Logo Portal do Professor

JORNAL

Bullying na Escola

Segunda-feira, 4 de Janeiro de 2010

Edição 32

EDITORIAL - Bullying na Escola

O tema da 32ª edição do Jornal do Professor é Bullying Escolar. O assunto foi escolhido por 47,96% dos leitores que votaram na enquete colocada em nossa página.

Para que você saiba mais sobre este fenômeno, que tem crescido nos últimos anos, apresentamos uma entrevista com a professora da Unicamp, Ângela Soligo. Trazemos também uma matéria com a palestrante e pesquisadora, Cleo Fante, pioneira na área do bullying e criadora do programa Educar para a Paz.

Mostramos, ainda, experiências realizadas em escolas do Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e São Paulo, bem como sugestões de livros sobre o assunto.

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

Seja bem-vindo!

Prevenção é o melhor caminho contra o bullying

Imagem ilustrativa de sala de aula.

Quem não conhece casos de estudantes tímidos, intimidados pelos alunos mais fortes e desinibidos da escola? A menina gorda, que carrega o apelido de baleia; o garoto de óculos, conhecido por quatro olhos; o magrinho, que é chamado de palito... São muitos os exemplos de atitudes agressivas, que ocorrem na escola, que podem causar sofrimento e angústia. Essas situações não são novas, existem há muito tempo, mas foi somente a partir da década de 70 que começaram a ser estudadas com atenção, por pesquisadores de diferentes países, como integrantes de um fenômeno chamado bullying.

No Brasil, uma das pioneiras nessa área é a doutoranda em ciências da educação, Cleo Fante, que já atuou em escolas públicas e particulares do Estado de São Paulo como professora de história, geografia, e ética e cidadania. Ela explica que o bullying (do inglês bully, que significa valentão, brigão etc) é um fenômeno encontrado nas relações entre pares, em especial entre estudantes. “Na prática, acontece quando um estudante ou mais, de forma intencional, elege como alvo outro (ou outros) contra o qual desfere uma série de maus-tratos repetitivos, impossibilitando sua defesa,” diz a pesquisadora.

Com dez anos de experiência no estudo do bullying no país, ela criou o programa antibullying - Educar para a Paz -, já implantado em diversas escolas do Brasil e de Portugal. “Posso afirmar que é um fenômeno que cresce assustadoramente na medida em que, as vítimas, quando não atendidas, acabam reproduzindo a vitimização, na maioria dos casos,” salienta.

O problema pode ter inúmeras causas. A pesquisadora aponta, entre elas, os modelos educativos familiares, como o autoritarismo, a permissividade, a ausência de limites e afeto, e o abandono. Além disso, cita também fatores como a influência da mídia, principalmente por meio de programas e filmes violentos, e a influência cultural, onde o egoísmo, o individualismo e o descaso com o outro colaboram para a falta de empatia, compaixão, intolerância e respeito.

O bullying pode ocasionar sérios problemas, dependendo da gravidade e do tempo de exposição aos maus-tratos. “As vítimas podem ter seu processo de aprendizagem comprometido, podendo apresentar déficit de concentração, queda do rendimento escolar, e desmotivação para os estudos, que podem resultar em evasão e reprovação escolar”, ressalta Cleo Fante. As consequências podem atingir também o processo de socialização, causando retraimento, dificuldades no relacionamento e na tomada de inciativa e decisão. Os problemas podem atingir até a saúde das vítimas, desencadeando diversos sintomas e doenças de fundo emocional, como dores de cabeça e de estômago, febre, vômitos, alergias, fobias, depressão etc.

Segundo Cleo Fante, o mínimo que as escolas podem fazer é discutir o problema com a comunidade escolar, alertando estudantes, pais e profissionais para essa forma de violência e diferenciando-a das brincadeiras habituais e de indisciplina. “Porém, a prevenção é o melhor caminho e esta deve ser iniciada pelo conhecimento”, sustenta a pesquisadora. Ela alerta, ainda, para a ocorrência de um novo fenômeno: o ciberbullying, que é a forma virtual de praticar bullying, utilizando a internet.

Lei contra o bullying em Pernambuco - Medidas de combate ao bullying deverão ser incluídas nos projetos pedagógicos das escolas públicas e particulares de Pernambuco. Uma lei, nesse sentido, foi sancionada em dezembro de 2009 pelo governador Eduardo Campos.

(Fátima Schenini)

Escola e família se unem contra o bullying

Estudantes e pais folheiam jornais e revistas

A constatação de que a escola tem sido palco para a prática de bullying, embora seja um local de suma importância na vida das pessoas, levou a professora Cristina Lins, de Dourados (MS), à criação de um projeto para auxiliar no combate a essa prática que inclui comportamentos agressivos e antissociais.

O projeto Unidos no combate da prática do bullying – jornal, literatura, comunidade e cidadania, uma grande parceria!, desenvolvido em 2008 e em 2009, foi um dos vencedores da quarta edição do Prêmio Professores do Brasil. Ele atingiu, inicialmente, os alunos do primeiro ano do ensino fundamental da Escola Municipal Neil Fioravanti - Centro de Atenção Integral à Criança e Adolescente (Caic). Mas acabou por integrar toda a escola, as famílias dos estudantes e a comunidade.

“Sempre fui consciente de que a educação é papel de todos. Não se pode pensar no envolvimento dos pais apenas nos momentos de reuniões para apresentação de resultados bimestrais e, sim, integrá-los no início, meio e fim do caminhar pedagógico”, salienta a professora. O primeiro passo foi apresentar o projeto aos pais e à equipe pedagógica, para esclarecer questões a respeito do objetivo do trabalho e ressaltar a importância da colaboração de todos para o êxito do trabalho.

Uma das atividades que reuniu alunos e seus familiares foi a confecção de cartazes contra a violência, que foram depois colados por toda o colégio. As famílias também participaram da criação de reivindicações contra a violência na escola, que foram encaminhadas aos responsáveis pelo Projeto Político Pedagógico (PPP) e à Secretaria Municipal de Educação de Dourados (Semed), para que, caso haja interesse, articule o programa da Neil Fioravanti com as demais escolas da rede do município.

O projeto trabalhou os diferentes conteúdos de modo interdisciplinar. Na área de língua portuguesa, por exemplo, foram explorados textos conhecidos da literatura infantil, como O Patinho Feio e A cigarra e a Formiga, e notícias de jornal, visando confrontar a ficção e a realidade no que se refere ao relacionamento humano. Os alunos reescreveram as histórias e encenaram uma peça de teatro - A Cigarra cantora e a formiga solidária. Em ciências, por meio do estudo do corpo humano, houve a valorização das características físicas de cada um e o respeito à diversidade.

De acordo com Cristina, as leituras, bem como as demais atividades desenvolvidas em parceria, forneceram suportes para que pudessem ir da reflexão à ação. Assim, aos poucos, foram revistos alguns conceitos que provocaram mudanças, positivas, nas atitudes. E as brigas, que eram constantes, diminuíram. “Quando ocorrem, os próprios alunos causadores repensam automaticamente, revendo suas atitudes e se “autopoliciando”, analisa a professora. Outro efeito positivo foi o aumento na interatividade da turma, que se tornou mais solidária.

Jornal da Cidadania – Para registrar e divulgar o que aprendeu sobre o combate ao bullying, a turma criou o Jornal da Cidadania, distribuído às famílias e à comunidade. "Procuramos conscientizar os leitores da importância da justiça, da ética e da colaboração para uma boa convivência. Também integramos mensagens reflexivas ligadas à paz, ao respeito e a valorização da diversidade”, explica Cristina.

(Fátima Schenini)

Porto Alegre adota diferentes soluções contra o bullying

Foto mostra quatro alunos da Escola Padre Réus durante seminário sobre bullying.

Um projeto que une artes plásticas, dança e teatro foi a solução encontrada em uma escola de ensino médio de Porto Alegre (RS) para combater a violência e a agressividade dos estudantes, bem como casos de bullying. Idealizado pelo professor de educação artística, Aloízio Pedersen, o projeto A Escola sem Violência vem se realizando desde 2006, com excelentes resultados.

“Trabalho para trazer a agressividade para a sala de aula e fazer com que ela se transforme em arte”, explica Aloízio, artista plástico, ator, diretor de teatro, e arte-terapeuta que atua no magistério público estadual há 32 anos e dá aulas também na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Ele acredita que é preciso combater a violência na origem, em sua causa e não na conseqüência. “A escola é um espelho da sociedade. A violência chegou à escola porque a sociedade está violenta. Temos que reverter essa situação”, diz.

Tudo começou quando a Escola Estadual Padre Reus, que tem em média 1.400 alunos, nos três turnos, recebeu um grupo de alunos bastante agressivo. Os resultados, logo no início do semestre, foram: um vaso sanitário explodido, portas de salas de aula queimadas e com ferragens arrebentadas, vidros quebrados, pichações variadas, além de relações agressivas de alunos entre si e com professores, e casos de bullying.

Como o diretor da escola observara as mudanças, para melhor, que ocorriam com os estudantes que freqüentavam as oficinas de teatro ministradas pelo professor Aloizio, pediu a ele que elaborasse um projeto para tentar mudar o comportamento dos alunos. E assim foi feito. Nesse projeto, cada turma da escola participa, uma vez por semana, de diferentes atividades que sempre começam por uma sessão de alongamento. As atividades, que são realizadas em uma sala ampla, sem cadeiras ou classes, com porta CDs e colchonetes, envolvem observação, concentração, criatividade, movimento e ritmo, construção de personagens e cenas de teatro, além de desenho e pintura. Os alunos também recebem atividades para fazer em casa, como vídeos ou cartazes e já desenvolveram alguns blogs, sendo um deles contra o bullying.

Segundo Aloízio, o perfil dos alunos se modificou sensivelmente já no primeiro ano de realização do projeto. A escola, que precisava ser pintada duas vezes por ano passou a ser pintada apenas uma vez, possibilitando investimentos em melhorias na escola. Ele conta que, atualmente a escola está cheia de flores – amor-perfeito – e as relações agressivas e o bullying diminuíram a percentuais mínimos. Aloizio atende, atualmente, 15 turmas pela manhã e cinco à noite. No período da tarde, o projeto é desenvolvido por outra professora.

“Hoje, nossos alunos são convidados a fazer palestras em outras escolas e também em instituições como o Ministério Público e órgãos do Judiciário. Fazendo brincadeiras e fazendo teatro vão passando a mensagem. Os alunos se promovem e se fortalecem”, salienta o professor, que já está atraindo a atenção de de outras instituições de nível superior para dar aulas, neste ano, a fim de instrumentalizar futuros professores no combate à violência e ao bullying.

Saúde Escolar - A solução contra o bullying adotada no Colégio Cônego Paulo Nadal, que atende alunos do ensino infantil até o médio, também em Porto Alegre, é o apoio e a colaboração de uma das oito equipes de saúde escolar da Secretaria Estadual de Educação, que trabalha com prevenção e promoção de saúde nas escolas. O Paulo Nadal funciona como uma escola polo dessa equipe, integrada por uma psicóloga, dois biólogos e uma nutricionista. “Em 2009, o foco do trabalho foi a violência, onde o bullying está incluído, e a sexualidade, conta a psicóloga Regina Ferreira, coordenadora da equipe que atende 43 escolas.

De acordo com Regina, o tema bullying foi muito procurado pelas escolas. “Trabalhei muito com adolescentes. Várias escolas solicitaram nossa presença”, ressalta. A equipe também trabalha questões relativas à qualidade de vida do professor, como estresse, fadiga, e relacionamento com o aluno, com a família do aluno e com a própria instituição.

(Fátima Schenini)

Casos de bullying são resolvidos em conjunto

Seja pela raça, religião ou pelo jeito como se vestem, muitas crianças e adolescentes sofrem com atitudes agressivas dentro da escola. Uma pesquisa feita em 2008, por uma organização não-governamental internacional, identifica o bullying como uma prática crescente no ambiente escolar, mas diversos educadores e alunos já tomam iniciativas para mudar essa situação. De acordo com psicólogos e especialistas, os professores são peça chave no processo de identificação, pois têm a vivência de sala de aula que os possibilita filtrar o que é brincadeira e o que é bullying.

Em Brasília, o Colégio Leonardo da Vinci iniciou, há um ano, um projeto com participação direta dos estudantes da 1ª série do ensino médio. “É importante reconhecer o bullying como um fenômeno presente em todas as realidades educacionais, visto que o perfil da criança e do adolescente assemelha-se, independente do lugar”, diz a orientadora da escola, Gerlany Dantas.

O projeto, semestral, é desenvolvido em parceria com o componente curricular de redação. Consiste em um trabalho de sensibilização dos estudantes para que se percebam em suas diferenças e respeitem as limitações e fragilidades uns dos outros. Os professores, na sala de aula, abordam casos reais de bullying e incentivam a reflexão sobre casos de violência crescente no espaço escolar. Após essa dinâmica, os estudantes apresentam os resultados desse trabalho com produções escritas.

O colégio já conseguiu estabelecer um canal aberto de denúncias de maus tratos sofridos por estudantes que recebem apelidos ou são “zoados”. Quando um caso de bullying é identificado, todos os envolvidos são chamados a participar da solução dos conflitos. Em uma mesa redonda, com participação de pais e orientadores, a vítima e os "agressores" podem expor seus sentimentos, colocar suas experiências e falar sobre seus desconfortos. A partir dai partem para acordos práticos que deverão ser adotados por todos os envolvidos. Alguns alunos são acionados como "anjo da guarda" a fim de monitorarem a situação ao longo do tempo. “Essas atitudes tornaram o ambiente escolar mais positivo e leve”, garante Gerlany.

Depois de sofrer muito como vítima de bullying e mudar três vezes de escola para fugir do problema, um estudante, de 15 anos, resolveu criar o Partido Antibullying dentro do Leonardo da Vinci. Segundo a orientadora, a escola pretende dar continuidade às ideias trazidas pelo aluno que criou esse partido, que já possui adeptos em várias turmas, a fim de desenvolver ações preventivas para o próximo ano. (Assessoria de Comunicação da Seed/MEC)

Diálogo é o primeiro passo para resolver casos de bullying

Tentar contornar os problemas que surjam, chamando os alunos envolvidos para dialogar, é a primeira atitude que é tomada na Escola Estadual Professor Alberto Conte, na capital de São Paulo, a fim de resolver casos de bullying. Somente no caso desse procedimento não dar resultado é que a escola dará o passo seguinte, que é chamar os pais dos estudantes, explica a coordenadora pedagógica da instituição, Ivânia Schumacker.

Segundo ela, se nem assim conseguirem resolver a questão, será dado o terceiro passo, que é chamar o Conselho Tutelar. “Nossa escola não apresenta grandes problemas”, garante. Com 18 anos de experiência no magistério, três deles na Alberto Conte, Ivânia adianta que o tema bullying será trabalhado com os alunos, em 2010. “Vamos enfocar principalmente o ciberbullying, que é uma questão muito atual”, diz. A escola, localizada no bairro de Santo Amaro, atende 2.700 alunos de ensino médio.

A busca de diálogo com os envolvidos também é uma preocupação da Escola Estadual Professor Ary Menegatto, localizada no município de Americana, a cerca de 120 Km da capital de São Paulo. A instituição desenvolveu, em 2009, um projeto multidisciplinar chamado Bullying. De acordo com a coordenadora pedagógica, Claudete Fernandes Ditão, toda a escola – são 1.088 alunos das séries finais do fundamental e do ensino médio – se envolveu no projeto, até as responsáveis pela merenda. Foram atendidos, principalmente, os alunos do 9º ano (8ª série) e do 3º ano do ensino médio.

Formada em geografia e em pedagogia, com 22 anos de magistério, dez dos quais na coordenação pedagógica do Ary Menegatto, Claudete afirma que essa escola tem uma boa clientela e não enfrenta os problemas que existem em outras instituições. “Achamos necessário trabalhar com esse tema porque ele é muito atual”, salienta.

(Fátima Schenini)

Escola do Distrito Federal usa esporte contra o bullying

Alunos da EC 203, de Santa Maria (DF) participam de desfile com a orientadora educacional Anita Maria.

Desenvolver um projeto de enfrentamento à violência por meio de práticas esportivas que contemplassem todas as turmas foi a solução adotada por um colégio do Distrito Federal para combater o bullying. A Escola Classe 203 (EC 203), localizada na cidade satélite de Santa Maria, a cerca de 35 Km de Brasília, promoveu uma gincana para os alunos da educação infantil e um campeonato com diversas modalidades para os alunos das séries iniciais do ensino fundamental, no segundo semestre do ano passado.

“Excelentes resultados foram alcançados”, diz a orientadora educacional da instituição, Anita Maria Lins da Silva. Segundo ela, os alunos que brigavam passaram a organizar os times, suas estratégias de jogo e as torcidas organizadas. E as crianças da educação infantil fizeram faixas, roupas de TNT e participaram das atividades com muita alegria.

Graduada em pedagogia, com especialização em orientação educacional, supervisão escolar e séries iniciais, pós-graduada em psicopedagogia, atualmente fazendo mestrado em psicologia, Anita está no magistério desde 1999. Na EC 203, onde se encontra desde o início do ano letivo de 2009, ela observa que, na maioria das vezes, as crianças agridem moral e fisicamente seus colegas, independente da faixa etária. “O que mais acontece é a agressão física por motivos diversos ou apenas para oprimir e intimidar”, explica.

O projeto de realização de práticas esportivas foi criado após a constatação de casos de bullying tanto nas salas de aula quanto durante os períodos de recreio, por meio da observação e relato dos professores. “Nosso objetivo era desenvolver o respeito mútuo, o fortalecimento dos laços afetivos, o respeito às regras e limites além de estimular um ambiente de motivação e alegria”, salienta Anita. Ela acrescenta, ainda, que os professores também se divertiram muito e fortaleceram sua relação com os estudantes: “as crianças passaram a nos procurar mais para resolver os diversos tipos de problemas”. O trabalho foi tão positivo que será realizado novamente no início do ano letivo de 2010.

(Fátima Schenini)

Leia também o artigo de Anita - O bullying e a orientação educacional

O bullying e a orientação educacional

Anita Maria Lins da Silva*

Bullying, sinônimo de agressão moral, física, psicológica. Palavra não traduzida para a língua portuguesa, mas facilmente entendida por se tratar de um fenômeno crescente da sociedade brasileira: a violência. Mas só brasileira? Não, as vítimas e seus algozes estão espalhados pelo mundo inteiro e em várias culturas. Envolve relação de poder e mando. A conseqüência é que as vítimas também acabam se tornando agressores. Mas, então, o que fazer visto que as proporções estão gritantes? A escola tem enfrentado todo tipo de violência envolvendo alunos, pais e professores e deve contar com um importante segmento para ajudar na questão: a orientação educacional.

O enfoque da orientação educacional tem mudado no decorrer de sua história, no início com vistas à profissionalização, passando por várias abordagens e possibilidades diagnósticas com ações interventivas. Hoje, após várias reflexões, estamos caminhando para um conceito menos clínico-terapêutico e mais social. O orientador com uma visão mais ampla e sistêmica dos problemas sociais e da violência lança seu olhar sobre o todo: a família, sala de aula e sociedade: age no sentido de ajustar as suas práticas na prevenção, distancia-se do imediatismo e dos “incêndios” do dia-a-dia na escola.

No caso do bullying, a orientação educacional atua conjuntamente com o pedagógico e famílias, sempre levando em consideração que sanções e limites não são suficientes, ou mesmo a identificação das causas do baixo rendimento escolar e encaminhamentos para áreas afins: a violência vai além de tudo isso, enfraquece, desestimula, entristece. O orientador deve desenvolver projetos que visem à mudança de paradigmas, trabalhar no sentido de formar, informar, valorizar os atos de respeito ao próximo, a elevação da auto-estima e do amor. É preciso fortalecer as relações e os vínculos de afeto na escola e família, mesmo que algumas delas não sejam a que idealizamos.

Receita pronta? Não. A luta contra o bullying é um grande desafio, possível numa junção de esforços. O orientador educacional – profissional qualificado não somente em ajustar o aluno a regras e normas sociais – se vê envolvido na tarefa de promover o bem-estar, mas isso deve ser feito sem ingenuidades ou pretensões, o problema já está instalado, o real é muito mais comprometedor e abrangente, envolve sistema e política, educação versus capitalismo. Mas vamos esperar mudança para agir? Quem sabe agindo no micro algo grandioso possa acontecer?

*Orientadora educacional da EC 203 – Santa Maria (DF)

Professora de Goiás colabora para o resgate da cultura africana

Foto da professora Maria Geralda, de Goiás.

Professora desde os 15 anos, Maria Geralda de Almeida Moreira trabalha atualmente na equipe de Desenvolvimento Curricular da Secretaria de Educação do Estado de Goiás, em Goiânia. Ela desenvolve trabalhos junto aos professores da rede estadual, para a implementação da nova matriz curricular de Goiás. Formada em história, com mestrado também em história, ao longo de sua carreira já lecionou as disciplinas de história, sociologia e filosofia no ensino fundamental e médio.

Em 2008, quando dava aulas no Colégio Estadual José Lopes Rodrigues, em Aparecida de Goiânia (GO), Maria Geralda desenvolveu o projeto África, um olhar sob outra perspectiva, com alunos do 3º ano do ensino médio. "Alguns motivos me levaram a desenvolver este projeto: atender a lei 10.639/03; discutir a questão com os alunos vestibulandos; e criar espaços de discussão que proporcionasse aos alunos a construção de outras representações sobre o continente africano, indo além da fome, doenças e guerras", explica. Ela ressalta que o trabalho com projetos era uma prática constante em sua atuação na sala de aula, mas nenhum outro projeto teve tanta participação e interesse dos alunos como ocorreu com esse sobre o continente africano.

De acordo com Maria Geralda, estudos do Centro Interdisciplinar de Estudos África-Américas da Universidade Estadual de Goiás (CieAA-UEG) apontam a problemática da invisibilidade e subalternização da população negra, inclusive naquele Estado. Segundo ela, esses estudos ressaltam que tais problemas estão ligados ao mundo do trabalho e a um forte viés histórico e cultural, que privilegia o campo semântico urbano/branco/católico ou evangélico em detrimento do mundo rural/negro/umbandista. "Assim, enfrentar essa problemática é essencial para se eliminar desigualdades", acredita.

O projeto África: um olhar sob outra perspectiva foi desenvolvido em três etapas. Na primeira, foi feita uma sondagem para averiguar que tipo de informações os alunos possuíam sobre a África; na segunda, ocorreu o trabalho em sala com os alunos; e na terceira, no final do ano, uma nova sondagem verificou os impactos da ação desenvolvida. Os alunos trabalharam em forma de seminário: divididos em grupos, leram livros, assistiram filmes, fizeram pesquisas e apresentaram os trabalhos.

Maria Geralda percebeu os bons resultados obtidos com o projeto, que trouxe maior conhecimento sobre a história, a geografia e a cultura do continente africano e uma postura mais crítica dos alunos. Houve, ainda, um maior interesse nas aulas, a ocorrência de discussões sobre o assunto, e mudanças na forma de os alunos representarem o continente africano. "Os estudantes deixaram de ver a África apenas como um local exótico e selvagem e perceberam que é um lugar de pessoas capazes e inteligentes. De um local de miséria e guerras passou a local de grande diversidade cultural e lingüística", enfatiza a professora.

(Fátima Schenini)

Ângela Soligo (Unicamp): escola tem papel fundamental no combate ao bullying

Graduada em psicologia, com mestrado e doutorado também em psicologia, Ângela Soligo é docente da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Diferenças e Subjetividades em Educação. Integra, também, o conselho editorial da revista Escritos sobre Educação, do Instituto Superior de Educação Anísio Teixeira, da Fundação Helena Antipoff, de Belo Horizonte (MG) e a Comissão Científica dos Cadernos UFS de Psicologia, da Universidade Federal de Sergipe.

Em sua experiência na área de educação, a ênfase é na formação de professores, atuando principalmente em temas relacionados a preconceito racial, representação social, formação, professor e escola.

Em entrevista ao Jornal do Professor, Ângela Soligo afirma que a escola tem papel fundamental no combate ao bullying. “A tarefa da escola não é simplesmente punir ou patologizar, mas educar - construir, com os alunos, novas visões de mundo, de sujeito, e novas possibilidades de convivência, na diferença”, destaca.

Jornal do Professor – O que é bullying? Existem tipos diferentes de bullying?

Ângela Soligo – Bullying não tem tradução literal no português, mas significa abuso entre iguais, ou seja, não é qualquer abuso ou agressão, mas o abuso entre pessoas de mesma idade, mesmo status em um grupo, como por exemplo, alunos em uma escola. Outra característica do bulling é que não se trata de um acontecimento isolado, como uma briga entre dois colegas, por exemplo, mas de eventos repetitivos: um aluno que é sistematicamente xingado ou agredido por um grupo, ou alguém que nunca pode participar de determinados grupos.

Portanto: o bullying ocorre entre iguais, de forma repetitiva. Porém, esses iguais não se sentem iguais, aqueles que praticam se julgam superiores às suas vítimas.

Há diferente manifestações de bullying, algumas mais evidentes – agressão física, xingamento, apelidos humilhantes, outras menos evidentes - afastamento e isolamento - ocorre quando algumas crianças ou adolescentes são impedidos de participar de atividades com os demais colegas, são recusados em atividades de grupo, nunca são escolhidos pelos colegas para nada (esse tipo de bullying, em geral, é praticado pelos ditos bons alunos - e, por essa condição, seus atos não são percebidos como nocivos aos outros).

JP - Quais as principais causas do bullying?

AS – Em geral, pode-se dizer que o bullying se desenvolve no contexto da violência, na cultura da violência. Nossa sociedade cultua distintas formas de violência, valoriza modelos agressivos, tolera várias formas de agressão (violência policial, violência doméstica, guerras). Portanto, as bases para o bullying estão dadas na própria cultura.

Além disso, na base do bullying está alguma forma de preconceito. São em geral vítimas de bullying aquelas crianças ou adolescentes que carregam alguma marca desvalorizada socialmente: negros, gordos, portadores de certas deficiências ou dificuldades, meninas em alguns contextos, muito pobres, etc.

A suposta superioridade de alguns e inferioridade de outros, amplamente veiculada em nossas sociedades, abre os caminhos da agressão e da violência.

JP – Esse fenômeno sempre existiu ou é algo novo? Ele ocorre no mundo todo?

AS – O fenômeno sempre existiu, o nome é mais recente. Não se restringe ao nosso país, mas prolifera em um mundo que prega a solidariedade mas pratica a intolerância. Por que aumentam as manifestações de bullying, porque atinge a todas as camadas sociais, e porque hoje as mídias nos permitem conhecer, ter acesso a informações do mundo todo, o fenômeno tem ganho cada vez mais a atenção de educadores e da sociedade.

JP – Quais as consequências que o bullying pode trazer a suas vítimas?

AS – Para as vítimas do bullying, há muitas possíveis consequências:

- a recusa em ir à escola;

- dificuldades no desempenho escolar, já que o fator afetivo afeta sua percepção sobre si mesmo e segurança;

- sintomas físicos na hora de ir para a escola - dor de barriga, suor, dor de cabeça;

- no limite, adoção de reações violentas ou condutas suicidas.

JP – O bullying ocorre mais em algum nível de ensino específico ou faixa etária?

AS – O bullying tem ocorrido mais na faixa etária entre os 8-9 anos até o final da adolescência. Pode ocorrer antes, mas é mais raro, pois crianças menores ainda não absorveram todos os preconceitos do mundo adulto.

Nos adultos, a conduta não é mais chamada bullying, mas assédio moral, e quanto a ela há leis hoje que tentam proteger os agredidos.

Não há muitos relatos de bullying em universidades, mas ele pode ocorrer. No entanto, nessa fase os sujeitos já estão mais seguros e aparelhados para se defenderem. Tive pessoalmente conhecimento de um caso neste contexto, e o sujeito agredido, embora extremamente abalado, procurou ajuda e amparo institucional. Crianças e adolescentes têm mais dificuldade para isso, retraem-se e

silenciam.

JP – O que os professores e as escolas podem fazer para combater a ocorrência desse fenômeno?

AS – A escola tem um papel fundamental no combate ao bullying. Em uma perspectiva mais geral, formar para o respeito, para o combate a qualquer forma de discriminação e preconceito. Isso deve se feito o tempo todo, no dia a dia da escola, como um princípio educativo.

Em uma dimensão mais focal, quando o problema surge, é fundamental não silenciar, não esperar que passe, mas intervir. Intervir, não quer dizer encaminhar a vítima para tratamento (o que tem ocorrido com frequência, como se a causa do bullying estivesse dentro da vítima). Quer dizer refletir com os agressores, as vítimas e os outros alunos, identificar a agressão como um problema a ser trabalhado, não tolerar, não aceitar como parte da normalidade da escola. É importante mostrar ao conjunto dos alunos que aqueles que silenciam, que não praticam mas assistem, são cúmplices, alimentam a agressão. E que o silêncio, muitas vezes, também fere.

Concluindo, a tarefa da escola não é simplesmente punir ou patologizar, mas educar - construir, com os alunos, novas visões de mundo, de sujeito, e novas possibilidades de convivência, na diferença.