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JORNAL

Sociologia na Escola

Quarta-feira, 6 de Julho de 2011

Edição 57

EDITORIAL - Sociologia na Escola

Sociologia na Escola é o tema da 57ª edição do Jornal do Professor, por escolha de nossos leitores. O assunto foi o preferido por 46,46% dos votantes.

Você vai conhecer, nesta edição, a experiência que vem sendo desenvolvida pela Universidade Federal de Viçosa (MG) em duas escolas de ensino médio, por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação (Capes/MEC).

Apresentamos também as experiências nas aulas de sociologia dos professores Vinícius Carvalho de Lima, do Rio de Janeiro (RJ), sobre a utilização de filmes e Eric Gustavo Cardin, de Toledo (PR), sobre a construção de livros coletivos.

Nossa entrevistada é a professora e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Anita Handfas, coordenadora da Comissão de Ensino da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS).

Na seção Espaço do Professor, participa Sandra Regina Silva, que leciona história em Contagem (MG).

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

Seja bem-vindo!

Programa incentiva futuros professores de sociologia

Alunos na sala de aula

Uma equipe de 16 estudantes do curso de licenciatura em ciências sociais da Universidade Federal de Viçosa (UFV) atua, desde março de 2010, em duas escolas públicas daquele município da Zona da Mata mineira. A participação deles está ajudando professores não formados na área a consolidar a disciplina de sociologia na educação básica, já que as escolas de Viçosa não contam com professores de sociologia formados em ciências sociais. Sua atuação ocorre nos três anos do ensino médio das escolas estaduais Effie Rolfs e Raimundo Alves Torres (Esedrat), sob a coordenação do professor Diogo Tourino de Sousa, da UFV.

A estudante Mariana de Lima Campos, integrante do 6º semestre de ciências sociais, conta que o programa tem incentivado os alunos do curso a optarem pela licenciatura, associando pesquisa e ensino na construção de novas técnicas de abordagem da disciplina, bem como no desenvolvimento e elaboração de material didático. “Antes do programa, era quase consensual nos cursos universitários que os “bons alunos” fossem direcionados para o bacharelado, com a finalidade de atuarem em pesquisas, trilhando um caminho futuro na pós-graduação, sendo que aos demais, considerados “maus alunos”, restava a docência”, analisa Mariana.

Ela explica que uma das metas do programa é a busca por novas estratégias de abordagem da sociologia em sala de aula, fugindo da tradicional aula expositiva. Segundo ela, a equipe tem liberdade para pensar, discutir, criar, oferecer propostas aos professores supervisores dos dois colégios, bem como de aplicar inovações na prática de ensino. A percepção geral do grupo sobre o andamento das aulas apontou a necessidade do uso de outras metodologias de ensino, com o objetivo de envolver um maior número de estudantes. “Foi assim que pensamos na elaboração de um jogo de tabuleiro”, relata a universitária.

Originalmente pensado como uma forma de reverter a apatia de alguns alunos durante as aulas de revisão do bimestre, o jogo foi confeccionado de maneira artesanal numa cartolina, tendo como ponto de partida o “mundo antigo”, representado graficamente por um castelo medieval, e como ponto de chegada o “mundo moderno”, representado por uma grande cidade. Antes de cada jogada, os participantes organizados em duplas ou trios, deveriam lançar o dado. Assim iam avançando, passando por casas e etapas representando as conquistas, problemas e desafios do mundo moderno, como as invenções científicas, a transformação das relações, os impactos ambientais, a favelização, entre outros. No percurso existiam casas com perguntas sobre os autores discutidos nas aulas de sociologia e, caso os alunos acertassem as respostas, teriam direito a jogar o dado novamente.

Como os resultados foram muito positivos, com um grande envolvimento dos alunos, a equipe do programa resolveu ampliar a experiência, elaborando outros jogos para serem adotados em outras turmas do projeto. “De forma geral, os estudantes conseguiram esclarecer o conteúdo ministrado no bimestre de maneira lúdica, sem sentir a aula como monótona”, diz Mariana.

Ela salienta que, no início do programa, os bolsistas não tiveram uma boa impressão, nem do modo como os alunos recebiam as aulas de sociologia, nem do modo como a disciplina era trabalhada nas escolas. “Parecia que a disciplina não tinha uma abordagem científica”, avalia. Em sua opinião, os estudantes e os professores de outras disciplinas tendiam a ver a sociologia como o espaço do “achismo”, lugar da opinião sem ciência.

“Logo constatamos que se tratava de uma etapa da própria consolidação”, destaca Mariana. “Percebemos que o trabalho da equipe começou a surtir efeito, despertando a atenção dos alunos, seu envolvimento, sua familiaridade com os bolsistas”, adianta a futura professora. E isso, no seu entender, mostra como o ensino de sociologia tem um futuro promissor, a partir do momento em que universidades, escolas, estudantes e professores forem capazes de construir redes de troca de experiências e materiais didáticos. “Uma de nossas tentativas nesse processo tem sido a manutenção de um blog da licenciatura em sociologia na UFV, canal onde relatamos o trabalho desenvolvido.

Os universitários são bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação (Capes/MEC).

(Fátima Schenini)

Filmes podem ser um recurso útil nas aulas de sociologia

Professor Vinícius Carvalho de Lima

Os filmes, utilizados de forma responsável e criteriosa, podem ser um recurso útil – ao lado da música, teatro e até mesmo jogos – para a diversificação das aulas e o aprendizado da sociologia. A opinião é do professor Vinícius Carvalho de Lima, do Rio de Janeiro (RJ), que costuma utilizar filmes nas aulas de sociologia, com bons resultados.

“Os filmes geralmente conseguem ajudar a atingir o objetivo de mostrar realidades diferentes aos alunos, ou novas visões sobre a realidade em que estão inseridos, além de estimularem os debates em sala de aula”, explica Vinícius, que deu aulas de sociologia no Instituto Superior do Rio de Janeiro, antigo Instituto de Educação, durante um ano. Bacharel e licenciado em ciências sociais, atualmente faz mestrado em Planejamento Urbano e Regional no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur/UFRJ). No Ippur, ele também atua como pesquisador do Laboratório da Conjuntura Social: tecnologia e território (Lastro).

Segundo Vinícius, a ideia de utilizar filmes vem da compreensão de que boa parte dos estudantes resiste ao ensino da sociologia apenas por enxergá-la como a "nova" disciplina obrigatória, com temáticas complexas e carga "excessiva" de leitura. “Devemos lembrar que boa parte dos clássicos sociológicos que ensinamos foram escritos no século 19, e que na nossa frente estão alunos que dominam e estão enredados também nos recursos audiovisuais atuais”, salienta o professor.

Ele diz que utiliza os filmes pontualmente, mostrando pequenas partes de produções, eventualmente, durante as aulas e quando percebe que os alunos estão com dificuldade para entenderem o que está sendo apresentado. Assim, acredita Vinícius, os filmes funcionam como apoio e como forma de materializar o que está sendo abordado, mas o uso excessivo pode fazer com que deixem de ser um recurso didático eficiente. Ele também considera interessante utilizar partes de filmes e vídeos encontrados em sites como youtube, google videos e vimeo.

Para o professor, o filme não deve ser utilizado apenas como uma espécie de "tapa-buraco" e os estudantes sempre devem ter algum tipo de tarefa baseada no que foi visto, seja um simples questionário ou a produção de uma resenha. “Por experiência própria, prefiro os debates”, diz Vinícius. “As opiniões dos alunos acerca dos filmes, geralmente oriundas do senso comum, manifestadas através do estímulo do professor ao debate, podem ser a matéria-prima para redirecionar o debate rumo ao pensamento sociológico”, argumenta.

Ele destaca que os filmes devem ser exibidos pelos professores na sala de aula, para que eles possam indicar os pontos de contato com os conteúdos estudados na disciplina. “Sem a orientação, o filme pode gerar interpretações jocosas ou mesmo perversas por parte dos alunos, fazendo com que o objetivo de aperfeiçoar o entendimento não seja alcançado”, assinala. Vinícius informa que os professores podem obter sugestões de filmes no site do Laboratório de Ensino de Sociologia Florestan Fernandes, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LabES-FE/UFRJ). “Nesse site há a sessão intitulada recursos didáticos, com um grande número de filmes e possibilidades de uso destes”, informa. Ele recomenda, ainda, os sites Adoro Cinema e Internet Movie Database, onde os professores podem encontrar trailers e fichas técnicas de filmes.

(Fátima Schenini)

Professor do Paraná usa a construção coletiva de livros para ensino da sociologia

Professor Eric Cardin com alunos, na sala de aula

Professor de sociologia no campus de Toledo da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Eric Gustavo Cardin está no magistério há oito anos. Nesse período trabalhou também com alunos do nível básico, sempre privilegiando a construção coletiva do conhecimento. “O resultado material disso dependia das condições das escolas e das turmas. Em alguns lugares era possível pensar em livros coletivos, em outros, em jornais, fanzines ou murais”, analisa Eric, que é bacharel e licenciado em ciências sociais, com mestrado e doutorado em sociologia.

Segundo ele, como as escolas ainda não adotavam nenhum livro didático para a disciplina de sociologia, havia um leque de possibilidades na escolha dos conteúdos a serem desenvolvidos para a produção de livros coletivos. Atualmente, a realidade é diferente, diz o professor, pois o Paraná adotou o Livro Didático Público e o Ministério da Educação vai encaminhar obras, no próximo ano, por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). “Assim, a elaboração dos livros coletivos pode corresponder a um mecanismo de complementação de conteúdos que são ausentes nos livros escolhidos, mas que são importantes e de interesses dos estudantes”, justifica. Entre esses, cita os que dizem respeito a histórias regionais, problemas locais e ao entendimento de questões contemporâneas que fazem parte do cotidiano dos estudantes, como o bullying.

Para Eric, a escolha dos conteúdos precisa levar em conta algumas variáveis: “quais os conteúdos previstos nas Diretrizes Curriculares? Quais conteúdos são de interesse e estão relacionados com o cotidiano dos alunos?” De acordo com ele, a escolha não é do professor ou do estudante, de forma isolada. “É uma escolha feita dentro das opções que o professor considera relevante e o estudante demonstra interesse”, salienta.

Em sua opinião, dois aspectos fundamentais precisam ser destacados. Em primeiro lugar, é necessário que o professor tenha um cronograma de trabalho bem elaborado, com clareza nas etapas a serem desenvolvidas. Outro ponto é que, embora o livro seja destinado a um conteúdo específico, outros temas, teorias ou assuntos poderão ser trabalhados em sala de aula, de maneira transversal, durante a confecção do livro. O professor destaca, ainda, a necessidade de aproximar os estudantes do tema escolhido, a fim de aproximá-los das definições sociológicas por meio de estratégias de ensino em que o professor se sinta mais confortável. “Seja através de aula expositiva, dialogada ou por meio de “uma chuva de ideias”. Depois é preciso explicar o projeto do livro: “o que vamos fazer? Como vamos fazer? Porque vamos fazer?”

Para a confecção do livro coletivo, os alunos devem trabalhar em grupos. Cada grupo ficará responsável por um capítulo, que irá tratar de uma dimensão diferente do conteúdo. Após o levantamento de dados, os estudantes irão trabalhar em sala de aula, orientados pelo professor, a fim de elaborarem a primeira versão do capítulo, que será apresentado aos demais alunos. Todos poderão, então, dar sua contribuição ou sugestão. Depois de montado, o livro será discutido e estudado na sala de aula, como um recurso pedagógico, podendo ser trocado pelos livros produzidos pelos alunos de outras salas. “O livro deixa de ser algo abstrato e passa a ser produzido por iguais, os estudantes deixam de ser passivos e começam a ser observar como sujeitos”, analisa Eric.

Em sua visão, aulas expositivas tradicionais são tão importantes quanto o desenvolvimento de experiências e precisam ser feitas juntas. “Os estudantes precisam apreender as definições dos tipos de dominação de Weber e aplicá-los no entendimento do comportamento político retratado nas reportagens de jornal que falam do cenário brasileiro”, assinala. Outro aspecto que considera importante é sempre utilizar ao máximo os recursos pedagógicos existentes. “Uma música, um filme, uma fotografia, nunca é apenas o conteúdo expressado. Ela é o resultado do trabalho humano, reflete um contexto histórico e uma estética”, acredita Eric. Para ele, todas as dimensões precisam ser trabalhadas a fim de que o ensino de fato seja um momento especial, um momento de enriquecimento pessoal.

Na Unioeste, Eric dá aulas nos cursos de graduação e de mestrado em ciências sociais. Nas matérias diretamente relacionadas com a prática docente, ele não só busca problematizar as diversas possibilidades teóricas e metodológicas das relações de ensino-aprendizagem, como trabalha com o desenvolvimento de práticas, dinâmicas e recursos adequados para o ensino de sociologia no nível médio. (Fátima Schenini)

Professora ensina história por meio de trabalho interdisciplinar

Professora Sandra Regina Silva com alunos na sala de aula

Professora da rede municipal de ensino de Contagem (MG), há 25 anos, Sandra Regina Silva dá aulas de história na Escola Carlos Drummond de Andrade (Caic) e na Escola Pedro Pacheco de Souza. Seus alunos são do 3º ciclo, que corresponde ao ensino fundamental II.

Sua experiência no magistério inclui escolas da rede particular e cursos pré-vestibulares. Sandra também trabalhou na equipe de Memória e Patrimônio da Secretaria de Educação e Cultura do município, no período de 1998 a 2005.

Para ela, o ensino de história não ocupa o espaço que deveria nos horários escolares. Frente a essa constatação, ao invés de ficar se lamentando, ela decidiu encontrar estratégias que possibilitassem o alcance de seu objetivo, que é o de fazer a diferença no pensar crítico dos estudantes.

Assim, começou a buscar e a utilizar ferramentas como a literatura e filmes. Essas práticas se intensificaram, gerando desde 2010, um trabalho interdisciplinar que, segundo ela, tem sido muito proveitoso. “Novas idéias já estão se tornando projetos concretos, como interdisciplinaridade em trabalhos de campo, Memória e Patrimônio e por aí vamos educando...”, conta.

Ela diz que a interdisciplinaridade não é fácil, na prática. Venho tentando desde 2007. Conseguirmos adeptos na prática com a literatura, fontes visuais e trabalhos de campo, e só de 2010 para cá é que os frutos têm aparecido”, explica Sandra. Segundo ela, as parcerias que têm despertado mais participação dos alunos são as realizadas com as professoras Ana Márcia, de inglês; Tereza Cristina, de geografia; e Ângela Resende, de Ciências.

“O falar sobre uma mesma temática, com olhares múltiplos, dinamiza as discussões ao longo do processo”, salienta a professora Sandra. Em sua opinião, em um mundo cada vez mais especializado, essa interdisciplinaridade promove o diálogo, a reflexão, a abstração e a elaboração de conclusões, o que não ocorreria se ela estivesse trabalhando apenas na “sua ilha”.

Sandra acredita que o manual didático, quando bem escolhido, é um bom aliado nas mãos do professor, que poderá utilizá-lo como ponto de partida e incentivador na busca de outras fontes, pois muitos já trazem informações e sugestões de filmes, livros e sites.

Ela cita, ainda, a importância da utilização de recursos didáticos como: filmes com abordagens históricas claras, compatíveis à faixa etária; visitas a espaços como museus, exposições de artes plásticas, centros de memória, parques ecológicos; pesquisas orientadas, planejadas pelo professor junto com os estudantes; entrevistas , principalmente quando trabalhamos a temática da memória ou do patrimônio cultural, do entorno da escola, e da cidade; esquetes de teatro, para concretizar passagens de livros ou para representar assuntos discutidos em sala; releituras de obras das artes plásticas dos mais variados autores com o devido cuidado de levantar dados do pintor e do contexto em que o mesmo viveu , as circunstâncias que o levaram a retratar a obra com aquele olhar.

Visitas monitoradas - A professora Sandra também tem utilizado em suas aulas o recurso das visitas monitoradas. Um exemplo é a visita realizada no segundo semestre de 2010, com seus alunos da Escola Carlos Drummond de Andrade, aos instrumentos culturais da Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte: a igreja, com seus murais e painéis, A Casa do Baile e o Museu de Arte. Também foram abordados os aspectos ambientais do lugar. As áreas envolvidas foram: história, inglês, ciências e artes.

“Ao retornarmos, montamos um instrumento por escrito, dissecando a visita, olhar e lugares sob a perspectiva de cada área envolvida” , explica Sandra. Em paralelo, os alunos montaram pequeninas maquetes dos bens culturais visitados, utilizando materiais recicláveis. “A culminância foi a exposição dos trabalhos e portfólios na Feira de Cultura, no mês de novembro.”

(Fátima Schenini)

Anita Handfas (UFRJ): diferentes modelos de formação de professores precisam ser discutidos

Professora Anita Handfas, da UFRJ

Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Anita Handfas realiza pesquisas sobre o ensino de sociologia na educação básica. Na mesma instituição, ela coordena, juntamente com a professora Julia Polessa Maçaira, o Laboratório de Ensino de Sociologia Florestam Fernandes (LabES), cujo principal objetivo é o de criar um acervo de documentos que possam servir de consulta e também de intercâmbio entre professores de sociologia, pesquisadores e alunos de graduação em ciências sociais. Graduada em ciências sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com mestrado em educação pela mesma instituição e doutorado em educação pela Universidade Federal Fluminense, Anita Handfas é coordenadora da Comissão de Ensino da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e falou, com exclusividade ao Jornal do Professor, sobre formação do professor de sociologia, melhorias e sobre o ensino da disciplina.

Jornal do Professor – Qual a importância da volta da sociologia ao currículo do ensino médio, depois de um afastamento de quase 40 anos?

Anita Handfas – Primeiramente é preciso esclarecer que a sociologia não esteve ausente dos currículos escolares nos últimos 40 anos. Apesar de sua intermitência marcada por mais de um século de história, a sociologia passa a ser reintroduzida gradualmente nos currículos a partir da década de 1980. É claro que isso não se deu de forma uniforme, mas em vários estados, como é o caso do Rio de Janeiro, a disciplina tornou-se obrigatória no ensino médio. Nesse período a sociologia vinha ocupando uma carga horária reduzida, na medida em que ela só era oferecida, geralmente, no terceiro ano.

O fato novo é a Lei 11.684, de 2008, que tornou obrigatório o ensino da sociologia em todas as séries do ensino médio. Feito esse esclarecimento, podemos pensar nos impactos, ou na importância do retorno da sociologia no ensino médio sob dois aspectos: o primeiro aspecto diz respeito à própria escola, ou seja, o fato da sociologia passar a ocupar um lugar definitivo no currículo escolar deverá conferir certa legitimidade à disciplina que até então não existia. E me parece que de alguma maneira isso poderá vir a contribuir para uma mudança no ethos da escola, já que é próprio da sociologia pensar ou problematizar os processos sociais, incluindo aí a própria escola. Ainda sobre esse aspecto, é importante destacar alguns fatos novos na conjuntura, decorrentes do novo quadro de obrigatoriedade da disciplina: trata-se da inclusão da sociologia no Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, isso quer dizer que a partir de 2012, todos os estudantes das escolas públicas do ensino médio terão em suas mãos um livro didático de sociologia.

O segundo aspecto a ressaltar diz respeito à formação do professor de sociologia e isso é muito importante, uma vez que não compartilhamos com a ideia de que professores com formações diferentes podem ministrar a disciplina. Por esse motivo, é urgente colocar essa questão na pauta de discussão, seja no que concerne ao incentivo à criação de cursos novos de ciências sociais, sobretudo nas instituições públicas de ensino, como também para pensar como vem se dando a formação dos professores nas universidades públicas. Isso quer dizer que a obrigatoriedade abriu uma excelente oportunidade para os cursos de ciências sociais pensarem no tipo de formação que vem oferecendo aos nossos alunos e nos próprios currículos dos cursos, uma vez que o magistério tornou-se uma alternativa concreta de inserção profissional desses futuros cientistas sociais.

JP – Quais as maiores contribuições que essa disciplina pode trazer à formação dos estudantes?

AH – Acho que a presença da sociologia como componente curricular pode dotar os alunos da capacidade de compreender a vida social de uma maneira menos difusa e mais sistemática, o que implica afastar as visões naturalizadoras sobre os fenômenos sociais em que eles estão inseridos.

JP – Os alunos de ensino médio se interessam pelos conteúdos ensinados em sociologia? Há alguma metodologia que seja mais adequada ao ensino de sociologia nesse nível de ensino?

AH – Nossa experiência tem mostrado que os alunos ainda “estranham” a presença da sociologia no ensino médio, o que geralmente se manifesta na pergunta “mas para que aprender sociologia?”, “o que essa disciplina tem a ver com a minha formação?” É interessante notar que esse tipo de questionamento tem a ver com o que observei na primeira pergunta, ou seja, tem a ver com o fato da sociologia ainda não ter se institucionalizado como disciplina escolar. Ao mesmo tempo, acho que também tem a ver com o padrão atual da nossa escola pública que entre outros aspectos, ainda é fortemente marcada pelo ensino daquilo que poderá ser mais imediatamente aproveitado, ou seja, não temos uma escola “desinteressada” que permitiria aos alunos terem acesso ao conhecimento produzido socialmente pela humanidade, de modo a apreender esses conhecimentos de forma articulada entre ciência, cultura, tecnologia, artes, etc.

Do ponto de vista das metodologias, apesar de ainda ser recente nos currículos escolares, muito se tem avançado em propostas interessantes para o ensino da sociologia no ensino médio. Creio que os debates nos diferentes fóruns que vem ocorrendo, assim como a própria experiência didática do professor tem criado certo consenso de que por um lado não podemos abandonar o estatuto científico das ciências sociais e por outro é preciso criar formas de mediação dessa ciência no universo escolar.

JP – O que o professor pode fazer para estimular os alunos a refletirem sobre conteúdos de sociologia?

AH – Um dos pontos que tem se enfatizado a esse respeito é a necessidade de se criar estratégias didáticas que possam dotar nossos alunos daquilo que alguns autores chamaram de “imaginação sociológica”, ou seja, seriam as disposições necessárias para que os alunos possam penetrar no universo das ciências sociais, pensar sociologicamente sobre os problemas que os afetam.

JP – Como está a oferta de professores capacitados para o ensino de sociologia no Brasil? Está adequada ou há necessidade de mais professores formados nessa área?

AH – Do ponto de vista quantitativo, há sim uma defasagem, mas para além disso, destacaria ainda que o quadro atual de formação dos professores de sociologia precisa ser repensado, sobretudo no que diz respeito à discussão sobre bacharelado e licenciatura. É preciso enfrentar essa discussão relacionada à velha dicotomia entre bacharelado e licenciatura, ou seja, um curso para formar pesquisadores e outro para formar professores. Há que se pensar em modelos de formação que possam articular essas duas dimensões. Creio que partindo daí, a própria questão quantitativa poderá ser pensada sobre novas bases.

JP – Qual o trabalho desenvolvido pelo Laboratório de Ensino de Sociologia Florestam Fernandes?

AH – O LabES é uma iniciativa da Faculdade de Educação da UFRJ e foi concebido no âmbito da didática e da prática de ensino de ciências sociais, disciplinas que coordenamos na licenciatura. Seu principal objetivo é criar um acervo de documentos que podem servir de consulta e também de intercâmbio entre professores de sociologia, pesquisadores e alunos de graduação em ciências sociais. No LabES podemos encontrar dados da legislação sobre o ensino de sociologia na educação básica, propostas curriculares dos estados, livros didáticos, recursos pedagógicos para o ensino de sociologia, produção acadêmica, incluindo as dissertações e teses sobre a temática. Além disso, o LabES é um espaço de aglutinação dos professores de sociologia em torno de uma série de eventos e atividades que vimos realizando. Entre essas atividades, podemos citar o Encontro Estadual sobre Ensino de Sociologia que já se encontra em sua segunda edição – realizamos o primeiro em 2008 e o segundo em 2010. Além desse importante fórum de discussão, temos realizado uma série de outras atividades, sempre buscando a articulação entre a universidade e a escola pública. Acreditamos que esse seja o papel da universidade pública e o LabES tem se constituído em um espaço importante dessa articulação.