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JORNAL

Alfabetização nos Anos Iniciais

Quarta-feira, 27 de Julho de 2016

Edição 127

EDITORIAL - Alfabetização nos Anos Iniciais

Para a edição número 127 do Jornal do Professor, cujo tema é Alfabetização nos Anos Iniciais, selecionamos as experiências desenvolvidas pelas professoras Ana Márcia da Silva Vieira, da Escola Municipal Olegário Mariano, no Rio de Janeiro (RJ); Rosângela Kirst da Silveira, da Escola Municipal de Educação Básica Coronel Antônio Lehmkuhl, em Águas Mornas (SC); Viviane Alves, da Escola Classe da 308 Sul, em Brasília (DF); e pelo professor Rones Aureliano de Sousa, do Colégio de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia, (MG).

Também apresentamos a experiência da professora Regina Magna Martins, da secretaria estadual de educação de Mato Grosso Sul, orientadora de estudos do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic).

O titular da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação, Rossieli Soares da Silva, fala sobre alfabetização e sobre o Pnaic.

A professora aposentada Maria Aparecida Ferreira Morais, de Santo Antônio do Rio Abaixo, (MG), participa da seção Espaço do Professor. E o professor Artur Gomes de Morais, do Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais da UFPE, está na seção Entrevista.

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas.

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Alunos de escola fluminense criam álbum das Olimpíadas como ação de aprendizagem

Aluno pinta bandeirinha

Em ano letivo de Olimpíadas, a professora Ana Márcia da Silva Vieira, da Escola Municipal Olegário Mariano (Emom), na Zona Norte do Rio de Janeiro, teve a ideia de criar com os alunos de duas turmas de alfabetização um álbum de figurinhas das Olimpíadas do Rio 2016, com as bandeiras dos principais países dos atletas. O projeto empolgou tanto as crianças que foi muito além da tradicional atividade de preencher o álbum com as figurinhas ─ no caso, as bandeirinhas dos países. Elas não apenas apreenderam, de forma lúdica, habilidades da fase própria da alfabetização, como assimilaram informações sobre a geografia e a cultura de nações participantes dos Jogos Olímpicos.

Assim, antes de entrarem de férias, em agosto, para poder acompanhar as disputas das 42 modalidades esportivas na cidade em que vivem, as crianças do segundo e do terceiro anos do ensino fundamental da professora Ana Márcia não apenas completaram o álbum de figurinhas como enfeitaram os corredores da escola com bandeiras de diferentes países que aprenderam a pintar com as cores certas. “Na época em que realizei a pesquisa com os alunos, o número de países participantes estava em 62. São desses as bandeirinhas do nosso álbum, que traz também a bandeira oficial das Olimpíadas”, esclarece a professora. No site oficial das Olimpíadas Rio 2016 são contabilizados atletas de 206 países.

“Os alunos ficaram encantados com o projeto, principalmente pelo fato de que eles mesmos confeccionaram os álbuns. Essa empolgação conta a nosso favor na alfabetização, pois estão motivados, e isso é importante no processo de aprendizagem”, explica a professora, de 51 anos, que tem formação em letras e é orientadora, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de estudos do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) do Ministério da Educação.

Prêmio ─ A experiência de trabalhar com o álbum de figurinhas em classes da alfabetização é descrita no blogue Alfabetização Criativa, que a professora mantém e foi premiado, em 2012, pelo município do Rio de Janeiro, na categoria Blogue de Educador.

Segundo a professora, o álbum pode contribuir para o processo de alfabetização de várias formas. “Uma delas é o fato de as crianças gostarem de colecionar, o que foi de grande valor para o aprendizado nesse período”, afirma. Ana Márcia conta que a primeira atividade foi colorir as bandeirinhas dos diferentes países, depois recortadas e coladas no álbum. “Essa atividade durou vários dias e, para facilitar esse processo, organizei um arquivo em [software] powerpoint com os continentes e todas as bandeiras do álbum para que as crianças pudessem ver como são na realidade e colori-las corretamente”, explica.

Ao fim dessa atividade, as bandeirinhas foram cortadas e organizadas em saquinhos de pipoca. No fim da aula, cada criança podia pegar cinco figurinhas, aleatoriamente. “Era prazeroso ver a alegria e a troca que ocorria entre os alunos na expectativa de completar o álbum”, comenta a professora. O projeto do Álbum das Olimpíadas Rio 2016, no entanto, desdobrou-se em uma série de outras atividades interdisciplinares. Os alunos aprenderam, por exemplo, a localizar o Brasil no mapa-múndi e descobriram a quantidade de países participantes em cada um dos cinco continentes. “Eles são pequenos, e não podemos trabalhar com muitas informações, mas eles aprenderam, por exemplo, que a Europa foi o continente que mais enviou atletas e sabem que a Rússia e a Turquia estão em dois continentes, formando a chamada Eurásia”, diz Ana Márcia. Essas descobertas foram agrupadas pela professora em gráficos e tabelas.

Ao colorir as bandeirinhas do álbum, as crianças ainda aprenderam a identificar formas geométricas e o significado dos diferentes símbolos nacionais e a colocar os nomes dos diferentes países participantes em ordem alfabética. Por isso, o uso do dicionário foi incentivado. Os alunos recebiam letras do alfabeto e tinham de dizer que países com atletas nas Olimpíadas começavam com aquela letra. “O aluno que recebeu a letra ‘q’ estranhou o jeito de escrever Qatar e eu tive de explicar que era um nome estrangeiro, mas que era possível escrever Catar também”, ressaltou a professora.

Tom e Vinícius, respectivos mascotes das Paraolimpíadas e das Olimpíadas do Rio 2016, em homenagem ao músico e ao poeta brasileiros, também ajudaram no processo de alfabetização. “Eu usei muito as músicas de Vinicius (de Moraes), do disco A Arca de Noé, para que os alunos ouvissem os nomes dos animais e aprendessem a lê-los e escrevê-los em ordem alfabética”, explica a professora. “Acredito na alfabetização que faça sentido porque alfabetizar é muito mais do que ensinar a ler e a escrever”, diz. “É preciso aproximar a sala de aula da vida fora da escola porque, se não houver essa aproximação, a criança pode concluir que se aprende a ler e a escrever para passar de ano e para copiar exercícios dados pelo professor.”

Propósito ─ De acordo com Ana Márcia, para tornar a aprendizagem significativa é importante estar atento ao que acontece fora das paredes da escola e ao que está no foco de interesse dos alunos. Assim, os Jogos Olímpicos serviram ao propósito pedagógico do primeiro semestre da Escola Olegário Mariano. A professora revela que a ideia de criar o projeto do álbum de figurinhas surgiu a partir do projeto político-pedagógico adotado pela escola para este ano letivo, intitulado Emom nas Olimpíadas pela Paz.

Cada professor ficou responsável por envolver os alunos da sua turma na confecção de uma grande bandeira de um dos países participantes dos Jogos. A classe do segundo ano da professora Ana Márcia ficou com a bandeira da Suécia e sua turma do terceiro ano, com as da Coreia do Norte e de Israel. As bandeiras feitas pelos alunos foram expostas nos corredores da escola. “Diante do encantamento das crianças com a exposição das bandeiras, decidi criar o projeto do álbum de bandeirinhas”, revela a professora. “Nós, professores, precisamos estar atentos a todas as oportunidades de aprendizagem que aparecem diante de nós.” (Rovênia Amorim)

Projeto utiliza filosofia para alfabetizar

Crianças observam relógios feitos com material reaproveitado

As 17 crianças chegaram ao segundo ano escolar sabendo ler apenas umas poucas palavras e sem interesse em ler as histórias dos livros infantis. “Faltava o brilho nos olhos, a ousadia para arriscar, para se expor em tentativas de acertos e erros; enfim, faltava o querer”, descreve a professora alfabetizadora Rosângela Kirst da Silveira ao conhecer a nova turma, no início do ano letivo de 2015. Era preciso pensar num projeto que estimulasse o gosto pela leitura e que desse sentido àquelas poucas palavras e frases que as crianças aprenderam a soletrar. Nascia, assim, o projeto pedagógico e filosófico Quanto Tempo o Tempo Tem?, desenvolvido na Escola Municipal de Educação Básica Coronel Antônio Lehmkuhl, em Águas Mornas, município de 6,1 mil habitantes, de Santa Catarina.

Além de desenvolver nas crianças as habilidades e o hábito da leitura, o projeto elaborado pela professora contemplava os domínios de aprendizagem esperados para alunos daquela faixa etária. A tradicional roda de leitura — um círculo no centro da sala de aula, formado pelos alunos e a professora — foi a estratégia adotada para estabelecer a rotina. Antes de abrirem os livros, as crianças foram desafiadas, com indagações, a pensar e a imaginar. “Quanto tempo o tempo tem?”

Essa foi apenas a primeira pergunta. A professora logo apresentou mais questões desafiadoras: “Você já desejou que hoje fosse amanhã e que ontem pudesse ser hoje?”; “A morte tem alguma relação com o tempo?”; “As coisas e objetos se transformam com o tempo?”; “Você já pensou em construir uma máquina que pudesse viajar no tempo?”; “Podemos pegar o tempo e medi-lo?”. E enfim a pergunta final, que instiga os alunos a querer abrir os livros e a iniciar, pela leitura, o percurso da leitura e da alfabetização: “Que tal caminhar comigo pelas fronteiras do tempo, buscando respostas para as perguntas?”

Descoberta — Segundo a professora, que tem dez anos de experiência como alfabetizadora, as crianças gostam de desafios, de perguntas, de mistérios. “Principalmente se essas perguntas estiverem relacionadas com a vida delas e puderem caber em suas imaginações”, explica. Não demorou muito tempo para que as crianças entre 6 e 7 anos se interessassem pelos livros. “Nessa faixa etária, as crianças estão desenvolvendo a capacidade de compreensão do mundo, tendo como meio básico a leitura e a escrita. Dessa forma, a leitura é um instrumento importante para a descoberta do mundo”, afirma. “Desenvolver a habilidade da leitura é o objetivo central de uma professora alfabetizadora.”

Mais do que terminar o ano sabendo ler, o propósito do projeto era encontrar o gosto e o prazer pelos livros. Assim, a leitura não se tornaria uma obrigação e resultaria na formação de novos leitores. “Para que esse processo ocorra, descobri que é necessário fazer um trabalho que envolva os alunos”, diz. “Então, sempre trabalho com projetos interdisciplinares que contemplem a participação ativa de todo o grupo.”

Segundo a professora, a roda de leitura não apenas organiza um espaço permanente para a leitura interativa como contribui para que todas as crianças entendam o texto lido e se posicionem de forma reflexiva.

Embora a escola não tenha espaço para uma biblioteca, a professora usou na roda de leitura as obras paradidáticas do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) do Ministério da Educação e livros que as crianças tinham em casa ou colaborações dos professores. Em comum, todos os livros guardavam histórias que ajudavam a responder à pergunta-base do projeto pedagógico: “Quanto tempo o tempo tem?”. Entre os títulos selecionados: Alice no País das Maravilhas, de Lewis Caroll; O Metrônomo Mágico, o Tempo que Passa, de Christian Grenier; Gabi, Perdi a Hora, de João Basílio, e Gente de Muitos Anos, de Malô Carvalho, entre outros.

À medida que os livros eram lidos, novas perguntas surgiam: “Existem outros mundos que não conhecemos, como o da Alice?”

A turma das 17 crianças do segundo ano, muitas delas moradoras na zona rural do município, entendeu que, apesar das tentativas da ciência para as viagens no tempo, até agora elas somente são possíveis nos filmes, nos livros e na imaginação. Nesse contexto, inspirados no livro sobre o mundo de Alice, os pequenos foram convidados a um chá com bolachinhas e charadas para os colegas na sala de aula. As bolachinhas foram feitas pelos próprios alunos e, assim, trabalhou-se um outro gênero textual, o das receitas, e inseriu-se no projeto a matemática e um pouco da cultura e da geografia do mundo.

Filósofo — Dentro do espírito filosófico do projeto, a professora ajudou a turma a construir um boneco representativo do filósofo grego Tales de Mileto, que acolhe aqueles que querem pensar. “A casa do Tales ou a casa do tempo, como as crianças a chamavam, foi construída com caixinhas de leite e foi o grande orgulho da turma”, conta a professora. Nessa fase, os alunos conheceram o pensamento de Tales de Mileto e sua descoberta sobre a “constatação da passagem do tempo através das modificações das coisas da natureza”. Respondia-se, assim, a mais uma das perguntas desafiadoras feitas pela professora. E depois, mais uma e outra mais.

“Eu disse às crianças que o filósofo Tales nos mostrou o quanto é importante observar as coisas e pensar sobre elas, e aí descobrimos que sentar em roda para ler e pensar não era uma coisa nova”, afirma. “Aprendemos que as pessoas sentam-se em roda há muito tempo, que é uma antiga organização humana para reunir grupos que fazem coisas juntas ou para tratar do interesse de todos. É na frente da casa desse filósofo, em um tapete aconchegante, que as nossas rodas de leitura acontecem.”

Após as rodas de leitura, o projeto foi enriquecido com pesquisas sobre instrumentos de medida de tempo, como o relógio de sol, a ampulheta, a clepsidra ou relógio de água, a linha do tempo e o relógio de pêndulo. “Nesse momento do projeto, toda a escola já conhecia o Tales e o nosso projeto sobre o tempo. Começamos a receber visitas de professores e de outros alunos dispostos a interagir”, conta Rosângela. O projeto filosófico sobre o tempo com o propósito de acelerar a alfabetização traduziu-se, assim, em multidisciplinar.

“A casa do Tales passou a ser um espaço de encontro para leitura, e a participação na roda trouxe autonomia com a leitura e resultou na habilidade de falar e ler em público”, conta a professora, que teve o projeto pedagógico reconhecido como iniciativa de sucesso em algumas premiações, entre elas o projeto Viva Leitura, promovido pelo MEC e pelo Ministério da Cultura.

“Em 2016, continuo como professora dessa turma e consigo visualizar o quanto ela evoluiu na leitura”, diz. “Como educadora, venho testemunhando o quando as rodas de leitura contribuem para um comportamento leitor significativo. Eu não poderia estar mais feliz com o resultado do nosso trabalho.” (Rovênia Amorim).

Com metodologia inovadora, crianças de escola do DF aprendem a ler na metade do ano letivo

Crianças com livros, sentadas no chão da biblioteca

Na manhã da quarta-feira, 13 de julho, dez crianças de 6 anos, da turma de primeiro ano da professora Viviane Alves, da Escola-Classe da 308 Sul, deixaram a sala de aula e seguiram com pressa e entusiasmadas para a biblioteca escolar. Sentaram-se no carpete emborrachado e colorido, com as pernas cruzadas, e receberam livros infantis. Uma por vez, leram o título e as primeiras páginas.

Com uma metodologia experimental própria de alfabetização, que associa a sistematização do método fônico com a visão da linha do construtivismo, a escola pública, situada no Plano Piloto de Brasília, tem conseguido que alunos do primeiro ano do ciclo de alfabetização aprendam a ler com fluência até o meio do ano letivo.

Na roda de leitura daquele dia, Nathaly Vivian descobriu a história da cachorrinha Daninha e da pulga que mora e pula de seu pelo toda vez que ela toma banho de xampu. Depois, vieram as histórias lidas por Mariana, João Gabriel, Samuel, Felipe, Yasmin, Nathália, Anelise, Maria Júlia e, por fim, João Lucas. Imerso na leitura, em voz alta e fluente, ele foi o último da turminha a se levantar para a merenda do dia — macarrão com carne cozida. Não queria deixar a biblioteca antes de saber o final do livro.

Comunicativo e dono de um sorriso sem um dos dentinhos da frente, João Lucas recordou-se da primeira história que leu quando aprendeu o segredo das letrinhas. A história do pastorzinho de ovelhas estava no livro que recebeu de presente da vovó Gegê. “Ele gostava de contar mentiras, e um dia veio o lobo mau, que queria comer as ovelhas; ninguém acreditou no menino, e as ovelhas só foram salvas porque o pai do pastorzinho chegou a tempo e gritou para espantar o lobo”, relatou João Lucas, de 6 anos. E assim, um a um, os alunos da professora Viviane vão aprendendo a ler.

Metodologia — A metodologia criada por Viviane, antes defensora do construtivismo, e pela pedagoga Luciene Trindade, que anteriormente limitava-se ao método fônico, é aplicada na Escola-Classe da 308 Sul desde 2012, tem repercutido e resulta em sucesso escolar na alfabetização e na produção de redações mais à frente. As duas professoras defendem a junção dos pontos positivos das duas formas de aprendizagem. “Com esse foco na consciência fonológica, observamos que em três meses os alunos começam a entender o processo de leitura”, afirma Viviane. “Até o fim do ano, quase todos os meus 29 alunos estarão lendo com fluência.”

De acordo com a professora, o método fônico não é silábico, mas trabalha com a estrutura do som das letras. Por isso, todos os dias, no começo da aula, os alunos passam por atividades para apreender a estrutura do fonema (som), do grafema (escrita) e do articulema (pronúncia). Os alunos que ainda não leem com fluência já exibem leitura silábica e pausada. “É preciso ser criativo e variar essas atividades de estímulo à leitura”, diz. Ela distribui letras de plástico para que as crianças falem palavras iniciadas por essas letras e usa muitos poemas e músicas. “Por exemplo, cantamos que a canoa virou porque a letra ‘p’ não soube remar, e assim por diante vamos criando e interagindo”, explica.

“O método fônico funciona, mas por ser muito mecânico é preciso vir junto do contexto em que a criança está inserida, e nisso está a contribuição do construtivismo”, acrescenta Luciene. “Nosso método junta o melhor dos dois, e estamos muito felizes com os resultados.”

Coordenadora no Centro Regional de Ensino do Plano Piloto, Luciene trabalha com a formação de professores dos anos iniciais do ensino fundamental de escolas da rede pública do Distrito Federal. Ela entende que a alfabetização, para ter sucesso, depende muito de quem está à frente desse processo na sala de aula. “A alfabetização depende do conhecimento do professor e, por isso, a formação é muito importante”, afirma. “A maior dificuldade no processo de alfabetização está na interpretação de textos: a criança tem de decodificar e entender o que está lendo, mas infelizmente a Escola da 308 Sul é uma exceção no DF e no Brasil.”

Segundo a professora, as crianças demoram até o final do 3º ano para completar o processo de alfabetização.

Apoio — Além da metodologia inovadora na alfabetização, com repercussão positiva e exemplo para as demais escolas da rede pública do Distrito Federal, os professores da Escola-Classe da 308 Sul recebem apoio, desde 2014, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Tocantins (UFT), por meio do projeto de extensão Educação Inclusiva: Modos de Fazer, que se ampara em estudos de neuropedagogia. Outras cinco escolas da rede pública de Tocantins também são atendidas pelo projeto. A ideia inicial era auxiliar no processo de aprendizagem de crianças que apresentam algum tipo de dificuldade, mas todos os alunos acabaram por ser incluídos no projeto, que atua na formação continuada de professores das séries iniciais da Escola-Classe da 308 Sul, incluídos os da alfabetização.

De acordo com a professora Zaíra de Oliveira, coordenadora do projeto da UFT, existem várias formas ou estilos de aprendizagem. Segundo ela, o atraso na alfabetização, muitas vezes, ocorre por não se respeitar o estilo de aprendizagem do aluno. “O professor precisa saber identificar isso e atuar de forma adequada”, diz. Ela explica que há criança sistêmicas, que gostam de fazer registros e aprendem assim, enquanto outras são auditivas, não precisam anotar para aprender, mas têm dificuldades com as informações visuais. “As crianças têm estilos e tempos diferenciados no processo de alfabetização, e o nosso trabalho é conscientizar os professores alfabetizadores acerca dessa diferença para que identifiquem esses alunos em sala de aula”, explica. “Esse modo de alfabetização vai atuar nas dificuldades.” (Rovênia Amorim) (Republicada com alterações em 2.8.2016)

Cultura e ética grega viram tema de alfabetização

Aluna Mariana Vedovato imita pose da escultura O Pensador

O projeto As Olimpíadas de Ontem e de Hoje: Aprendendo com Elas faz parte do trabalho dos eixos temáticos que o professor de filosofia Rones Aureliano de Sousa desenvolve, uma vez por semana, com alunos do primeiro ano do ensino fundamental do Colégio de Educação Básica (Eseba) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em Minas Gerais. As aulas de filosofia, assim como as de arte, educação física e informática, são incluídas no currículo do ensino fundamental como disciplinas complementares, ministradas por professores especialistas.

Como as crianças têm 6 anos e estão na fase da alfabetização, o projeto de filosofia elaborado pelo professor Rones é baseado na ludicidade para trabalhar questões de ética nos jogos esportivos e a história e cultura dos gregos. “Durante todo o ano, tratamos dos costumes e conhecimentos dos gregos e como a cultura brasileira foi influenciada por eles”, explica o professor, que tem mestrado em filosofia pela UFU.

Na abordagem da ética, os alunos aprendem sobre o respeito às regras, ao local de competição e aos adversários. Uma das atividades desenvolvidas com eles nesse sentido enfatiza a importância do jogo limpo (fair play) no esporte e na vida. “O objetivo é conscientizá-los de que existem adversários, não inimigos”, explica o professor. Por meio de projeção de imagens, as crianças percebem o jogo sujo nas competições, como a violência e o doping. Em seguida, são estimuladas a refletir sobre o fair play. “Para concluir, fazem cartazes para incentivar os alunos da escola a praticar o jogo limpo em todas as circunstâncias”, destaca Rones.

Na parte referente à cultura, as crianças aprendem sobre a mitologia grega. “Uso a edição da revista Recreio que trata desse tema, e desenhos animados da TV, como Hércules”, diz Rones, que ainda explora com os alunos o significado dos símbolos olímpicos. Os anéis representam a amizade e o respeito entre os atletas de diferentes países; a coroa de louros explica a valorização da vitória e a compreensão da derrota.

Interesse — No percurso lúdico do projeto, o professor usa a animação do personagem Pateta, da Disney, O Campeão Olímpico, disponível na internet, para apresentar as principais modalidades olímpicas às crianças. “O projeto já existia, mas quando se aproxima um período olímpico, o foco em atividades mais atrativas é maior”, comenta Rones, que costuma trabalhar em parceria com professores de educação física.

Segundo Rones, o projeto sobre as Olimpíadas contribui para a alfabetização por compreender atividades lúdicas, que despertam o interesse dos alunos em aprender. “Nessa faixa etária, a curiosidade, própria dos filósofos, é evidente e o não saber não se configura como um problema, mas como combustível para se obter novos saberes”, explica. Por isso, na primeira aula para iniciar o projeto, o professor usa uma imagem da escultura O Pensador, de Rodin, para mostrar às crianças a importância da reflexão crítica.

Na primeira atividade lúdica, os alunos em fase de alfabetização são convidados à reflexão, na mesma posição da estátua. “A filosofia sensibiliza as crianças para o exercício do pensar crítico por meio de textos filosóficos. Isso desenvolve sua capacidade de abstração e favorece o aprendizado na leitura, interpretação e reflexão”, afirma o professor. “Gosto dessa faixa etária, por se ter a possibilidade de contribuir com a formação cidadã dos alunos por meio não só da história da filosofia, mas também por se privilegiar o ato do filosofar, ou seja, exercitar o talento da razão, como dizia o filósofo alemão Immanuel Kant.” (Rovênia Amorim)

O projeto As Olimpíadas de Ontem e de Hoje: Aprendendo com Elas pode ser consultado no Portal do Professor, na seção Espaço da Aula.

Rossielli Soares da Silva (SEB/MEC): “A alfabetização plena de todas as crianças do Brasil é um dos pilares mais importantes das políticas do MEC”

Rossielli Soares da Silva

Em entrevista ao Jornal do Professor, o titular da Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação, Rossielli Soares da Silva, fala das mudanças no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), que passará a aproveitar professores de alfabetização com experiência de sucesso em sala de aula como multiplicadores em cursos de formação continuada. Até o fim deste ano, 250 mil professores de escolas públicas de todo o Brasil, que estão em salas de alfabetização, devem passar por cursos de formação continuada. O secretário explica que o redesenho do Pnaic prevê a criação de comitês regionais em todos os estados para que o MEC possa apoiar os sistemas municipais e estaduais de ensino que já tenham projetos de formação de professores de alfabetização com base em práticas bem-sucedidas. “O redesenho do Pnaic está sendo trabalhado e pensado para que se tenha respeito ao trabalho que as redes de ensino fazem, observado o protagonismo dos bons professores”, afirma o secretário. (Rovênia Amorim)

Jornal do ProfessorQuais as metas do MEC para alfabetização?

Rossielli Soares da Silva — A alfabetização plena de todas as crianças do Brasil, ou seja, que saibam ler, escrever e interpretar um texto na idade correta, é um dos pilares mais importantes das políticas do MEC e, sendo um foco, todos os esforços são voltados para garantir isso. Nesse sentido, a discussão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) deve deixar claro quais são os objetivos de aprendizagem que uma criança alfabetizada deve cumprir até os 8 anos de idade. O que é ter uma criança alfabetizada aos 8 anos? Isso deve estar claro não apenas para os avaliadores do MEC, mas para os professores de todo o Brasil, para os pais das crianças e para a sociedade em geral.

E o que significa uma criança estar alfabetizada até os 8 anos?

— Quando observamos os resultados da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), verificamos que apenas 11% das crianças brasileiras de até 8 anos estão no nível de alfabetização plena, ou seja, conseguem ler e escrever textos e interpretá-los. Elas conseguem entender o que aquele texto quer dizer. Temos muitas crianças com 8 anos que estão no nível um da alfabetização: no máximo, conseguem ler palavras isoladas, sem conseguir juntá-las numa frase. Ou estão na fase dois: juntam algumas palavras e leem uma frase, mas isso não é estar alfabetizado plenamente. Alfabetização plena aos 8 anos é a criança ter a capacidade de ler, escrever textos e interpretá-los. E isso precisa ficar claro. Senão, o pai, lá na comunidade mais pobre, vai achar que o filho está alfabetizado quando estiver lendo uma palavra. A alfabetização não é só isso. É para além. Até os 8 anos, a criança alfabetizada não é aquela que sabe reconhecer o letramento a-e-i-o-u. A alfabetização plena vai além do letramento, precisa conectar tudo isso até a fase da interpretação. A Base Nacional Comum Curricular, que é um documento importante para todas as etapas de ensino, precisa deixar claro o que é a alfabetização plena.

Por que a taxa de alfabetização plena no Brasil é tão baixa?

— Isso é histórico. O Brasil passou, na década de 1990, primeiramente por uma etapa de universalização para que todas as crianças estivessem na escola. E agora vamos atrás da qualidade absoluta da educação para essas crianças. Se a gente quer falar de direitos de equidade, precisamos falar da qualidade na alfabetização. Uma série de fatores importantes contribuiu para essa taxa baixa, como a oportunidade de formação de professores, a estrutura e as garantias de permanência do aluno na escola. Precisamos também que os professores tenham maior compreensão sobre o processo de aprendizagem do aluno. Isso precisa estar no processo de formação. Qual a capacidade que as crianças têm em cada etapa de formação? O que a neurociência diz sobre isso? Essas questões precisam estar no processo de formação dos professores. Formamos muito profissionais generalistas, que não têm uma identidade na formação dos professores. O pedagogo tem muito mais um lastro de conhecimento para um suporte maior à educação, mas não temos uma identidade de formação de professores para a alfabetização no Brasil. As formações iniciais e continuadas precisam ser discutidas nesse sentido. O pedagogo pode ser professor do primeiro ao quanto ano, mas não tem uma identificação de formação. O curso de pedagogia cuida de aspectos globais. Embora isso seja importante, nós precisamos de uma verticalização na formação, ou seja, ter o professor sendo formado para saber como lidar com os problemas reais dos alunos na sala de aula, que saiba identificar quais os tipos de trabalho que desenvolverá para alunos diferentes. O professor precisa ter uma especialização mais clara para a alfabetização. A gente forma genéricos para trabalhar com questões específicas. Não podemos formar professores responsáveis por muitas coisas. Precisamos de formação específica para professores que querem, por exemplo, ser alfabetizadores.

Como ficará a questão da formação de professores para a alfabetização no redesenho do Pnaic?

— A formação inicial e continuada para a alfabetização é fundamental, e o MEC dá prioridade a isso. No entanto, no âmbito da Secretaria de Educação Básica, não estamos falando de uma formação conceitual, mas como conseguimos construir um modelo junto com os sistemas de ensino, sem interferir, mas apoiando e induzindo as boas iniciativas que os sistemas têm. Ajudando a multiplicar essas boas iniciativas. Não podemos ter um modelo único, com o qual o MEC acha que vai resolver o problema de todo o Brasil. Não vai. O Brasil é desigual e diferente em todas as suas regiões, e precisamos entender e respeitar isso e a observar as boas práticas que existem no país. Então, a formação continuada não pode ser envelopada pelo MEC. Ela precisa ir ao encontro dos anseios do professor: como ele consegue enfrentar os problemas no processo da alfabetização, ou seja, o fazer na sala de aula; como ele enfrenta determinados problemas. A formação precisa estar voltada para isso. Então, o redesenho do Pnaic está sendo trabalhado e pensado para que haja respeito ao trabalho que as redes de ensino fazem, observado o protagonismo dos bons professores. Temos iniciativas, em salas de aula, de professores pelo Brasil que são espetaculares e conseguem resolver os problemas da alfabetização com compromisso inigualável. Esses professores devem ser os formadores e apoiar novos alfabetizadores.

Então esses professores serão os formadores de novos professores de capacitação?

— Exatamente. São esses professores que estão na sala de aula, que sabem alfabetizar, que devem ser os multiplicadores e apoiar a formação dos demais porque já demostraram ao Brasil e a suas redes de ensino como alfabetizar. Em vez de buscar um professor na universidade que nunca atuou na sala de alfabetização, vamos valorizar quem está na sala de aula e sabe fazer isso. Vamos atrás do protagonismo dos professores que atuam na alfabetização e se destacam. Que eles sejam os multiplicadores daquilo que sabem fazer bem. O problema da alfabetização não está nas crianças, mas também não resolveremos isso colocando a culpa nos professores. Sabemos o compromisso dos professores e precisamos valorizá-los. O papel do MEC é ajudá-los a achar esse caminho, que não é um caminho único.

A alfabetização já foi resolvida em muitos lugares no Brasil e há muitos programas de sucesso. O Pnaic não pode ser uma cópia de um programa regional que está dando certo e não pode vir como um modelo nacional envelopado porque não será assim que vai funcionar. Por isso, o Pnaic deve apoiar o protagonismo dos bons professores que já sabem alfabetizar e podem ajudar os colegas, fazendo a formação.

— Os professores alfabetizadores com experiências de sucesso serão retirados da sala de aula para atuar como multiplicadores?

— A ideia é que eles não saiam da sala de aula, mas que sejam formadores entre os pares em outro momento. Que ouçam os problemas dos demais professores e os orientem com soluções para problemas na alfabetização. Eles receberão uma bolsa para que atuem em cursos não conceituais e ajudem os colegas, sem prejuízo da função principal. Vamos organizar o Pnaic para potencializar esse caminho nos estados e municípios.

— Como é hoje a formação de professores de alfabetização pelo Pnaic?

— O Pnaic está ligado às universidades, que sempre ditaram a regra de como se deve fazer a formação. É algo que estamos mudando. No novo programa, quem ditará a regra serão os municípios e os estados, que têm os alunos e muitas vezes sabem como fazer a alfabetização. Por isso, no redesenho do Pnaic, estão sendo formados comitês regionais para uma gestão conjunta. Os sistemas vão decidir os parceiros com os quais querem trabalhar no processo de formação, se com a universidade ou com os sistemas de ensino da rede. E também vão decidir com que material querem trabalhar. Não podemos ter um material de formação que sirva para o Brasil inteiro. O material tem de ser customizado, construído pelas redes de acordo com suas necessidades, não como uma imposição federal num programa de formação fundamental. Para que consigamos moldar esse modelo para muito breve, já estamos organizando comitês regionais, compostos pelos secretários estaduais de educação e dirigentes municipais de educação. Isso já está organizado em 17 estados. A ideia é apoiar as boas práticas de formação para a alfabetização. Eles não terão mais de se moldar a um modelo de trabalho de uma política nacional. O Pnaic nacional vai agora apoiar o que está sendo feito e dando certo nos estados e municípios. A política nacional para a alfabetização deve ser o reflexo do que está dando certo nos estados e municípios. Essa é o mote da grande alteração no Pnaic que está sendo incubada aqui no MEC para ser colocada em prática nos próximos meses.

E qual a meta de formação de professores de alfabetização?

— Os números estão ainda sendo discutidos, mas estamos trabalhando com a meta de formação de 210 mil professores de alfabetização até dezembro. Esta primeira etapa será de três a quatro meses. A formação do professor nunca está pronta. Vamos fazer uma formação agora, planejada para cada estado de uma forma diferente, de acordo com as prioridades e necessidades.

Aposentada cria método próprio para ensinar a ler e escrever

Aposentada há dois anos, após 31 dedicados ao magistério, Maria Aparecida Ferreira Morais, de Santo Antônio do Rio Abaixo, Minas Gerais, continua a trabalhar. “Resolvi colocar em prática a experiência adquirida ao longo de minha carreira como alfabetizadora e professora de língua portuguesa, aliada à pós-graduação em psicopedagogia”, afirma.

O foco da professora é desenvolver estratégias pessoais de aprendizagem e autoconfiança a fim de tornar o aluno criativo e independente. “Percebo melhoria em todos os alunos atendidos, tanto na autoestima quanto na aprendizagem”, revela.

Entre as atividades que Maria Aparecida desenvolve estão o diagnóstico psicopedagógico de crianças, adolescentes e adultos que demonstram dificuldades para estudar e aprender e a avaliação das capacidades fundamentais para o desempenho escolar (mais especificamente da escrita, aritmética e leitura), de modo a indicar, de uma maneira abrangente, quais as áreas da aprendizagem que estão preservadas ou prejudicadas. Ela também promove oficinas de redação.

Aparecida sente que ainda pode contribuir com as duas escolas do município, de 1,8 mil habitantes, no interior mineiro. Muitas vezes, ela procura as instituições para dizer: “Seu aluno aprende, sim; ele precisa de autoestima; rótulos só vão deixá-lo mais arredio”. As coisas são simples para ela: “Todo aluno aprende; temos de ter paciência com seu tempo, percepção e cuidado para motivá-lo, em vez de desmotivá-lo.”

Em 2006, após ter trabalhado com alfabetização em quatro turmas diferentes, acompanhando métodos da época, ela resolveu criar o próprio projeto. “Sempre percebia que era necessário algo diferenciado, que não encontrava pronto”, justifica. Surgiu, então, o Ler e Escrever é só Começar, que recebeu menção honrosa no Prêmio Lúcia Casasanta, promovido pela Secretaria de Educação de Minas Gerais. “A professora deveria propiciar aos alunos interação com a escrita, fazê-los crescer e evoluir, criar conflitos para desestabilizar a hipótese deles, e eles, desde o início, deveriam estar em contato com todas as letras, qualquer palavra, texto, desde que tivessem uma ligação afetiva com aquilo”, explica Aparecida. Assim, o nome da criança seria a palavra geradora de outras palavras e textos para que a realidade dela fosse o ponto de partida na construção de novos conhecimentos. “Trabalhei, primeiramente, com as crianças que demonstravam desinteresse ou baixa autoestima e cujos nomes apresentassem mais sílabas simples”, revela.

Emoção — Aparecida acredita que a sala de aula deve ser um espaço de prazer, desenvolvimento, alegria. “Se conquistarmos o aluno pela emoção, poderemos ter alunos que nos respondam com interesse, força de vontade e potencialidade.”

Para ela, o alfabetizador tem de ser amante da leitura e criativo o tempo todo para que não haja monotonia. “Ser leitor é condição inerente ao professor”, diz. “O que eu usei com a turma A não significa que atingirá a turma B; o professor tem de ter a capacidade de criar a metodologia que melhor se adapte àquela turma, de modificar, de recriar, de parafrasear, de inserir o último acontecimento que tenha sido significante, quer seja local ou mundial, sem perder o fio da meada: a evolução linguística de seus alunos.”

Ela diz que já realizou muitos projetos, mas o que lhe trouxe mais realização foi o Janela Aberta, de leitura. “Só sei que não quero parar”, diz. “Tudo o que já fizemos pertence ao passado; por isso, temos de estar sempre criando, trabalhando; temos que alimentar nosso presente com novas realizações.” (Fátima Schenini)

Saiba mais no blogue Ler e Escrever é só Começar e no facebook, nas páginas Olimpíada de Língua Portuguesa/2012; Santo Antônio do Rio Abaixo e 2ª Mostra Latino-Americana e Hispânica

Artur Gomes de Morais (UFPE): “A alfabetização é um processo complexo, que não se conclui em um ano letivo”

Professor Artur Gomes de Morais, da UFPE

Psicólogo, com mestrado e doutorado em psicologia, Artur Gomes de Morais é professor titular do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Na universidade, ele atua também no Centro de Estudos em Educação e Linguagem (Ceel), que tem por objetivo colaborar com ações de formação de professores alfabetizadores e de língua portuguesa, além de produzir pesquisas e materiais didáticos ligados ao ensino da língua materna.

Em entrevista ao Jornal do Professor, Artur Morais diz que a alfabetização é um processo complexo, que não se conclui em um ano letivo. “Passamos a considerar alfabetizado o indivíduo que não só domina o sistema de escrita alfabética (SEA), capaz de escrever ou ler palavrinhas, mas aquele que consegue, sozinho, ler, compreender e produzir textos dos gêneros escritos com os quais teve oportunidade de conviver”, ressalta.

Ele defende a formação continuada dos alfabetizadores e destaca a importância do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). “Penso que o Pnaic representa uma política pública de real formação continuada dos alfabetizadores de nossas escolas públicas”, diz.

Para Artur, alfabetizar é uma tarefa complexa. “Sabemos que, mesmo nas faculdades de pedagogia em que há disciplinas específicas sobre o ensino de alfabetização, os profissionais recém-formados têm muito o que aprender para se tornarem, a cada ano, melhores alfabetizadores”, justifica. (Fátima Schenini)

Jornal do Professor O que pode ser considerado uma boa alfabetização e qual a sua importância para a educação?

Artur Gomes de Morais — Hoje, é quase consensual que, para considerarmos uma criança alfabetizada, não podemos exigir apenas que ela saiba ler e escrever palavras soltas. Passamos a considerar alfabetizado o indivíduo que não só domina o sistema de escrita alfabética (SEA), capaz de escrever ou ler palavrinhas, mas aquele que consegue, sozinho, ler, compreender e produzir textos dos gêneros escritos com os quais teve oportunidade de conviver. Por exemplo, histórias, relatos de experiências pessoais, avisos, convites, poemas etc. Assim, é preciso deixar claro que, atualmente, a alfabetização é vista como um processo complexo, que não se conclui em um ano letivo, nem mesmo para as crianças de classe média. Insistimos que, quando o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) propõe um ciclo de três anos, o faz porque está adotando a atual e exigente concepção de alfabetização, aquela concepção que está subjacente à proposta de alfabetizar letrando.

Uma boa alfabetização é aquela que, desde o final da educação infantil, permite ao aprendiz viver uma curiosa e prazerosa experiência com os gêneros textuais escritos e com as palavras que estão no mundo. Não se trata de alfabetizar aos cinco anos, mas de garantir para todas as crianças pobres, tal como acontece na classe média, viver, na escola, jogos e situações lúdicas de reflexão sobre palavras e participar de rodas de leitura e de escrita coletiva de textos, nas quais vão desenvolvendo habilidades de compreensão leitora e de produção de textos, mesmo antes de saberem ler e escrever de modo convencional. A importância disso está em assegurarmos a democratização do acesso ao mundo da escrita e acabarmos com o fracasso que só atinge os filhos das camadas pobres.

Quais os principais métodos de alfabetização existentes e quais seus pontos positivos e negativos? O que mudou nos últimos anos?

— Até os anos 1980, tínhamos, basicamente, dois grupos de métodos de alfabetização. De um lado, estavam os de base sintética (silábicos, fonêmicos e alfabéticos), que partiam de unidades menores (sílabas, fonemas ou letras) e, de forma cumulativa, faziam um treino para a criança memorizar aquelas unidades e, muito controladamente, poder ler palavras, para depois ler frases e, um dia, certamente após o primeiro ano letivo, ler textos. De outro lado, na disputa, estavam os métodos analíticos (palavração, sentenciação e global ou dos contos), os quais, apesar de partirem daquelas unidades maiores, chegavam no mesmo treinamento memorístico de sílabas ou letras. Além de conceberem a criança como um passivo receptor de informações prontas, todos os seis métodos impediam que ela tivesse contato com os textos do mundo real e pudesse avançar em seus conhecimentos sobre o mundo letrado. Nas três últimas décadas, oscilamos bastante e vivemos o que a professora Magda Soares chamou “desmetodização” da alfabetização, quando se difundiu uma errônea ideia de que a criança, espontaneamente e sem ensino sistemático, avançaria nas fases da psicogênese e chegaria a uma hipótese alfabética. Vivemos, também, o que chamei de “ditadura do texto”, um equívoco que levava certos pesquisadores ou docentes a acreditar que não era adequado ou necessário refletir com as crianças sobre palavras, sílabas ou letras para que elas se apropriassem do SEA. Além disso, assistimos a tentativas de certos grupos privados de ressuscitar métodos fônicos e vendê-los como a salvação para o fracasso na alfabetização.

Nos últimos 15 anos, temos avançado bem na direção de superar essas distorções. Passamos a ver a necessidade de alfabetizar com método. Sim, de termos metodologias que garantam tanto o ensino sistemático da escrita alfabética quanto o ensino das práticas de leitura e produção de textos escritos, ao lado da promoção da oralidade dos alfabetizandos. Mais recentemente, temos assumido que a ideia de alfabetizar letrando exige trabalhar tanto com palavras (e suas partes menores) quanto com textos (variados e não artificiais). Precisamos avançar ainda sobre como praticar um ensino que atenda à diversidade de saberes e ritmo dos aprendizes. Esse é um ponto essencial para que as metodologias de alfabetização consigam tornar a ideia de ciclo uma realidade, não um discurso cheio de boas intenções.

Os professores já saem preparados das instituições superiores de ensino para atuar na alfabetização de alunos ou é necessário que façam cursos de especialização voltados para essa área? Como capacitar professores que já estejam trabalhando?

— Alfabetizar é uma tarefa complexa. Sabemos que, mesmo nas faculdades de pedagogia em que há disciplinas específicas sobre o ensino de alfabetização, os profissionais recém-formados têm muito o que aprender para se tornarem, a cada ano, melhores alfabetizadores. Estou falando tanto de saberes teóricos quanto didáticos, isto é, de operacionalização pedagógica. Assim, sem desconsiderar o bem que pode trazer para uma professora o fato de ela cursar uma especialização em alfabetização, a discussão sobre a prática, a tematização sobre o que cada alfabetizador vai fazendo, no dia a dia, na sua sala de aula, precisa se conjugar com a leitura e a apropriação de temas teóricos sobre o aprendizado da escrita alfabética e sobre leitura e produção de textos orais e escritos. Isso requer não capacitações ou cursos pontuais, mas uma política que permita aos alfabetizadores (de primeiro, segundo e terceiro anos) viver, com uma periodicidade regular, encontros de formação continuada para que, neles, além de discutir textos teóricos, debatam sobre o que vêm praticando, sobre o que tem dado certo com os alunos, sobre o que não tem funcionado como esperavam e possam planejar e avaliar suas ações, de modo que cada rede e cada escola tenham um projeto de ação verdadeiramente coletivo.

Que materiais devem ser usados na alfabetização (livros, computador, revistas etc.)?

— Somos radicalmente contra a utilização do que costumam chamar materiais estruturados — pacotes fechados, que obrigam todos os professores de uma rede de ensino a fazer as mesmíssimas atividades, a cada dia, desrespeitando tanto as experiências e saberes dos docentes quanto a heterogeneidade dos aprendizes. Entendemos que, nas salas do ciclo de alfabetização, precisamos ter diversos materiais impressos (livros de literatura infantil e outros livros infantis, revistinhas, jornais, cartazes etc.), além, obviamente, dos livros didáticos aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Claro que é desejável que as crianças também possam ler e escrever em computadores ou tablets e viver, por exemplo, a leitura coletiva de um livro infantil projetado na parede porque foi salvo em formato pdf. Além disso, não podemos esquecer que os textos escritos pelos alunos, individual ou coletivamente, também precisam ser vistos como materiais para o ensino (por exemplo, através da revisão textual) e que certos jogos são excelentes aliados na hora de alfabetizar.

Qual a contribuição que jogos e outras atividades lúdicas podem dar à alfabetização?

— Nós, do Ceel da UFPE, temos reservado um lugar especial para os jogos de alfabetização, os quais, cremos, devem ser usados desde o final da educação infantil. Já desenvolvemos, há alguns anos, uma caixa chamada Jogos de Alfabetização, com dez opções, posta à disposição do Ministério da Educação e, felizmente, distribuída a todos os municípios brasileiros. Ela tem obtido excelente aceitação por parte dos professores alfabetizadores. Por quê? Ao mesmo tempo em que encerram a dimensão lúdica, os jogos que defendemos ajudam as crianças, efetivamente, a avançar na apropriação do sistema de escrita alfabética. Por um lado, temos jogos que dão prioridade ao desenvolvimento de habilidades de consciência fonológica, necessárias para a compreensão do SEA. Neles, brincando, as crianças pensam sobre quantas sílabas cada palavra tem, buscam palavras que rimem ou que comecem de forma parecida, procuram palavras dentro de palavras, como vela dentro de fivela. Em outros jogos, as crianças são ajudadas a dominar as relações entre letra e som. Brincam, por exemplo, de descobrir palavras a partir da introdução de uma nova letra, como no caso de fazer a palavra pato virar prato, ou brincam de descobrir palavras, ao mudar apenas uma letra (a partir de bola, é possível criar mola, gola, sola, cola). A criança aprende refletindo e brincando, vivendo situações muito prazerosas. No momento, concluímos uma outra caixa, com jogos de alfabetização voltados para a inclusão de crianças com deficiência. Esperamos que ela seja também acolhida pelo MEC e distribuída a todas as redes públicas de ensino.

Qual sua opinião sobre o Pnaic? Que benefícios ele pode trazer?

— Fiquei feliz com a implantação do Pnaic e com sua realização em 2013, 2014 e 2015. Conclamo os educadores a cobrar do MEC a continuidade do programa. O Pnaic conseguiu definir, pela primeira vez, os direitos de aprendizagem a serem garantidos às crianças de todas as redes públicas do país nos três anos do primeiro ciclo do ensino fundamental, na busca por assegurar tanto uma progressão do que elas devem aprender, a cada ano, quanto um cuidado em atender à heterogeneidade dos aprendizes. Ao lado desse esforço de definição de um currículo, baseado numa atualíssima concepção de alfabetização — alfabetizar letrando —, penso que o Pnaic representa uma política pública de real formação continuada dos alfabetizadores de nossas escolas públicas com uma série de qualidades.

Em primeiro lugar, eu ressaltaria o financiamento, pelo governo federal, das ações do Pnaic. Mesmo nos municípios mais pobres, podemos sonhar com a efetivação de uma formação de fato continuada, que permita aos professores estudar, se reunir e planejar periodicamente. Em segundo lugar, além da participação das universidades públicas no processo, parece fundamental a criação, em cada rede de ensino, de equipes responsáveis pela formação continuada dos alfabetizadores. Sim, o fato de cada rede formar seus coordenadores e orientadores de estudos do Pnaic permite pensar na autonomia das equipes de educadores de cada município para o desenvolvimento de um trabalho continuado e coletivo, independentemente das mudanças de gestores a cada quatro anos ou das imposições de grupos privados. Por fim, ressalto a qualidade pedagógica da proposta e dos materiais didáticos que ela envolve. Além de respeitar o professor, não o obrigando a usar materiais padronizados, como fazem certos sistemas de ensino, apostilados ou métodos fônicos, que querem impor, em cada rede, formas únicas de alfabetizar, o Pnaic prima por discutir o miudinho do cotidiano do processo de alfabetização, estimula o professor a criar práticas próprias de ensino e a usar, ademais, os ricos materiais que têm chegado às escolas, através de programas como o PNBE e o PNLD-Materiais Complementares. Por tudo isso, seria uma irracionalidade não dar continuidade a uma ação tão séria e promissora.

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