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JORNAL

Cultura Regional na Escola

Segunda-feira, 17 de Outubro de 2011

Edição 61

EDITORIAL - Cultura Regional na Escola

Por decisão de 44,85% dos leitores que votaram na enquete em nossa página, o tema da 61ª edição do Jornal do Professor é Cultura Regional na Escola.

Aqui você vai conhecer as experiências desenvolvidas em instituições de três estados brasileiros: a Escola Municipal Manoel Bastos Ribeiro, de Itaueira (PI); a Escola Municipal Fenelon Câmara, de João Pessoa (PB); e as escolas estaduais Dr. Carlos Antonio Kluwe e Silveira Martins, de Bagé (RS).

A professora Sara Mourão Monteiro, da Universidade Estadual do Ceará é a entrevistada desta edição. O participante da seção Espaço do Professor é Gleison Vieira, que leciona história na Escola de Educação Básica Carmem Seara Leite, em Garuva (SC).

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

Seja bem-vindo!

Escolas gaúchas promovem eventos para preservar cultura regional

Alunos sentados no galpão estilizado e diretor da escola em pé

Preservar as tradições gaúchas é uma característica do município de Bagé, na fronteira com o Uruguai. As escolas da cidade mantêm viva a cultura do estado, principalmente durante a Semana Farroupilha, que antecede o dia 20 de setembro, data comemorativa da Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos (1835-1845).

Nesse período, a Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Carlos Antonio Kluwe monta no saguão de entrada um galpão crioulo estilizado. De acordo com o diretor da instituição, Cezar de Quadros Palomequé, os alunos levam o material para compor o ambiente, característico do gaúcho da área rural e usado para conversar com os amigos, tomar chimarrão, assar churrasco e guardar os arreios dos cavalos. Formado em história, Cezar trabalha na instituição há mais de 30 anos e está na segunda gestão como diretor.

Durante a Semana Farroupilha, os estudantes passam a usar, parcial ou totalmente, as roupas tradicionais gaúchas. Os homens adotam itens como bombachas, lenços e botas; as mulheres, vestidos “de prenda”. Na hora do recreio, ampliado de 15 para 30 minutos, são realizadas mateadas ou rodas de chimarrão, com degustação da bebida tradicional do gaúcho por alunos, professores, funcionários, pais e comunidade em geral.

“O interesse dos estudantes aumenta com atividades diferentes e estimulantes”, diz a professora de português Maria Lourdes Machado. “Assim, melhoram a aprendizagem e o comportamento.”

Em 2011, Maria Lourdes estimulou os alunos a criar poemas alusivos às comemorações dos 200 anos de Bagé. “Isso valoriza nossa cultura local”, constata a professora, há 20 anos no magistério. Este ano, durante a Gincana Cultural promovida pela escola na abertura da Semana Farroupilha, uma das tarefas de seus alunos era pesquisar e declamar poesias de autores bageenses.

A professora Lúcia Helena Bruni, que leciona história, explica que o conteúdo relativo à cultura regional é trabalhado nas aulas por meio de debates e exibição de documentários e filmes. “Os alunos preocupam-se com a perpetuação da nossa cultura”, avalia Lúcia Helena, há 25 anos no magistério. Ela percebe melhoria na aprendizagem e no comportamento dos estudantes que participam das atividades culturais promovidas pela instituição de ensino.

Festival — A escola também incentiva a participação dos alunos em concursos culturais promovidos na cidade. Em maio, dois estudantes foram premiados no 1º Canto Guri, festival de música organizado pela Escola Estadual de Ensino Médio Silveira Martins para incentivar a preservação das tradições sul-rio-grandenses entre os jovens.

Criado pela diretora da Escola Silveira Martins, Marlize Moraes da Luz Frantz, e pelo tradicionalista gaúcho Odilon Faria, o evento premia os melhores intérpretes nas categorias mirim (até 10 anos), infanto-juvenil (11 a 14 anos), juvenil (15 a 17 anos) e adulto (a partir de 18 anos). Desta primeira edição participaram 22 alunos de 15 escolas das redes públicas e particulares da cidade.

“Depois do 1º Canto Guri, observamos os alunos mais interessados pela cultura regional, vinculando música e poesia”, analisa a professora de física Adriana Nunes Torma. Para ela, a participação nos eventos culturais da escola traz benefícios aos alunos — é possível observar maior integração entre os alunos e deles com os professores e o maior interesse dos estudantes pela participação em atividades escolares.

Marlize destaca que a Escola Silveira Martins tem preocupação especial com a cultura regional. Assim, incentiva nos alunos o gosto pelo tradicionalismo e trabalha, principalmente, com o hino e os costumes do estado. Há cinco anos, a escola promove também a Gincana Farroupilha, com perguntas sobre história, geografia, conhecimentos gerais e culinária da região. As atividades ocorrem durante uma semana, com alunos, pais, professores e funcionários. (Fátima Schenini)

Em João Pessoa, cultura regional é tratada na sala de aula

Alunos, de joelhos, durante apresentação de dança.

A realização de eventos que estimulem e disseminem a cultura regional é planejada em conjunto pelos professores da Escola Estadual de Ensino Fundamental Fenelon Câmara, em João Pessoa, Paraíba. Eles trocam ideias e tomam decisões sobre as diferentes formas de realização das atividades ao longo do ano. Em sala de aula, os estudantes são orientados a conhecer melhor a cultura da região.

De acordo com a pedagoga Josefa Jucileide Galvão Lacerda, professora polivalente em turmas do quarto e do quinto anos do ensino fundamental, as atividades incluem leitura, dramatizações, pesquisas sobre o folclore e a cultura da região, narrativa de lendas, apresentação de danças folclóricas e audição de músicas, entre outras. “Os alunos envolvem-se nas atividades práticas”, destaca.

Na opinião de Jucileide, a participação nas atividades culturais promovidas pela escola proporciona aos estudantes a melhoria na atenção, no entrosamento e no relacionamento, no desenvolvimento de habilidades e na realização das atividades na classe.

Professora polivalente em turma do segundo ano na mesma escola, Gilvaneide Miguel da Costa constata que a participação dos alunos em eventos culturais melhora a socialização e os leva a se interessar pelas atividades. Há 24 anos no magistério, Gilvaneide, ao iniciar os trabalhos, discute com os estudantes as atividades a serem realizadas. “Em seguida, partimos para os ensaios de dança, cantigas de rodas, parlendas e outros”, explica.

Ione Elias Barbosa Braga, que trabalha como professora polivalente de ensino fundamental há 12 anos, aborda a cultura regional nas aulas de história e geografia para a estimular os alunos a conhecerem a cultura nordestina. “Há também uma semana dedicada ao folclore”, afirma. “Fazemos apresentações e exposições de objetos culturais.”

Durante as atividades, os estudantes vivenciam a cultura das gerações anteriores e fazem comparações com a atual. “Em sala de aula, mostramos e ensaiamos danças e peças teatrais e fazemos pesquisas para estimular as crianças e mostrar a cultura local”, assinala Ione. A realização de eventos culturais na escola anima os alunos. “Eles ficam alegres, mais participativos e se mostram mais aptos a aprender, na expectativa de uma nova mostra cultural.”

Resgate – A diretora da escola, Ilca Andrade de Lima, revela que sempre se preocupou em desenvolver trabalhos com espaços lúdicos organizados, capazes de enriquecer integralmente as áreas de conhecimento dos estudantes. O resgate da cultura nordestina é uma das preocupações de Ilca, especializada em educação infantil, com 24 anos de experiência em sala de aula.

Esse resgate é trabalhado de forma dinâmica na instituição, com a organização de murais e de livros (contos, cordéis, parlendas e receitas); apresentações de danças folclóricas, como quadrilha, forró e xaxado; brincadeiras populares, como amarelinha e pular corda; exposições de comidas típicas, como pamonha, canjica, tapioca e cocada, de vestuário e de utensílios do cotidiano nordestino. “Esse trabalho é feito com a cooperação e participação de todos que trabalham na escola, dos pais e da comunidade”, enfatiza Ilca. (Fátima Schenini)

Estudantes de Itaueira valorizam cultura nordestina

Alunos fazem apresentação de dança

Os elementos da cultura regional do Nordeste são valorizados na Escola Municipal Manoel Bastos Ribeiro, no município piauiense de Itaueira, sul do estado. Com cerca de 700 alunos de educação infantil, ensino fundamental e educação de jovens e adultos (ensino médio), a instituição estimula e valoriza elementos culturais nordestinos, com a participação dos alunos em diferentes eventos culturais.

Apresentações de danças folclóricas regionais e de capoeira e brincadeiras de roda são algumas das atividades incluídas nos eventos promovidos pela escola, que também valoriza a culinária da região. Professores e alunos preparam e levam os alimentos.

Segundo a coordenadora pedagógica do ensino fundamental no turno da tarde, Maria do Socorro da Costa Rodrigues, a Semana do Folclore, em agosto, é um dos eventos que intensificam as atividades na escola, assim como o período das festas juninas. “Os alunos envolvem-se por inteiro”, afirma.

Na Escola Manoel Bastos, um grupo folclórico, Os Cangaceiros do Sertão, integrado por alunos, professores e membros da comunidade, participa de apresentações na própria escola e em instituições de ensino até de municípios vizinhos. A cada ano, o grupo adota trajes diferentes, sempre com base em elementos regionais. Em 2011, a indumentária homenageia Lampião e Maria Bonita.

No dia 24 próximo, terá início a Semana Cultural de Itaueira, em comemoração aos 59 anos do município. Cada instituição de ensino da cidade participará com uma apresentação. A Escola Manoel Bastos optou pelo resgate político do município. Alunos e professores fizeram pesquisas sobre todos os políticos que administraram a cidade e entrevistaram ex-prefeitos ou familiares dos que já morreram. Agora, preparam-se para participar de desfile, no qual alguns alunos estarão caracterizados como antigos prefeitos. (Fátima Schenini)

Professor de Santa Catarina lança seu segundo livro

Professor Gleison Vieira durante lançamento de seu livro

O professor de história Gleison Vieira, de Garuva (SC), acaba de lançar um livro sobre o filósofo e economista francês Henri de Saint-Simon (1760-1825). Saint-Simon e Educação:os referenciais filosóficos de St. Simon para a Educação é resultado de quatro anos de estudo, tendo sido finalizada ao longo dos dois anos do mestrado em Educação e Filosofia realizado por Gleison na Universidade Regional de Blumenau (FURB).

“O que me levou a escrever essa obra foi o fato de que o filósofo francês St-Simon (1760-1825) produziu ideias que motivaram a vinda de franceses para a região de São Francisco do Sul (SC) em 1840, para criar o Le Phalanstère (uma sociedade cooperativa perfeita)”, explica Gleison.

Esse é o segundo livro do professor nascido em Curitiba (PR). O primeiro, lançado em 2007, foi Porto Barrancos, Berço de Garuva, sobre o processo de colonização das regiões de Garuva, Itapoá, Gibraltar (São Francisco do Sul) e Rio Bonito (Joinville).

Professor de história de ensino médio, ele leciona na Escola de Educação Básica Carmem Seara Leite, em Garuva e no Instituto Federal do Paraná, Campus Paranaguá. Também trabalha com professores indígenas do povo Xokleng, no município de José Boiteux (SC), num projeto de extensão da FURB, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação (Capes/MEC).

Lúcia Helena Brito: Cultura popular na escola contribui para formação da cidadania

Lúcia Helena Brito

Doutora em sociologia e mestre em educação brasileira, Lúcia Helena de Brito é professora e pesquisadora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), com atuação na Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (Fafidam/Uece), em Limoeiro do Norte.

Em entrevista ao Jornal do Professor, ela diz que estimular nas escolas, o contato com as culturas populares é, sobretudo, democratizar o conhecimento dessa diversidade cultural. “Isto é o primeiro passo para reconhecermos o que é próprio de cada comunidade ou região, legitimando o sentimento de pertencimento necessário à organização da vida coletiva, com tudo o que isso implica em termos de lutas e conquistas sociais”, ressalta a professora, que é graduada em ciências sociais.

Para ela, o contato do estudante com protagonistas de práticas culturais de sua própria localidade, faz com que ele amplie seus conhecimentos e ainda lhe oferece a possibilidade de também experimentar fazer essas práticas, acrescentando sua própria leitura ou expressão.

Em sua opinião, ao conhecer e recriar uma dada realidade com elementos que lhe fazem sentido, o aluno está aprendendo, de forma indireta, a ser sujeito de sua própria história. “Assim, cremos que o maior benefício de se estudar a cultura popular na escola, como forma de expressão cultural de um dado grupo social, se situa no plano da formação da cidadania”, enfatiza.

Jornal do Professor – Qual é a importância de se estimular, nas escolas, a cultura popular de cada região?

Lúcia Helena Brito – A abordagem da cultura popular na escola brasileira esteve vinculada à concepção dos folcloristas. Isso significa dizer que a escola assimilou o conhecimento dos “fatos folclóricos” como expressão de raízes identitárias, valorizando sobremaneira a dimensão do espetáculo folclórico e pensando assim contribuir com sua preservação e divulgação. Atualmente há uma tendência a superar esta visão e buscar compreender essas manifestações populares como afirmações de formas de ser e de viver que revelam, num campo de luta, a diversidade cultural de nossa sociedade. Estimular nas escolas o contato com as culturas populares é, sobretudo, democratizar o conhecimento dessa diversidade cultural. Isso é o primeiro passo para reconhecermos o que é próprio de cada comunidade ou região, legitimando o sentimento de pertencimento necessário à organização da vida coletiva, com tudo o que isso implica em termos de lutas e conquistas sociais.

JP –Como deve ser abordado o tema cultura popular na sala de aula? Em quais disciplinas? Quais as atividades que podem ser desenvolvidas?

LHB – Nossa proposta é pensar a cultura popular como uma prática cultural que tem uma história. Nesse sentido, a abordagem do tema na sala de aula deve nos levar à compreensão do significado das práticas de cultura popular para aqueles que as fazem. Isso requer atividade de pesquisa, pois, no mais das vezes, é um conhecimento que não está nos livros ou na mídia. O aluno é estimulado a produzir parte desse conhecimento, buscando dados na comunidade, entrevistando os mestres da cultura popular e seus brincantes. Ao se integrar nessa atividade, o aluno se reconhece autor ao se apropriar da história de sua comunidade, de sua cidade, e, principalmente, da cultura popular como uma forma de expressão cultural de um grupo social. Isso ajuda a desconstruir a idéia de cultura popular como algo “menor”, ou pertencente a um passado distante da realidade desse aluno. A cultura popular é dinâmica e possui uma dimensão educativa ao se colocar diante do outro e firmar-se como um saber de experiência transmitido de uma geração para outra por meio da oralidade, da memória e do relato dos mais velhos. Desse modo, a cultura popular cumpre seu papel de coesão do grupo.

A disciplina de arte-educação é vista hoje como mais apropriada para lidar com o tema. Todavia, as práticas culturais populares podem ser abordadas em diversos conteúdos como: literatura, incluindo aí a literatura de cordel; história, abordando a dimensão da memória como fonte de pesquisa; sociologia, buscando desvendar os motivos pelos quais determinadas práticas culturais são consideradas eruditas e outras o são populares, etc. Nesse caso, importa mais a abordagem que vai conduzir o debate sobre o tema, do que mesmo o tipo de expressão cultural popular - danças, músicas, culinárias, ou outros.

JP – Quais os benefícios que essa iniciativa pode trazer não só para os alunos como para o desenvolvimento de cada região e do Brasil como um todo?

LHB – As práticas culturais populares se caracterizam por se constituírem como um saber de oralidade e, portanto, sua transmissão é efetuada na esfera do cotidiano das pessoas que as fazem. À medida que o aluno é levado a ter contato com as pessoas de sua localidade que são protagonistas dessas práticas culturais, ele não só amplia seus conhecimentos, como também lhe é dada a possibilidade de experimentar fazer, recolhendo da cultura popular o que dela faz sentido em seu contexto de vida, e acrescentando sua própria leitura ou expressão.

Indiretamente, esse aluno está aprendendo a ser sujeito de sua história, ao conhecer uma dada realidade e recriá-la com elementos que lhe fazem sentido, ou seja, atuando sobre a realidade. Assim, cremos que o maior benefício de se estudar a cultura popular na escola, como forma de expressão cultural de um dado grupo social, se situa no plano da formação da cidadania.

JP – As escolas devem priorizar somente a cultura popular regional ou devem dar uma ideia de como o país é rico em cultura popular?

LHB – É importante conhecer o contexto no qual se inserem as culturas regionais, quais suas semelhanças e diferenças. Todavia, consideramos fundamental priorizar a busca pelo contexto que dá sentido às práticas culturais vivenciadas em nossa própria região.

JP – O professor precisa se preparar para abordar questões da cultura regional? De que forma?

LHB – Sim. O professor precisa conhecer sobre a formação cultural brasileira, para se situar teórica e historicamente no debate sobre a cultura popular. Percebemos isso no movimento dos próprios professores que buscam formação em arte-educação no intuito de ampliar seus conhecimentos e subsidiar práticas pedagógicas que facilitem o trabalho com o tema na escola básica. Outro fator importante é o professor encontrar apoio na proposta pedagógica da escola, na estrutura - condições materiais e didáticas que possibilitem o exercício da pesquisa. Não podemos deixar de fazer referência à necessária motivação do professor, para enfrentar o desafio de abordar o tema na dimensão educativa a qual nos referimos.

JP – Existem estudiosos ou livros com sugestões para que os professores possam estudar e se preparar para ensinar a cultura popular?

LHB – Essa é a questão mais difícil. Pesquisas sobre o tema, acervos em museus, registros fotográficos, gravações, filmes, podem ser encontrados e utilizados em sala de aula. Desconheço, entretanto, livros dirigidos ao trabalho com o tema na escola, seja a escola básica ou o ensino superior.

Como planejar, escolher metodologias, atividades apropriadas para desenvolvermos um trabalho de qualidade com este tema na escola? Tenho convicção de que se deva partir do conhecimento do lugar onde se situa a escola, do contexto de vida dos alunos, e, sobretudo, atentar para os elementos que, da cultura estudada, fazem sentido para o educando. Este é o principal objetivo de se estudar a cultura.