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JORNAL

Teatro na Escola

Terça-feira, 11 de Janeiro de 2011

Edição 49

EDITORIAL - Teatro na Escola

O assunto da 49ª edição do Jornal do Professor é Teatro na Escola. O tema foi o preferido de 54,76% dos leitores que votaram na enquete colocada em nossa página.

Nesta edição, mostramos a você experiências desenvolvidas por professores do Distrito Federal, Goiás, e Rio de Janeiro. O professor, ator e diretor de teatro, Francis Wilker, é o nosso entrevistado.

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

Seja bem-vindo!

Projeto de teatro em escola goiana incentiva vocações

Alunos apresentam a peça O Despertar dos Sentidos.

O Colégio Estadual Manoel Vilaverde, no município goiano de Inhumas, desenvolve desde 2007 um projeto de teatro, com bons resultados. Com a participação de alunos de diversas turmas de ensino médio – único nível de ensino oferecido na escola – o projeto interdisciplinar Interfaces – O Teatro está em nós cresceu e ultrapassou os muros da escola, despertando vocações.

De acordo com o professor José Carlos Henrique, um dos responsáveis pelo projeto, alguns estudantes continuam envolvidos com o teatro mesmo depois de terem concluído o ensino médio, seja fazendo curso superior na área teatral ou, então, trabalhando com teatro, embora façam outra formação universitária.

Surgido inicialmente como uma experimentação da linguagem teatral e suas possibilidades no contexto educacional, o projeto Interfaces também buscava uma experiência interdisciplinar. “Sempre nos norteou a perspectiva de um trabalho ‘costurado’ com outras disciplinas, o que ampliava as possibilidades de aprendizagem e outras vivências”, explica José Carlos, que é formado em história e em artes cênicas e mestrando em história.

Segundo ele, a idéia inicial das encenações partiu de uma parceria entre as disciplinas arte, história e química, na abertura de uma feira de ciências onde foi feito um retrospecto das principais descobertas científicas do homem ao longo da história. Com o passar do tempo, foram surgindo novos caminhos para as encenações, a partir de textos coletivos vinculados à realidade. “Pensava-se em um problema social e, em seguida, em sua possível solução. Isto gerou uma troca de informações e, claro, nos possibilitou irmos além no trabalho à medida que as discussões avançaram”, salienta o professor.

Em 2009, preparam uma apresentação sobre os problemas ocasionados pelo uso de drogas. A idéia central era de relembrar os 40 anos do Festival de Woodstock. “Após lançarmos a idéia da peça, colocamos literalmente a ‘mão na massa, com todo o processo de preparação do espetáculo” relembra. Fizeram pesquisas de figurino, assistiram o filme Hair, que relembra o período do movimento hippie, ouviram músicas da época e foram preparando a trilha sonora. Ao mesmo tempo, foram pesquisando sobre os efeitos de determinadas drogas no organismo. A encenação, com cerca de hora de duração, contou com 40 alunos envolvidos, sendo 22 integrantes do projeto e os demais que se mostraram interessados em participar e foram inseridos no processo. “A apresentação superou nossas expectativas quanto à receptividade e alcance”, diz o professor.

Em 2010, o colégio implantou algumas disciplinas optativas e o Interfaces foi inserido na disciplina de artes cênicas, oferecida nos turnos matutino e vespertino. O trabalho foi centrado, primeiramente, em jogos de socialização e sensibilização e, posteriormente, na criação de encenações pelos alunos. Reunidos em grupos, eles deviam elaborar esquetes sobre os temas enfocados – tais como família e geriatria, – construindo diálogos por meio da improvisação. Segundo José Carlos, os alunos relataram, este ano, que as aulas de teatro proporcionaram uma maior concentração nos estudos, além de facilitarem a socialização aos mais tímidos, até mesmo no caso de apresentação de trabalhos em outras disciplinas.

(Fátima Schenini)

Teatro melhora rendimento de alunos e premia escola do DF

O professor Getúlio Cruz e um grupo de alunos de teatro.

Alunos do Grupo Cutucart, do Centro Educacional 01 (CED 01) do Cruzeiro, cidade satélite do Distrito Federal, foram premiados em cinco categorias no Festival Luz, Palco e Ação (Lupa) realizado em São José do Rio Preto, em São Paulo, em 2010. A peça Seca, escrita pelos próprios alunos, recebeu os prêmios de melhor ator, melhor roteiro, melhor iluminação, melhor cenário, e pesquisa corporal.

“Não poderia ter sido melhor. Fomos com a intenção apenas de participar e colher experiência e fomos surpreendidos com essa premiação. Isso prova que estamos no caminho certo”, diz o professor Getúlio Sousa Cruz, coordenador do Cutucart, surgido a partir do projeto Oficina de Artes Cênicas, realizado no CED 01, desde 2006. Segundo ele, os alunos ficaram orgulhosos e surpresos, pois foram humildemente e saíram vitoriosos. “Isso é que pregamos no nosso trabalho: o sucesso é a consequência do que se faz corretamente”, ressalta Getúlio Cruz, professor da rede de ensino do Governo do Distrito Federal (GDF), que é bacharel e licenciado em artes cênicas, com pós-graduação em docência do ensino superior.

O projeto Oficina de Artes Cênicas é uma atividade opcional, desenvolvida no turno contrário ao das aulas, aberta a todos os alunos que tenham interesse em teatro. Ele surgiu em conjunto com o projeto Oficinas Interdisciplinares e Alternativas (OIA), em parceria com as disciplinas de português, história, física, educação física e artes. Além de participar dessa atividade, Getúlio Cruz leciona artes cênicas no 8º e no 9º ano do ensino fundamental.

De acordo com o professor, o projeto de artes cênicas exige disciplina, compromisso, respeito, cidadania e prepara para a vida. “Todos os alunos que passaram pelo projeto tiveram melhoria no rendimento escolar e na vida profissional”, destaca. “Já temos ex-alunos na Universidade de Brasília (UnB), Universidade Católica de Brasília (UCB), e na Faculdade de Artes Dulcina de Moraes.”

Com apenas quatro anos de existência, o grupo já tem muitas apresentações em seu currículo: Quem casa quer casa (Martins Pena); Uma véspera de Reis (Arthur Azevedo); Os Estatutos do Homem (Tiago de Melo) e A vida de Galileu Galilei (Bertold Brecht), são algumas das peças já encenadas por eles. Eles participam, desde 2006, do Festival Teatro na Escola, promovido pela Fundação Athos Bulcão, de Brasília. Em 2010, com a peça O Verbo é o Lixo, de criação coletiva, receberam a maior menção do festival, que não premia, apenas avalia os destaques.

(Fátima Schenini)

Artes promovem valores éticos e solidários

Estudantes atuam em peça teatral

Incentivar as artes é uma das estratégias usadas pela direção do Colégio Estadual Professor Horácio Macedo, no Rio de Janeiro, para estimular a aprendizagem de jovens das comunidades carentes de Jacarezinho, Grande Rio, Rato Molhado e Mangaratiba. A diretora da escola, Julieta de Macedo Moreira, tem 25 anos de experiência como educadora na rede estadual e dez na iniciativa privada. Formada em administração de empresas, com licenciatura plena em administração, complementação pedagógica e pós-graduação em tecnologia educacional, ela foi capaz de perceber como seria importante estimular professores a intensificar o uso das artes em seus projetos de ensino. Ao identificar o baixo nível socioeconômico dos alunos identificou o desafio. “Procuramos desenvolver estratégias para que se efetivasse a aprendizagem, utilizando diversas ferramentas. O nosso projeto político-pedagógico tem, como eixo central, a cidadania, e a cada ano letivo, trabalhamos um sub-tema, desenvolvido sob o olhar de cada disciplina, destacando as atividades artísticas para o desenvolvimento dessas propostas”, esclarece.

Segundo Julieta, o estudante tem que gostar e sentir prazer em estar no colégio. “Por isso desenvolvemos atividades prazerosas, para que ele se sinta bem. Por meio da música, da dança, do esporte, das artes, temos avançado em nossas ações, explorando e refletindo sobre a realidade; articulando teoria e prática; levando-os à reflexão e posicionamentos críticos”, afirma.

A professora de língua portuguesa e literatura do ensino médio, Jorgeli Moraes Guimarães, é uma das educadoras da escola que utiliza o teatro para a aprendizagem. Jorgeli desenvolve o projeto Literaturas Africanas de Língua Portuguesa e Literaturas Indígenas Brasileiras no Ensino Médio, que já cumpre a Lei Federal 11.645, estabelecida para aprofundar esses conteúdos. A professora conta que a aplicação e a avaliação são realizadas sob vários aspectos, incluindo leituras propostas, definidas no planejamento da disciplina. A partir daí, os alunos buscam a intertextualidade com outras obras de arte – teatro, poesia, prosa, pintura, escultura, música, dança, culinária, entre outros. Ela explica ainda que o texto sugerido é sempre de um autor do período literário em foco no bimestre. “Isso permite acrescentar e cobrar novos conhecimentos, e não apenas substituir os do programa por outros”. O projeto conta com o apoio do Centro de Estudos Afrobrasileiros, Africanos e Indígenas (Ceabai), fundado há dois anos na escola.

Um aspecto importante no projeto é a forma de avaliação. Conforme Jorgeli, cada etapa do trabalho do aluno recebe a seguinte pontuação: 5,0 (prova) + 3,0 (trabalho de pesquisa) + 2,0 (produção textual) = 10,0 (média). Ela conta que algum grupo sempre apresenta algo novo, incluindo algum dado pesquisado ainda não abordado no ensino médio. “Acrescento um bônus de 0,5 (meio ponto) à média e outros vão tentando seguir a mesma trilha. Um exemplo disso foi um grupo da turma de 2004, que incluiu em sua pesquisa a questão do homossexualismo sobre O Cortiço, de Aluísio de Azevedo”. E a professora comemora: “o crescimento individual é tão marcante que, jovens que chegam à escola mudos e quase "invisíveis", aos poucos vão saindo do casulo e se transformando em borboletas que buscam sempre mais informações e conhecimentos”.

Além do trabalho da professora Jorgeli Moraes, a diretora da escola chama atenção para o projeto do professor Esperidião Bahe. Desde a fundação do colégio, ele estimula a escrita de peças teatrais baseadas em grandes pensadores e filósofos. A direção da escola observa ainda que, por meio das atividades lúdicas cooperativas, os alunos desenvolvem responsabilidade nos compromissos, aprendem a dividir tarefas, exploram teorias e práticas. “As artes aumentam a autoestima, o autoconhecimento de suas limitações, as responsabilidades e valores dos nossos estudantes e colabora para que eles sejam bons cidadãos e futuros profissionais”, constata Julieta. (Assessoria de Imprensa Seed)

Professora da UFG lança livro sobre letramento digital

Débora Duran

A professora e pesquisadora Débora Duran, que trabalha atualmente na Faculdade de Educação e no Centro Integrado de Aprendizagem em Rede (Ciar) da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia, lançou em novembro último o livro Letramento digital e desenvolvimento: das afirmações às interrogações.

“As práticas de letramento são os modos pelos quais as pessoas se apropriam e se inserem efetivamente nas ações que envolvem a leitura e a escrita, para além da mera habilidade de codificação/decodificação em si”, explica a professora. Nesse sentido, por letramento digital ela entende o “processo de configuração de indivíduos ou grupos que se apropriam da linguagem digital nas diferentes práticas sociais relacionadas direta ou indiretamente à leitura e à escrita mediadas pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).”

Pedagoga com aperfeiçoamento em alfabetização, mestre e doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP), Débora Duran diz que esse livro é resultado de muitos anos de trabalho, estudo e pesquisa sobre as relações entre as TIC e a educação.

Com base nos estudos realizados, ela defende a tese de que não é correto inferir categoricamente um único tipo ou direção exclusiva de desenvolvimento como consequência imediata da mediação tecnológica. “Entendo que a utilização das TIC pode ou não impulsionar certos processos de desenvolvimento, a depender das mediações humanas que envolvem as práticas de letramento digital”, salienta Débora Duran.

Em sua opinião, “os usos diversos dos recursos tecnológicos podem provocar processos de desenvolvimento plurais, razão pela qual é preciso considerar os sujeitos, os contextos, as práticas e os motivos que regem a utilização das TIC.”

Há 22 anos na área de educação – como professora, consultora, palestrante e pesquisadora – ela tem experiência em todos os níveis de ensino, da educação infantil à pós-graduação. Natural de Mogi das Cruzes (SP), já morou em São Paulo, Rio de Janeiro, e Ceará, em função de transferências profissionais de seu marido. “Sempre trabalhei, mas com um esforço enorme para não perder os vínculos e conciliar atividades profissionais, estudo e pesquisa. Como costumo dizer sempre: correndo contra o tempo e dando nós em pingos d’ água”.

No Ciar, ela atua como pesquisadora responsável pelo grupo de pesquisa Interfaces e também no desenvolvimento de projetos pedagógicos que envolvem o uso das TIC e iniciativas de Educação a Distância (EAD).

(Fátima Schenini)

Francis Wilker: com o teatro, os estudantes descobrem que podem ir além do que pensavam ser capazes

Francis Wilker

Professor da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, onde também cursa pós-graduação em direção teatral, Francis Wilker é diretor do grupo brasiliense Teatro do Concreto. Licenciado em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília, é consultor do Departamento Nacional do Serviço Social da Indústria (Sesi) na área de teatro socioeducativo e teatro nas indústrias. Também é consultor do Instituto Ayrton Senna e membro do conselho editorial da revista Entrelinhas e Concreto, especializada em teatro. Como pesquisador da área teatral e arte-educador tem ministrado palestras e oficinas e colaborado com a TV Escola, sites e publicações.

Em entrevista ao Jornal do Professor, Francis Wilker defende a utilização do teatro na escola e diz que ele possibilita, entre outras coisas, que os estudantes se interessem mais pela escola, pelo conhecimento, por fazer parte e descubram que podem ir além do que pensavam ser capazes.

Ele sugere aos professores que incentivem nas peças um caráter mais de reflexão, de levantamento de questões. “É tão bom quando uma obra de arte nos deixa perguntas ao contrário de nos oferecer receitas prontas”, salienta.

Jornal do Professor – Qual é a importância do teatro na escola? Que benefícios pode trazer aos alunos?

Francis Wilker – O teatro é uma linguagem, uma área do conhecimento humano com conteúdos específicos. Estudar teatro na escola é uma oportunidade de conhecer essa linguagem e ser capaz de ler o mundo por outra ótica. É uma arte que envolve nossos sentidos, emoções, conhecimentos e toda a nossa história de vida, a subjetividade de cada pessoa, seja estando em cena, seja como espectador. Essa comunicação se dá por outra via que não é a mesma de outras áreas do saber, como a ciência, que tem outros códigos e discursos. Então, ter acesso a essa linguagem é um direito de nossos educandos, porque nela descobrirão outros “instrumentos” para olharem, sentirem, analisarem e transformarem o mundo ao redor, de forma mais sensível, crítica e criativa.

No aspecto do fazer, criar envolve tecer relações complexas entre diferentes elementos, então, ao fazer teatro, estudantes estão elaborando “composições”, juntando coisas diferentes: uma forma de andar ou se deslocar pelo espaço, o texto que é dito, a roupa e objetos de cena, que carregam também significados, o sentimento que desejam expressar em cada ato físico ou verbal, etc. Percebam que são muitas as questões numa cena e o estudante está aprendendo a associar todas essas informações e elementos na busca de criar um sentido para sua cena, elaborar um discurso. Nesse sentido, criar envolve habilidades complexas de estabelecer relações com conteúdos aparentemente distintos. Será que na vida somos convidados a isso? Será que uns desenvolvem mais essa capacidade e outros menos? Talvez alguns tenham oportunidade de, pelo fazer, identificar e potencializar essas habilidades e outros não?

No teatro não aprendemos apenas fazendo, mas também assistindo as encenações. Quando conhecemos os elementos dessa linguagem nossas leituras de uma obra teatral podem atingir camadas mais profundas que apenas a dimensão do gostei ou não gostei. Diante de uma cena somos afetados por sensações, emoções e uma série de informações que estão ali presentes no que é feito, dito e no como é feito e dito. Como lemos essa obra? Que relações somos capazes de criar? Que memórias pessoais são “acordadas” quando vejo essa cena?

O contato com a obra de arte nos possibilita, a partir da experiência pessoal, construir diversas significações acerca do mundo e de nós mesmos, ou seja, altera pontos de vista e ajuda a construir nossos próprios discursos sobre a realidade. O exercício de “ler” um trabalho cênico mobiliza a nossa capacidade crítica, de reflexão, de síntese, e, principalmente, de estabelecer relações. É importante criar na escola atividades que criem espaços de reflexão crítica sobre as peças, que possam explorá-las a partir do tema e, também, a partir da forma como se construiu poeticamente essa abordagem. Será a partir da análise do fenômeno teatral em suas várias dimensões que os estudantes poderão aprimorar a sua compreensão do discurso cênico. E é esse exercício que mobiliza habilidades importantes para o aperfeiçoamento pessoal, social, cognitivo e produtivo.

JP – Como os professores que não têm experiência com teatro podem utilizá-lo com bons resultados?

FW – No geral, quase sempre há nas escolas alguns educadores ou educadoras que têm um apreço pelo teatro. Geralmente esse interesse está no uso do teatro, da dramatização como um recurso para ajudar os estudantes a elaborarem e se apropriarem de um conteúdo escolar. Então, você vai criar uma peça sobre métodos contraceptivos, ou sobre a colonização dos países africanos ou sobre o quinhentismo na literatura brasileira, etc. Para muitos estudantes no Brasil esse é um dos únicos contatos com a linguagem do teatro. Eu mesmo tive minhas primeiras experiências na aula de literatura. O que ocorre aqui é que o foco está no conteúdo a ser trabalhado e não no teatro como linguagem e área do conhecimento com elementos próprios. Isso não é algo ruim, o teatro nesse caso é um instrumento didático. Acredito que o importante é a escola criar oportunidades para que os estudantes possam aprender e vivenciar o teatro para além dessa perspectiva instrumental. Para isso, o ideal é que cada escola tenha professores de teatro e naquelas que não têm isso ainda efetivado, que os professores que gostam dessa arte possam ler mais sobre teatro, ler peças e procurar assistir mais encenações. Para regiões onde isso ainda é um desafio, talvez a internet possa ajudar um pouco a ampliar as referências que os educadores têm do teatro por meio de textos, imagens e vídeos.

Outra sugestão que gostaria de deixar é que incentivem nas peças feitas na escola um caráter mais de reflexão, de levantamento de questões. É tão bom quando uma obra de arte nos deixa perguntas ao contrário de nos oferecer receitas prontas. É tão bom quando uma obra de arte nos convida a pensar ao contrário de nos dizer o que devemos pensar e sentir daquilo que estamos vendo. Enfim, que deixem espaços para o espectador criar e pensar e não tentem “catequizar” o público.

JP – Qual a idade mínima que os alunos devem ter para participarem de teatro na escola? Há uma faixa etária mais adequada para a participação em espetáculos teatrais na escola?

FW – Nas séries iniciais do ensino fundamental, as crianças estão numa fase onde se trabalha mais com jogos dramáticos, para nas séries seguintes ir trabalhando com jogos teatrais e aprofundando mais no conhecimento e vivência da linguagem. Em todo caso, penso que o importante é a escola não perder o foco do processo de aprendizagem em busca de um resultado final, que seria o espetáculo. Criar uma peça pode ser um laboratório muito rico de aprendizagem pessoal, relacional, cognitiva, produtiva. Imagine quanto conhecimento está em jogo numa atividade onde você precisa se relacionar com o outro o tempo todo, onde você precisa se expor. Quantas pesquisas e conhecimentos podem ser acessados em relação ao tema trabalhado e também sobre a própria linguagem cênica... Temos aqui um terreno muito fértil para aprender, para instigar nossos estudantes. Por isso, ficar focado no resultado apenas, na peça que tem que ser feita para o evento tal, pode diminuir um pouco a “fertilidade” desse processo. O que estou tentando dizer é que na escola penso que o foco é o processo de criar a peça, tudo que podemos gerar de aprendizagem nele e não apenas o resultado (a peça), embora eu também ache o resultado importante e já tenha visto coisas muito bem feitas nas escolas. Outro cuidado talvez seja não exigir de crianças e adolescentes um estágio de trabalho que não seja apropriado ao momento em que estão, apenas para “ter uma peça boa no dia do evento”. Isso seria passar por cima do processo pedagógico e de criação.

JP – Há algum tipo de peça teatral mais recomendada para ser encenada na escola? E quanto aos autores, há alguns mais recomendados? Ou em sua opinião, é preferível que as peças escolares sejam criações coletivas dos alunos?

FW – Eu penso que a escola deve ser sempre um espaço de diversidades – plural na sua natureza e conteúdo – assim, se os estudantes tiverem a oportunidade de conhecer diferentes referências de teatro, de texto teatral, de tipo de encenações, mais rica será essa educação. Isso pode ser organizado levando em conta a faixa etária dos estudantes e os conteúdos que devem ser enfatizados a cada série. No aspecto do texto teatral, temos muitos autores nacionais com obras de qualidade que podem ser mais ou menos apropriado à determinada faixa etária. Maria Clara Machado e Sylvia Orthof, por exemplo, têm excelentes textos mais voltados para o público infanto juvenil. Autores como Nelson Rodrigues e Plínio Marcos talvez já fossem mais recomendados para o ensino médio ou séries finais. Aqui o mais importante é o contexto em que essas obras serão trabalhadas e como serão abordadas. A lista de autores é bem grande, sem falar nos dramaturgos contemporâneos. Quanto à criação coletiva ou dramaturgias construídas a partir de um processo de pesquisa com os estudantes, são muito bem vindas também e podem resultar em textos riquíssimos.

O que penso é que seja partindo de um texto pronto ou construindo um texto, é muito importante o educador ajudar a ampliar os horizontes de leitura e busca de referências, ou seja, vamos partir daquele conhecimento que nossos estudantes trazem consigo, mas, precisamos sempre ir além dele, afinal, a escola é onde abrimos portas e ajudamos a criar pontes para novos mundos. Não podemos sair de uma experiência assim sabendo apenas o que já sabíamos antes.

JP – Que disciplinas ou conteúdos disciplinares podem ser desenvolvidos em uma peça teatral?

FW – O teatro é uma área coletiva e interdisciplinar por natureza. Na cena temos o encontro da música, das artes visuais, cênicas, da literatura... enfim, de muitas áreas do conhecimento humano. Qualquer tema pode ser trabalhado numa peça de teatro e envolver diferentes disciplinas, isso exige diálogo entre os professores e a capacidade de buscar relações com sua área. Vamos pensar num simples exemplo: se trabalharmos um texto como O Beijo no Asfalto, do Nelson Rodrigues, que conteúdos filosóficos, sociológicos, históricos, geográficos, estão ali presentes? Como era a economia, a política, a ciência naquele período? Como é hoje? O que nos distancia e o que nos aproxima daquele contexto? E se partirmos da pesquisa de um tema para construirmos o espetáculo, como por exemplo, o amor, essas mesmas questões e muitas outras poderiam ser levantadas de forma a ampliar a relação entre áreas do conhecimento e consequentemente as oportunidades de aprendizagem.

JP – O senhor já coordenou, em algumas ocasiões, o Festival de Teatro na Escola, promovido pela Fundação Athos Bulcão, em Brasília. O que pode observar, com relação à participação de alunos e professores?

FW – O Festival é um projeto pelo qual tenho muito carinho, foi para mim uma escola de pensar o teatro na escola. A Fundação Athos Bulcão tem um cuidado no acompanhamento pedagógico dos professores que enriquece muito um espaço que poderíamos chamar de formação continuada em serviço. Eu poderia aqui tecer muitos fios de análise desse projeto, mas, vou ressaltar alguns aspectos que me impressionam concretamente: a capacidade de mobilização que o teatro tem numa comunidade educativa, você vê, pouco a pouco, funcionários, outros professores, direção e pais se envolvendo com a atividade; a culminância do projeto afeta de maneira muito positiva a autoestima da escola, do bairro; a relação entre estudantes e o professor ou professora de teatro se torna muito mais próxima; os jovens desenvolvem habilidades de convívio muito caras aos nossos tempos atuais, se conhecem melhor e trabalham suas habilidades pessoais, se interessam mais pela escola, pelo conhecimento, por fazer parte e, para além de tudo isso, descobrem que podem ir além do que pensavam que são capazes!

Quanto aos professores, vejo práticas renovadas, referências teóricas e metodológicas ampliadas, desafios de gestão de grupo como espaço para aperfeiçoar suas habilidades docentes e um orgulho imenso de ensinar teatro! Outra coisa que me emociona é ver a comunidade indo à escola e ao teatro para ver aquilo que seus jovens criaram e se orgulharem. Eu não tenho dúvidas de que uma educação pela arte ensina muito e já vi realidades individuais e coletivas serem transformadas.

Por último, vivemos um tempo onde o acesso ao conhecimento se tornou muito mais fácil, há informação por toda parte, até na traseira dos ônibus, porém, a capacidade de ler criticamente todo esse mundo de informação, de estabelecer relações, de se posicionar de forma mais coerente, de se mobilizar por causas e situações, parecem ser nossos novos desafios e isso me faz lembrar uma frase do Plínio Marcos que diz mais ou menos assim “o mundo nunca precisou tanto dos poetas, como agora”. Eu acredito nisso, precisamos de arte para dar conta da vida.