos que o relógio demarca. Tem aula que é para a vida inteira. O papel do professor transcende as quatro paredes.

O trabalho com amor e dedicação é o caminho certo para o sucesso.

Há um pensamento de Rubem Alves que toca minha alma: “O brilho do sol, no lado de dentro da gente, se chama sonho”. Para mim, o brilho que move a minha vida e os meus sonhos é o amor. Amar é um exercício diário que perpassa, também, a sala de aula, todos os dias.

C.Q.D.»

Leôncio Soares (UFMG): “É necessária uma formação específica do educador para trabalhar na EJA”

Professor Leôncio Soares, da UFMG

Professor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Leôncio José Gomes Soares desenvolve pesquisas na área de educação, especialmente a educação de jovens e adultos (EJA). Ele defende a necessidade de uma formação específica do educador para trabalhar na área, formação esta que atenda às especificidades dos jovens, adultos e idosos. “Cada ciclo da vida humana requer atenções e olhares voltados para o entendimento do que é próprio daquele ciclo”, diz o professor. “Acrescenta-se ao ciclo a realidade de serem pertencentes aos coletivos populares, o que significa tratar o jovem pobre, com suas circunstâncias, suas necessidades, seus interesses, suas motivações e expectativas em relação ao processo de formação.”

Segundo Soares, é necessário pensar em um currículo mais apropriado, bem como na elaboração e produção de recursos didáticos. “Não faz o menor sentido trabalhar a alfabetização de adultos com imagens e textos infantis, bem como utilizar atividades didáticas pensadas para adolescentes com um público idoso”, avalia.

Soares tem graduação em letras, mestrado e doutorado em educação e pós-doutoramento na Universidade Federal Fluminense (UFF) e na Northern Illinois University, dos Estados Unidos. (Fátima Schenini)

Jornal do ProfessorQual é a missão da educação de jovens e adultos no Brasil? Ela guarda alguma relação com o antigo curso supletivo?

Leôncio Soares — Não diria missão, e sim função. A educação de jovens e adultos tem origem na educação de adultos e diz respeito a processos de formação dos sujeitos. No Brasil, a partir das décadas de 1980 e 1990, a educação de adultos acolheu o campo da juventude, dada a ausência de políticas voltadas para esse ciclo da vida humana. A relação com o antigo curso supletivo é porque os sujeitos, sejam eles jovens, adultos ou idosos, são os mesmos. A maneira de concebê-los e, consequentemente, de trabalhar com eles é que marca a diferença. Enquanto no supletivo prevalece a ideia de repor conteúdos perdidos, na educação de jovens e adultos se procura envolver os sujeitos na construção de um processo de formação a partir de suas realidades.

Como esse tipo de educação evoluiu em nosso país? Quais as lacunas históricas e fatores recentes que fazem o Brasil ainda precisar de uma política de jovens e adultos?

— Historicamente, no Brasil, os jovens e adultos populares sempre tiveram negados seus direitos à educação. A elite brasileira, quando se lembra dessa parcela da população, é para colocá-la na linha. Foi assim no início do século 20, quando campanhas de educação de adultos se espalharam no país visando à alfabetização de futuros eleitores. Como causa dos desmandos, da miséria e das epidemias, uma discriminação e um preconceito sobre os analfabetos motivaram iniciativas visando a “erradicar esse mal social”. Não se atacavam as causas do analfabetismo, mas o sujeito na condição de analfabeto. Desde então, esses sujeitos são vistos pelo prisma da falta, da ignorância, da incapacidade e do não saber. Movimentos populares e de trabalhadores procuraram imprimir uma educação emancipadora em suas atividades educativas. Na década de 40, Paschoal Lemme [1904-1997] propôs uma educação a partir das necessidades e interesses dos trabalhadores. Na década de 50, Paulo Freire [1921-1997] introduziu a educação com foco no sujeito e na transformação de sua realidade. Passados 500 anos, temos um contingente de 65 milhões de brasileiros, acima de 15 anos, que ainda não conseguiu concluir nem sequer o ensino fundamental. Esse dado da realidade já é suficiente para demandar do Estado o dever para com a garantia do direito à educação aos jovens, adultos e idosos.

Qual é a situação da EJA no mundo, atualmente? Em países desenvolvidos, esse tipo de educação é oferecido da mesma forma que no Brasil? Quais as diferenças e similaridades?

— Obviamente, essa situação não é a mesma no resto do mundo. Países ditos desenvolvidos, localizados predominantemente no hemisfério norte, não convivem com a realidade do analfabetismo. Portanto, a educação de adultos, em muitos deles, é concebida como uma atualização profissional, com novas aprendizagens computacionais ou mesmo de um novo idioma, como fruição artística, histórica e cultural. Países como Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, França, Itália e convivem com um movimento migratório por serem focos econômicos. Nesses países, a educação de adultos assume também a aprendizagem de um segundo idioma para as populações que os procuram.

Há um perfil básico dos alunos de EJA no Brasil?

— Como somos um país de dimensões continentais, a característica da EJA é a heterogeneidade do público que a demanda, marcada por diversidade etária, racial, de gênero, de religião e população LGBT. Não se trata de qualquer jovem, qualquer adulto ou qualquer idoso. São jovens e adultos pertencentes a camadas populares que não tiveram acesso à escola devido a inúmeros fatores, como negação do direito a estudar, necessidade de ter de trabalhar precocemente, de auxiliar a família no cuidados com os irmãos ou algum parente adoentado. Nas salas de EJA, esse público se identifica nas histórias comuns de exploração, opressão e exclusão social.

Como está a formação dos professores que trabalham com a EJA? Eles precisam de formação específica?

— Por muitos anos, a EJA não teve visibilidade, pois era tratada como um problema de pequena proporção. Achavam que eram somente alguns que ainda não sabiam ler nem escrever. De um lado, com a atualização dos dados por meio de estatísticas e indicadores sociais, e de outro, pela forte pressão que os setores populares passaram a fazer ao poder público pelo atendimento ao direito de todos à educação, a EJA passou a ser vista como um problema de grandes proporções. Assistimos a uma ampliação do público demandante da EJA entre o fim do século passado e o início deste. As universidades não acompanharam esse crescimento na mesma proporção. Nas faculdades que formam o professor para a educação básica, a cultura ainda está presa à preparação para atender o público infantil, as crianças e os adolescentes até o ensino médio. A imagem de um adulto ou mesmo do idoso dentro de uma escola de ensino fundamental é ainda desconhecida de muitos cursos de preparação de professores. Iniciativas ainda pontuais vêm se dando em cursos de pedagogia do país, com uma cobertura bem reduzida, se levarmos em conta o atendimento existente nas escolas. Em relação aos cursos de licenciatura que formam os docentes para atuar no segundo segmento do ensino fundamental e no ensino médio — professores de língua portuguesa, de matemática, de geografia, de ciências, de história e de educação física —, os profissionais, muitas vezes, vão trabalhar com a EJA sem uma preparação específica para atuar com esse público. Uma formação específica do educador para trabalhar na EJA é, sim, necessária.

Quais os principais aspectos que os professores de EJA devem observar para a obtenção de melhores resultados com seus alunos?

— Não se trata propriamente de obtenção de melhores resultados, pois não estamos discutindo aqui sobre os distintos rumos que podem ser dados à EJA. Quando nos referimos a uma formação apropriada, estamos nos referindo às especificidades dos sujeitos jovens, adultos e idosos que compõem o público da EJA. Cada ciclo da vida humana requer atenções e olhares voltados para o entendimento do que é próprio daquele ciclo. Acrescenta-se ao ciclo a realidade de serem pertencentes aos coletivos populares, o que significa tratar o jovem pobre com suas circunstâncias, suas necessidades, seus interesses, suas motivações e expectativas em relação ao processo de formação.

Os alunos de EJA necessitam de recursos e materiais didáticos específicos? Como está essa questão?

— Se entendermos que eles estão circunscritos a realidades distintas dos demais estudantes, logo é necessário pensar um currículo mais apropriado. Assim também se dá com a elaboração e a produção de recursos didáticos. Não faz o menor sentido trabalhar a alfabetização de adultos com imagens e textos infantis, bem como utilizar atividades didáticas pensadas para adolescentes com um público idoso.

Qual sua opinião sobre as aulas a distância nos cursos de EJA?

— Em primeiro lugar, temos de reconhecer que se passaram quase 500 anos até que se conquistasse o direito de todos à educação. Isso produziu uma dívida social para com uma parcela significativa da população, e o atendimento a esse direito não pode se dar sem qualidade na oferta. É necessário garantir o acesso desse público demandante da EJA a escolas com instalações adequadas e espaços apropriados. A efetivação do direito não se esgota simplesmente com a garantia do acesso. Há que garantir também a permanência, e essa só se conquista com a qualidade de uma proposta de experiência escolar significativa. Muitos já sofreram a exclusão social, que os impossibilitou de estudar; outros foram excluídos pela segunda vez ao tentarem estudar e não serem atendidos em suas especificidades. Entre as formas de atendimento a esse público, a aula a distância é uma das estratégias possíveis. A educação a distância requer, no entanto, disponibilidade de tempo e de equipamentos e uma postura disciplinada da parte dos estudantes para gerir os momentos de estudos. Grande parte do público da EJA está sem concluir o ensino fundamental exatamente pelos motivos sociais e econômicos que o excluiu da escolarização. Logo, não são muitos os estudantes com perfil autodidata, próprios da educação a distância.