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JORNAL

Educação em Prisões

Sexta-feira, 6 de Julho de 2012

Edição 74

EDITORIAL - Educação em Prisões

O tema da 74ª edição do Jornal do Professor é Educação em Prisões. O tema foi escolhido por 36,92% dos leitores que votaram na enquete colocada em nossa página.

Apresentamos a você experiências educativas desenvolvidas em penitenciárias do Espírito Santo, Pará, Paraná, Rio Grande do Norte, Rondônia, e Distrito Federal. Nosso entrevistado é o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Roberto da Silva. Mestre e doutor em pedagogia, é ex-interno da antiga Febem e ex-detento do sistema penitenciário.

A professora Angélica Alves Bueno, da Escola Municipal José Sebba, no município goiano de Catalão, participa da seção Espaço do Professor.

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

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Lecionar a detentos é missão gratificante, diz professora

Alunos sentados, de costas

Oferecer escolarização e qualificação profissional a cidadãos privados de liberdade é a proposta do Programa para o Desenvolvimento Integrado (PDI – Cidadania) desenvolvido pelo Departamento Penitenciário do Paraná (Depen). Por meio de convênio firmado entre as secretarias de Educação e de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do estado, detentos da Penitenciária Estadual de Maringá frequentam aulas de educação básica na modalidade de educação de jovens e adultos.

O programa registra 36 presos na fase de alfabetização, 180 no ensino fundamental e 37 no ensino médio, nos períodos matutino e vespertino. O corpo docente conta com 22 professores e quatro funcionários. As aulas são ministradas em local específico, na penitenciária, com 230 metros quadrados, o que equivale a oito salas de aulas.

A pedagoga da instituição, Sueli Aparecida Alves do Nascimento, diz sentir-se gratificada ao constatar que seu trabalho contribui para que a pessoa hoje detida possa voltar melhor à sociedade ao ser libertada. “Sinto que realizo um trabalho importante, que muitas vezes não conseguia no ensino fora das grades”, revela. “Aqui, temos o respeito dos alunos.”

Sueli trabalha na rede estadual de ensino há 19 anos e já atuou em todas as modalidades de ensino. Adepta da concepção freireana de educação, ela diz ficar também feliz ao passar aos alunos “a esperança de quem não espera no vazio, mas vai construindo, pelo estudo, uma libertação, uma esperança, da qual fala o educador Paulo Freire”. Essa esperança, segundo ela, é demonstrada nos desenhos feitos pelos estudantes para a escolha de um novo logotipo da escola. Neles aparecem livros estilizados arrebentando correntes que aprisionam.

O interesse da professora em participar do processo de seleção para atuar na penitenciária foi despertado, inicialmente, pela gratificação que teria no salário. Entretanto, assim que começou a trabalhar, passou a ter visão e ideias diferentes em relação às que tinha sobre os privados de liberdade. “A cada dia, em cada conversa com os detentos, sinto que não estou aqui por acaso, e aprendo muito com tudo isso”, ressalta.

Para ela, “uma coisa mágica” acontece no ambiente da penitenciária. “No momento das aulas, os presos são estudantes, respeitam e são respeitados, não usam algemas, estão livres para o conhecimento”, destaca. Em sua visão, a importância da atuação do professor dentro da penitenciária aparece em muitas das resenhas feitas pelos internos. “Nos trabalhos, eles demonstram a diferença que a educação faz para quem, de uma forma ou de outra, esteve excluído e agora só tem o que lhe é oferecido”, ressalta.

Outro projeto implementado com os detentos é o Remição pela Leitura. Realizado concomitantemente com as aulas, tem sido muito requisitado. “Estamos no primeiro ciclo, e já contamos com aproximadamente 50 participantes”, revela a pedagoga.

Profissão — Os cursos profissionalizantes são oferecidos aos privados de liberdade por meio da Rede de Qualificação Profissional, que são ofertados pelos institutos federais de educação profissional e tecnológica, além de parcerias com empresas e organizações como o Sistema S (Senai, Senac, Sesc, Sesi, Senar, Sebrae), órgãos governamentais, sindicatos e associações. Panificador, confeiteiro, azulejista, jardineiro, modista e costureiro são algumas das formações profissionais oferecidas. (Fátima Schenini)

Saiba mais sobre o PDE Cidadania

Estudantes conhecem realidade dos privados de liberdade no Pará

Detentos capinam terreno

A Escola Estadual de Ensino Médio Doutor Fábio Luz, no município paraense de Tomé-Açu, a 100 quilômetros de Belém, recebeu, em junho, a visita de 19 pessoas que cumprem pena na unidade prisional da cidade. Na escola, além de executar serviços diversos, os detentos ministraram a palestra Conscientização do Valor da Liberdade, que incluiu depoimentos sobre a vida e a realidade do cárcere. Também responderam a perguntas e deram conselhos destinados a prevenir a incidência criminal entre os estudantes.

No estado, 174 detentos participam da iniciativa, realizada nos municípios de Abaetetuba, Capanema, Marabá, Marituba, Mocajuba, Paragominas, Salinópolis, Santa Isabel do Pará e Tomé-Açu. Nas escolas públicas, eles fazem manutenção predial e prestam serviços gerais, como limpeza das instalações e manutenção de hortas. “Essa experiência me tornou uma pessoa melhor”, avalia o diretor da escola, Jozinaldo de Andrade Silva. Para ele, é possível aprender mais com a realidade de cada um. “Temos essas oportunidades para que possamos evoluir e rever nossos conceitos e preconceitos sobre tudo e todos”, diz. Com licenciatura plena em física e pós-graduação em metodologia do ensino superior, Jozinaldo está no magistério há 12 anos. Há três meses, exerce o cargo de diretor da unidade de ensino.

A receptividade dos estudantes à palestra dos privados de liberdade chamou a atenção do diretor. “Vi alunas chorando”, revela. Em sua visão, o projeto possibilita aos internos aprender a dar valor à liberdade, a querer mudar para melhor e levar uma vida digna, com novas oportunidades. Ele cita o exemplo de um ex-aluno, hoje com 19 anos, que passou do regime semiaberto para a prisão domiciliar e agora vai voltar a estudar. “Quero mudar de vida, pensar duas vezes antes de errar, estudar, trabalhar e começar uma nova vida”, diz o jovem.

A iniciativa faz parte do projeto Conquistando a Liberdade, que se desenvolve no Pará com o propósito de ressocializar os detentos e reduzir a incidência criminal entre jovens e adolescentes. Também fazem parte do projeto práticas de educação ambiental e de conscientização da comunidade sobre a importância da preservação do meio ambiente.

Resgatar a autoestima dos privados de liberdade, romper com os preconceitos da comunidade escolar em relação a eles e reduzir as penas, por meio da educação e do trabalho são outros objetivos do projeto, resultado de parceria entre a Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará (Susipe) e o governo do estado. “Ver os detentos empenhados em prestar serviços à sociedade e demonstrar a vontade de mudar de vida é louvável”, afirma o diretor do Núcleo de Reinserção Social da Susipe, Ivaldo Capeloni. Para participar do projeto, os privados de liberdade passam, inicialmente, por uma triagem. Nela, psicólogos e técnicos especializados avaliam a capacidade de cada um de conviver com a população. (Ana Júlia Silva de Souza)

Centro profissionalizante amplia oportunidades a detentos no DF

Detentos, de costas, na sala de aula

No Distrito Federal, a Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap) tem contribuído para a recuperação social de cidadãos privados de liberdade e melhoria de suas condições de vida. Isso é feito com a oferta de programas de educação, formação profissional e trabalho por meio do Centro de Formação Profissional, no Centro de Internamento e Reeducação da Papuda. Desde a criação do centro, em 2010, foram capacitados 664 detentos.

Os cursos profissionalizantes resultam de parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) do Distrito Federal e com a Secretaria do Trabalho local. Já foram realizados cursos de garçom, pintor de faixas e cartazes, pintor de obras e empreendedorismo. Recentemente, foram acrescentados os cursos de assistente administrativo, assistente de vendas, cabeleireiro, manicure e pedicure, mecânico de motores, mecânico de manutenção de bicicletas, pedreiro de alvenaria, serigrafia, paisagismo, confecção e modelagem de roupas. Participam dos cursos dez turmas de 25 alunos cada uma.

De acordo com a diretora social e educacional da Funap, Denise Laluce Santos Daza, além de promover a ampliação das possibilidades de ressocialização, a capacitação profissional é importante para minimizar a ociosidade dos internos do sistema prisional. Outra vantagem é a remição da pena. Para cada 12 horas de estudo, há redução de um dia na condenação.

Apesar de o centro de formação profissional estar localizado no complexo da Papuda, a 25 quilômetros do centro de Brasília, Denise garante que todas as unidades do sistema prisional do Distrito Federal são contempladas com cursos profissionalizantes. Os privados de liberdade também têm acesso ao ensino de primeiro grau, a exames vestibulares, em parceria com a Universidade de Brasília, ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ao Programa Universidade para Todos (ProUni) e a cursos de educação de jovens e adultos.

“O programa de educação na prisão é um processo de desenvolvimento global para o exercício da cidadania” diz Denise. “É feito também por meio da educação de jovens e adultos, em convênio com a Secretaria de Educação do Distrito Federal.”

Oportunidade — Segundo o professor Alexandre Antônio Alves Soares, do curso de assistente administrativo, o ensino profissionalizante permite aos privados de liberdade obter uma ocupação e, assim, prestar serviços à sociedade. “Tudo é possível a partir do momento em que temos uma oportunidade, mudamos nossas atitudes diante dela e a aproveitamos da melhor forma”, ressalta. Com pós-graduação em comportamento organizacional, Alexandre, que está no magistério há cinco anos, trabalha no Senai, na região administrativa do Gama, a 30 quilômetros de Brasília.

Com relação ao trabalho desenvolvido com os detentos, Alexandre acredita no projeto, que considera socioeducativo e de recuperação. “Gosto do meu trabalho e da minha contribuição para pessoas que muitas vezes não tiveram muitas oportunidades na vida”, afirma. “Além disso, estou convencido de que as opções de vida só podem ser melhores por meio da educação.” (Ana Júlia Silva de Souza)

Em Rondônia, instituto oferece formação profissional a detentos

Desde outubro do ano passado, detentos da Penitenciária Federal de Porto Velho participam do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – Formação Inicial e Continuada (Proeja-FIC). Além de promover a democratização do acesso à educação profissional e tecnológica, o programa contribui para elevar a escolaridade. As aulas, realizadas duas vezes por semana, integram conteúdo de ensino fundamental e de educação profissional, com formação nas áreas de vendas e de auxiliar administrativo.

“Fiquei entusiasmada com a possibilidade de ampliarmos a oferta de acesso, especialmente a uma população tão diferente daquela que temos atendido”, explica a responsável pelo projeto Educação para Prisões do Proeja-FIC no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia, Marilise Doege Esteves. Ela é, também, pró-reitora de extensão.

Formada em letras e em fase de conclusão de doutorado em educação, Marilise é encarregada das aulas de português instrumental. Com ela, são cinco os professores do instituto que participam do projeto e atuam como responsáveis pelas disciplinas de educação profissional. As do ensino fundamental cabem a professores da Secretaria de Educação de Rondônia.

Servidora do Instituto Federal de Mato Grosso, cedida ao de Rondônia desde a criação, há pouco mais de três anos, Marilise trabalha na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica há cinco anos. Segundo ela, o atendimento aos privados de liberdade possibilita contemplar a missão do instituto com a implementação do que preconiza a Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que criou os institutos. “A matriz curricular do curso tem como princípios básicos o diálogo entre aluno e professor, a história de vida do aluno, a produção do conhecimento e a preparação para o trabalho em suas várias dimensões”, ressalta.

Como a penitenciária fica a 50 quilômetros de Porto Velho, os professores fazem o percurso em ônibus do Departamento Penitenciário (Depen) do Ministério da Justiça, parceiro da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec) do Ministério da Educação na realização do programa.

Segurança — No total, 68 alunos participam das aulas na educação de jovens e adultos e 23, no Proeja-FIC. “As aulas seguem um ritual. Quando os professores chegam, os agentes tiram os internos das celas e os levam até as salas de aula”, esclarece Marilise. Ela enfatiza que todo o procedimento, desde a entrada na penitenciária, postura e conduta, até chegar às salas, é orientado segundo regras de segurança máxima.

As questões relativas à segurança exigem preparação especial de todos os envolvidos no programa e fazem parte do curso de capacitação para educadores e agentes penitenciários promovido pelo instituto antes do início das aulas na penitenciária. Os professores ficam em um espaço separado dos alunos. Tudo é filmado e monitorado nos detalhes. (Fátima Schenini)

 

Educação de jovens e adultos abre oportunidades a detentos do ES

Maria do Carmo Starling de Oliveira

As secretarias de Educação e de Justiça do Espírito Santo atuam em parceria na oferta de educação de jovens e adultos em unidades prisionais do estado. O objetivo é garantir o direito constitucional de acesso dos privados de liberdade ao ensino com qualidade e contribuir para o processo de reinserção desses cidadãos na sociedade.

Em todo o estado, mais de 20% das pessoas privadas de liberdade assistem a aulas no próprio espaço prisional. Para a gerente de educação, juventude e diversidade da Secretaria de Educação, Maria do Carmo Starling de Oliveira, a oferta de educação de jovens e adultos visa a garantir, no espaço escolar dos presídios, a efetiva participação dos internos no processo de construção de conhecimento. “A ressocialização abre oportunidades e oferece cidadania a jovens e adultos privados de liberdade”, ressalta a professora, graduada em pedagogia, com pós-graduação em educação.

As aulas de educação de jovens e adultos nos presídios são ministradas por professores contratados pela secretaria. Um deles é a pedagoga Patrícia Pereira dos Santos. Especialista em alfabetização e letramento nas séries iniciais e na educação de jovens e adultos, ela ministra aulas a 18 internos da Penitenciária de Segurança Máxima I, no complexo de Viana, município da região metropolitana de Vitória. “Recebemos alunos que não sabem ler nem escrever e que anseiam ser alfabetizados e alunos que sabem ler e escrever, mas desejam adquirir outros saberes”, explica.

De acordo com a professora, os alunos, em sua maioria, são pessoas que repetiram séries escolares uma ou mais vezes ou que não concluíram o ensino fundamental. “Embora alguns nunca tenham estudado e outros tenham interrompido os estudos, todos sabem da importância que a educação tem na vida das pessoas”, salienta Patrícia. Ela relata que os detentos, mesmo quando preocupados com as famílias ou com o processo de recuperação da liberdade, fazem o possível para frequentar as aulas e participam ativamente das atividades. “É muito bom poder ver nossos alunos tendo mais uma oportunidade de estudar”, destaca.

Lecionar para turmas de educação de jovens e adultos no sistema prisional é proporcionar aos internos, acredita Patrícia, uma nova visão de mundo e oportunidades para uma vida melhor. Com especialização também em psicopedagogia, ela atua no magistério desde 2006. Em 2010, começou a dar aulas a turmas de educação de jovens e adultos.

No Espírito Santo, 27 unidades prisionais oferecem atendimento educacional. São mais de três mil alunos, distribuídos em 170 turmas, atendidos por mais de 200 professores. (Ana Júlia Silva de Souza)

Instituto oferece formação a privados de liberdade no RN

Detentos da Penitenciária Federal de Mossoró, Rio Grande do Norte, participam do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – Formação Inicial e Continuada (Proeja-FIC). Na primeira turma, que teve as aulas iniciadas no mês de abril, são atendidas 12 pessoas, selecionadas e encaminhadas após diagnóstico da própria instituição. Os privados de liberdade frequentam 1,4 mil horas de aulas entre o ensino fundamental e o profissionalizante, o que equivale a um ano e meio de curso.

Parceria firmada entre o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte e a secretaria de Educação do estado permite aos detentos o acesso a 200 horas de aula para formação profissional no curso de auxiliar em gestão e qualidade em serviços e mais 1,2 mil horas para a elevação de escolaridade.

“Trabalhamos na perspectiva de consolidar o projeto e, dependendo dos resultados, pretendemos ampliá-lo para as penitenciárias estaduais”, diz o coordenador-geral da iniciativa no instituto federal, Jailton Barbosa. “Além disso, estamos conversando com a penitenciária federal e há perspectiva de continuidade do projeto.”

Jailton explica que o curso profissionalizante foi escolhido a partir de demanda local identificada pelo instituto. “A situação que apuramos aqui diz respeito à qualidade dos serviços locais; assim, o profissional poderá atuar em comércio e empresas da região”, afirma. A formação dos professores foi realizada entre dezembro do ano passado e abril.

Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça, o Rio Grande do Norte concentra 6,6 mil dos privados de liberdade do país. Em dezembro de 2011, o Brasil tinha população carcerária de 514.582 pessoas. (Danilo Almeida)

Ecologia motiva trabalho de professora de Goiás

Professoras Silvana e Angélica com um grupo de alunos

Professora da Escola Municipal José Sebba, no município goiano de Catalão, Angélica Alves Bueno leciona na rede pública de ensino desde 1996. Formada em história, com curso de pós-graduação na mesma área, Angélica dá aulas para alunos do primeiro ano do ensino fundamental. Sua experiência no magistério inclui escolas da área rural e da rede particular.

Preocupada com a preservação do meio ambiente e interessada em estimular os estudantes a adquirirem novos hábitos, Angélica desenvolve um projeto, há quatro anos, que tem como tema geral o desenvolvimento de atitudes conscientes para um viver e um conviver sustentável. Em 2009, esse projeto intitulado Meu Mundo, Minha Casa foi um dos vencedores da quarta edição do Prêmio Professores do Brasil, do MEC. Uma das ações desse trabalho é o aproveitamento de camisetas que os alunos não utilizam mais, para a confecção de sacolas retornáveis, ecologicamente corretas.

O trabalho é realizado com a colaboração da professora Silvana, de artes, responsável pela costura, à máquina, das peças. “As crianças trazem as camisetas que não usam mais, nós cortamos e elas levam de volta para casa”, explica Angélica. Segundo ela, algumas mães revelaram que toda que vez que vão ao mercado, frutaria ou açougue, as crianças fazem questão de levar as sacolas para colocar as compras. “Estamos todos muito empolgados”, diz a professora.

As crianças gostaram da ideia e aproveitam para carregar de tudo nas sacolas, revela Angélica. Ela conta que os alunos dizem que essa é uma maneira de ajudar um pouquinho a cuidar do planeta. “Eu acredito que educação ambiental é, entre outras coisas, entender que, de alguma forma, todos podemos mudar atitudes sem perder o conforto diário”, salienta. Além disso, ressalta, “é necessário desenvolver o respeito e o cuidado com todas as formas de vida do planeta para que haja sustentabilidade”.

Além de preocupações com a ecologia, Angélica também tem interesse em ajudar seus semelhantes. E juntamente com a amiga Shirley Horta, participa de um trabalho voluntário para a alfabetização de adultos. O Projeto Luz, criado por elas, funciona no polo da Universidade Aberta (UAB), às segundas e quartas feiras à noite. “Fico exausta, mas tenho muito prazer. Não tem preço ver que eles estão aprendendo, saindo da escuridão”, enfatiza Angélica.

O grupo foi formado a partir do anúncio veiculado em uma rádio. O espaço é cedido pela prefeitura municipal, que também colabora com a doação de cadernos e lápis. As duas voluntárias contam, ainda, com apoio da seção local do Lions Clube, uma entidade internacional voltada à realização de serviços humanitários.

Diferentes motivações atraíram os estudantes. Assim, enquanto alguns precisam tirar carteira de habilitação, mas não sabem ler; outros estão na fase inicial da alfabetização, ainda no letramento. Entre os estudantes, Angélica salienta Antônio, um trabalhador rural, de 38 anos, que cria sozinho três filhos pequenos. Nas noites das aulas, ele se desloca da fazenda para a cidade e deixa para trás o cansaço e as dificuldades diárias, pois suas atividades começam às três horas da madrugada, quando se levanta para tirar leite das vacas.

“Esse trabalho é uma riqueza”, analisa a professora. “Percebemos que os alunos conseguiram, de alguma forma, avançar na aprendizagem e estão muito melhores do que quando chegaram para as aulas, em março”, avalia. Para melhorar as condições oferecidas aos estudantes, Angélica sonha em contar com uma parceria que lhe permita oferecer lanche aos alunos. “Eles são trabalhadores e muitas vezes vão para as aulas sem ter se alimentado antes”. (Fátima Schenini)

Roberto da Silva (USP): "Educação nas prisões deve ser presencial"

Roberto da Silva

Na visão do professor Roberto da Silva, ex-interno da antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), de São Paulo, e ex-detento do sistema penitenciário, a educação deve qualificar o preso para que ele possa competir pelas oportunidades em condições de igualdade com as demais pessoas. Para ele, a retomada dos estudos não pode ser encarada pelos detentos como uma obrigação. “É preciso que ele consiga situar os estudos dentro de um certo projeto de vida e que seja valorizado o saber que ele construiu”, afirma.

Silva defende a oferta de educação nas prisões de forma presencial, por considerar que mais importante do que a escolarização é a retomada do hábito de estudar, o gosto pela leitura e pela troca de experiências, entre outros pontos.

Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Roberto da Silva é mestre e doutor em pedagogia e livre docente em pedagogia social. Entre os projetos que desenvolve está a pesquisa Iniciação Científica na USP como Fundamento para Orientação Técnica e Profissional para Adolescentes da Fundação Casa [Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente].

Com vários livros e artigos publicados, Silva participa do conselho editorial da Revista de Ciências da Educação, do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), e dos Cadernos de Pedagogia Social, de Portugal. É o primeiro presidente da Associação Brasileira de Pedagogia Social (Abrap-Social), entidade que preside desde 2010.

Jornal do Professor — Qual a importância de se oferecer educação nas prisões?

Roberto da Silva — Como direito fundamental de todo ser humano, a prisão é a última grande fronteira a ser transposta pela educação, que já atende todo o leque de diversidades possíveis na realidade brasileira. Deve-se ter o cuidado, entretanto, de não atribuir à educação funções que não são dela, como diminuição da violência, da reincidência, de fugas e mortes. E, principalmente, a conversão de presos. O que a educação tem como sua tarefa é a qualificação do preso para que ele possa competir pelas oportunidades socialmente criadas em condições de igualdade com as demais pessoas.

JP — Além de aulas de ensino básico, também devem ser oferecidas aulas de ensino profissional ou técnico?

RS — A modalidade preferencial para oferta de educação nas prisões tem sido a educação de jovens e adultos (EJA), mas não pode ser a mera transposição do modelo aplicado no sistema regular de ensino. Há pelo menos três situações que precisam ser enfrentadas: a alfabetização; a efetivação do direito à educação para quem não concluiu o ensino fundamental na idade apropriada, que é a maioria, e a elevação da escolaridade, articulada com a educação técnica e profissional.

JP — A oportunidade de estudar é importante para uma pessoa que está na prisão?

RS — É importante, mas a educação sofre uma grande concorrência com o trabalho, pelas vantagens que este oferece. Mesmo com a concessão do direito à remição da pena pelos estudos, uma parcela pequena de presos procura voluntariamente a escola para a matrícula e a frequenta regularmente.

JP — O ensino oferecido nas prisões deve ocorrer no modo presencial ou a distância?

RS — Dada a condição de absoluta disponibilidade de tempo que o preso tem, é importante que a educação seja presencial, pois não só a escolarização importa, mas também a retomada do hábito de estudar, a aquisição da cultura do estudo, o gosto pela leitura, pela troca de experiências e pelo aprendizado coletivo. A educação a distância deve ser reservada a situações em que a aula presencial é inviável, como em casos de autorização de saída para frequentar o ensino superior, apoio ao ensino presencial ou meio de familiarização do preso com as novas tecnologias educacionais. Nunca como substituta das aulas presenciais.

JP — De que maneira sua experiência como ex-interno da antiga Febem e do sistema penitenciário contribui para o desenvolvimento das aulas ou para o relacionamento com os alunos?

RS — Em 15 anos de Febem, estudei apenas até a quinta série do ensino fundamental. Em quase dez anos de prisão, não acrescentei um ano de escolaridade sequer, pois não havia oferta da educação. Isso não me impediu de estudar como autodidata e depois, em liberdade, quando voltei a estudar para fazer o supletivo de 1º e 2º graus e, em seguida a universidade. Tenho clareza de que não voltei para a sala de aula para aprender, na expectativa de que ela pudesse me ensinar alguma coisa. Voltei à escola para buscar reconhecimento e certificação dos saberes que construí no mundo da vida. E retomei os estudos porque fazia um trabalho comunitário, queria reconhecimento profissional para ele, aumentar minha capacidade de interlocução com os setores que me interessavam e, sobretudo, profissionalizar meu trabalho. Isso me ensinou que a retomada dos estudos, o retorno à escola por parte do preso, não pode ser encarada como uma obrigação, até porque, para o adulto, a frequência escolar não é obrigatória. É preciso que ele sinta a necessidade, que ele consiga situar os estudos dentro de um certo projeto de vida e que seja valorizado o saber que ele construiu.

JP — Há alguma qualidade ou capacidade específica fundamental dos professores que dão aulas em prisões?

RS — Sem dúvida que há. Começa pela revisão dos próprios conceitos e preconceitos, pela revisão do que entende por crime, pena e prisão. Leva um tempo para que o profissional da educação descubra que por trás do condenado existe um ser humano que tem saberes muito particulares; que por trás do crime cometido há sempre fatores que vão além da motivação pessoal. E que a prisão é um lugar onde também se pode ensinar e aprender. Dentre todo o quadro de profissionais que atuam na prisão, professor é o que tem a melhor imagem diante dos presos, o mais bem quisto e tido como o mais confiável. Bem-querença esta que se estende aos presos que atuam como monitores de educação. Essa boa representação que o preso tem sobre o professor deve-se ao fato de que este não é visto como um agente do sistema, como alguém que está ali para vigiar, punir ou informar autoridades e juízes quanto ao seu comportamento.

JP — Que metodologia deve ser usada para a melhor aprendizagem dos presos?

RS — Considerando as três situações citadas — a alfabetização, o exercício do direito à educação e a elevação da escolaridade, articulada com a educação técnica e profissional —, não há uma metodologia única capaz de suprir diferentes necessidades, mas há abordagens que podem ser aplicadas às três situações. A primeira, considerar que o adulto preso já construiu uma certa “leitura de mundo”, ainda que rudimentar, antes de aprender a decifrar códigos e símbolos linguísticos. Então, a alfabetização e a pós-alfabetização precisam partir desses saberes com vistas a aprimorar essa “leitura de mundo”, torná-la mais sistemática, mais crítica e mais consciente. A segunda, que o exercício do direito à educação seja encarado como uma ação afirmativa, isto é, como a restituição de um direito negado no passado. A perspectiva de resgatar um direito negado é mais interessante do que estudar por obrigação ou por exigência do mercado de trabalho ou da sociedade. A terceira, a articulação entre elevação da escolaridade e profissionalização precisa ter como lócus privilegiado o local de trabalho do preso, servindo a sala de aula apenas e tão-somente para planejamento das atividades e sistematização dos conhecimentos adquiridos.

JP — Há um alto índice de analfabetos nos presídios?

RS — Em torno de 11%, no Brasil.

JP — Há muita desistência ou evasão nas turmas formadas?

RS — Sim, e na maioria das vezes por questões internas da própria unidade prisional, como dificuldades para tirar o preso da cela, audiências, transferências e castigos disciplinares.

JP — Como funciona o ensino dentro das prisões?

RS — Cada estado tem autonomia na oferta da educação em prisões. Em alguns, ela é oferecida pela secretaria estadual de educação, como ordenam as diretrizes nacionais para a oferta de educação em estabelecimentos penais. Em outros, é oferecida por meio de organizações não governamentais ou fundações estaduais, como é o caso de São Paulo. O que se quer, atualmente, é que a educação nas prisões seja uma responsabilidade do Estado, por meio das secretarias de educação e da entidade que administra as prisões, com profissionais do quadro da carreira do magistério, financiamento público, via Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação], inclusão no censo escolar e certificação por parte da secretaria da educação.

JP — Quais os estados que desenvolvem experiências bem-sucedidas?

RS — Antes da aprovação das diretrizes nacionais, encontramos em Mato Grosso do Sul uma situação muito favorável para transformar a educação nas prisões em uma política pública. Ali já existia uma escola-polo que desenvolvia esse trabalho, com um quadro de diretores, coordenadores e professores. Havia normativas tanto da secretaria de educação quanto do conselho estadual de educação. O estado, entretanto, não oferecia a educação em todas as unidades prisionais, nem conseguia atender a todos os presos que quisessem estudar. Em um mesmo estado pode haver experiências positivas, mas são pontuais, localizadas, o que não chega a constituir uma política pública de educação. É o caso das turmas de alfabetização em Pernambuco, a presença da universidade na Paraíba, o ensino superior em Minas Gerais, a atuação de presos como monitores de educação em São Paulo, a profissionalização em Guarapuava, no Paraná etc.