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JORNAL

Ciências nos anos iniciais

Sexta-feira, 19 de Março de 2010

Edição 36

EDITORIAL - Ciências nos anos iniciais

O tema da 36ª edição do Jornal do Professor é Ciências nos Anos Iniciais. O assunto foi escolhido por 44,59% dos leitores que votaram na enquete colocada em nossa página.

Nesta edição, trazemos para vocês a experiência do Colégio Marista São José, no Rio de Janeiro, com o projeto Circuito Ciências; o projeto Mão na Massa, desenvolvido pela Academia Brasileira de Ciências; a experiência do professor Ernst Hamburger, da Universidade de São Paulo (USP), grande incentivador do ensino e da popularização da ciência; e o trabalho realizado pela professora Rosemar Vestena, que leciona para alunos do nível básico e superior em duas cidades do Rio Grande do Sul.

O entrevistado é o professor Antônio Carlos Pavão, da Universidade Federal de Pernambuco e diretor do Espaço Ciência - o Museu de Ciência de Pernambuco.

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

Seja bem-vindo!

Alunos descobrem um novo mundo em maratona científica

Alunos observam experiências em laboratório

O universo científico pode não fazer parte do currículo escolar do ensino infantil, mas mesmo assim despertou o encanto e o fascínio dos alunos do Colégio Marista São José, no Rio de Janeiro (RJ). Por meio do projeto Circuito Ciências, realizado no final de 2009, meninos e meninas do ensino infantil ao 5º ano puderam aprender como química, física e biologia fazem parte de suas vidas.

Com esse projeto, os alunos começaram a compreender o mundo e suas transformações por meio de experimentos científicos e tecnológicos. “Nessa fase inicial do aprendizado é importante criar uma dinâmica que desperte o desejo da pesquisa e a interação entre teoria e prática”, afirma a professora Tânia Cristina da Silva Dias. Para ela, que coordenou o projeto junto com a professora Marize Mendes da Silva, é fundamental despertar nas crianças o interesse pela ciência.

A escola promoveu experimentos científicos onde as crianças aprenderam desde coisas simples do cotidiano, como o consumo de energia, até mais complexas como o funcionamento do corpo humano. Para facilitar o aprendizado, os conteúdos foram divididos por faixa etária. Segundo Tânia Cristina, um dos experimentos que provocou mais supresa foi um planetário móvel onde os estudantes descobriram planetas, meteoros e constelações.

Os alunos também puderam fazer observações em laboratórios de biologia e de química. Eles estudaram células humanas e vegetais, descobriram como funciona um vulcão, viram como produzir corrente elétrica a partir de um tomate e de um limão, e observaram ainda a purificação da água.

De acordo com as professoras, a criança tem uma percepção diferente e para ensinar ciências nas séries iniciais é preciso aprender a ver o mundo sob o olhar dela. “É necessário sentir com ela o encantamento e a surpresa de cada descoberta. A criança faz sua leitura do mundo por meio das construções diárias que realiza. Deixá-la de fora da aprendizagem de ciências é desvalorizá-la como sujeito social”, afirma Tânia Cristina.

A experiência do Circuito de Ciências mostrou às duas que, nas séries iniciais, é preciso estimular os alunos para que eles problematizem situações reais e busquem as respostas para suas indagações. “Dessa forma, o professor estará formando a criança investigativa, participante e agente de transformação da sociedade em que está inserida”, avalia Tânia Cristina.

Entretanto, a professora lembra que existem dificuldades para ensinar ciências nas séries iniciais, uma vez que os professores não têm uma formação específica. “É preciso possibilitar uma formação mais adequada, que leve em consideração uma didática mais dinâmica e interativa para as crianças dessa faixa etária”, diz. A solução encontrada foi formar uma parceria com professores e coordenadores do ensino médio das áreas de química, física e biologia para auxiliar no desenvolvimento das atividades. “Ao final da maratona científica, os alunos tiveram muitos aprendizados, pois o conhecimento assimilado por meio de atividades lúdicas e prazerosas é muito mais significativo”, garante a professora.

(Rafania Almeida)

Ensino de ciências pode utilizar diferentes alternativas metodológicas

Ovos sendo colocados na batedeira

Teatro, vídeo, histórias infantis, maquetes, músicas, e saídas de campo são algumas das alternativas metodológicas que podem ser utilizadas para ensinar ciências. “Acredito que não exista uma melhor que a outra. Elas dependem de cada realidade escolar, do espaço e tempo que o professor dispõe”, diz a professora Rosemar Vestena, formada em ciências biológicas, com mestrado em educação.

Para ela, as histórias infantis são uma excelente mola propulsora para apoiar o professor nas atividades propostas para o ensino e aprendizagem das ciências naturais. “Tanto aquelas mais específicas, como Mamãe Botou um Ovo, de Babette Cole (Editora Ática), para trabalhar as questões do corpo humano e da sexualidade, como os contos de fada, que se passam em um determinado ambiente em que se pode trabalhar a paisagem, o clima, as espécies animais e vegetais”, explica. Além disso, salienta, as historinhas apresentam problemas e dificuldades capazes de despertar a curiosidade, o interesse, entusiasmo, o espírito crítico, investigativo e criativo dos estudantes sobre os fenômenos da natureza. “Paralelamente, não deixamos de lado a possibilidade de despertar nos escolares o gosto pela leitura, a escrita e ampliar o vocabulário”, acrescenta.

Segundo Rosemar, que é professora de ciências no ensino fundamental e de biologia no ensino médio da Escola Estadual de Educação Básica Tiradentes, em Nova Palma (RS), desde 1995, e dá aulas de metodologia do ensino de ciências: conteúdo e metas, no curso de pedagogia do Centro Universitário Franciscano, em Santa Maria (RS), desde 2001, existem histórias interessantes como as obras do biólogo Samuel Murgel Branco, mais direcionadas ao ensino das ciências naturais: Saci e a reciclagem do lixo, Iara Mãe dágua, Florinha e a Fotossíntese (Editora Moderna).

Ela diz que as histórias infantis podem ser usadas tanto como um elemento desencadeador das discussões em torno do tema proposto, como para apresentar novas informações ou servir de elo entre o que foi aprendido, o que está sendo aprendido e o que ainda precisa ser desvendado. “É o professor que se utiliza desta alternativa didática na hora que julgar pertinente para melhor qualificar suas aulas e o aprendizado dos estudantes”, ressalta.

Teatro - Outro elemento utilizado por Rosemar é o teatro, que acredita ser capaz não só de despertar e apresentar talentos como melhorar as relações interpessoais, o senso estético, ético, crítico, espaço temporal e tantas outras habilidades. Ela destaca que os textos podem ser adaptações de histórias infantis, roteiros de teatro já prontos ou criados pela equipe de trabalho. Tanto na universidade como na escola, ela prefere utilizar textos criados pela própria equipe. “É sempre mais instigante ter nas mãos o desafio de criar, além de oferecer aos estudantes o direito à autoria e as responsabilidades inerentes a uma obra quando se coloca à apreciação da platéia”, salienta.

Em 2009, quando lecionou para alunos do primeiro ano do ensino fundamental, Rosemar participou do projeto Eu sou o Cara, em que as atividades focavam especialmente as relações interpessoais. Ela trabalhou junto com a professora regente da classe e a professora de português. “Escolhemos a historinha contada no livro Um amor de confusão, de Dulce Rangel (Editora Moderna), por abordar a questão do afeto e da solidariedade (que era o foco do projeto), bem como a possibilidade de articular as diferentes áreas do conhecimento.”

O projeto, com duração de dois meses, teve a participação de 25 alunos. Após ouvirem a história, as crianças passaram a desenvolver diversas atividades lúdicas: foi feita a montagem de um ninho com diferentes ovos de aves e a construção de um painel com a personagem principal do conto, utilizando penas de aves coletadas pelas crianças e seus familiares. Além disso, os alunos tiveram oportunidade de estudar o modo de vida e as características dos animais da história, trabalhar problemas matemáticos, letras, sons, sílabas e palavras, bem como construir frases e pequenos parágrafos sobre a temática da história.

(Fátima Schenini)

Ambiente deve favorecer o pensamento, a discussão e a investigação

Alunos observam experimento eletrônico

Ativo batalhador pela divulgação e popularização do conhecimento científico, o físico Ernst Wolfgang Hamburger acredita que as ciências são parte importante do processo de descoberta e conhecimento do mundo, que as crianças iniciam desde que nascem. Para ele, não se trata de formalizar esse aprendizado com definições, fórmulas e teorias, mas de providenciar para a criança um ambiente favorável ao pensamento, à discussão e à investigação, exercitando o uso da palavra oral, da expressão de idéias por frases, e dos registros escritos.

De acordo com Hamburger, que é bacharel em física, com doutorado e pós-doutorado em física pela Universidade de Pittsburgh (EUA), professor aposentado do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e recebeu o Prêmio José Reis de Divulgação Científica, do CNPq, em 1994 e o Prêmio Kalinga pela Divulgação da Ciência, da Unesco, em 2000, o ensino de ciências nos anos iniciais do nível fundamental deve dar ênfase ao entendimento dos conceitos, com investigação, discussão e debate em grupo, procura de consenso e registro final por escrito. Em sua opinião, a investigação deve ser feita por observação dos fenômenos e também por meio de referências em pessoas que conhecem mais, em livros e revistas, na internet – se necessário com orientação do professor.

Segundo ele, que coordenou durante quase dez anos a Estação Ciência, centro de difusão científica, tecnológica e cultural da Universidade de São Paulo (USP) e atualmente integra o programa da Academia Brasileira de Ciências, ABC na Educação Científica – Mão na Massa, o principal recurso pedagógico que deve ser utilizado nas ciências experimentais é a observação de fenômenos, inclusive experimentos montados com recursos simples, como garrafas PET, seringas e tubos plásticos flexíveis para explorar as propriedades da água e do ar.

Hamburger acredita que a falta de recursos disponíveis nas escolas é um problema que pode ser superado. “Com tempo de preparação e participação de alunos e eventuais pais ou especialistas, o professor pode realizar com os alunos experimentos com insumos simples”, salienta.

Ele diz que os cursos de licenciatura tendem a enfatizar o conhecimento passivo, a resolução de problemas padrão, a reprodução das palavras do professor ou dos livros. “Deveriam enfatizar muito mais a iniciativa do aprendiz, na definição de assuntos e perguntas a serem pesquisados e perguntados, ao projeto, junto com os alunos, de experiências para responder às perguntas definidas coletivamente, ao planejamento, montagem e realização dos experimentos”, ressalta.

Para Hamburger, o Brasil não forma professores em número suficiente para atender as demandas das diversas áreas científicas, especialmente em física e química. Para aumentar o interesse dos jovens pelas licenciaturas, ele entende que seria necessário a valorizar o magistério fundamental: “é tão importante para o país, ou até mais, do que o exercício do médico e do engenheiro, e deveria ter status social e econômico equivalente”.

(Fátima Schenini)

Mão na Massa promove melhoria do ensino de ciências

Formar professores do ensino fundamental e médio capacitados a aplicar em suas aulas a metodologia de educação científica por investigação é uma das principais ações do projeto ABC na Educação Científica – Mão na Massa, da Academia Brasileira de Ciências. Criado em 2001, com o objetivo de melhorar o ensino de ciências nas escolas brasileiras no nível básico, incluindo a educação infantil, o projeto atinge, atualmente, 13 cidades polos, em sete estados brasileiros: Bahia, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Santa Catarina, e São Paulo.

Somente no Estado do Rio de Janeiro, a cobertura anual do programa, de acordo com média dos últimos dois anos, foi de 30 novos formadores, 12.000 alunos, 300 classes e 60 escolas. Já na cidade de São Paulo, no mesmo período, os números chegaram a 71 novos formadores, 10. 650 alunos, 355 classes e 71 escolas. Na cidade polo de São Carlos (SP), que conta com um programa de capacitação a distância, são formados, em média, 107 capacitadores por ano.

As alunas do curso de formação de professores do Colégio Estadual Pandiá Calógeras, no município fluminense de São Gonçalo, participam do Mão na Massa, desde 2007. De acordo com a coordenadora pedagógica da instituição, Karla Guarani Soares, as práticas pedagógicas do programa são voltadas para uma educação que privilegia uma atitude crítica e investigativa entre os alunos, com base em atividades experimentais. As alunas do magistério aplicam o que aprendem nos estágios e nas turmas de outro turno. “Os alunos participam com grande entusiasmo, visto que os trabalhos sugerem estratégias que promovem o desenvolvimento da criatividade no ensino das ciências da natureza”, destaca Karla.

Outra ação do projeto é a realização de seminários visando o intercâmbio de conhecimento entre cientistas e professores. Aprendendo a ensinar ciências nos anos iniciais foi o tema do seminário promovido em dezembro de 2009, pelo Grupo de Estudos sobre Aprendizagem Infantil, da ABC. O evento, aberto ao público, foi realizado na Fundação Getúlio Vargas, na cidade do Rio de Janeiro.

(Fátima Schenini)

Para professor de Goiás, blog é espaço de educação continuada

Professor Wolney Honório Filho

Natural de Minas Gerais, Wolney Honório Filho mora em Catalão (GO) há 21 anos, desde que fez concurso para docente do curso de pedagogia da Universidade Federal de Goiás (UFG - Catalão). Formado em história pela Universidade Federal de Uberlância (MG), seu primeiro vestibular foi para engenharia química, em 1982, que cursou durante três anos. Com mestrado e doutorado em história social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), atualmente faz pós-doutorado em educação na PUC do Rio Grande do Sul.

Em sua opinião, seu despertar para a docência ocorreu devido aos anos de militância em Pastoral de Jovens, da Igreja Católica. “Cresci ali dentro, aprendendo com padres que seguiam a linha da Teologia da Libertação. Essa experiência me levou a coordenar catequese, cursos de educação política para jovens, assembléias diocesanas, etc”, explica.

Ele mantém um blog, desde 2007, utilizado para diversas atividades, como publicação de poesias e entrevistas e continuação de debates iniciados em sala de aula. É o Soprando.Net, onde os alunos são convidados a ler e comentar posts. “Considero o Blog como um outro espaço de educação continuada, aberto a meus alunos e ex-alunos, como também a uma série de outras pessoas que o acessam via sites de busca”, salienta. Wolney adianta que descobriu uma comunidade de professores blogueiros no Orkut: são os chamados blogs educativos, coordenados pela professora Fátima Franco.

Atualmente, o professor Wolney realiza pesquisas sobre o Centro de Formação de Professores Primários de Catalão, que funcionou de 1965 a 1983. Estas pesquisas, onde trabalha com histórias de vida de professores deste Centro, levaram-no a pensar que a profissão de professor tem duas dimensões. Segundo ele, uma dimensão é institucional, profissional, de baixo salário e pouco reconhecimento social, muito trabalho e uma demanda sempre crescente por conhecimentos. E a outra é uma dimensão de vida pessoal, geralmente desconsiderada tanto na sua formação, quanto na mídia em geral, acredita.

“O professor é uma pessoa como outra qualquer, que tem família, amigos, e que precisa se divertir, de casa para morar, alimenta-ser, vestir-se, enfim, ele tem uma vida para viver. Isso não pode ser desligado do profissional”, salienta. Para ele, a melhoria da qualidade da educação está altamente associada à melhoria da qualidade de vida do professor. “Investir no professor é investir estrategicamente na educação e na segurança do patrimônio/memória nacional”, defende.

Antônio Carlos Pavão (UFPE): ciência é empolgante e integradora

Professor Antônio Carlos Pavão

Doutor em química, com mestrado em físico-química, Antonio Carlos Pavão é um incentivador do ensino das ciências nas classes iniciais. É professor associado da Universidade Federal de Pernambuco, coordenador de ciências do Programa Nacional do Livro Didático do Ministério da Educação, membro do Comitê Organizador da Feira Nacional de Ciências do Ensino Básico (Fenaceb) e do Conselho Técnico Científico (CTC) do Ensino Básico da Capes, Pavão também é diretor, desde 1995, do Espaço Ciência, o Museu de Ciência de Pernambuco. Em entrevista ao JP, ele fala de como a ciência pode ajudar o professor no ensino de diversos conteúdos.

Jornal do Professor - Qual é a importância do ensino de ciências nos anos iniciais do ensino fundamental?

Antônio Carlos Pavão - O que nós devemos fazer é aproveitar o que já é natural das crianças. Elas são curiosas, uma criança pergunta sobre tudo e tem resposta para tudo. Perguntar é uma característica já própria à ciência. A criança pergunta e como elas têm respostas, elas estão formulando também hipóteses. E a criança tem outra vantagem, ela é muito aberta a argumentações. Os adultos são mais conservadores, eu diria. Elas são mais abertas a novidades, informações, descobertas. Então, na verdade, ensinar ciência para a criança é explorar aquilo que elas já trazem nelas, que é a curiosidade. E também as crianças gostam de brincar, e ensinar e brincar é necessário para se levar uma vida humana. Então, nós também devemos ensinar ciências de uma forma lúdica.

JP – Quais seriam os principais recursos pedagógicos a serem utilizados nessa fase?

ACP - Eu diria que a partir da própria curiosidade do aluno, procurar entender o que ele está perguntando e estimular que busque respostas. E com isso você vai introduzindo os procedimentos da investigação científica. É ter uma observação cuidadosa, um registro. Então, todo o processo de alfabetização também vai estar contemplado nesse processo de ensino de ciências.

Apesar de ser sempre bom, não precisa de grandes recursos. É mandar uma criança observar, por exemplo, quantas pernas tem uma formiga. E daí você estimula os alunos a procurarem saber mais sobre aquele assunto. A formiga é vertebrada ou invertebrada? O que ela come? Onde ela mora? Qual a organização social delas? Tem muita coisa que pode ser explorada nas escolas que não requer grandes recursos, basta apenas observar o que está disponível.

Pensem também em fazer uma feira de ciências, onde seria o momento de mostrar a produção científica dos alunos para as famílias, para a população em geral, porque é importante essa comunicação da ciência. A socialização do conhecimento também está contribuindo para formar cidadãos. Então, para resumir, deve-se ensinar ciência fazendo ciência.

JP – E os professores que saem do ensino superior, hoje em dia, estão preparados para ensinar ciências?

ACP – A gente vê muitas faculdades de formação de professores em que o pedagogo sai sem qualquer formação na área de ciências. Aí vira um impasse para o professor, porque ele chega na escola e encontra lá, por exemplo, o livro didático de ciências e tem que ensinar ciências. Ele acaba se apegando ao livro como uma espécie de uma muleta. A ciência é uma coisa empolgante, então o que temos observado é que mesmo com essa deficiência na formação os professores conseguem superações impressionantes. Eles mesmos vão trabalhando sua rotina na área de ciências. Eles dão aula e aprendem junto. Mas também tem o outro, que simplesmente se acomoda e manda o aluno copiar coisas do livro e etc. Aí a ciência vira um desastre, vira um “decoreba”, aquele estigma que a gente já conhece e acaba assustando os alunos. Uma coisa que é envolvente, interessante, prazerosa, acaba virando uma coisa chata, maçante, o que infelizmente a gente vê muito nas escolas.

Eu diria que, em termos de formação do professor, temos que melhorar muito ainda. Nós devíamos priorizar essa formação de ciência, mostrar que isso não é um bicho de sete cabeças. Ao contrário: é uma coisa que vai facilitar a vida do professor. Porque ele pode buscar melhor integração entre as diversas disciplinas, a história da ciência, a própria alfabetização, integração com geografia. Você poderia explorar toda a matemática trabalhando com tema de ciência. Ciência é uma disciplina muito integradora, e devíamos estimular os professores a trabalhar mais com ela.

JP – Que locais existem no Brasil que oferecem uma formação para professores?

ACP – Temos observado alguma proliferação de cursos de especialização, de mestrado e até de doutorado na área de ensino de ciências. Citando o caso de Pernambuco, na Universidade Federal Rural de Pernambuco, temos já há algum tempo o mestrado e agora vamos começar com o doutorado em ensino de ciências. No Espaço Ciência, que é o Museu de Ciência de Pernambuco, existe um pólo da Universidade Aberta do Brasil que oferece um curso de especialização do ensino de ciências semi-presencial para professores que estão na ativa, que estão em sala de aula. E no Brasil temos várias universidades que trabalham com o ensino de ciências. Mas eu queria destacar um trabalho que tem sido desenvolvido nos centros de museus de ciências, que tem oferecido minicursos, oficinas, palestras, diversas atividades voltadas para a formação de professores. Essa é uma atividade que temos que incentivar mais e divulgar mais. Então eu recomendaria aos professores que têm oportunidade que busquem centros de museus de ciências. Para saber o local desses centros basta acessar o site da Associação Brasileira de Centros de Museus de Ciências.

Várias universidades no país têm desenvolvido seus programas de formação de professores. Eu destacaria a UFRJ no Departamento de Bioquímica Médica, sob a coordenação do professor Leopoldo de Meis. Ele desenvolve um programa em que os professores são convidados a irem ao departamento. Eles usam os laboratórios de pesquisa do próprio departamento para conhecer um pouco mais e desenvolver ideias e projetos para serem aplicados nas escolas. Esse projeto já ganhou dimensão nacional. Hoje tem 25 universidades que oferecem esse curso. Tem curso de férias e vários materiais que também estão disponíveis para serem usados em sala de aula. Vale a pena destacar todo o esforço e trabalho que a Capes vem fazendo através do programa de formação de professores, tanto inicial quanto continuada. Todos os estados estão hoje envolvidos e na Plataforma Paulo Freire é possível localizar um curso que teriam interesse de frequentar. Esse trabalho que vem sendo feito pela Capes promete mudar o quadro que temos hoje de falta de professores, principalmente na área de ciências.

Acho que também é necessário estimular o professor para ele mesmo buscar seus caminhos. O professor poderia simplesmente, no início do ano, agrupar os alunos e dizer: cada um vai escolher um tema para estudar, qualquer assunto serve. Às vezes, as coisas mais simples, mais triviais se tornam uma questão muito grande. Uma pergunta aparentemente simples guarda muita coisa. Então, deixe o aluno fazer uma pergunta e estimule-o para que vá buscar respostas a essa pergunta. Que ele faça investigações, em livros, na internet e proponha experimentos que possa realizar com os recursos de que dispõe. Que ele também busque outras fontes – pode buscar um profissional como um dentista ou um engenheiro, para uma melhor orientação. O professor faz um papel de orientador: junto com os alunos ele constroi o conhecimento. Assim, tanto ele quanto os alunos irão aprender.

JP - O senhor acredita que uma criança que seja despertada para a ciência poderá mais tarde vir a escolher uma carreira científica?

ACP – Não tenho dúvidas disso. Um exemplo é o Einstein. Ele dizia que ficou maravilhado quando ganhou de seu pai dele uma bússola. Aquilo atraiu a atenção dele, que ainda era criança. O Clodowaldo Pavan, um grande geneticista brasileiro que morreu há pouco tempo, falou que foi estudar biologia porque quando seu pai o levou ao Museu do Ipiranga, em São Paulo, ele viu um marsupial com o filhote dentro de sua bolsa e achou aquilo fantástico. Eu mesmo posso dizer, como pesquisador, as ideias que trabalho hoje são ideias que eu já vinha trabalhando desde jovem, ainda criança. Felizmente tive esse estímulo para continuar. Então não tenho dúvidas que se estimularmos as crianças elas vão se tornar cientistas. Agora, não queremos formar só cientistas, queremos, sobretudo, formar cidadãos. Formar pessoas que sejam aptas a responder questionamentos que a sociedade nos coloca o tempo todo, como por exemplo: você é contra ou a favor das células tronco? Mesmo como um consumidor, se você vai comprar uma tevê ou uma geladeira você tem que conhecer um pouco de ciência e tecnologia para fazer uma melhor escolha. Quer dizer, nós precisamos aprofundar os conhecimentos de ciência e tecnologia para toda a população, porque queremos que todos de fato sejam cidadãos.

Todas essas ideias que expressei aqui também estão presentes nos livros que o MEC tem oferecido para as escolas. Quem observar o edital do Programa Nacional do Livro Didático vai ver que há uma insistência no conceito do ensino de ciências investigativo, experimental, prazeroso. O MEC vem trabalhando com esses conceitos, que aliás não são novos. Se pegarmos o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, capitaneado por Anísio Teixeira, Cecília Meirelles e vários educadores, lá eles já expressam que o ensino deve seguir o mesmo modelo que norteia as investigações maduras nas universidades, quer dizer, a experimentação, a observação, o registro, seguir os procedimentos usuais da pesquisa científica. Então esse conceito acaba sendo materializado na escolha dos livros didáticos que o MEC distribui nas escolas.