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JORNAL

Educação Indígena

Sexta-feira, 6 de Janeiro de 2012

Edição 65

EDITORIAL - Educação Indígena

Educação Indígena é o tema da 65ª edição do Jornal do Professor. O assunto foi o preferido de 34,96% dos leitores que votaram na enquete colocada em nossa página.

Nesta edição, apresentamos as experiências desenvolvidas na Escola Estadual Indígena Capitão Francisco Rodelas, em Rodelas, Bahia; na Escola Estadual Garça Branca, em Guiratinga, Mato Grosso do Sul; na Escola Gertrudes Milbratz, em Jaraguá do Sul, Santa Catarina; e no Centro Estadual de Formação de Professores Indígenas de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande.

Outros assuntos são: o projeto de documentação da língua icpengue desenvolvido na Escola Indígena Central Ikpeng, na comunidade Moygu, em Feliz Natal, Mato Grosso e os cursos de licenciatura oferecidos especialmente a indígenas pela Faculdade Indígena Intercultural (FII), no câmpus de Barra do Bugres da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat).

Caso você tenha interesse em conhecer planos de aulas sobre temática indígena, da educação infantil até o ensino médio, sugerimos que acesse a seção Sugestões de Aulas, no Portal do Professor.

Se você estiver interessado em áudios, vídeos, sites, softwares e arquivos sobre índios, poderá encontrá-los na seção Conteúdos Multimídia do Portal do Professor.

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

Seja bem-vindo!

Faculdade oferece cursos de licenciatura em Mato Grosso

Estudantes indígenas na sala de aula

Com cerca de 26 mil indígenas de 42 etnias, Mato Grosso oferece cursos de licenciatura especialmente dirigidos a integrantes desses povos. A Faculdade Indígena Intercultural (FII), no câmpus de Barra do Bugres da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), promove cursos de licenciatura específica para a formação de professores indígenas desde 2001.

Ciências sociais; línguas, artes e literaturas; ciências da natureza e matemática e pedagogia intercultural são os cursos oferecidos. Com duração de cinco anos, são dirigidos apenas a candidatos que já exercem atividades na área da educação, como professores, diretores ou coordenadores. Os cursos estão estruturados em regime especial. São dez etapas de estudos presenciais, na própria faculdade, em janeiro, fevereiro e julho; outras dez intermediárias, de atividades de ensino e pesquisa; estágio curricular supervisionado e trabalho de conclusão de curso.

“Já formamos 276 professores indígenas em nível superior e temos no momento mais 140 que estão cursando”, diz o fundador e diretor da faculdade, Elias Januário. Segundo ele, há necessidade de abrir novas turmas de licenciatura, pois ainda há demanda de professores nas aldeias, principalmente com a abertura de turmas de ensino médio. Do total de formados nos cursos de licenciatura para indígenas, três já concluíram mestrado e um faz doutorado.

Os cursos têm currículo intercultural. Ou seja, o conteúdo inclui tanto os conhecimentos universais de um curso regular quanto os tradicionais indígenas — arte, cosmologia, danças e rituais. “A vantagem de um indígena fazer um curso intercultural é que os saberes estarão em um nível de igualdade”, destaca Elias. Na visão dele, de modo diferente de um curso regular, no qual o conhecimento científico se sobrepõe aos demais, na licenciatura específica para indígenas também os professores estudantes terão visibilidade, e seus conhecimentos reforçarão a identidade étnica dos povos.

A faculdade oferece ainda curso de pós-graduação com especialização em educação escolar indígena, já concluído por 96 professores. Este mês, mais 52 apresentarão as monografias.

Doutor em educação, pós-doutor em antropologia, com licenciatura e bacharelado em história, Elias Januário atua na educação indígena há 14 anos. Ele coordena diferentes grupos de pesquisa e projetos na área. Entre os projetos estão os de informática para professores indígenas, realizado em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat); de elaboração de material didático nas escolas indígenas do estado e o Observatório da Educação Escolar Indígena, em colaboração com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e com Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação.

Publicações – A Faculdade Indígena Intercultural também edita as séries Experiências Didáticas, adotada como material de apoio pedagógico nas aldeias; Práticas Interculturais, que engloba temas das etnias atendidas pela educação superior da Unemat; Institucional, com relatórios de avaliação e projetos pedagógicos dos cursos, e Periódicos, de caráter mais científico. As obras, produzidas pela Editora Unemat, são distribuídas gratuitamente a instituições de ensino e de pesquisa. (Fátima Schenini)

Confira a página da Faculdade Indígena Intercultural

Confira a página da Unemat

Estudantes descobrem a riqueza cultural dos povos indígenas

Alunos, de costas, usam computadores

No ano letivo de 2011, duas professoras que não se conhecem e moram em cidades distantes decidiram desenvolver projetos pedagógicos sobre os indígenas do Brasil. Tanto Cassiana Neta Damaceno, coordenadora pedagógica da Escola Estadual Garça Branca, em Guiratinga (MT), quanto Kátia Cristiani Borges, a professora de história na Escola Gertrudes Milbratz, em Jaraguá do Sul (SC), ficaram surpresas com o entusiasmo dos alunos em pesquisar e descobrir a história e a cultura de povos tão diferentes.

“O projeto Revendo a Questão Indígena no Brasil foi importante porque muitas pessoas falam coisas que não são verdadeiras”, diz Cassiana. “Acham que os índios são preguiçosos, mas ignoram que esses povos têm cultura própria e outro ritmo de vida.”

Na escola de Kátia, os alunos do sexto ano recorreram a uma página na internet indicada pela professora para escolher um grupo indígena a ser pesquisado. No total, foram realizados trabalhos sobre 18 grupos étnicos de diferentes regiões do país.

Nas duas escolas, professores e alunos descobriram como os indígenas influenciaram e ajudaram a moldar a sociedade brasileira e como herdamos deles palavras, costumes e culinária. “Eles perceberam que os índios atuais são descendentes daqueles que estavam aqui em 1500, na época da chegada dos portugueses”, diz Kátia. “Os alunos viram que somos todos iguais, nativos da mesma terra.”

Situada a 180 quilômetros de Florianópolis, Jaraguá do Sul é uma cidade de 143 mil habitantes, com fortes heranças da colonização alemã. As diferentes culturas que os alunos descobriram na internet parecem, num primeiro momento, uma realidade distante. Mas a influência indígena está no próprio nome da cidade. Jaraguá, na língua tupi-guarani, significa senhor do vale. É como os índios chamavam o Morro da Boa Vista, um dos mais imponentes da cidade.

Na região de Santa Catarina, os tupis-guaranis predominavam no litoral. No interior, vales, encostas e planaltos viviam os xoclengues e caingangues.

Festa — O município de Guiratinga, a 320 quilômetros de Cuiabá, tem 14 mil habitantes. O nome da cidade tem origem no tupi-guarani e significa garça branca. O projeto sobre os indígenas culminou com uma festa de fim do ano letivo da escola. Tanto os alunos do ensino fundamental regular quanto os das classes de educação de jovens e adultos recontaram lendas e participaram de encenações.

Zildo Oliveira Campos, 45 anos, concluiu o ensino fundamental pela educação de jovens e adultos em 2011. “Acho que sou meio índio, mas antes do projeto não tinha noção de como é a vida deles, como é a comida”, diz. Ele foi o pajé na encenação. “Contei a lenda de como surgiu o pé de guaraná.”

Pesquisa — Em Jaguará do Sul, o desafio dos estudantes da Escola Gertrudes Milbratz era descobrir os costumes e as particularidades dos indígenas brasileiros. Divididos em duplas, eles pesquisaram na internet sobre 18 tribos indígenas. Das mais populares, como os ianomâmis, os pataxós e os xavantes, até os grupos mais desconhecidos — aicanãs, mundurucus e xetás. “Apenas indiquei uma página sobre o tema na internet e os orientei a observar alguns grupos para escolherem um”, diz a professora Kátia. Todos os alunos elaboram textos e prepararam cartazes para apresentação do trabalho em sala de aula.

Alexandre Gnewuch, Gabrieli Borchard e Amanda Costa Sanches, todos de 12 anos, colegas de classe, gostaram de fazer a pesquisa. “Os aicanãs vivem na região Norte e estão quase extintos”, diz Alexandre. Amanda estudou sobre uma tribo mais numerosa, os guaranis-caiouás, que se concentram em Mato Grosso do Sul e na fronteira com o Paraguai. “São mais de 77 mil índios dessa tribo”, ressalta a estudante.

O trabalho de Gabrieli abordou os arauetés, que vivem na margem direita do alto Xingu, no Pará. “Eles acreditam que vivem num mundo entre dois céus e o mundo dos brancos. O mundo deles é o que já foi habitado pelos deuses”, conta. Ou seja, o melhor dos mundos é o deles, o mundo indígena. (Rovênia Amorim)

Confira o blog da Escola Garça Branca

Confira a página Povos Indígenas no Brasil

Escola participa de projeto em MT para documentar língua

Alunos ikpeng fazem ilustrações

Estudantes e professores da Escola Indígena Central Ikpeng, na comunidade Moygu, em Feliz Natal, a 500 quilômetros de Cuiabá, estão envolvidos no projeto de documentação da língua icpengue, desenvolvido pelo Museu do Índio da Fundação Nacional do Índio (Funai). O trabalho faz parte do Projeto de Documentação de Línguas Indígenas Brasileiras (Prodoclin), que integra o Programa de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas Brasileiras (Progdoc) do Museu do Índio, em parceria com a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco).

“O principal objetivo do Prodoclin é a documentação linguística, visando a fortalecer as línguas dos povos indígenas brasileiros, que estão ameaçadas, e também documentar as que estão se extinguindo”, explica Ingrid Lemos, pesquisadora do projeto. Segundo ela, dessa maneira os povos podem ter acesso a informações sobre sua língua, mesmo que ela não seja falada no dia a dia. “Temos povos com apenas três ou quatro falantes”, revela Ingrid. Artista e designer, ela trabalha na documentação audiovisual e em oficinas de ilustração e de ensino de softwares.

O trabalho com os icpengues é realizado desde 2009, na modalidade a distância, sob a coordenação da linguista Ângela Chagas. A equipe do projeto visita a aldeia uma vez por ano e lá permanece por um mês para ministrar as oficinas. De acordo com Ingrid, o trabalho na aldeia é conduzido por dois bolsistas, com a colaboração de integrantes da comunidade. “Entre eles, os anciãos, que trazem seu conhecimento ancestral, fundamental para o trabalho com a língua.”

Ingrid considera muito boa a receptividade ao trabalho, principalmente com a consolidação das visitas à aldeia e realização de minicurso de fonética e fonologia e de oficinas sobre a produção de obras e para discutir a ortografia da língua icpengue. “Ainda não temos nada impresso porque estamos no momento de revisão e planejamento gráfico do material”, diz. “De qualquer forma, essas produções não serão comercializadas; destinam-se principalmente ao povo icpengue.”

Tradição — A primeira obra do projeto, sobre histórias tradicionais, tem o nome ainda provisório de Wonkinom Mïran (mitos de origem). Ainda em fase de revisão, foi elaborada a partir da documentação em áudio e vídeo de histórias escolhidas pela comunidade. O material foi transcrito e traduzido pelos pesquisadores em softwares específicos. Além dessa primeira obra, estão em andamento uma de gramática e um dicionário bilíngue, ilustrado.

Os icpengues já têm sete livros publicados. Além desse projeto desenvolvido pelo Museu do Índio, eles trabalham em parceria com a Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) e com o Projeto de Formação de Professores do Instituto Socioambiental. “Agora, estamos trabalhando com a Unemat para produzir livros de alfabetização na língua icpengue”, diz o diretor da Escola Indígena Central Ikpeng, Pomerquenpo Klemer Txicão.

A escola atende 340 alunos das séries finais do ensino fundamental (sexto ao nono ano). Os estudantes moram em uma aldeia a quatro quilômetros do prédio principal da escola, localizado no Posto Pavuru da Funai. A escola também tem salas anexas nas aldeias Caiabi e Trumai. Eles trabalham com projeto político-pedagógico específico, que contempla as ciências indígenas, além de conteúdo básico de matemática, português e geografia. As aulas são ministradas de manhã e à tarde.

Todos os professores da escola são indígenas, formados em cursos específicos da Faculdade Indígena Intercultural (FII) da Unemat e pelo projeto Haiyô, da Secretaria de Educação de Mato Grosso. (Fátima Schenini)

Saiba mais sobre o Prodoclin

Confira a página da Funai na internet

Escola baiana cultiva tradições e a autoafirmação dos alunos

Alunos na sala de aula

Localizada na aldeia Tuxá, na área urbana do município baiano de Rodelas, a 500 quilômetros de Salvador, a Escola Estadual Indígena Capitão Francisco Rodelas tem 135 alunos matriculados. São nove na educação infantil e 126 no ensino fundamental 1 e 2. Criada há dez anos, a instituição atende estudantes indígenas dos povos Tuxá e Pancararé.

“Eu moro dentro da aldeia, assim como a maioria dos professores e funcionários da escola”, conta a diretora da instituição, Genicléia Santos de Aprígio, que prefere ser chamada de Cléia. “É como se fosse um bairro da cidade.” Formada em letras, com pós-graduação em língua portuguesa e literatura, Cléia deu aulas no período de 1999 a 2002, até assumir o cargo de diretora.

“Gosto muito da minha profissão, apesar de sofrida e, muitas vezes, desvalorizada”, afirma. “Conviver com crianças e jovens, vê-los crescer, adquirir conhecimentos e perceber que eles têm nos estudos a oportunidade de melhorar as condições de vida são coisas gratificantes.” Índia tuxá, ela resolveu ingressar no magistério por influência da mãe, que era professora da Fundação Nacional do Índio (Funai).

O trabalho na unidade de ensino é realizado da mesma maneira que nas instituições não indígenas. “A escola funciona nos turnos matutino e vespertino, as turmas são organizadas em séries e nossos alunos têm aulas todos os dias”, explica. “Não temos necessidade de elaborar calendário diferenciado.”

Raízes — No currículo, além das disciplinas da base nacional comum, os professores inserem conhecimentos relativos à cultura dos tuxás e de outros povos. Assim, retransmitem os ensinamentos dos anciãos e líderes espirituais. De acordo com Cléia, a escola procura disseminar os conhecimentos necessários para o exercício da cidadania e para a atuação no mundo contemporâneo, sem deixar que os alunos esqueçam as raízes e tradições. Eles devem sempre buscar a autoafirmação indígena.

Segundo a coordenadora de educação indígena da Secretaria da Educação da Bahia, Rosilene Cruz de Araujo Tux, o estado tem aproximadamente 25 mil índios e 59 escolas indígenas, todas localizadas em aldeias. Com uma população em torno de 14 milhões de habitantes, segundo dados de 2007 do IBGE, a maior parte formada por afrodescendentes — 63,4% da população é parda; 15,7%, negra; 20,3%, branca e 0,6% amarela ou indígena —, o estado tem atuado de diferentes formas no cumprimento da Lei nº 11.645/2008, que incluiu no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática história e cultura afro-brasileira e indígena. Rosilene adianta que entre as iniciativas adotadas estão a formação continuada para professores das redes municipais e estaduais de ensino, a aquisição de livros e a realização de videoconferências e seminários. (Fátima Schenini)

Projeto sobre os povos indígenas é um dos ganhadores do Prêmio Professores do Brasil

Professor Carlos Alberto Panek Jr. recebe prêmio do Ministro Fernando Haddad

O cemitério do povo indígena cadiuéu é pequeno. Ali, os corpos são enterrados bem próximos uns dos outros. O motivo é não atrair a morte. Esse mito, o professor Carlos Alberto Panek Júnior conheceu quando foi a uma aldeia daquele povo, em Mato Grosso do Sul. Um dos 39 ganhadores do Prêmio Professores do Brasil de 2011, ele esteve na região para acompanhar pesquisas e aulas práticas de seus alunos.

Carlos Alberto desenvolveu o projeto Entre o Passado e o Presente: as Experiências do Ensino de História no Curso Normal Médio Indígena Povos do Pantanal, em 2010, com 80 professores das etnias terena, guató, aticum, ofaié, quiniquinau e cadiuéu. Durante a formação dos professores, feita em serviço, Carlos Alberto propôs uma nova forma para se conhecer a história. Primeiro, foi estudada a dos povos indígenas do Brasil; depois a dos oito povos que habitam Mato Grosso do Sul e, por último, a do estado e a do Brasil.

Enquanto liam e debatiam, os professores fizeram pesquisas com os mestres tradicionais, que são os sábios das tribos, sobre a história de cada povo, tradições, costumes, mitos e o papel de homens, mulheres e crianças na comunidade. “Posso dizer que aprendi muito com esse projeto”, diz o educador, graduado em história e mestre em arqueologia dos povos indígenas. O mito cadiuéu de assustar a morte, reservando um lugar pequeno no cemitério, é um dos diversos ensinamentos que a cultura indígena transmitiu ao educador.

Natural de Curitiba (PR), Carlos Alberto mora em Campo Grande há oito anos e, há quatro, leciona no Centro Estadual de Formação de Professores Indígenas de Mato Grosso do Sul. Graduado em história, com mestrado também em história, já trabalhou na Universidade Católica Dom Bosco (MS), com as disciplinas de arqueologia e antropologia.

Segundo ele, é um grande desafio trabalhar com a educação escolar indígena. “A todo momento, há uma constante troca de saberes entre alunos e professores. Cabe destacar a contribuição dos mestres tradicionais indígenas, com sua sabedoria e riqueza de informações”, destaca.

Prêmio — Na quinta edição do Prêmio Professores do Brasil, concorreram 1.616 mil trabalhos. Foram vencedores 39 projetos, desenvolvidos em escolas públicas do Amazonas, Rondônia, Pará, Tocantins, Acre, Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas, Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. (Ionice Lorenzoni)

Teólogo e professor da PUCRS coordena Núcleo de Estudos e Pesquisa em Cultura Indígena

Crianças indígenas escovam dentes na beira do rio

Membro do Instituto dos Irmãos Maristas, organização religiosa e educacional presente no Brasil há mais de cem anos, o irmão marista Édison Hüttner coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Cultura Indígena da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Nepci/PUCRS) desde sua fundação, em 2004. Seu interesse pela cultura indígena teve início na época em que viveu no Alto Solimões, entre 1997 e 1998, quando conheceu os índios Kocamas.

Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Itália, tem mestrado e graduação em teologia. Também é formado em curso de magistério, para formação de professores das séries iniciais do ensino fundamental. Na PUCRS, onde atua desde 1998, o irmão Édison Hüttner também dá aulas sobre cultura religiosa e humanismo.

O Nepci é um órgão institucional da PUCRS, que trabalha de maneira interdisciplinar, com várias faculdades. Sua atuação passa por quatro linhas diferentes: Pesquisa, Extensão, Publicações, Ação social.

Na área de Pesquisa, o trabalho é realizado com alunos e professores. Aspectos bio-psico-sociais do envelhecimento e do idoso indígena no Brasil; Envelhecimento indígena; O direito indígena no contexto de uma sociedade multicultural são algumas das pesquisas em andamento.

Na área de Extensão, o Nepci promove diversos cursos. O Curso de Extensão Círculo de Cultura Indígena, com 40 horas de duração, já está em sua nona edição. O núcleo coordenado pelo irmão Édison Hüttner também idealizou o Primeiro Fórum Internacional Povos Indígenas - Terra: Um Lugar para viver – realizado na própria PUCRS, em 2005.

Em Publicações, o Nepci realizou a obra Séculos Indígenas no Brasil, em parceria com a Fundação Darcy Ribeiro e a Karioca Multimedia, que já está na segunda edição. Para este mês de janeiro, está prevista a publicação de um vocabulário guarani-português/ português-guarani.

A atuação do núcleo na área de Ação Social, ocorre em aldeias do norte do Brasil e no Rio Grande do Sul, com a participação de alunos e professores da PUCRS, especialmente da área de odontologia e medicina. Um desses trabalhos, que utilizou a telemedicina para avaliar casos de dermatose entre os indígenas da região de Ji-Paraná, em Rondônia, foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde.

(Fátima Schenini)

Rita Potiguara: visões estereotipadas alimentam preconceito

Rita Gomes do Nascimento

Professora da Secretária de Educação do Ceará, conselheira da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CEB/CNE) e membro do Colegiado de Culturas Indígenas do Ministério da Cultura (MinC), Rita Gomes do Nascimento – Rita Potiguara – é indígena pertencente ao grupo Potiguara de Crateús (CE).

Formada em pedagogia, tem mestrado e doutorado em educação e desenvolve pesquisas na área de educação indígena. Integra, também, a equipe de coordenação do Curso de Licenciatura Intercultural: formação de professores indígenas, na Universidade Estadual do Ceará.

Em dezembro último, recebeu o Prêmio Direitos Humanos 2011, promovido pela Presidência da República e pela Secretaria de Direitos Humanos, na categoria Educação em Direitos Humanos.

Em entrevista ao Jornal do Professor, Rita Potiguara destaca a importância da Lei 11.645 de 2008, que tornou obrigatório o estudo da história e da cultura afrobrasileira e indígena em todas as escolas de educação básica. Ela acredita que, a partir daí, os sistemas de ensino deverão promover cursos de formação inicial e continuada para os professores, bem como oferecer suportes didáticos e pedagógicos para trabalhar esta temática.

Em sua opinião, é necessário atualizar a figura do índio, apresentado, quase sempre, como personagem do passado colonial, pois as visões estereotipadas dos índios alimentam diversas situações de preconceito. “A atualização da história e cultura indígenas pode ser trabalhada de modo transversal nas diversas áreas de conhecimento”, enfatiza.

Jornal do Professor – Qual a avaliação que a senhora faz sobre a educação indígena atual nas escolas brasileiras?

Rita Potiguara – Para responder a esta pergunta, é preciso considerar duas situações particulares. Uma diz respeito aos projetos de educação indígena experienciados pelas próprias comunidades indígenas. A outra está ligada ao tratamento da temática indígena nas escolas não indígenas.

Quanto à primeira, merece destaque os esforços dos grupos na construção de uma educação escolar diferenciada, buscando, por meio de uma perspectiva dialética e, por conseguinte, intercultural, por em diálogo os conhecimentos específicos de cada grupo e os produzidos e sistematizados pela escola.

Já no que diz respeito às escolas não indígenas, apesar da existência da Lei 11.645 de 2008 que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura dos povos indígenas nos currículos escolares da educação básica, pouco efetivamente se tem avançado neste campo. É sabido que a inclusão da temática indígena nas escolas não indígenas favoreceria, dentre outras coisas, a diminuição do preconceito corrente contra os grupos indígenas e seus direitos socioculturais.

JP – Como o conteúdo de educação indígena deve ser inserido no projeto pedagógico das escolas?

RP – Uma das questões mais críticas quando se fala da temática indígena nas escolas não indígenas está ligada às visões estereotipadas dos índios que alimentam diversas situações de preconceito. Assim, se faz necessária a atualização da figura do índio nas escolas que, via de regra, é apresentado como personagem do passado colonial, quase confundido com a natureza, ora visto como o bom selvagem rousseauniano, ora percebido como o mau selvagem comedor de carne humana, sem religião e desprovido de “modos civilizados”.

A atualização da história e cultura indígenas pode ser trabalhada de modo transversal nas diversas áreas de conhecimento. Além disso, é preciso se levar em consideração, na construção dos projetos políticos pedagógicos das escolas, as ideias de interculturalidade, da construção comunitária de tais projetos e de respeito e promoção das diferenças socioculturais, princípios postos em ação pelos índios na construção de sua educação diferenciada.

JP – Como fica a questão do ensino da língua portuguesa e das línguas indígenas no contexto escolar?

RP – Mais uma vez é preciso fazer a distinção entre os contextos escolares indígenas e não indígenas, mesmo no caso em que estes últimos também contem com a presença de estudantes índios.

Nas escolas indígenas, a língua portuguesa pode figurar como a primeira ou a segunda língua, em grupos bilíngues ou multilíngues. Há ainda os casos em que o português é a única língua falada pelo grupo. Assim, a importância do seu ensino assume significados diferentes em contextos particulares.

O ensino da língua indígena nas escolas diferenciadas deve ter a mesma importância que o português, tendo em vista a sua condição de expressão privilegiada de referências identitárias. Com isso quero chamar a atenção para o fato de que as línguas indígenas não devem se limitar a formas de expressão oral, servindo também de suporte para o registro escrito de conhecimentos comunitários e escolares.

Já nas escolas não indígenas que possuam estudantes índios, o que se espera é que a comunidade escolar como um todo respeite e valorize a língua falada por estes estudantes. Além disso, dada a diversidade sociolinguística existente em nosso país, havendo atualmente mais de 180 línguas indígenas faladas, é preciso promover o conhecimento desta diversidade por meio de pesquisas nas escolas.

JP – O aluno indígena deve ter uma didática e pedagogia diferenciadas?

RP – Como tenho chamado a atenção é preciso considerar as especificidades de cada caso. Há os alunos indígenas nas escolas de suas comunidades que fazem parte de um projeto pedagógico diferenciado que trabalha as questões de interculturalidade, do bilinguismo, da diferenciação e da especificidade da história e cultura de seu grupo de pertencimento. Dentre outras questões, é por causa disso que, nas escolas indígenas, há a necessidade dos professores serem indígenas, desenvolvendo pedagogias e didáticas apropriadas aos contextos comunitários em que se situam as escolas.

Por outro lado, as escolas não indígenas, na construção de suas práticas pedagógicas e didáticas, deveriam considerar os diferentes estudantes que se fazem presentes na escola, tendo em vista as várias histórias de vida, valores, aprendizados. Vale lembrar, neste sentido, que a perspectiva homogeneizante da educação escolar tem provocado efeitos perversos na tentativa de tornar todos os estudantes iguais.

JP – Como o professor que tem apenas poucos alunos na turma deve trabalhar as questões da cultura indígena?

RP – É sabido que a questão da cultura indígena não deve ser limitada aos contextos escolares dos índios. Aí reside a importância da Lei 11.645 de 2008 que estabelece à necessidade, para todas as escolas de educação básica, independentemente de serem indígenas ou não, de se ensinar a história e cultura indígenas para não indígenas. A partir daí, os sistemas de ensino, deverão promover cursos de formação inicial e continuada para os professores, bem como oferecer suportes didáticos e pedagógicos para trabalhar esta temática, utilizando vídeos, livros, brinquedos, jogos, softwares etc.

JP – E as escolas que se dedicam integralmente a turmas indígenas?

RP – As escolas indígenas, por meio de seus projetos políticos pedagógicos, da produção de materiais didáticos específicos, do ensino das línguas indígenas e das aulas culturais, têm buscado construir metodologias compatíveis com as realidades socioculturais dos seus estudantes.

JP – Qual a formação adequada para que professores atuem na educação indígena?

RP – Mais uma vez é preciso distinguir entre os contextos escolares indígenas e não indígenas. Nas escolas indígenas, o professor, via de regra, pertencente à comunidade, antes de tudo, deve ser aceito por ela, o que implica no seu engajamento político nas questões postas pela comunidade. A sua formação, desde a implementação das primeiras escolas diferenciadas, sobretudo entre finais da década de 1980 e início de 1990, se deu em cursos de magistério indígena em nível médio. Com o crescimento da demanda por escolas e sua importância política na vida das comunidades, atendendo também as etapas finais da educação básica, esta formação vem se dando nas chamadas licenciaturas interculturais, atualmente ofertadas em mais de 20 instituições de ensino superior em todo o país.

No caso dos professores não indígenas e que atuam em escolas não indígenas, os sistemas de ensino deveriam se responsabilizar pela formação adequada destes profissionais, inserindo, nos cursos de formação, conteúdos relativos à temática indígena. Além disso, também é importante que o professor procure conhecer mais o assunto, pesquisando e se instrumentalizando para lidar com esta temática.

JP – As políticas públicas em relação à educação indígena têm avançado?

RP – Desde a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 que a Educação Escolar Indígena vem, gradativamente, sendo reconhecida em suas especificidades e direitos particulares. Já em 1999, o Conselho Nacional de Educação emite dois documentos, o Parecer 14 e a Resolução 03, que fixam as diretrizes para o funcionamento das escolas indígenas e reconhece-lhes a condição de escolas com normas e ordenamento jurídico próprios, definindo, ainda as diretrizes curriculares do ensino intercultural e bilíngüe, com vistas à valorização plena das culturas dos povos indígenas e à afirmação e manutenção de sua diversidade étnica.

A partir destes marcos legais surgiram várias conquistas no âmbito das políticas públicas educacionais brasileiras, como a oferta dos cursos de formação de professores indígenas pelos sistemas de ensino, a construção de escolas e mais recentemente, dentre outras conquistas, a instituição dos Territórios Etnoeducacionais como um novo modelo de gestão para essa modalidade de educação.

Mas, apesar de no campo das leis e das políticas públicas haver conquistas, o ordenamento jurídico próprio das escolas indígenas nem sempre é respeitado. Uma questão na qual ainda se tem pouco avançado está ligada à diversidade linguística dos povos indígenas. O Estado brasileiro ainda não conseguiu construir uma política sociolinguística que reconheça e valorize tal diversidade. Além disso, grande parte dos professores indígenas trabalha de forma precária, pelo não reconhecimento da categoria professor indígena nos quadros do magistério público.

Tais situações não impedem, no entanto, o surgimento de experiências inovadoras entre os professores e comunidades indígenas que, por meio de práticas pedagógicas, metodologias e materiais didáticos diferenciados, trazem exemplos para o Estado e os sistemas de ensino, merecendo ser melhor conhecidas e divulgadas.