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JORNAL

Escolas Multisseriadas

Segunda-feira, 1 de Março de 2010

Edição 35

EDITORIAL - Escolas Multisseriadas

As escolas multisseriadas, que reúnem na mesma sala de aula alunos de diferentes séries do ensino fundamental, são o tema da 35ª edição do Jornal do Professor. O assunto foi escolhido por 75,75% dos leitores que votaram na enquete colocada em nossa página.

Nesta edição, trazemos para você a experiência da pedagoga Aurelice Lopes Queiroz, do Pará; dos professores Gilson da Silva e Zélia Laray, do Amazonas; e do professor Márcio Azevedo, do Rio Grande do Norte. Nosso entrevistado é o professor da Universidade Federal do Pará, Salomão Mufarrej Hage, coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia (Geperuaz).

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

Seja bem-vindo!

Programa eleva autoestima de professores de escolas multisseriadas

Alunos caminham em estrada na área rural

As escolas multisseriadas, que reúnem na mesma sala de aula alunos de diferentes séries do ensino fundamental, representam 56,45% das escolas existentes na área rural brasileira. Segundo dados do Censo Escolar de 2008 existem 48.875 instituições desse tipo, em nosso país, com 70 mil professores e 1,3 milhão de alunos. Essa organização heterogênea, com estudantes de diferentes idades e níveis de conhecimento, ocorre principalmente devido às grandes distâncias existentes nas áreas rurais e à baixa densidade da população nesses locais.

Em Marabá, no sudeste do Pará, a 485 Km da capital Belém, a Secretaria Municipal de Educação trabalha com a formação continuada dos professores das escolas do campo, que são atendidos em cinco pólos de formação. “É um momento muito rico, porque todos os educadores das escolas pequenas e que ficam isoladas se encontram para uma troca de experiências, socialização, e planejamento”, diz a pedagoga Aurelice Lopes. A ação faz parte do programa Escola Ativa, do Ministério da Educação, criado em 2008 para melhorar a qualidade do desempenho escolar em turmas multisseriadas e que tem a capacitação de professores e a implantação de recursos pedagógicos entre suas principais estratégias. O programa, coordenado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC), é desenvolvido em 39.732 escolas, em 3.106 municípios.

“A metodologia da Escola Ativa traz visibilidade para os educadores das classes multisseriadas”, garante a pedagoga Aurelice Lopes Queiroz, onde o programa é adotado em 116 escolas. Para ela, que é coordenadora pedagógiga nas escolas do campo, a autoestima desses professores agora está elevada porque existe um programa voltado para eles e suas necessidades. Segundo Aurelice, outros resultados positivos têm sido constatados no processo de ensino-aprendizagem e no envolvimento da comunidade com a escola. “Onde o educador realmente se compromete e trabalha a metodologia, os resultados têm sido consideráveis”, assegura. No entanto, a pedagoga faz uma ressalva: eles têm enfrentando uma grande dificuldade em desenvolver a metodologia porque não conseguem fazer o acompanhamento necessário. “Se o nosso acompanhamento fosse mais frequente e sistematizado, nossos resultados seriam melhores”, acredita.

Entre os elementos utilizados pelo programa Escola Ativa em sua metodologia estão os Cadernos de Ensino e Aprendizagem. Específicos por disciplina, eles estimulam os alunos a estudarem por conta própria. Em 2009, o MEC encaminhou 820 mil desses Cadernos, que beneficiaram 694.237 alunos. Em 2010, serão distribuídos 7.379.395 Cadernos para atender 1.321.833 alunos. O programa também utiliza os chamados Cantinhos de Aprendizagem: locais que reúnem materiais de pesquisa e subsídios para aprendizagem e que podem conter livros, plantas, e objetos ligados à cultura local e às áreas do conhecimento.

(Fátima Schenini)

Programa melhora desempenho em classes multisseriadas no Amazonas

Alunos do município de Tabatinga (AM).

Na comunidade rural do Igarapé de Jacaré Tinga, na zona ribeirinha de Manaus, no Amazonas, dois projetos criados a partir da implantação do programa Escola Ativa, do Ministério da Educação, foram reconhecidos por entidades de âmbito nacional. Os projetos Ciência Viva e Ribeirinho leitor: uma luz da floresta, levam em conta a realidade social da comunidade, beneficiando seus moradores. No ano passado, a iniciativa Ribeirinho leitor ficou entre os finalistas do prêmio SESI Construindo a Nação, enquanto o Ciência Viva obteve reconhecimento da Universidade Federal do Amazonas pelo trabalho de estudo do PH da água utilizada por aquela comunidade rural.

O coordenador dessas iniciativas é o professor Gilson da Silva, da Escola Municipal Ebenezer, que desenvolve o trabalho há dois anos, desde que o Escola Ativa passou a funcionar na comunidade. Ele diz que a proposta do programa se baseia na construção do conhecimento, a partir da percepção coletiva da turma. “Tentamos valorizar os alunos que conseguem assimilar o conteúdo, mas respeitando a capacidade cognitiva dos estudantes, que possuem várias idades”, salienta.

Segundo ele, antes do projeto Escola Ativa chegar à comunidade, a taxa de analfabetismo chegava a 76%, enquanto, hoje, apenas 9% da comunidade ainda não saber ler nem escrever. “Nossos projetos não trabalham apenas com os alunos da escola, envolvemos também os pais”, afirma Gilson. Responsável por uma sala multisseriada com 25 estudantes de idades variadas, o professor destaca que sua escola procura oferecer uma educação ecológica, fomentando a agricultura sustentável e o artesanato que utiliza produtos que iriam para o lixo, como sobras de madeiras.

A coordenadora do Escola Ativa no Amazonas, Zélia Laray, explica que as classes multisseriadas já foram mal vistas, mas isso mudou: “bem trabalhadas, são ferramentas capazes de promover e oferecer ensino público de qualidade a crianças que precisam enfrentar horas de ônibus ou barco para chegar nas escolas mais próximas. Estamos fortalecendo o ensino nas classes da própria localidade”, enfatiza. Em 2009, 41 municípios amazonenses aderiram ao Escola Ativa. Em 2010, com a adesão de mais dez localidades, chegou a 51 o número de municípios participantes do programa.

(Assessoria de Comunicação/Secretaria de Educação do Amazonas)

Classes multisseriadas são adotadas em vários países

Alunos caminham para pegar o ônibus

A presença de escolas que se organizam em turmas multisseriadas, com alunos de diferentes séries e níveis em uma mesma sala de aula, não ocorre apenas no Brasil. É uma solução adotada em diferentes países para permitir que a população das áreas rurais tenha acesso à educação, já que a baixa densidade demográfica nessas áreas e o consequente baixo número de alunos inviabiliza a criação de turmas voltadas ao atendimento de séries ou anos específicos.

Estudos realizados pelo professor Márcio Azevedo, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), em seus estudos de doutoramento em educação, identificam essa modalidade de organização de turmas em escolas da Grécia, Suíça, Paquistão, Colômbia, entre outros países. “Na Universidade de Londres existe um grupo de pesquisa que se ocupa exclusivamente dessas escolas, desenvolvendo propostas pedagógicas que atendam às suas especificidades”, salienta.

Sua pesquisa no doutorado mostra que as turmas multisseriadas vêm sendo utilizadas desde o século XIX. “Era um meio de se oferecer educação aos estudantes que moravam em pequenos vilarejos europeus,” destaca. Segundo Márcio Azevedo, que atua na área da educação há 17 anos, as primeiras evidências de escolas brasileiras com essa organização são do período imperial. “A Instrução Elementar orientava que as escolas aplicassem o método mútuo ou ensino por meio da monitoria, cujo modelo foi exportado da Inglaterra”, explica.

Para ele, a problemática da educação do campo não é a forma de organização das escolas, mas as condições em que elas se estruturam e funcionam e as condições do trabalho docente, entre outros fatores que interferem nos processos de gestão e de ensino-aprendizagem. “Evidentemente que as práticas pedagógicas numa turma multisseriada não podem ser concebidas, planejadas, executadas e avaliadas da mesma forma como se faz numa sala seriada, mas é isso que ainda ocorre, na maioria das vezes”, acredita o professor. Em sua opinião, isso gera sobrecarga no trabalho docente e no processo de ensino-aprendizagem.

Márcio Azevedo conta que vivenciou inúmeras angústias como gestor, na época em que dirigia um centro de ensino rural no interior do Rio Grande do Norte, que reunia 19 escolas com turmas exclusivamente multisseriadas. “Ao lado dos professores, padecemos, literalmente, de dificuldades, como a de planejar, executar e avaliar o processo de ensino-aprendizagem em turmas multisseriadas, visto a falta de uma orientação metodológica específica”, relembra. Essa experiência o motivou a desenvolver uma pesquisa, no doutorado, sobre o programa Escola Ativa, do MEC, a fim de avaliar a implementação do programa no município de Jardim do Seridó (RN). “No mestrado, estudei uma realidade em que essas escolas não dispunham de orientações dessa natureza. Para fazer o contraponto, resolvi estudar o Escola Ativa”, esclarece.

Em sua opinião, o Escola Ativa oferece uma metodologia específica às escolas com turmas multisseriadas e contribui para o desenvolvimento de práticas educativas específicas em um ambiente pedagógico marcado pela diversidade. Além disso, destaca, o programa também pode colaborar para que os moradores de uma localidade estudem no próprio território a que pertencem, sem a necessidade de se deslocarem para estudar.

(Fátima Schenini)

MEC recebe inscrições de tecnologias educacionais para área rural

O Ministério da Educação recebe, até 12 de março, inscrições de tecnologias educacionais para uso nas séries iniciais do ensino fundamental das escolas públicas da área rural, que trabalham com alunos de várias séries na mesma sala de aula (classe multisseriada). Pessoas físicas e jurídicas, de direito público e privado, podem apresentar tecnologias.

Tecnologias educacionais são ferramentas, materiais e processos que, pré-qualificados pelo Ministério da Educação, ficam à disposição das escolas e dos sistemas públicos de ensino estaduais e municipais. Desde 2007, o MEC pré-qualificou 89 tecnologias e produziu outras 53, todas disponíveis no Guia de Tecnologias Educacionais.

O Edital nº 2/2010, publicado no Diário Oficial da União de 10 de fevereiro de 2010 relaciona 14 áreas de interesse, entre as quais estão a alfabetização em classes multisseriadas, formação continuada de professores, correção de fluxo escolar, tecnologia assistiva e inclusão digital.

Cronograma – O edital traz um calendário com datas e prazos, em que constam desde a entrega das propostas até a divulgação dos resultados: de 10 de fevereiro a 12 de março, apresentação de tecnologias; 22 de março a 4 de abril, o comitê técnico-científico, formado por especialistas, pré-analisa os materiais; 5 de abril a 2 de maio, avaliação; 5 a 12 de maio, prazo para recursos; 19 de maio, divulgação dos resultados.

Defasagem escolar – Este ano, 680 mil estudantes do ensino fundamental que estão em séries ou anos incompatíveis com a idade receberão atendimento específico para superar a defasagem escolar. Para corrigir o problema, o Ministério da Educação escolheu três tecnologias pré-qualificadas para aplicar em escolas de 1.147 municípios. O investimento nesta ação será de R$ 78 milhões. A correção de fluxo escolar será feita com o uso de tecnologias desenvolvidas pelos institutos Ayrton Senna e Alfa e Beto e pelo Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação (Geempa).

Ionice Lorenzoni)

Professora de biologia desenvolve projetos e estimula alunos

Banner mostra trabalhos desenvolvidos pelos alunos nas aulas de biologia

A professora de biologia Janyedja Carvalho de Andrade, de Barra do Piraí (RJ) leciona, há três anos, para alunos de ensino médio do CIEP 310 Professora Alice Aiex. Com bacharelado e licenciatura em biologia e especialização em Resíduos Sólidos Industriais, ela acha importante que o professor também tenha uma visão da área de pesquisa. Janyedja procura desenvolver projetos interessantes, que atraiam o interesse de seus alunos. Além disso, preocupa-se em estimulá-los a se prepararem para o vestibular, já que estão próximos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

Em 2009, Janyedia desenvolveu o projeto Xô, Dengue. Os estudantes realizaram 1.250 visitas a residências do bairro da Química, onde fica a escola, o mais atingido pela doença, em todo o município. Além disso, fizeram entrega de 50 telas para caixas d’água (que receberam da Secretaria Estadual da Saúde) às residências onde essas caixas estavam abertas e havia moradores com sintomas da doença.

Outro projeto da professora foi o Papeart, de reciclagem de papel, com apoio da Secretaria Municipal de Saúde e de uma empresa da comunidade. “Meu maior sonho é continuar com esse projeto, mas para isso preciso montar o laboratório de papel, junto ao laboratório de biologia. O local que temos é muito precário”, diz Janyedia.

Para ela, os alunos são muito importantes: “se não fosse por eles, que acreditaram em mim, os projetos não teriam tido êxito”. Ela criou um blog para divulgar o que foi feito. Além disso, os trabalhos dos alunos também podem ser vistos no youtube.

Escolas multisseriadas contribuem para a afirmação das identidades culturais locais

Professor Salomão Hage

Doutor em educação, com graduação em agronomia e em pedagogia, Salomão Mufarrej Hage é professor do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará. Membro da coordenação do Fórum Paraense de Educação do Campo, participa da Rede Universitas: produção científica sobre educação superior no Brasil, integra também o Observatório da Educação Superior no Campo, que envolve diversas universidades brasileiras. Consultor Internacional pelas Nações Unidas na Guiné Bissau, ele coordena a elaboração e implementação do Programa de Formação de Educadores daquele país.

Em entrevista ao Jornal do Professor, Salomão Hage fala sobre as escolas multisseriadas presentes nas áreas rurais de nosso país. Para ele, que é coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia (Geperuaz), a existência da escola multisseriada em uma comunidade contribui para evitar o êxodo de estudantes, fortalecendo as identidades culturais locais, a permanência da população no meio rural e o desenvolvimento da própria comunidade.

Jornal do Professor - O que são escolas multisseriadas?

Salomão Hage – São escolas onde um professor atua em múltiplas séries, concomitantemente, reunindo em algumas situações estudantes da pré-escola e dos anos iniciais do ensino fundamental em uma mesma sala de aula. Em geral são escolas localizadas nas pequenas comunidades rurais, muito afastadas das sedes dos municípios, onde a população a ser atendida não é suficiente para formar uma turma por série. São escolas que possuem infraestrutura precária e funcionam, em muitas situações, sem prédio próprio, na casa de um morador local ou em salões de festas, barracões, igrejas, etc. Grande parte dos professores dessas escolas são temporários e há, portanto, uma grande rotatividade de docentes atuando nas mesmas. Além das atividades docentes, o professor nessas escolas cuida da merenda, da limpeza, das atividades administrativas, e de muitas outras atividades na comunidade.

JP – Quais as vantagens e desvantagens desse tipo de ensino, tanto para alunos quanto para professores?

SH – Quando a escola está presente na comunidade, os estudantes podem acessá-la com mais tranquilidade e a comunidade pode interagir com ela de forma mais efetiva. Em grande parte das pequenas comunidades rurais, a escola é o único espaço em que o estado se faz presente junto à população, atendendo aos direitos de cidadania já assegurados nos dispositivos legais em vigência. A existência da escola na comunidade possibilita à população local acessar os conhecimentos acumulados pela sociedade em seu próprio lugar de origem, contribuindo para a afirmação das identidades culturais locais, para a permanência da população no meio rural e para o desenvolvimento da própria comunidade. Por outro lado, o ensino e a aprendizagem nessas escolas são pouco produtivos, pois os professores enfrentam muitas dificuldades em face do isolamento que vivenciam e do pouco preparo para lidar com a heterogeneidade de idades, séries, ritmos de aprendizagem, entre outras que se fazem presentes de forma mais explícita em uma turma multisseriada.

JP – Qual sua opinião sobre o programa Escola Ativa do Ministério da Educação?

SH – O programa Escola Ativa é hoje a única política pública voltada para as escolas multisseriadas no país. Há outras experiências que vêm sendo desenvolvidas por grupos e organizações não governamentais, mas que têm pouca expressão e abrangência em termos do universo de escolas existentes no país, que atualmente totalizam 49.305 escolas e atendem um total de 1.214.800 estudantes, segundo o Censo Escolar do INEP, de 2009.

O Escola Ativa tem a vantagem de investir na formação dos formadores e educadores que atuam juntos às escolas multisseriadas e ao mesmo tempo disponibiliza material didático e pedagógico às turmas para apoiar os docentes no processo de ensino aprendizagem. Além disso, envolve as universidades no processo de formação dos formadores e docentes, apoiando as secretarias municipais e estaduais de educação no acompanhamento das atividades pedagógicas junto às escolas. As restrições ao programa advêm do fato de fortalecer o ensino seriado e disciplinar nas escolas, na medida em que o material didático pedagógico foi construído nessa perspectiva e de estimular o desenvolvimento de uma única proposta pedagógica, curricular e metodológica para todo o país, desconsiderando a heterogeneidade e a pluralidade identitária que configura as populações do meio rural no país.

JP – Para o senhor, qual a melhor solução para ampliar o atendimento aos estudantes da área rural?

SH – Elaborar e efetivar políticas e práticas educacionais envolvendo o poder público, a universidade e as organizações e movimentos sociais do campo. É preciso “empoderar” os sujeitos e as populações do campo e ao mesmo tempo ampliar a garantia do direito à educação e o controle social das políticas educacionais. Isso precisa ser efetivado com os sujeitos do campo e suas organizações e não para eles. Todos têm o que dizer e contribuir: professores, gestores, estudantes, pais, lideranças da comunidade e os movimentos sociais. Essas políticas e práticas devem afirmar a intermulticulturalidade existente no meio rural brasileiro, considerando os conflitos e as tensões existentes entre os grupos e populações rurais e a convivialidade entre as mesmas.