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JORNAL

Poesia na Sala de Aula

Segunda-feira, 29 de Novembro de 2010

Edição 47

EDITORIAL - Poesia na sala de Aula

A 47ª edição do Jornal do Professor aborda o tema Poesia na Sala de Aula. O assunto foi escolhido por 51,29% dos leitores que votaram na enquete colocada em nossa página.

Trazemos para você, nesta edição, experiências de diferentes professores sobre a utilização de poemas na sala de aula. Aqui você vai conhecer o trabalho realizado na Escola Estadual Cônego Azevedo, em Manaus (AM); na Escola Estadual Teônia Amaral, em Florânia (RN); no Colégio Estadual José Bonifácio, em Governador Mangabeira (BA); e no Centro Educacional Paulo Freire, em Campo Verde (MT).

O escritor e professor de literatura brasileira e literatura infanto-juvenil na Universidade Federal de Campina Grande (PB), José Hélder Pinheiro Alves é o entrevistado desta edição.

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

Seja bem-vindo!

Recitais de poesia ajudam a mudar imagem de escola na Bahia

Estudantes participam de apresentação teatral.

Quando passou no concurso para professor da rede de ensino do Estado da Bahia e foi nomeada para o Colégio Estadual José Bonifácio, em 2004, Patrícia Costa de Santana, do município de Governador Mangabeira, ficou incomodada com os comentários que ouvia sobre a escola. “Diziam que eu era maluca em trabalhar lá, pois os alunos eram vistos de forma muito negativa”, conta a professora, que é formada em letras vernáculas, com especialização em psicopedagogia.

Foi então que resolveu fazer alguma coisa para desmistificar a imagem do colégio, considerado marginalizado, e mostrar que os alunos do José Bonifácio tinham capacidade e criatividade: lançou o Recital de Poesias. O projeto deu tão certo que já está em sua quinta edição, apresentando, a cada ano, um tema diferente. Este ano, o tema foi: Álvares de Azevedo: o poeta maldito. “As poesias encantam e, a partir desse encanto, os estudantes conseguem ver a língua portuguesa e a literatura com outros olhos”, acredita Patrícia, que dá aulas de português nas turmas de 7º e 9º anos do ensino fundamental e nas de 2ª e 3ª séries do ensino médio.

O projeto do recital é desenvolvido com as segundas séries do ensino médio, dos períodos matutino e vespertino. Além de declamação de poesias, os estudantes, divididos em equipes, cuidam de diversas atividades relativas à apresentação do espetáculo, como cenário, figurino, som, fotografia. Também ficam responsáveis pela divulgação do evento em outras escolas do município, com entrega de folhetos e cartazes. Já a 3ª série do ensino médio está envolvida no projeto com participações especiais.

O recital é realizado no Clube Municipal de Governador Mangabeira e quando o clube não está disponível, em uma escola vizinha. “Já se tornou um evento esperado por todos. Quando acabo de realizar um, os alunos já estão me procurando para saber o tema do próximo”, destaca Patrícia. Segundo ela, o projeto mexeu com os estudantes: “eles me pedem nomes de autores para começarem a ler, eu os pego lendo livros pela escola”, justifica.

De acordo com Patrícia, “a partir do momento em que os alunos começam a descobrir a leitura e que percebem que através dela outros horizontes surgem em suas vidas, eles sentem mais vontade de ir em busca dos seus sonhos e de poderem transformar a realidade que vivem”. Ela diz que muitos ex-alunos já estão na universidade, passaram em concursos ou estão exercendo outras funções, mas não deixam de expressar o quanto o projeto foi importante na vida deles.

A diretora da escola, Ioná Aragão, tem percebido que os alunos se encontram mais encantados pela leitura e pela produção textual, de forma gradativa. “Há um entusiasmo na busca de conhecer novos autores, de saber novas histórias, de produzir contos, tanto por parte dos estudantes como dos colegas de trabalho, em especial os professores de língua portuguesa”, ressalta.

Importância – Para ela, que ingressou no José Bonifácio em 2001, como professora de ciências, o trabalho realizado por Patrícia tem sido de grande importância para toda a comunidade escolar. “Ela tem um dinamismo que contagia os estudantes e todos os colegas, inclusive pessoas que não fazem parte do universo escolar”, salienta. De acordo com Ioná Aragão, por mais que alguém seja inerte, acaba sendo estimulado pela coragem e amor à educação demonstrados por Patrícia.

Na visão da diretora, a utilização de poesias na sala de aula tem contribuído não só para estimular o entusiasmo pela leitura e pela escrita entre os jovens, como também para o resgate da cidadania.

Outro ponto que destaca é o resgate da autoestima dos alunos: “eles passam a ser mais críticos, a se posicionar diante das situações, e se tornam capazes e confiantes para resolução de situações problemas”.

Além do Recital de Poesias, Patrícia desenvolve o projeto O Prazer da Leitura com Pedro Bandeira, nas turmas do 6º ao 9º anos, junto com os demais professores de língua portuguesa da escola. O projeto tem o apoio do escritor que, sensibilizado, mandou um vídeo para a professora.

(Fátima Schenini)

Professora cria blog para trocar experiências sobre literatura infantil

Alunos brincam com balões, na sala de aula.

A falta de informações sobre maneiras de ministrar aulas de literatura infantil para crianças pequenas levou a professora Andréa Albano Nunes, de Campo Verde (MT), a criar um blog para troca de experiências com outros professores que também trabalham com essa literatura. Criado em 2008, com o nome de Sala de Literatura Infantil, o blog contém registros das aulas de Andréa, que atua no Centro Educacional Paulo Freire, há quatro anos.

Formada em letras, com habilitação em literatura e especialização em lingüística aplicada ao ensino da língua materna e literatura, ela dá aula nas Oficinas de Literatura e Teatro, oferecidas a todas as turmas da escola, desde a educação infantil até o 5º ano do ensino fundamental. As oficinas desenvolvem os dois assuntos - literatura e teatro - ao mesmo tempo, de forma integrada, em uma sala própria para esse fim.

Andréa explica que tem um cuidado muito especial durante a realização das aulas de poesia, porque a linguagem poética é abstrata e carregada de metáforas. “Meu objetivo não é assustar a criança com algo que ela não compreende, mas mostrar que a poesia está próxima delas e o quão agradável é o texto poético”, justifica. Ela, então, procura poemas que possa decodificar para as crianças em forma de história. Depois de contar a história, a professora lê o texto original, o poema – “a criança tem direito de ter acesso ao texto literário e a toda a singularidade com que esta obra literária é composta”, acredita. E não deixa de incluir a realização de alguma atividade lúdica relacionada com o que foi lido.

Na aula em que trabalhou a poesia Balõezinhos, de Manuel Bandeira, a atividade foi brincar de balão na sala de aula. “Isso fez com que a criança, de certa forma, fizesse parte do poema, brincando de balão, tal como o personagem da poesia queria fazer,” salienta Andréa. Para ela, a escrita de poemas é algo que acontece de forma natural na sala de aula, depois que os estudantes leem e brincam com a poesia. A professora diz que já teve várias surpresas agradáveis e cita, como exemplo, uma criança que escreveu uma metapoesia. “O aluno não sabe que é uma metapoesia, mas ele sabe imprimir o sentimento de poeta, é isso que importa”, analisa.

Para estimular a leitura de poesia, Andréa utiliza o microfone, a fim de facilitar a percepção das várias formas de sons que aparecem. “Isso diverte as crianças e as encanta, de modo que elas ficam repetindo o poema que mais chama atenção pela sonoridade”. Em sua opinião, isso estimula o aprendizado das principais características e figuras de linguagem encontradas em uma poesia sem que os alunos percebam que estão aprendendo conteúdo escolar.

Os alunos de Andréa já fizeram três livros de contos e poesias, desde 2008, com textos e ilustrações feitas por eles mesmos. O lançamento das obras ocorre sempre durante noite de autógrafos.

(Fátima Schenini)

Poesia na escola traz resultados gratificantes

Três estudantes durante apresentação.

Poesia na Escola e na Sala de Aula é o título de um projeto desenvolvido, há dez anos, pela professora Juraci Araújo, do município de Florânia (RN), há cerca de 200 Km de Natal. Além de buscar a ampliação do repertório dos alunos, o projeto pretende trabalhar o texto poético e incentivar os estudantes a criarem o seu mundo de fantasia, liberando seus sonhos.

“É gostoso trabalhar a poesia no ambiente escolar, incentivar a produção poética e descobrir as novas gerações, isto é, os grandes talentos poéticos”, diz a professora, que é graduada em ciências biológicas, com especialização em tecnologias da educação. Segundo ela, que trabalha como professora de telessala na Escola Estadual Teônia Amaral, os resultados são gratificantes: os alunos melhoram a autoestima, o rendimento escolar, e o comportamento.

De acordo com Juraci, seus alunos têm sido convidados a participar de eventos, quando recitam seus próprios poemas ou de autores da cidade e de outras regiões do Brasil. Também têm participado de vários programas produzidos pela TV Escola, durante a Semana da Poesia. “Sinto-me feliz e estimulada a continuar o trabalho de valorização cultural da nossa cidade, tão rica em poetas”, enfatiza.

Dinâmica e incansável, a professora se preocupa em fazer da escola um ambiente prazeroso e agradável para os estudantes. Nesse sentido, participa de outros projetos, como o Cinema na Escola, realização da Secretaria Estadual de Educação e do Ministério da Cultura, que Juraci ajudou a implantar na Teônia Amaral, em 2008. Além de assistirem filmes na escola, os alunos são incentivados a fazerem suas próprias produções, com a participação de estudantes, professores e a própria comunidade - Um dos filmes produzidos é Feliciana e os Cabaços do Sertão, dirigido pelo professor J. Júnior.

(Fátima Schenini)

Escola do Amazonas lança livro com poesias de alunos

O Despertar da Poesia é o título do livro lançado, este mês, pela Escola Estadual Cônego Azevedo, de Manaus (AM). A obra, com poemas de alunos do terceiro ao quinto ano do ensino fundamental, foi editada com recursos do Programa de Desenvolvimento da Escola (PDE-Escola). A escola desenvolve, há quatro anos, um projeto para estimular a leitura e a produção textual através da poesia.

De acordo com a diretora, Sheila Miranda Andrade, o projeto de leitura intitulado Poesia: Despertando a Leitura, foi bem aceito, por ser algo novo e dinâmico. Ela diz que foi necessário adicionar mecanismos adequados, com atividades lúdicas, de acordo com as séries iniciais do ensino fundamental como brincadeiras, travas-língua, acrósticos, teatro, músicas, entre outras, sempre trabalhando a questão do gênero poético e seus recursos linguísticos, sem deixar de lado questões gramaticais como a ortografia e as classes gramaticais.

Segundo a diretora, durante a realização desse projeto foi possível observar um maior interesse dos alunos em relação à leitura de vários tipos de textos: “está havendo uma maior procura pela biblioteca da escola”, adianta. Outros pontos positivos foram o progresso acentuado na escrita, a quebra da inibição, além de uma melhoria da expressão verbal e corporal, por meio dos recitais poéticos.

Sheila explica que a escola realiza um trabalho sistemático na biblioteca, para atendimento aos estudantes. “Há um cronograma montado e cada dia uma turma é atendida”. Os alunos da instituição também podem fazer seu cadastro na biblioteca e levar para ler em casa os livros que escolher.

(Fátima Schenini)

Matemática é tema de poesias feitas por alunos do fundamental

Alunos fazem apresentação na sala de aula.

A professora Ielva Roselia Kasper, que leciona matemática na Escola Estadual de Ensino Fundamental Antonio Vicente da Fontoura, em Cachoeira do Sul (RS), a cerca de 200 Km de Porto Alegre, está sempre criando novos projetos. Sua preocupação é ajudar os alunos a aprender matemática. Nesse sentido, merecem destaque entre os projetos que criou, o Teatro de Matemática na Escola e o Poesia em sala de aula, que reproduzimos abaixo, desenvolvido em parceria com a professora Marlene Venturini e outros colegas de português.

Projeto Poesia em sala de aula

Objetivo geral:

Despertar o interesse pela literatura e oratória e o interesse pela matemática , sendo instruindo pelo professor sobre importância da poesia no desenvolvimento cultural de cada aluno e a matemática.

Objetivos específicos:

- Desenvolver o gosto pela escrita, leitura e a matemática utilizando a poesia. Considerando a possibilidade de alcançar o imaginário do aluno por meio da ficção e do cotidiano.

– O aluno deve reconhecer no texto a parte poética, seu estilo próprio e como a matemática pode ser poética.

– Criar hábitos desde cedo, trabalhando com a poesia na sala de aula e fora da sala também.

– Não é transformar o aluno em grande escritor de poesia, até porque precisa ter dom para esta arte, mas sim transformá-lo em leitor aptos a interpretar e compreender o que a poesia pode transmitir em meio aos versos, e também ler e interpretar problemas matemáticos.

Justificativa:

Qualquer ser humano se sensibiliza com uma poesia. É a fala da alma, por isso que a idéia foi começar a incentivar e cultivar a poesia na matemática, devendo produzir com beleza e intuito de envolver o aluno entre o emotivo e a razão, tornando a aula emotiva com a criação de textos poéticos de autoria deles mesmos , interligando atividade interdisciplinar com demonstrações de como utilizar a poesia dos alunos através da matemática. Desenvolver o aluno enquanto autor.

Desenvolvimento:

Durante a aula, o aluno faz sua própria poesia, com o conteúdo disponível no caderno.

 

Leia agora alguns poemas feitos por alunos da professora Ielva Roselia Kasper:

 

Matemática em Minha Vida

Paloma Gomes dos Santos - Turma 51

Somei minha vida.

Somei para melhor.

Multipliquei minhas esperanças

Multipliquei para melhor.

Subtrai o meu mau- humor e o desânimo,

Subtrai para melhor

Dividindo minha vida.

Mudei para melhor.

O problema da minha vida, já foi resolvido.

Tá! Enfrento muitos desafios.

E nunca desisti!

Calculei as emoções.

Zerei as tristezas.

Com a igualdade fiz para melhorar

Minhas atitudes; minhas responsabilidades.

Acertei todos os cálculos.

Afinal, a matemática está em minha vida

 

A Matemática

Bruna Oliveira Fagundes – Turma 51

Na matemática tem:

Potenciação com cara de radiciação

Expressões com cara de frações

Raiz com cara de vir de Paris

Conjunto dos múltiplos é somente

Dos números

E os números?

Qualquer um deles tem

Tudo isso

Tem na matemática.

Vizinhos! Quero ver teus amigos.

Mais, menos

Mais, menos

Vezes, dividir

E no resto vamos nós conseguir.

 

Matemática

Milena Vasconcelos Luiz - Turma 51

Às vezes é gostosa

Às vezes é confusão

Às vezes eu gosto

Às vezes não.

Às vezes tem potência

Às vezes tem raiz

Às vezes tem cálculos

Às vezes não.

Às vezes tem problemas

Somar, dividir, subtrair, multiplicar,

É uma confusão

Às vezes não.

Às vezes a professora Ielva é brava

Às vezes é querida.

Às vezes é brincalhona

Às vezes não.

Para terminar eu preciso contar

Eu adoro matemática

Não consigo viver sem ela

Ela é demais.

 

Matemática

Dionatan Luiz Florence - Turma 52

A matemática está presente em quase tudo.

Multiplico minha alegria com amigos.

Um terço da cidade

Já são amigos meus.

Com eles compartilho emoções,

Divido minha atenção.

Com a potência de um abraço,

Subtraio as impurezas

Multiplicando as emoções.

 

Valores em Matemática

Gabriela Marques Oliveira e Laura Alves - Turma 61

Eu somei, fiz vários cálculos.

Continuei somando...

Somei amizade e amor,

Diminui tristeza e rancor.

Multipliquei paixão,

Dividi emoção.

Juntei amor e paixão,

Febre do meu coração.

Até que meus cálculos deram exatos.

Consegui harmonia e outros fatores.

 

Poesia na matemática

Raissa Dutra da Luz -Turma 61

Somei minhas alegrias,

Subtrai minhas tristezas.

O resultado foi positivo.

Multipliquei minha felicidade,

Dividi com muitas pessoas.

Eliminei os pensamentos negativos,

Calculei minhas emoções,

Transformei em alegria.

Eliminei todos os negativos

Calculei os positivos.

Juntei todos eles,

E consegui uma parcela incrível..

Somei a alegria junto com a minha paixão

O resultado foi o meu amor

Junto com o meu coração

 

Poema Matemático

João Vitor - Turma 61

Some o amor dos amigos

Subtraia as brigas e drogas

Multiplique o bem querer e a felicidade

Divida carinho e sorriso

Potencialize as boas ações

Calcule o que você fez de bem.

Hélder Pinheiro: toda idade é idade de poesia

Hélder Pinheiro

Professor de literatura brasileira e literatura infanto-juvenil na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba, José Hélder Pinheiro Alves é autor de vários livros e capítulos de livros publicados.

Em sua opinião, a poesia é uma arte que pode ser trabalhada a partir de qualquer idade, em todas as séries do ensino básico. “Toda idade é idade de poesia”, assegura Hélder Pinheiro, que é mestre e doutor em literatura brasileira pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Jornal do Professor – Qual é a importância que a poesia pode ter na sala de aula? Por quê?

Hélder Pinheiro – Primeiro é preciso dizer que a poesia é uma arte, milenarmente cultivada em todas as culturas. É uma arte que nos acompanha desde os tempos ágrafos, e cuja transmissão era feita pela memória. Desde criança somos estimulados por sons, por canções, por jogos de palavra, por trava-línguas, por quadras sobre os mais diversos temas. A poesia, portanto, é uma arte de fundamental importância para ser trabalhada em todas as séries do ensino fundamental e médio porque ela estimula a fantasia, a imaginação, ela nos acorda para a música da língua (Eliot nos lembra isto), ela nos “protege contra a automatização, contra a ferrugem que ameaça a nossa fórmula do amor e do ódio, da revolta e da reconciliação, da fé e da negação”, conforme as palavras de Jakobson*. Mas também ela nos faz pensar, ela tem o poder de se alojar em nossa memória e nos levar para momentos de encantamento, de alegria. A questão que fica é: se ela é algo tão fundamental, por que é utilizada de modo tão medíocre na maioria das vezes?

JP – A utilização de poesia na sala de aula pode servir para estimular a criatividade dos alunos e despertar o gosto pela leitura?

HP – Num sentido amplo sim, pois a boa poesia oferece paradigmas de alta criatividade, de diferentes modos de trabalhar a linguagem, de explorar imagens e sons diferenciados e significativos. Também, à medida que é levada, sistematicamente, ela pode criar o desejo de conhecer mais um ou outro poeta ou poetisa, um ou outro tema – ou como determinado tema foi poetizado em diferentes momentos da história. Mas para formar o gosto pela leitura há que se trabalhar de modo constante, jamais aleatoriamente. É do conhecimento de vários estilos, de vários temas, de várias possibilidades de trabalho com a linguagem que se vai formando o gosto. Se a escola faz um trabalho de leitura de poesia desde as séries iniciais com certeza tem boas chances de despertar interesse pela poesia e formar o gosto pela leitura.

JP – Quais as principais formas de utilização da poesia na sala de aula?

HP – Partindo inicialmente de minha experiência, uma questão fundamental é a leitura oral. Poesia pede voz – várias vozes, leituras repetidas e discutidas. É pela leitura oral que o leitor vai perceber as nuanças sonoras e semânticas, vai descobrir imagens que passam desapercebidas numa primeira leitura. A leitura oral é um procedimento que funciona bem em todos os níveis de ensino. Com crianças menores, além de leitura e releitura, improvisações a partir do poema sempre têm um papel importante – aproximam a criança da materialidade do poema, permitem que recriem situações, que fixem versos, imagens, etc. Em níveis mais altos – séries finais do fundamental e ensino médio -, pode-se trabalhar a partir de temas. Discutir como um mesmo tema é tratado em diferentes épocas aguça a curiosidade do leitor e possibilita bons debates sobre diferentes modos de ver e expressar os sentimentos, os desejos humanos. Por exemplo, a leitura de “Subversiva” de Ferreira Gullar (Na vertigem do dia), “Os poemas” de Mario Quintana (Esconderijos do tempo) e “A palavra” de Lenilde Freitas Grãos na eira) pode levam a uma concepção mais ampla do que vem a ser a poesia para cada poeta. Isto pode ser ampliado com introdução de inúmeros poemas de poetas contemporâneos ou não. Trata-se de uma espécie de literatura comparada, sem a preocupação de aplicar métodos, antes, a partir da leitura dos poemas vai-se formulando questões e discutindo. Assim é possível favorecer não um conhecimento sobre a poesia, mas a partir da vivência e do conhecimento da poesia. No ensino médio já é possível se deter mais sobre um poeta ou poetisa e ler vários poemas procurando observar peculiaridades daquele (a) autor (a). Jamais a partir dos modelos dos livros didáticos, que tentam enquadrar os autores em escolas, num procedimento limitador que não favorece a formação mais ampla de leitores.

JP – Em sua opinião, a poesia está sendo bem utilizada nas escolas ou isso pode melhorar?

HP – É difícil responder de modo taxativo. Acho que há experiências significativas de trabalho com a poesia na escola. Mas, infelizmente, a maioria das experiências é limitada. A começar pelos livros didáticos que, mesmo com avaliações constantes do MEC, ainda reproduzem esquemas bastante pragmáticos para o trabalho com a poesia. Portanto, há muito ainda que ser feito. A começar pelo fato de a maioria de professores e pedagogos não serem leitores de poesia. Sem que se seja um leitor, dificilmente pode-se acordar no outro o gosto pela poesia. Exercícios mecânicos que não exploram, oralmente, as sutilezas e encantamentos da poesia não formam leitores. A poesia precisa ser trabalhada cotidianamente. Lembremos aqui aquele poeminha de Oswald de Andrade: “No Pão de Açúcar/De Cada Dia/ Dai-nos Senhor/ A Poesia/ De Cada Dia.” Todo dia é dia de poesia. Todos os dias nossos alunos deveriam ser brindados com um poema, uma estrofe, um verso. Aqui entra-se num problema central de nossa escola: o problema da formação de professores. A formação literária, que interessa mais particularmente, é fragilíssima, inclusive nos cursos de letras. Basta lembrar que a maioria de nossos cursos de letras não tem uma cadeira de literatura infanto-juvenil como obrigatória. Esta disciplina ofereceria, em tese, um repertório mínimo para o profissional que vai atuar no ensino fundamental.

JP – A utilização de poesias na sala de aula pode ser feita a partir de que idade ou nível de ensino?

HP – A partir de qualquer idade. Toda idade é idade de poesia. Logo cedo, quando chega à escola (as crianças estão chegando cada vez mais cedo à escola...), a criança já revela interesse pela música das palavras, pelas diferentes sonoridades, mesmo que não entenda, pelas rimas. Há uma diversidade enorme de poemas sobre bichos, temática que tem forte apelo sobre as crianças. Também os poemas que tematizam brincadeiras e que brincam com as próprias palavras. Digo mais uma vez: a partir de qualquer idade e mais: com constância. Um projeto sobre poesia no início do ano e o resto do ano sem poesia não vai ajudar a formar leitores.

JP – Qualquer pessoa pode aprender a fazer poesia?

HP – Esse tema é mais complicado. Em tese, sim. Do mesmo modo que qualquer pessoa pode aprender a tocar violão. Acho que a preocupação da escola não deveria ser com “fazer poesia”, mas com ler poesia. Todos os poetas, pelo menos num bom tempo de sua vida, de sua formação, foram leitores assíduos da tradição poética de sua língua e até de outras línguas. Aprender a fazer poesia no sentido de aprender uma técnica nem é tão difícil assim. No entanto, fazer Poesia, digamos assim, com P maiúsculo é mais complexo. Por outro lado, acho que os professores devem estimular aqueles (as) jovens que revelam talento ou interesse em escrever. Expressar suas angústias, seus sentimentos, seus desejos ainda não é necessariamente poesia, mas é uma necessidade de todo ser humano e pode se constituir num bom exercício com as palavras. Essa pergunta demandaria muito mais reflexão – para a qual não acho que sou a pessoa mais qualificada. O que me parece é que não ajuda muito chamar alguém de poeta por um ou dois poemas criados. É preciso um certo domínio da língua que não nasce de uma vez, de uma mera inspiração.

JP – O senhor teria alguns conselhos ou sugestões para os professores que quiserem aproveitar melhor o uso da poesia na sala de aula?

HP – Talvez eu vá me repetir, mas insisto que se deve ler em voz alta. E o professor deve treinar antes a leitura oral. Ler várias vezes para ele próprio pode contribuir para ter mais confiança na hora de levar o poema para sala de aula. Se não tem esta experiência, há inúmeros CDs com bons atores lendo poemas (Paulo Autran é um dos melhores) – lançar mão desse material ajudou-me bastante quando iniciei no magistério há cerca de 30 anos. Outra dica: ler cotidianamente, nem sempre dentro de um planejamento detalhado. Ler por ler, antes de uma aula, ou no final. E não só com crianças, com os jovens também. Fazer com que a poesia compareça em diferentes momentos da sala de aula. Estimular os alunos a trazerem poemas de que gostam, que viram ou ouviram nalgum lugar. E no nível pessoal, sempre estar lendo poesia: um livro novo, um livro antigo, uma antologia de novos poetas para descobrir novos talentos. Estar aberto ao novo – não propriamente achar bom ou ruim tudo que aparece. Estar aberto, deixar-se tocar pelo que atualmente se faz no âmbito da poesia. Sem esta disposição para apreender cada vez mais poesia fica difícil contribuir com a formação de leitores. E por último, não se prender apenas aos esquemas dos livros didáticos. Lá os poetas e poetisas ficam engessados às escolas literárias, aos movimentos. Uma obra literária quase sempre não cabe num esquema desses.

*Vide JAKOBSON, Roman. O que é poesia? In: TOLEDO, Dionísio (Org). Círculo linguístico de Praga: estruturalismo e semiologia. Trad. Zênia de Faria et Al. Porto Alegre: Globo, 1978, p.177.