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JORNAL

Lição de Casa

Segunda-feira, 14 de Março de 2011

Edição 52

EDITORIAL - Lição de Casa

O assunto da 52ª edição do Jornal do Professor é Lição de Casa. O tema foi o preferido de 53,5% dos leitores que votaram na enquete colocada em nossa página.

Nesta edição, você vai conhecer a visão de professores dos Estados do Pará, Paraná e São Paulo sobre as tarefas de casa. Nossa entrevistada é a professora Tânia de Freitas Resende, da UFMG. Entre outros pontos, ela aborda a importância da lição de casa, a participação da família na realização dessa atividade; e a correção dos deveres de casa.

Na seção Espaço do Professor, apresentamos o depoimento da professora Patricia da Silveira Muniz, de Sapiranga (RS), sobre o trabalho que realizou em 2010, na sala digital de sua escola.

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

Seja bem-vindo!

Tarefas de casa são necessárias até para aulas de xadrez

Professor Eduardo demonstra experiência na sala de aula.

Professor de física e de xadrez no Colégio Progresso Centro, em Guarulhos (SP), Eduardo Rodrigues da Silva leva muito a sério as tarefas de casa. “Apenas a aula não dá ao estudante elementos suficientes para uma completa percepção das dificuldades e desafios que os exercícios poderão trazer”, acredita Eduardo, que dá aulas há cerca de dois anos. Na disciplina de física, que leciona nos nonos anos do ensino fundamental e em todos os anos do ensino médio, ele exige que os estudantes tenham um caderno exclusivo para essas lições. “Isso permite ao aluno ter todos os exercícios que já tenha feito durante o curso em um único lugar”, explica.

Para ele, as atividades de tarefa de casa têm caráter compulsório e, caso não façam a lição, os alunos são encaminhados à coordenação pedagógica. O fato é registrado em um livro próprio e os responsáveis pelos estudantes são notificados. “Cabe dizer que o nível de aceitação dessa atividade é bastante alto, pois, rapidamente, os alunos percebem a vantagem de ter seus exercícios organizados para consulta”, salienta.

Segundo Eduardo, a escola onde leciona utiliza um sistema de ensino que compreende em seu material a distinção entre exercícios de sala de aula e exercícios do tipo “tarefa de casa” bastante desafiadores, que permitem uma ampliação da visão do conteúdo trabalhado em sala. Além disso, o professor criou, em 2010, uma série que chamou de “desafios de física”. Seu propósito foi o de sair um pouco dos moldes das tarefas de casa rotineiras e, dessa forma, despertar o interesse dos estudantes quanto à diversidade de nuances do estudo da física. “Trata-se de exercícios baseados na filosofia web-quest em que, partindo de dicas ou imagens, os alunos devem encontrar uma resposta específica realizando pesquisas na internet e fazendo uso do raciocínio lógico ou de sua imaginação”, adianta.

As respostas eram encaminhadas para seu e-mail e valiam pontos diretamente na média. “O retorno foi bastante gratificante, pois, em diversas ocasiões, tive a oportunidade de ver a alegria de um aluno que "matou" um de meus desafios”, diz Eduardo, que pretende retomar esses desafios à partir do meio deste ano.

Xadrez – Nas aulas de xadrez, que leciona nas séries finais do ensino fundamental, os alunos não possuem um caderno exclusivo para a lição de casa, mas sim para anotação de partidas. A função desse caderno é similar ao de tarefas para casa: permitir que os estudantes tenham à mão as anotações de suas partidas e possam, dessa forma, perceber suas evoluções pessoais.

De acordo com Eduardo, a maior evolução do aluno no aprendizado de xadrez ocorre com as tarefas em casa em que é levado a reproduzir partidas completas de jogadores famosos. Assim, acredita o professor, o estudante entra em contato com estratégias e táticas que seriam impossíveis se a atividade tivesse caráter meramente recreativo.

A fim de possibilitar que cada estudante tenha seu próprio tabuleiro de xadrez, Eduardo buscou na internet alguns modelos imprimíveis. A aceitação foi surpreendente: “em pouco tempo, vi alunos nos corredores da escola jogando com seus tabuleiros colados em folhas mais espessas”.

Acesse o blog do professor Eduardo.

(Fátima Schenini)

Atividades diferenciadas fazem parte da lição de casa

Professora Taís Helene com grupo de alunos.

Percebendo que os alunos comentavam muito a respeito do que faziam quando não estavam na escola, a professora Taíz Helene Valenzuela, da rede municipal de ensino do município de Paragominas, a cerca de 300 Km de Belém, no Pará, resolveu pesquisar maneiras de aproveitar o dia a dia dos estudantes. A descoberta serviria para desenvolver atividades prazerosas para os deveres de casa, despertando vontade de fazer as tarefas quando chegassem em casa.

Durante uma reunião com a coordenadora pedagógica, esta propôs que Taíz Helene, por um bimestre e com o acompanhamento dela, começasse a pedir aos alunos que assistissem, como lição de casa, determinados filmes. Depois, na sala de aula, eles deveriam relatar aos colegas o que haviam compreendido. Uma das películas que os estudantes tiveram que assistir foi A era do gelo, para que pudessem perceber temas como mudanças climáticas.

De acordo com Taíz Helene, que dá aulas em uma turma do quarto ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Associação da Paz, as atividades extraclasse sempre eram respaldadas dentro do tema da aula. E apesar dos resultados terem fluído com muito mais eficiência, não foi fácil implantar a nova sistemática de dever de casa. “Os pais reclamaram, tivemos que fazer reuniões para explicar a nova dinâmica das aulas, mostrando sempre a importância da participação da família na vida escolar do educando”, diz a professora, que é formada em pedagogia e cursa atualmente licenciatura em computação.

Segundo ela, tanto as atividades desenvolvidas na sala de aula quanto as que são solicitadas para serem feitas fora da escola são diversificadas: “com isso os educandos estão sendo preparados para o avanço tecnológico da educação”, justifica. Taís Helene acredita que, ao trabalhar dessa forma, pode perceber que o conhecimento adquirido ficou mais fácil. “Houve muitas reclamações mas quando o resultado foi mostrado aos pais, no fim do bimestre passado, eles ficaram bem impressionados”, adianta. E hoje em dia, quando ela fala em atividade diferenciada, a aceitação é bem maior.

Taíz Helene atua no magistério desde 1995, quando começou a fazer estágio. “A diretora da escola onde estagiei percebeu que gostava muito de fazer a diferença e me chamou para assumir uma sala de Jardim II. Desde então, não parei mais”, finaliza.

(Fátima Schenini)

Alunos devem ter consciência da importância da lição de casa

Alunos fazem trabalho em grupo.

A equipe pedagógica do Colégio Estadual Pio XII, em Maripá (PR), a mais de 500 km de Curitiba, acredita que o dever de casa é importante e deve ser uma oportunidade de consolidar os conteúdos vistos em aula. E para aqueles alunos que raramente fazem essa atividade, defende a conscientização ao invés da penalização.

“A equipe pedagógica da escola entra em contato com a família para que, juntos, escola e família trabalhem no sentido de conscientizar o aluno da importância da lição de casa para a sua aprendizagem”, explica a diretora da instituição, Adriana Marquioro Baumann. Na visão da professora Jussara Nowatschek, que dá aulas de ciências nos 7º, 8º e 9º anos do ensino fundamental, a motivação do aluno para realizar as tarefas de casa vem da conscientização da importância que elas têm para o processo ensino- aprendizagem antes do que da penalização.

Para Jussara, que atua no magistério há 23 anos, a lição de casa retoma o conteúdo trabalhado em sala, possibilitando ao aluno a fixação e a autoavaliação. “Ao realizar as tarefas ele pode detectar se entendeu ou não o conteúdo”, ressalta a professora, que costuma incluir nos deveres de casa atividades como: exercícios de revisão, pesquisas, construção de pequenos instrumentos e relatórios de práticas científicas.

Na visão de Adriana, que está há 15 anos no magistério, sete dos quais na direção, é importante que o educador observe as dificuldades apresentadas pelos estudantes durante a explicação de um novo conteúdo. Desse modo, ao elaborar as atividades que farão parte da lição de casa, elas deverão abordar o necessário para a compreensão dos alunos sobre o conhecimento que se deseja transmitir.

A diretora adianta que as lições de casa elaboradas no Colégio Pio XII são bastante diversificadas. “Cada professor elabora ações diferenciadas, criando estratégias bem definidas no sentido de consolidar os conteúdos vistos em sala de aula”, salienta. Segundo ela, durante as reuniões pedagógicas são desenvolvidos temas para debater o assunto, pois o professor deve criar estratégias e objetivos que irão propiciar um melhor aprendizado para o aluno. “As atividades devem ser desafiadoras, porém compreensíveis aos alunos, os conteúdos pedagógicos devem ser bem definidos de forma que as estratégias sejam bem específicas”, destaca Adriana. A escola tem 600 alunos matriculados, nos três turnos, nos níveis fundamental (6° ao 9º ano) e médio.

(Fátima Schenini)

Professora faz depoimento sobre uso de sala digital na escola

Professora Patrícia e alunos

A pedagoga Patricia da Silveira Muniz, de Sapiranga (RS), trabalha no Centro Municipal de Educação Érico Veríssimo – unidade de ensino fundamental – desde 2008. Este ano ela, ela dá aulas em uma turma de 5° ano (antiga 4ª série), pela manhã; à tarde, leciona em uma turma de 2° ano. Com 28 anos, pós-graduada em gestão escolar, Patrícia está no magistério desde 2006.

Reproduzimos abaixo o depoimento que ela enviou sobre o trabalho realizado na sala digital de sua escola, com as turmas de 5° ano, logo após sua inauguração, em 2010.

Depoimento de Patrícia da Silveira Muniz

“Para nós, professoras, foi uma surpresa e também uma apreensão, já que na escola havia o laboratório de informática no qual íamos uma vez por semana e neste fazíamos o trabalho de monitoramento, escolhíamos uma atividade e o professor do laboratório explicava passo a passo aos alunos. Daquele momento em diante, tudo mudava, pois teríamos que planejar de acordo com os conteúdos, estudar que ferramentas usar e explicar aos alunos. Não seria nada fácil!

Como os dois 5°anos usariam a sala, a turma 511, de minha responsabilidade, e a turma 512 da professora Magali Capeletti – pedagoga formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em janeiro deste ano – ficou combinado dividir os horários. Nas segundas, os alunos tinham educação física e filosofia com professoras dessas respectivas disciplinas. Então, nesses dias, eu e a professora Magali nos reuníamos para planejar as aulas da semana. Nos demais dias, cada turma ficava na SAD ora do início da aula até o horário da merenda (7h 20 min – 9h 10min), ora do fim do intervalo até o final da aula (9h 35 min – 11h 20 min). Exemplo: se na terça-feira a turma 511 iniciou sua aula na SAD, na quarta será a vez da turma 512.

Para iniciarmos o trabalho, primeiro os alunos tiveram aulas de digitação de texto para se familiarizarem com o teclado do notebook, que é um pouco diferente daquele que já conheciam, e aplicar diferentes fontes de texto, negritar algumas palavras, utilizar marcadores, mudar cor da fonte... Nas aulas que seguiram, optamos por variar os conteúdos: matemática, estudos sociais, ciências, artes...

Para as aulas de matemática, a professora Magali e eu buscávamos atividades em sites, onde foi possível trabalhar com desafios, atividades que envolviam o raciocínio lógico e que despertavam o interesse dos alunos. Trabalhamos o Sudoku, o Tangram, calculadora quebrada, as torres de Hanói, sites de jogos como o plastelina, em que o aluno era desafiado a atravessar um homem em seu barco, de uma margem a outra do lago, uma caixa de verduras, uma ovelha e um lobo, sendo que só poderia levar um de cada vez e que o lobo come a ovelha e a ovelha come a verdura quando não há um homem por perto. No site da Rede Marista também encontramos muitas atividades que nos auxiliaram no trabalho pedagógico.

Para as aulas de ciências e estudos sociais, os alunos faziam pesquisas nos sites de busca. Como no conteúdo água, em eles leram textos, viram simuladores que demonstraram o ciclo da água na natureza, descobriram curiosidades em relação ao desperdício e economia de água e, a partir disso, elaboraram um folder sobre o assunto para ser entregue aos familiares. Na aula de artes, aproveitando o assunto, realizaram desenhos no Tux Paint.

Em estudos sociais, foi possível conhecer diversos sites de municípios do Rio Grande do Sul, conhecer os pontos turísticos e as belezas naturais dessas localidades, os povos que colonizaram, enfim, a partir desse estudo os alunos ficaram curiosos em conhecer o nosso estado. Em língua portuguesa, a SAD foi extremamente importante para a criação de textos, ortografia, vocabulário e desenvolvimento de ideias dos alunos. A partir dela, foi nítido o crescimento do pensamento dos alunos e, consequente, o prazer em estudar e aprender cada vez mais.

Muitos alunos tinham dificuldade ao elaborar textos, não conseguiam ter ideias para escrever mais que três linhas. Depois que passaram a escrever suas produções nos notebooks, não queriam mais parar de escrever, sempre tinham mais e mais assunto para contar. Era tão bom estar na SAD, que a aula parecia passar voando, quando via tínhamos que desligar os notes e a reclamação era geral “Ahhhh sora, deixa ficar mais um pouco!”

Essa experiência serviu para enriquecer meu trabalho como educadora, pois a partir dela tive que pesquisar outra forma de aprender a qual não estava habituada e buscar atualização na área da tecnologia. Assim como os alunos puderam crescer, eu como educadora também pude. A partir dela, passei a valorizar mais a tecnologia e vê-la com outro olhar, de que é possível sim, melhorarmos a educação e isso depende de ações como essa a qual pude vivenciar.

Nesse ano, as turmas na qual o trabalho está sendo desenvolvido são de 4°anos, por isso não estou atuando na SAD.”

Tânia de F. Resende (UFMG): o dever deve ser para o aluno e não para a família

Foto da professora Tânia Resende.

Pedagoga, com doutorado em educação, Tânia de Freitas Resende é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na área de Sociologia da Educação. Na mesma instituição, ela desempenha atividades como pesquisadora dos grupos Observatório Sociológico Família-Escola (Osfe) e Territórios, Educação Integral e Cidadania (Teia).

Para Tânia de Freitas Resende, cuja experiência na área de educação inclui também atividades de docência e coordenação pedagógica no ensino fundamental e trabalhos como analista e consultora educacional em instituições de ensino, o dever de casa pode potencializar o aprendizado ao estender o tempo de interação do sujeito com o objeto de conhecimento. Mas para isso, entende ela, deve ser adotado de forma criteriosa, bem orientado e bem conduzido.

Em sua opinião, as atividades de casa precisam ser coerentes com as que são trabalhadas em sala de aula, possibilitando que os alunos possam resolvê-las com autonomia: “o dever deve ser para o aluno e não para sua família”, salienta a professora.

Jornal do Professor – Qual é a função da lição de casa no aprendizado? Ela é importante em todos os níveis de aprendizagem?

Tânia de Freitas Resende - A “lição de casa” (ou “tarefa de casa”, “dever de casa”, “para casa”...) é uma prática pedagógica tradicional, à qual se tem atribuído diferentes funções: fixação, reforço ou consolidação da aprendizagem, formação de hábitos de estudo, desenvolvimento da autonomia, estreitamento das relações família-escola, transferência de aprendizagens para novas situações, vinculação entre aprendizagem escolar e vida cotidiana, dentre outras.

Portanto, a função da lição de casa não é algo definido “a priori”, independente da realidade educacional. Cabe a cada equipe pedagógica e a cada professor indagar-se a respeito da pertinência e da função da tarefa de casa no contexto específico em que atua, considerando diversas variáveis, tais como: o nível de aprendizagem e a idade dos alunos, suas condições de realização da atividade em casa, o tempo diário de jornada escolar, etc.. Por exemplo, faz sentido passar lições de casa para crianças da Educação Infantil, ainda não alfabetizadas? Se a escola é de tempo integral, ainda assim o aluno deve levar tarefas para casa?

O que deve ser evitado é justamente passar lições de casa apenas por uma tradição, sem ter clareza dos objetivos dessas atividades e sem explicitá-los para todos os envolvidos, especialmente os alunos e as famílias. Ou, pior ainda, prescrever tarefas de casa como uma “punição” para o aluno ou como uma mera obrigação que ele deve cumprir a fim de ser aprovado pelo professor.

Compreendo o dever de casa como um tempo de trabalho extra-aula que, se adotado criteriosamente, bem orientado e bem conduzido, pode potencializar o aprendizado ao estender o tempo de interação do sujeito com o objeto de conhecimento. Porém, em situação inversa – isto é, adotado sem critérios, mal orientado e mal conduzido -, o dever de casa pode gerar “efeitos colaterais”, contribuindo para a aversão aos estudos, a diminuição do interesse pela escola e pela aprendizagem, o acirramento das desigualdades educacionais.

JP – Existe uma quantidade adequada de dever de casa? Qual a duração máxima e a mínima que deve ser dedicada à lição de casa, diariamente?

TFR – Se dissemos que a necessidade e a pertinência de prescrever deveres de casa devem ser avaliadas em função de cada contexto, o mesmo podemos afirmar em relação à quantidade de tarefas. A duração das atividades a serem realizadas em casa – se é que elas vão ser propostas – deve ser definida em função da idade, do nível de aprendizagem, do ritmo de trabalho de cada aluno ou grupo de alunos, da duração da jornada letiva, das outras atividades realizadas pelos estudantes fora da escola, dentre outros fatores. Quando diversos professores lecionam para uma mesma turma, por exemplo, é fundamental que haja uma dosagem entre os vários deveres, a fim de possibilitar sua realização com qualidade. Além disso, pode ser que diferentes alunos de uma mesma turma precisem de diferentes períodos de tempo dedicados ao estudo em casa. O ideal é que esse seja um assunto discutido e deliberado conjuntamente pela equipe pedagógica envolvida com determinado grupo de alunos, ouvindo os próprios estudantes e também os pais ou responsáveis.

JP – Como tornar os deveres de casa mais criativos?

TFR – Inicialmente, gostaria de frisar que considero critério fundamental de qualidade de um dever, do ponto de vista pedagógico, não necessariamente a “criatividade” e sim a adequação ao objetivo pretendido e às necessidades de aprendizagem dos estudantes. Por exemplo, existem situações em que tarefas mais diretas, aparentemente pouco “criativas”, podem ser desejáveis; e podemos também encontrar deveres muito criativos, mas pouco adequados ao perfil dos alunos ou ao seu momento de aprendizagem. Feita essa ressalva, é claro que a repetição de atividades pouco significativas do ponto de vista do sujeito que aprende pode desestimular seu envolvimento com as tarefas.

Na busca de favorecer esse envolvimento, embora não haja fórmulas, existem diversas possibilidades interessantes, tais como: elaborar atividades diversificadas, que exijam diferentes tipos de raciocínios e habilidades; utilizar dados da realidade social, como reportagens (especialmente as que abordam temas de interesse dos alunos em cada faixa etária), folders, folhetos de supermercados e lojas, propagandas, etc.; propor textos e problemas relacionados a assuntos do momento, como competições esportivas, filmes e programas de sucesso, músicas; aproveitar recursos que as crianças tenham em casa e que despertem seu interesse, como televisão, rádio, computador, internet; propor tarefas vinculadas a projetos de investigação ou de empreendimento; prescrever atividades que envolvam enigmas, desafios, passatempos, vinculando-as aos conteúdos abordados em sala de aula.

JP – Além da adequação aos objetivos e da criatividade, quais os outros critérios para um bom trabalho envolvendo os deveres de casa?

TFR – As atividades de casa precisam ser coerentes com as que são trabalhadas em sala de aula. Como disse anteriormente, um dever de casa muito “criativo” pode se tornar um obstáculo difícil para os alunos, se as atividades em aula são sempre tradicionais, repetitivas. Isso não significa que as tarefas para casa devam repetir as que são feitas em sala, mas precisa haver certa coerência que garanta condições para que o estudante as resolva autonomamente. Este é outro critério de qualidade: o dever deve ser para o aluno e não para sua família. Considero importante buscar um equilíbrio em que a atividade não seja nem tão fácil que exclua qualquer desafio e nem tão distante do nível dos alunos que estes não consigam resolvê-la por si próprios.

Finalmente, mas não menos importante: a forma como os deveres são propostos e o modo como são abordados em sala de aula após sua realização constituem fatores cruciais para a qualidade do efeito que podem gerar. Nesses dois momentos – da prescrição dos deveres e da sua “correção” ou feedback – é que o professor indica para a turma de alunos, explícita e/ou implicitamente, qual o verdadeiro lugar das tarefas de casa em seu trabalho. Em ambos os momentos, a possibilidade de diálogo, negociações, esclarecimentos, estímulo, participação e debate constitui uma condição importante para dar significado efetivo às atividades, tirando-as do lugar de meras tarefas a serem cumpridas e fiscalizadas.

JP – Como deve ser a participação da família no dever de casa? Os pais devem ajudar? Como?

TFR – A participação da família – sua intensidade e sua forma – é outro aspecto que merece diálogo e negociação entre os interessados. De modo geral, considera-se desejável que as famílias acompanhem as atividades escolares dos filhos como um todo, que estimulem a realização das tarefas de casa, verifiquem seu cumprimento, incentivem o estudo e a leitura. Porém, não cabe esperar das famílias que assumam a função de ensino, que é da escola. Algumas famílias, as mais escolarizadas e culturalmente mais próximas da escola, tendem a desenvolver estratégias de acompanhamento que incluem a solução de dúvidas, a correção de erros, o auxílio para a pesquisa. Porém, é extremamente injusto, em relação à maioria das famílias brasileiras, com seus níveis de escolaridade ainda predominantemente baixos, esperar delas formas de apoio que não têm condições de oferecer. Isso sem falar de outras dificuldades, como as jornadas de trabalho extensas dos pais, a falta de recursos adequados para a realização dos deveres em casa, dentre outras. Assim, é importante que os educadores escolares procurem conhecer as famílias e negociar o tipo de ajuda que elas têm condição de proporcionar. Ajudas indiretas, na forma de incentivos e apoio à escola, também são importantes e muitas vezes estão mais próximas do campo de possibilidades da família.

JP – O que deve ser feito com os alunos que não costumam fazer as lições de casa? Eles devem ser penalizados? De que forma?

TFR – A pergunta me faz lembrar a história narrada por uma professora que vivia penalizando certo aluno que não fazia os deveres de casa, até que visitou o lugar onde ele morava e viu que não havia lá a mínima condição para o estudo. A família numerosa morava em um único cômodo que era, ao mesmo tempo, quarto, cozinha, sala, sem condições mínimas de organização ou higiene. Ou seja, antes de tudo é importante investigar o porquê do não cumprimento das lições. O estudante tem condições adequadas para fazer o dever em casa? Como é estruturado seu tempo fora da escola? Como é o seu ambiente familiar? O dever é adequado às suas necessidades de aprendizagem? Pode ser resolvido por ele autonomamente? Os deveres têm sido propostos e abordados em sala de aula de modo a favorecer o envolvimento dos alunos em sua realização?

Também é importante que no início de cada período letivo os diversos aspectos do processo pedagógico, incluindo os deveres de casa, sejam objeto de discussão entre os envolvidos – no caso, escola, alunos e famílias -, estabelecendo-se contratos claros que incluam a previsão do que acontecerá no caso de não cumprimento dos “combinados”. Assim, se o não cumprimento dos deveres efetivamente representar a quebra de um contrato significativo entre professor e alunos, as medidas previamente acordadas poderão ser tomadas de modo coerente e, portanto, educativo.

JP – Como deve ser feita a correção dos deveres de casa, a fim de garantir que os alunos fiquem com as respostas corretas?

TFR – A forma de correção dos deveres de casa vai variar de acordo com a faixa etária, o estilo do professor, as necessidades dos alunos. Em todos os casos, considero fundamental uma discussão coletiva, na sala de aula, das atividades que compõem a lição, pois é nesse momento que, além do esclarecimento de dúvidas, da socialização de conhecimentos, evidencia-se a importância do compromisso coletivo com as atividades propostas. Com alunos de faixas etárias maiores, essa correção coletiva pode ser suficiente – além de o professor, geralmente, trabalhar com uma grande quantidade de turmas, o que inviabiliza uma correção individual mais detalhada. Com alunos menores, pode ser interessante uma posterior verificação das tarefas pelo professor. Lembrando, porém, que o fundamental é que o professor avalie as diferentes atividades feitas em sala de aula e em casa pelo estudante, a fim de conhecer as necessidades de aprendizagem deste e propor atividades/estratégias/intervenções adequadas para ajudá-lo a avançar. Digo isso porque às vezes existe uma excessiva preocupação com a correção dos cadernos de dever de casa - que, no caso dos pais mais escolarizados, com frequência já são revistos por eles -, enquanto as atividades feitas em sala não merecem o mesmo tratamento. Talvez seja menos prioritário o aluno ficar com todas as respostas corretas, do que o professor conhecer o nível de aprendizagem atual do estudante, suas hipóteses e estratégias, e assim ter elementos para decidir quais os próximos passos a dar no processo pedagógico.