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JORNAL

Escola e Comunidade

Quarta-feira, 14 de Setembro de 2016

Edição 128

EDITORIAL - Escola e Comunidade

Escola e Comunidade é o tema da 128ª edição do Jornal do Professor. O assunto foi escolhido por 44.4% dos leitores que votaram na enquete colocada em nossa página.

Selecionamos para este número, experiências desenvolvidas na Escola Família Agrícola de Riacho de Santana, na Bahia; Escola Municipal Morro Encantado, em Cavalcante, Goiás; Escola Estadual Professora Ilka Maria de Lima, em Rio Branco, Acre; Escola Estadual Frederica Schütz Pacheco, em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul.

O professor Ulisses Ferreira de Araújo, da USP, é o entrevistado desta edição. E a professora gaúcha, Maria Leonor Gonzáles, participa da seção Espaço do Professor.

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas.

Seja bem-vindo!

Alunos e agricultores se unem para recuperar área de caatinga

Alunos plantam sementes

Estudantes da Escola Família Agrícola (EFA) e pequenos agricultores de 13 comunidades rurais próximas a Riacho de Santana, município de 36 mil habitantes no sudoeste da Bahia e a 720 quilômetros da capital, Salvador, são parceiros em processo de aprendizagem. Nessa troca, os dois lados ganham, uma vez que as atividades desenvolvidas pelos 175 alunos do ensino médio em sala de aula, com orientação dos professores, são definidas de acordo com as demandas e necessidades dos agricultores locais. “Essa aproximação é de fundamental importância, pois a parceria, além de enriquecer o trabalho, fortalece o vínculo entre escola, família e comunidade”, explica a coordenadora pedagógica da escola, Isabel Xavier de Oliveira.

Um dos projetos pedagógicos atuais visa à preservação do bioma caatinga no Semiárido baiano e a geração de renda nas comunidades. A meta é plantar 34 mil mudas de maracujá-do-mato e distribuir, anualmente, 3,5 mil mudas de umbu-gigante. Dois viveiros cobertos foram construídos na escola, no início do ano letivo de 2015, para abrigar as mudas. Assim, os agricultores terão como aumentar a renda familiar, com a comercialização dos frutos in natura — bastante resistentes à seca —, e ao mesmo tempo contribuir para preservar a espécie e recuperar áreas desmatadas. Na primeira fase do projeto, a tarefa dos alunos é cuidar do desenvolvimento das mudas.

Mateus Alves da Costa, 56 anos, é um dos monitores que acompanham o aprendizado prático dos alunos nos viveiros. Assim que as mudas estiverem prontas para serem transplantadas, os alunos ajudarão a distribuí-las aos lavradores da região. “Os umbuzeiros daqui quase foram extintos, devido ao desmatamento para pastagem e produção de carvão”, conta Mateus, que é técnico em agropecuária e passou a infância na pequena propriedade rural da família, na divisa de Riacho de Santana com Bom Jesus da Lapa. Dos tempos de menino, ele se lembra de subir nos umbuzeiros para comer as frutas. Hoje, lamenta a impossibilidade de as crianças fazerem o mesmo porque os umbus viraram raridade. “O umbuzeiro mais antigo da nossa região, e que dá os frutos mais doces, foi descoberto pelo meu avô João Antônio da Costa, que morreu em 1958”, conta. “Em homenagem a ele, o umbuzeiro passou a ser conhecido como ‘o pé de umbu do finado’,” revela Mateus.

Fruticultura — Os alunos da escola planejam criar uma fruticultura no Semiárido como solução de inclusão produtiva da juventude rural em sua própria região. Embora a Escola Família Agrícola esteja situada na periferia de Riacho de Santana, os alunos que a frequentam são filhos de lavradores e pequenos proprietários de terra. “Há 40 anos, a escola ficava na zona rural, mas a cidade foi crescendo e chegou até a escola”, explica Isabel. A unidade de ensino é mantida pela Associação Beneficente e Promocional Agrícola de Riacho de Santana, instituição filantrópica sem fins lucrativos criada por religiosos e lideranças comunitárias, em 1977, para ampliar oportunidades de educação de qualidade aos filhos dos agricultores das comunidades próximas.

Pais de alunos, ex-alunos e agricultores compõem voluntariamente a associação, que tem também a finalidade de formar lideranças e contribuir para o desenvolvimento produtivo local. A filosofia da escola, desde o início, é a de uma educação que associe teoria e prática. Por isso, oferece educação profissional técnica em meio ambiente integrada ao ensino médio. A linha educacional adotada é a da pedagogia da alternância, ou seja, os estudantes intercalam um período de atividades em sala de aula com outro, semanal, que deve ser cumprido em casa e junto à comunidade. Nessa pedagogia, diz Isabel, a família e os integrantes da comunidade debatem e ajudam a responder questões de pesquisa levantadas em sala de aula. Os alunos são estimulados também a realizar palestras nas comunidades para repassar o que aprenderam com os professores.

“Dessa forma, a escola é levada para a vida e a vida é trazida para dentro da escola, fazendo com que, de fato, a contextualização do ensino aconteça”, explica a coordenadora pedagógica. Assim, o projeto educativo integra o ambiente escolar com o meio social do educando, numa afinada sintonia de troca. “A família e os membros da comunidade ajudam muito com os seus saberes experienciais, pois eles têm o conhecimento prático da realidade”, afirma. “Esse conhecimento empírico, confrontado com o científico, que é trabalhado na nossa escola, gera um novo saber, que acreditamos ser mais significativo.”

Comunidades — Além de Riacho de Santana, a escola recebe alunos de comunidades dos municípios de Anagé, Bom Jesus da Lapa, Botuporã, Caetité, Carinhanha, Ibotirama, Igaporã, Iuiú, Matina, Palmas de Monte Alto, Paratinga, Serra do Ramalho e Tanque Novo. “São todas comunidades tradicionais, muitas delas quilombolas, já reconhecidas pelo governo, que se ocupam da agricultura familiar”, explica a coordenadora. Muitos dos agricultores familiares dessas comunidades, que cultivam feijão, milho, frutas e hortaliças, e criadores de animais de pequeno porte vendem seus produtos para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), mantido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) do Ministério da Educação.

A escola funciona no sistema de internato e atende, alternadamente, a 175 alunos de ensino médio, que ficam na escola de segunda a sábado. Enquanto uma parte da turma está na escola, a outra desenvolve em casa e junto à comunidade a que pertencem as atividades definidas pelos professores. “Além de recrutar adolescentes para estudar na escola, as comunidades são coeducadoras porque tomam conhecimento e debatem temáticas diversas com os alunos”, diz Isabel. Segundo ela, a escola também vai às comunidades, em encontros zonais, para falar da convivência com o semiárido, dando destaque, por exemplo, a assuntos que envolvam plantas e animais adaptáveis à região, formas de captação e armazenamento adequado de água e preservação de sementes nativas, como o quase extinto umbu. (Rovênia Amorim)

Projeto social atua para promover aproximação em escola goiana

Alunos participam de oficina de flauta

Cercado por cachoeiras e belezas naturais e históricas da Chapada dos Veadeiros, o município goiano de Cavalcante exibe a realidade das desigualdades sociais no Brasil ao apresentar um dos mais baixos índices de desenvolvimento humano (IDH) do país. De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, de 2010, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o município, a 320 quilômetros de Brasília, ocupa a 4.540ª posição entre os 5.565 elencados no ranking.

Essa situação de vulnerabilidade despertou a atenção de voluntários de uma instituição religiosa de Brasília, que atua em parceria com uma organização de desenvolvimento social. Decidiu-se, então, incluir a comunidade de Cavalcante em projeto comunitário que envolve escola e famílias.

A Escola Municipal Morro Encantado, em um dos bairros mais carentes de Cavalcante, foi escolhida para o início do projeto. As atividades são programadas para os fins de semana. Desde o ano passado, as 300 crianças, do pré-escolar ao quinto ano do ensino fundamental, participam de oficinas de artesanato e de música, gincanas e práticas esportivas. As famílias dos alunos recebem doações de roupas e alimentos e são convidadas para palestras sobre temas como valores humanos e a importância de apoiar e acompanhar os estudos dos filhos.

A diretora da escola, Delma Gonçalves Maia, apoia a iniciativa. “As crianças adoram as atividades porque na cidade não há muita opção de atividades culturais para elas”, explica.

A parceria tem resultado em melhorias também na estrutura física do prédio escolar. Com recursos próprios e com a contribuição de uma loja de tintas de Brasília, a escola ganhou pintura nova. “Também fizemos a limpeza do terreno, com roçagem do mato, e fizemos a recuperação e a instalação de um parquinho, que é a alegria dos estudantes atualmente”, conta Herbert Borges Paes de Barros, coordenador do Projeto Cavalcante. Pequenos reparos também são feitos, como o conserto da torneira que pingava e desperdiçava água, a substituição do bebedouro e o reforma da rede wi-fi.

Apesar dos poucos encontros, as crianças já se mostram mais receptivas ao projeto. “Antes, elas ficavam retraídas, havia agressividade e a disciplina era muito complicada, com dificuldades de obediência às regras combinadas”, lembra Herbert. Segundo o coordenador, o comportamento dos alunos começou a melhorar a partir da terceira atividade, com a conquista da confiança. “Passamos a vivenciar a afeição, o carinho e o respeito pelos voluntários que estavam se dedicando a eles.”

Zelo — De acordo com Herbert, o maior desafio do projeto é fazer os próprios moradores da Vila Morro Encantado, onde fica a escola, entenderem a unidade de ensino como parte da comunidade. “A comunidade deve zelar por ela e contribuir com o que puder para que a escola se torne um ambiente cada vez melhor, tanto em relação à estrutura física quanto à educação, à qualidade de vida de estudantes, professores e funcionários”, pondera.

Segundo a diretora Delma, os pais dos alunos precisam de ajuda para perceber a necessidade e a importância do envolvimento deles na rotina escolar dos filhos.

É o caso de uma aluna de 11 anos, do quinto ano. Adotada por uma tia, a menina fica com a avó quando não está escola porque a nova mãe trabalha como doméstica o dia todo. “À tarde, ela ajuda a cuidar do irmão menor e de outros primos também menores”, explica a mãe adotiva, de 58 anos, que mora no Morro Encantado. “São importante essas atividades da escola no fim de semana porque as crianças não ficam à toa e aprendem coisas boas”, diz a mãe, que fala com pressa porque precisa terminar o almoço dos patrões. “Minha filha, às vezes, fica sem querer fazer as tarefas da escola, mas nunca foi reprovada, não.”

A diretora da escola lamenta o fato de as crianças não contarem com acompanhamento escolar por parte dos pais, que em geral têm pouco estudo e um histórico de violência e alcoolismo. “Os irmãos mais velhos é que ficam responsáveis e costumam levar os mais novos para a escola”, diz. “É muito difícil mudarmos uma tradição, mas aos poucos estamos tentando. Por isso, esse projeto é muito bem-vindo.” (Rovênia Amorim)

Integração com as famílias é uma prioridade para as professoras

Mulheres participam de curso de bolos e tortas

A Escola Estadual de Ensino Fundamental Professora Ilka Maria de Lima, em Rio Branco, Acre, empenha-se na busca de uma maior integração com as famílias de seus mais de 700 alunos e com a própria comunidade em geral. “O desafio da escola, hoje, é promover educação e informação para toda a vida e ela precisa romper seus muros e estar plenamente inserida no seu tempo e na comunidade à qual pertence”, diz a pedagoga Jarcilene da Silva Castro Moraes, gestora da escola.

Com 24 anos de magistério, cinco deles dedicados à gestão, Jarcilene defende um envolvimento mais amplo da comunidade nas ações escolares, tanto pedagógicas quanto administrativas.

Para a professora Lucineide Cabral de Melo da Silva, abrir as portas da escola à participação de famílias e da comunidade ajuda os alunos a ter sucesso na vida escolar e colabora para diminuir a evasão e a violência. “Em nossa escola, o trabalho com a comunidade é bem expressivo”, destaca Lucineide. Formada em pedagogia, ela está há 12 anos no magistério.

Na visão da professora Maria Aurilena Domingos da Silva, presidente do Conselho Escolar, a participação da comunidade é parte importante no processo de desenvolvimento da cidadania e pode trazer contribuições para a melhoria da qualidade do ensino e da escola. Segundo ela, a comunidade tem se beneficiado com os programas e parcerias em atividades de formação para o trabalho que a escola desenvolve, há quatro anos, com parceiros como o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), organizações não governamentais, faculdades e instituições das redes públicas estadual e municipal.

“Isso tem modificado a vida profissional, financeira e familiar de pais e familiares de nossos alunos”, justifica a professora. Há 24 anos no magistério, Maria Aurilena tem graduação em pedagogia.

Projeto — A pedagoga Maria José da Silva Oliveira, coordenadora de ensino na escola Ilka Maria, chama a atenção para o projeto Família e Escola, realizado há cinco anos com o objetivo de apoiar ações que contribuam para melhorar a qualidade de vida das crianças e de suas famílias. “Se a família tem como melhorar sua renda, acreditamos que ela vai estar mais feliz e, consequentemente, vai melhorar também a qualidade da escola”, salienta. Por isso, explica, procuram apoiar as famílias nesse sentido. Cursos de preparação de bolos e tortas, por exemplo, foram promovidos em parceria com o Senac.

Maria José revela ainda que a escola promove a realização de consultas médicas, exames preventivos, corte de cabelo e serviços de manicure, entre outras ações oferecidas à comunidade por meio de parcerias com instituições de saúde e justiça, igrejas e instituições do Sistema S, como o Serviço Social do Comércio (Sesc) e o Senac.

De acordo com a gestora da escola, a interação entre a família e a escola contribui para a redução de conflitos; a parceria entre pais e professores favorece o diálogo aberto. “Pais participativos geram melhores resultados do que pais ausentes”, enfatiza Jarcilene. (Fátima Schenini)

Saiba mais no blogue da escola

Diretora defende atuação conjunta em cidade gaúcha

Professora da rede pública de ensino do Rio Grande do Sul há 14 anos, nove deles na direção da Escola Estadual de Ensino Fundamental Frederica Schütz Pacheco, no município de Novo Hamburgo, Carmen Maria Koetz define como imprescindíveis para o bom desenvolvimento da escola o comprometimento e a participação dos professores em todas as atividades e a atuação conjunta da comunidade.

“Cada professor tem muitos dados dos seus alunos; o diretor tem inúmeros dados de sua escola, dados sobre os quais a comunidade escolar precisa se debruçar e refletir”, diz Carmen. “São informações relevantes para proporcionar à comunidade escolar uma nova visão a respeito de seu próprio trabalho e sobre a própria escola, visando a criar estratégias com vista à melhoria da educação.”

De acordo com a professora, a melhoria da qualidade da educação, em todos os seus aspectos, é o principal benefício que uma atuação conjunta leva para a escola.

Em seu trabalho, Carmen conta com a participação do Conselho Escolar, encarregado de deliberar, acompanhar e fiscalizar o trabalho realizado pela gestão. “São em torno de 18 mães, com seus companheiros, que atuam fortemente na escola, tanto no Conselho quanto no Círculo de Pais e Mestres (CPM)”, explica. Em todas as comemorações, elas colaboram nas atividades de ornamentação, busca de brindes e atendimento aos convidados. “São pessoas voluntárias, que normalmente passam todos os dias na escola para se inteirar das novidades ou do andamento dos trabalhos.”

Segundo Carmen, o grupo também discute os acontecimentos da escola pelo whatsapp. Uma vez por mês, há reuniões para discussão e apresentação de sugestões de atividades que venham a favorecer o bom andamento do espaço escolar.

Para que os trabalhos realizados na escola sejam conhecidos na comunidade, Carmen pediu a colaboração de uma igreja próxima. Assim, durante as missas, são divulgadas as ações a serem realizadas por professores e alunos. Além disso, a diretora convocou a comunidade e seu entorno para participar das reuniões do orçamento participativo do município e formou uma associação de bairro para tratar de assuntos como segurança, manutenção e iluminação adequada da praça em frente à escola.

Com licenciatura em pedagogia e em ciências físicas e biológicas, Carmen já deu aulas de matemática, ciências e ensino religioso a alunos do ensino fundamental e atuou também na biblioteca da escola. Aluna de doutorado em educação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), tem mestrado em educação, com linha de pesquisa em políticas e gestão democrática da educação, com foco no Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado do Rio Grande do Sul (Saers), além de pós-graduação em psicopedagogia clínica e institucional e em gestão escolar. (Fátima Schenini)

Das salas de aula para a catequese

Professora do ensino fundamental em escolas das redes públicas de ensino do município de Porto Alegre e do estado do Rio Grande do Sul durante muitos anos, Maria Leonor Gonzáles encerrou a carreira em 2004. Segundo ela, a escolha sempre foi pelo magistério. “Ser professora era ser sábia, era ser luz nas trevas; era mágico, povoado da beleza do conhecimento”, diz.

Com curso normal e especialização em educação infantil e em educação especial, a professora trabalhou durante longo tempo em escolas da periferia da capital, com aulas a alunos do ensino fundamental. Após concluir a graduação em ciências da religião na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, ela passou a dar aulas de ensino religioso na rede particular. Do período em que atuava em escolas da rede pública, lembra com saudade da forma como era recebida nas casas dos alunos, “sempre com respeito e consideração”.

“Fazíamos visitas às famílias dos alunos para saber os motivos das faltas ou quando estavam doentes”, recorda a professora. Além disso, ela destaca que havia parceria entre as famílias e os professores e que os mestres eram ouvidos com respeito pelos pais.

Outra lembrança inesquecível é o resgate de alunos tidos como difíceis, aqueles considerados “casos perdidos” por outros professores. Maria Leonor conseguia transformá-los e levá-los a mudar o comportamento. “Não destacava o erro, mas procurava analisar, com o aluno, a causa da atitude”, revela a professora. “Cada vez que a mesma atitude era repetida, voltava a analisar, sem mencionar ou dar ênfase ao comportamento anterior.”

Suas armas, segundo ela, eram a disciplina, atenção, olho no olho, caridade, vez e voz.

A vocação para o ensino sempre falou mais alto. E há 22 anos ela se dedica a dar aulas de catequese a crianças e jovens que se preparam para receber os sacramentos da primeira eucaristia e da crisma, em igrejas católicas.

Aos 74 anos, Maria Leonor atua na Paróquia São João Maria Vianney, no município de Viamão, na região metropolitana da capital gaúcha, onde coordena a equipe de preparação à vida cristã e atende a uma turma com dez crianças que se preparam para receber a primeira eucaristia. “É gratificante ver a satisfação dessas pessoinhas, crianças que vivem em situação de risco e comparecem aos encontros trazendo alegria e esperança”, diz a professora. (Fátima Schenini)

Ulisses Ferreira de Araújo (USP): “Relação entre escola e comunidade é uma das chaves para a melhoria da qualidade da educação”

Ulisses Ferreira de Araújo, professor da USP

Professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP) e do programa de pós-graduação em educação da mesma universidade, Ulisses Ferreira de Araújo considera a relação entre escolas e comunidade uma das chaves para a melhoria da qualidade da educação em todo o mundo, pois tira a escola do isolamento e estabelece pontes entre o currículo, a vida real e as famílias.

“Não existe educação de qualidade sem que esse vínculo seja estabelecido, pois educação é responsabilidade da escola, da família e da sociedade como um todo”, diz o educador, que foi consultor do Ministério da Educação para o programa Ética e Cidadania: Construindo Valores na Escola e na Sociedade, no período de 2003 a 2010.

Doutor em psicologia escolar e do desenvolvimento humano pela USP, Ulisses fez pós-doutorado nas universidades de Barcelona, Espanha, e de Stanford, Estados Unidos. Tem graduação em pedagogia e mestrado em educação. (Fátima Schenini)

Jornal do ProfessorQual é a importância de uma maior aproximação entre a escola e a comunidade na qual a instituição está inserida? Quem ganha com isso?

Ulisses Ferreira de Araújo — Essa relação entre escolas e comunidade é uma das chaves para a melhoria da qualidade da educação em todo o mundo, pois tira a escola do isolamento em que se encontra hoje em dia e estabelece pontes entre o currículo, a vida real e as famílias. Fechada em seus muros e trabalhando apenas os conteúdos de livros e apostilas didáticas, descontextualizados do universo em que as crianças estão inseridas, a escola, de forma geral, vem tendo um comportamento autista, que a deixa cada dia menos relevante para alunos e sociedade.

A saída encontrada por muitos é a de aproximar a família da escola, mas isso vem sendo feito de forma equivocada. Em geral, as famílias são chamadas às escolas para ouvir críticas a seus filhos ou para ajudar a resolver problemas de indisciplina com os quais os professores não conseguem lidar. Claro que isso não promove aproximação e que não é esse o sentido das relações entre escolas e comunidades.

Essa ideia de aproximar a escola da comunidade é uma tendência mundial?

— Modelos assim são vistos como naturais e estão disseminados na maioria das escolas dos países desenvolvidos. É assim que funcionam. Nos EUA, por exemplo, a participação dos pais em trabalho voluntário nas escolas é quase que uma obrigação, bem como o apoio da comunidade à escola. Assim, isso está introjetado, já. E é assim em vários países da Europa. Não existe educação de qualidade sem que esse vínculo seja estabelecido, pois educação é responsabilidade da escola, da família e da sociedade como um todo.

Que tipo de colaboração ou parceria pode ser feito entre a escola e a comunidade?

— Na perspectiva em que atuo, a escola deve promover o desenvolvimento de ações e projetos que, inter-relacionados, tenham uma dupla direção: para dentro e para fora da escola. Para fora da escola localizam-se as ações que promovem a articulação entre a ela e os espaços de aprendizagem de seu entorno. Assim, a partir dos projetos interdisciplinares e transversais iniciados em sala de aula, a escola pode se aproximar da comunidade externa, ao usar seus equipamentos e espaços como fonte de aprendizagem. Assim, promove-se o desenvolvimento de trilhas, mapas e roteiros. Professores e alunos são incentivados a levar a escola para fora de seus muros, com ações nas praças, ruas, equipamentos públicos, córregos etc. Em tais ações, são incorporadas as pessoas que convivem nesse entorno, como familiares, profissionais que trabalham nos equipamentos públicos, comerciantes e trabalhadores do bairro. Pode-se dar um passo grande em direção à construção de ambientes éticos que extrapolem a escola e envolvam a comunidade de seu entorno próximo. Com papel, caneta, filmadora, máquina fotográfica digital e gravador de voz, os professores e estudantes podem organizar excursões pelas ruas da região da escola, observando e registrando a realidade local. Tais observações, no entanto, não são livres, mas pautadas pelos estudos e conteúdos de ética e cidadania trabalhados nos projetos em sala de aula.

Para dentro da escola há ações pautadas na pedagogia de projetos, incorporados os princípios de transversalidade e interdisciplinaridade e estimuladas reflexões sistematizadas sobre o que foi problematizado, observado e registrado nos espaços externos. Os conteúdos relacionados ao entorno são incorporados nas aulas das disciplinas específicas e em outros momentos de natureza transdisciplinar. Nessa concepção, as disciplinas específicas passam a ser vistas como ferramentas para o estudo e compreensão de questões relacionadas à vida e aos interesses da comunidade.

A chave para promover esse trabalho é a instituição do que chamamos de fóruns da escola e comunidade. Esses fóruns têm como papel essencial articular os diversos segmentos da comunidade escolar, com a participação de representantes docentes, discentes, de servidores, das famílias, de líderes comunitários e representantes da comunidade, como comerciantes e moradores. As reuniões do fórum devem ocorrer ao menos uma vez no semestre, com duração de duas a três horas, e ter, dentre seus objetivos, a definição coletiva de temáticas que pautem os projetos escolares e as relações com a comunidade durante os meses seguintes. Não há um único modelo para o desenvolvimento das reuniões do fórum, uma vez que cada escola deve adaptá-lo à sua própria realidade e interesses específicos. Mas em geral, sob a coordenação de um grupo de professores e alunos, pode-se iniciar as reuniões com uma palestra ou uma mesa-redonda sobre temáticas de ética e cidadania. Na sequência, pequenos grupos, pautados por questões suscitadas durante o momento inicial, levam para uma plenária final as propostas de temas a serem adotados pela comunidade escolar. Tais temas, como questões ambientais, situações de preconceito e discriminação etc., são a base para o desenvolvimento de ações e projetos que envolvam escola e comunidade.

Entre os temas que mais atraem seu interesse estão a educação comunitária e a educação em cidadania. Como formar professores capacitados nessas áreas?

— A formação de professores se dá na ação, fazendo, não apenas refletindo sobre os problemas. Aprender esse modelo educativo significa romper as amarras do imobilismo e se lançar a experimentar. Por isso, o caminho que sigo é o de incentivar as escolas a promover os fóruns. Geralmente, surgem resistências, devido à enorme quantidade de atividades que os professores e gestores já têm. E isso acaba servindo de desculpas para a escola seguir encerrada em seus próprios muros. A saída para isso é entregar a organização dos fóruns aos próprios alunos e a quem tenha interesse, tempo e energia. Dessa maneira, tendo os alunos como protagonistas do processo, com suas famílias, ONGs, igrejas e outras entidades da sociedade, a escola vai vencendo o isolamento. E o diálogo vai sendo construído de forma positiva e permanente.