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JORNAL

Aulas de Ciências

Quinta-feira, 13 de Dezembro de 2012

Edição 81

EDITORIAL - Aulas de Ciências

Em sua 81ª edição, sobre o tema Aulas de Ciências, o Jornal do Professor apresenta experiências desenvolvidas por professores de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro. O assunto foi escolhido por 38,54% de nossos leitores.

A professora Odisséa Boaventura de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) participa da seção Entrevista. E a professora Renata Nalim Basilio Tissi, de Miracema (RJ), é a participante da seção Espaço do Professor.

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

Seja bem-vindo!

 

Projeto de ciências de escola do Mato Grosso do Sul é premiado em olimpíada nacional

Alunos, em círculo, amassam papel molhado

Projeto desenvolvido na Escola Municipal Professora Arlene Marques Almeida, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, obteve o primeiro lugar na Etapa Nacional da 6ª Olimpíada Brasileira de Saúde e Meio Ambiente (Obsma), na modalidade projeto de ciências. Interdisciplinar, o projeto abrangeu também as disciplinas de língua portuguesa, língua inglesa, matemática, artes e informática.

O projeto — Sustentabilidade: Tema Motivador para a Inserção do Aluno no Mundo Letrado — foi aplicado em 2011 em turmas do oitavo ano do ensino fundamental do turno vespertino. Os alunos envolvidos apresentavam dificuldade de compreensão, de estabelecer relação e fazer a interpretação de dados e de representação de informações para a tomada de decisões e enfrentamento de problemas.

“Os Parâmetros Curriculares Nacionais, documento que organiza o currículo, orienta que o professor, independentemente da sua área de formação, deve ter o texto como instrumento de trabalho”, diz a professora Marilyn Errobidarte de Matos, responsável pelo projeto. Ela argumenta que o texto deveria ocupar lugar de destaque no cotidiano escolar. Com o trabalho orientado para leitura, o aluno conseguiria apreender conceitos, apresentar informações novas, comparar pontos de vista e argumentar. “Em um mundo no qual os textos estão por toda a parte, entender o que se lê é uma necessidade para poder participar plenamente da vida social”, destaca.

De acordo com o diretor pedagógico adjunto da escola, André Afonso Vilela, a comunidade escolar comemorou a premiação, que revela o bom trabalho realizado por todos. “É o resultado da aposta em um ideal: a aprendizagem dos alunos”, ressalta. Há 12 anos no magistério, Vilela é graduado em filosofia e em história.

Marilyn atua no magistério há 20 anos, 16 dos quais como professora de ciências no ensino fundamental da rede municipal. Com licenciatura em biologia e mestrado em ensino de ciências, ela leciona no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul (IFMS), onde ministra aulas de metodologia de pesquisa científica a alunos do curso superior de tecnólogo em sistemas para internet. “Os projetos que desenvolvi sempre nasceram de uma necessidade da sala de aula, com temas escolhidos pelos alunos”, explica.

Tecnologias — Apreciadora das tecnologias de informação e comunicação (TIC), Marilyn usa nas aulas recursos que incluem desde quadro-negro e giz até a metodologia de pesquisa orientada da web, a webquest. “O interesse dos estudantes é despertado com atividades desafiadoras, com novidades, com tecnologias, com participação ativa”, afirma.

No período em que lecionou na rede municipal, a professora nunca trabalhou em escola que contasse com laboratórios. No entanto, isso não a impediu de desenvolver experimentos. “O laboratório da biologia é a vida, e vida tem em todo ambiente”, afirma. “Sempre desenvolvi experimentação com materiais do dia a dia, observação no jardim, na rua, na sala de aula.” Os professores, de acordo com Marilyn, contam com aliados muito significativos, como os vídeos disponíveis na internet. Outra opção são os objetos de aprendizagem. “Existem vários simuladores de experimentos de laboratório”, enfatiza.

Desafios — Também professor de ciências, com atuação em turmas do sétimo ao nono ano do ensino fundamental, Nivaldo Vitor de Albuquerque usa nas aulas conteúdo teórico e práticas diversificados, como recursos tecnológicos e de multimídia, além de cartazes, livros e peças de anatomia humana.

Para despertar o interesse dos estudantes pelas aulas de ciências, Albuquerque propõe atividades desafiadoras. “Faço com que eles percebam a necessidade do conhecimento para o desenvolvimento pessoal e cultural”, explica o professor, que este ano desenvolveu projeto sobre leishmaniose tegumentar e visceral. Com licenciatura e bacharelado em ciências biológicas e especialização em planejamento e gestão ambiental, Albuquerque está no magistério há 17 anos.

A Olimpíada Brasileira de Saúde e Meio Ambiente é promovida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco). Realizada a cada dois anos, tem o objetivo de estimular o desenvolvimento de atividades interdisciplinares nas escolas públicas e particulares brasileiras. (Fátima Schenini)

Aprendizado ganha reforço com as atividades fora da escola

Alunos assistem palestra na Fiocruz

As professoras do primeiro ano do ensino fundamental da Escola Municipal Érico Veríssimo, no bairro de Acari, Zona Norte do Rio de Janeiro, costumam levar os alunos a participar de atividades fora de escola para reforçar a aprendizagem. Um dos locais mais visitados, o Museu da Vida, vinculado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é um espaço criado para informar e educar, de modo lúdico e criativo, em ciência, saúde e tecnologia.

Durante uma das visitas, os estudantes tiveram a oportunidade de revirar o solo, com pequenas pás, para procurar insetos. “Foi uma vivência lúdica”, disse a professora Fabíola do Vale Loureiro. Com licenciatura e bacharelado em história, ela atua no magistério há 17 anos e leciona também na Escola Municipal Nereu Sampaio, no bairro de Inhaúma (Zona Norte).

Segundo a professora Luciane do Carmo Pereira, a oportunidade de comparar, ao microscópio, água potável e não potável e nesta constatar a presença de micro-organismos ajuda os estudantes a aprender de maneira mais fácil. “Os alunos passam a usar no dia a dia aquilo que aprendem durante as visitas”, destaca Luciane. Sempre que surge uma oportunidade, ela programa atividades para os estudantes com a também professora Jaqueline Campos, colega de turno. Para a fixação do conteúdo, após as visitas, elas desenvolvem trabalhos conjuntos. “Os estudantes constroem textos coletivos, fazem cartazes, desenhos, recortes e colagens, que expomos na escola”, explica.

Luciane costuma explorar, com os alunos, o espaço verde da escola, no qual são cultivados vários tipos de plantas. Eles pesquisam os diferentes tipos de folhas e sementes a fim de trabalhar conteúdos como formas, cores, tamanhos, cheiros etc.

Na Feira de Ciências realizada na escola este ano os alunos das duas professoras apresentaram as propriedades de plantas medicinais e mostraram temperos. Algumas das espécies foram coletadas na própria instituição.

Há 22 anos no magistério, Luciane trabalha também no Colégio Estadual Olímpia do Couto, em Irajá, outro bairro da Zona Norte. Sua formação inclui, além do magistério (antigo curso Normal), graduação em serviço social.

Benefício — Professor de ciências e de biologia no ensino médio e fundamental em escolas do Rio de Janeiro e de dois municípios da Baixada Fluminense, Alann Fernandes Pereira costuma levar os alunos a fazer visitas, pelo menos uma vez a cada semestre. “O maior benefício é possibilitar aos estudantes conhecer outros locais de pesquisa e aprofundamento e a aprender, na prática, o que os professores levam a eles na teoria”, destaca.

Com licenciatura em ciências biológicas, Alann faz especialização em ensino de biociências e saúde na Fiocruz. Há 12 anos no magistério, ele leciona no Colégio Estadual Dom Pedro I, em Mesquita, e no Colégio Estadual Capitão Joaquim Quaresma de Oliveira, em Nova Iguaçu, ambos na Baixada Fluminense. Trabalha também no Centro Escolar de Copacabana (CEC), na Zona Sul carioca, e em escolas do Serviço Social da Indústria (Sesi).

Para atrair a atenção dos alunos, o professor inicia as aulas com o repasse de informações sobre pesquisas realizadas. (Fátima Schenini)

 

Projetos de escola paulista são expostos em mostras tradicionais

Alunos observam maquetes em feira de ciências

As feiras de ciências são tradição na Escola Estadual Professor José da Costa, no município de Cubatão, na Baixada Santista, a cerca de 70 quilômetros de São Paulo. A primeira edição ocorreu em 2005, sob a coordenação da professora de química Nirlane Cristina dos Reis. A escola tem cerca de 2,3 mil alunos, do ensino fundamental II ao ensino médio.

Desde que foi realizado pela primeira vez, o evento foi marcante para alunos e professores de todas as áreas do conhecimento. Tanto que motivou a participação da escola em outras atividades. Hoje, projetos bem classificados participantes da feira de ciências da escola podem participar da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e da Mostra Paulista de Ciências e Engenharia (MOP).

Para participar da feira, os alunos escolhem os temas e recebem orientações dos professores para o desenvolvimento dos trabalhos e apresentações. Organizados em grupos de até três componentes, os estudantes reúnem-se fora do horário habitual das aulas, na biblioteca e na sala de informática da escola, para preparar o evento.

“Todas as áreas do conhecimento são contempladas com projetos, não só a área de ciências físicas, químicas e biológicas”, explica Vera Lúcia Quintino de Lacerda, professora de ciências das turmas do nono ano. Os projetos que ela orientou para a feira de ciências de 2012 abordaram a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez na adolescência.

De acordo com Vera Lúcia, os alunos gostam de desenvolver engenhocas, mas esbarram nas dificuldades com a leitura, a pesquisa e, principalmente, com a redação de relatórios sobre as produções.

Laboratório — A professora procura levar os estudantes ao laboratório sempre que possível para desenvolver projetos e colocar em prática os exercícios propostos pela apostila de ciências da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. “Eles apreciam colocar em prática as teorias que costumam ver descritas nas apostilas e socializar os resultados, tanto na classe quanto na feira de ciências da escola”, relata. Professora há 25 anos, Vera Lúcia é graduada em ciências físicas e biológicas.

“Nossa escola incentiva o uso do laboratório, em atividades práticas que contextualizam os conteúdos curriculares de ciências físicas e biológicas, no ensino fundamental II, e de física, biologia e química, no ensino médio”, salienta a diretora da instituição, Josélia da Paixão e Silva. Formada em pedagogia, 23 anos de magistério, Josélia tem experiência de 18 anos como diretora. (Fátima Schenini)

Grupo da Unicamp é referência na capacitação de professores

Professor Jorge (de barba) durante apresentação de trabalho

A disposição para realizar pesquisas sobre a formação de professores na área de ciências da natureza e produzir melhorias nessa formação e nos processos de ensino-aprendizagem na educação básica foi o ponto de partida para a criação do grupo Formar Ciências, da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (Unicamp). Criado em 1997, o grupo de estudos e pesquisas busca articular a produção acadêmica e demais conhecimentos na área de ensino de ciências com os propósitos da formação inicial e continuada de professores.

O grupo é formado por cinco docentes da Unicamp, três professores colaboradores de outras universidades e cerca de 20 estudantes de graduação, mestrado e doutorado. De acordo com o coordenador, Jorge Megid Neto, o grupo constituiu-se, desde o início, como forte referência nacional no campo das pesquisas de “estado da arte” sobre a produção acadêmica brasileira — estudos de análise e avaliação de teses e dissertações —, bem como no campo da análise e avaliação de livros didáticos da área de ciências.

Em seus 15 anos de existência, o Formar Ciências promoveu vários cursos de extensão de curta duração, além de cursos de especialização voltados principalmente para professores do ensino fundamental. Orientações individuais, grupos de estudos, atividades em disciplinas ou oficinas são outras atividades desenvolvidas. Um dos eventos mais importantes promovidos pelo grupo é o Encontro de Formação Continuada de Professores da Área de Ciências (Enfoco), que já teve sete edições.

O grupo atende professores da educação básica das redes pública e particular e estudantes de cursos de licenciatura da Unicamp. “Também temos algumas ações que envolvem alunos do ensino médio de escolas públicas”, diz Neto. “Na pós-graduação, o público é bem diversificado e de várias regiões do país.”

Segundo Neto, como a demanda é maior do que a oferta, sempre há algum tipo de seleção para a participação de professores em oficinas.

Dentre as grandes atividades desenvolvidas este ano está a elaboração de catálogos analíticos de dissertações e teses na área de ciências da natureza e na de educação ambiental, em conjunto com a Universidade Estadual Paulista (Unesp), câmpus de Rio Claro, Universidade de São Paulo (USP), câmpus de Ribeirão Preto, e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O grupo registra também em 2012 a consolidação do Programa de Pós-graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática da Unicamp (mestrado e doutorado) e a formação complementar para alunos de ensino médio de escolas públicas, com recursos do programa Novos Talentos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação.

Licenciado em física, Neto tem mestrado em educação, ensino de física, e doutorado em educação, ensino de ciências, ambos pela Unicamp. Coordenador de extensão da Faculdade de Educação e do programa Multiunidades de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, ele tem experiência como professor de física no ensino médio — atuou de 1979 a 1995. (Fátima Schenini)

Confira a página do grupo Formar Ciências na internet

Professora cria jogo matemático com garrafas plásticas

Renata Nalim Basílio Tissi

Professora de matemática no município de Miracema, no noroeste fluminense, Renata Nalim Basilio Tissi criou um jogo de tabuada utilizando garrafas plásticas retornáveis (PET) e saquinhos feitos com tecido não tecido (TNT). Segundo ela, o jogo estimula a competição saudável, o raciocínio lógico, a socialização e a concentração. “O que me marcou muito na aplicação desse jogo foi o fato de alunos que têm dificuldades em matemática terem conseguido jogar”, salienta.

A professora diz que sempre procura contar com a participação dos alunos na elaboração dos materiais dos jogos, para que possam se sentir valorizados. No jogo da tabuada, os estudantes colaboraram na fase inicial: “eles ajudaram a lavar, limpar, e tirar rótulos das garrafas”, explica. Na confecção dos saquinhos, ela não pode contar com a ajuda dos alunos, pois a atividade envolve o uso de máquina de costura. Sua filha Ester e sua sobrinha Maria Letícia auxiliaram a enchê-los. ”Elas pensaram que era uma brincadeira”.

Graduada em matemática, Renata leciona no Centro Integrado de Educação Pública Maria Aparecida Lima Souto Tostes (Ciep 267), há cerca de cinco anos. Em 2012, ela dá aulas no oitavo ano do ensino fundamental. Leia, abaixo, o projeto do jogo de tabuada criado por ela. (Fátima Schenini)

Tema: Jogo da tabuada com garrafas PET e saquinhos de TNT

Campo de atuação: 8º ano do Ensino Fundamental

Introdução

Visando reforçar ou até mesmo ensinar a operação de divisão, confeccionei um jogo com cartas, garrafas PET e saquinhos de TNT para ensinar a divisão de forma lúdica. Com este jogo, a multiplicação também poderá ser trabalhada. Além de ensinar a tabuada iremos trabalhar a ideia de preservação do meio ambiente reutilizando a garrafa PET. Esta, que poderia ser descartada, virou peça do jogo da tabuada. A conscientização de reutilizar materiais é muito importante, pois o aluno terá a consciência que reciclar é preciso.

Objetivo

Reforçar as operações fundamentais divisão e multiplicação, de forma lúdica, nas turmas de Ensino Fundamental.

Material utilizado:

Dez garrafas PET de dois litros, transparentes (opcional); fita adesiva colorida (pelo menos cinco cores diferentes); cartões de cartolina branca (9cm x 6cm); caneta hidrocor ou pincel atômico; 100 saquinhos de TNT (6cm x 4cm).

Como jogar:

As cartas serão separadas da seguinte forma: de um lado ficarão os números de 1 a 10 (divisores) e do outro, os resultados das divisões (dividendos). As dez garrafas PET ficarão dispostas sobre a mesa, aguardando que um aluno retire a primeira carta de 1 a 10. O número que sair indicará a quantidade de garrafas que continuarão sobre a mesa. E a próxima carta do monte dos dividendos será o número a ser dividido pela carta anterior que resultou no número de garrafas sobre a mesa. O aluno então pegará saquinhos de TNT para representar o dividendo. Logo após começará a distribuir os saquinhos entre as garrafas sobre a mesa. Essa distribuição resultará em uma divisão exata. Caso sobrem ou faltem saquinhos, isso indicará que o aluno fez um cálculo errado.

Observação: Mesmo o jogo sendo feito com divisões exatas, isso não impede que o professor trabalhe tais questões como divisão não exata. Esse jogo é muito simples e pode ser explorado de diversas formas.

Conclusão:

Os alunos tiveram resistência em iniciar o jogo, pois achavam que seria algo muito chato. Desafiados a aprenderem tabuada de uma forma diferente, sentiram-se motivados a participar e começaram a jogar. Eles trabalharam em grupo, o que reforçou a cooperação entre eles. Os melhores resultados foram obtidos pelos grupos que se ajudaram mutuamente. No final, foi surpreendente verificar o entusiasmo da turma com o jogo.

Anexos:

Divisores e dividendos da tabuada de divisão por 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10. Imprimir, recortar e depois colar, cada um, em cartolina.

Divisores: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Dividendos: 12 14 15 16 18 20 21 24 25 27 28 30 32 35 36 40 42 45 48 49 50 54 56 60 63 64 70 72 80 81 90 100

Odisséa Boaventura de Oliveira (UFPR): professor precisa fazer aproximações com o cotidiano

Professora Odisséa B. de Oliveira

Com doutorado em educação pela Universidade de São Paulo (USP), mestrado também em educação, pela Universidade de Campinas (Unicamp), a professora Odisséa Boaventura de Oliveira é chefe do Departamento de Teoria e Prática de Ensino da Universidade Federal do Paraná.

Graduada em ciências biológicas, pedagogia e licenciatura em ciências, ela leciona as disciplinas de prática de ensino de ciências; biologia e estágio supervisionado; metodologia de ensino de ciências; biologia e ensino das ciências no Brasil: histórico, abordagens e perspectivas de investigação. Sua experiência profissional inclui, ainda, o ensino de ciências e biologia para alunos da educação básica, por mais de dez anos.

Para Odisséa, a questão fundamental do processo de ensino e aprendizagem em ciências é a de lidar com a dualidade concreto-abstrato, pois acredita que o professor precisa fazer aproximações com o cotidiano, onde entram tanto a linguagem quanto as estratégias, para que o aprendizado possa ocorrer.

Jornal do Professor – Como os professores do ensino básico podem despertar o interesse dos alunos pelas aulas de ciências?

Odisséa Boaventura de Oliveira – Entendo que “despertar o interesse” está próximo de “motivar”. Não gosto destas expressões, pois elas enfatizam que “alguém” ou “algo externo” deva realizar tal fato. Prefiro a ideia proposta por Bernard Charlot, de “mobilização”, a qual implica o sentido de “colocar-se em movimento”, que envolve uma dinâmica interna ao sujeito, ainda que obviamente envolva o exterior, pois se quero alcançar algo me mobilizo para isso. Explicando melhor porque vejo problemas no “despertar interesse no ensino de ciências”; geralmente isto implica no uso de recursos e estratégias de ensino, por exemplo, jogos, aulas práticas ou experimentos, vídeos, imagens, textos diferenciados, computador. Entendo que cada um deles tem uma função na aprendizagem e veiculam concepções de ensino, de aprendizagem, de ciência, mas frequentemente são esquecidas em favorecimento à motivação. É como se bastasse utilizá-los para que o aluno se interesse e com isso ocorra aprendizagem, apenas porque ele se envolveu com o recurso ou com a estratégia. Mas esses elementos (recurso e estratégia) são instrumentos utilizados na relação pedagógica para que o aluno se aproprie de um conhecimento que acaba praticamente esquecido, pois se acredita que o envolvimento seja suficiente.

Assim, “mobilizar”, conforme entendido por Charlot, significa reunir forças para fazer uso de si próprio como recurso e é com isso que o professor precisa se preocupar, problematizando questões relacionadas ao conhecimento das ciências levando o aluno a engajar-se na atividade, que se mobilize para compreendê-lo, ou melhor, apreendê-lo.

JP – É possível ensinar conteúdos de ciência e tecnologia de modo fácil e divertido? De que maneira?

OBO – Existem muitas estratégias de ensino que são divertidas, como jogos, culinária, construção de maquetes, representação de papéis, leitura de textos humorísticos dentre outras, no entanto desconfio um pouco da facilitação da aprendizagem. Aprender é uma tarefa que requer esforço, é trabalho, como disse antes, é preciso mobilizar-se para isso. E no caso, a aprendizagem de conteúdos de ciências requer certa abstração. Não dá para achar que aluno aprenderá a partir da passagem facilitada do pensamento concreto para o abstrato, por um processo contínuo sem promover uma ruptura na forma de pensar.

Em minha opinião, a questão fundamental do processo de ensino e aprendizagem em ciências é a de lidar com a dualidade concreto-abstrato, pois o professor precisa fazer aproximações com o cotidiano e nesta aproximação entram tanto a linguagem (como as analogias), quanto as estratégias (como as citadas acima). Mas ao ter como fim os conceitos científicos, o professor de ciências precisa fazer a mediação entre as diferentes racionalidades, a cotidiana e a científica. Enquanto o conhecimento cotidiano se constitui tendo por base fundamentos diários observáveis, baseado na realidade sensorial, afetiva, imagética, o conhecimento científico se fundamenta na elaboração teórica, no mundo das ideias, portanto trata-se de uma representação abstrata da realidade.

A escola tem que promover o diálogo entre estas duas racionalidades, o que não é tarefa fácil. Pode recorrer às estratégias divertidas? Sim, deve, mas sem perder de vista que sua finalidade é a formação de consciência crítica em relação a ambos os conhecimentos, ou seja, levar o aluno a compreender que a ciência não é algo tão simples quanto as ações do dia a dia, e que as explicações cotidianas necessitam de uma reconstrução à luz do conhecimento escolar. Isto pode ser feito promovendo sua aproximação com as condições de produção das ciências e suas relações com a tecnologia, por meio de estudos históricos, o que talvez possa ser mais fácil e divertido.

JP – Em sua opinião, as instituições de ensino superior preparam adequadamente os futuros professores de ciências? Por quê?

OBO – Essa é uma pergunta difícil, pois se disser que sim, poderia ser questionada: “então por que a educação está numa situação tão deficitária?”, haja vista o desempenho dos estudantes nas avaliações governamentais. Por outro lado, se eu disser que não, poderia colocar em descrédito meu próprio trabalho. Então para fazer justiça com as instituições formadoras e com as escolas, vou destacar dentre os diferentes desafios que estão aí para serem enfrentados na formação inicial do professor, apenas a relação teoria-prática.

Esta relação é um problema histórico na formação, advém da própria organização do curso em que se tinha três anos de disciplinas específicas e um ano de disciplinas pedagógicas. Hoje, por mais que as grades curriculares dos cursos tragam uma articulação entre essas disciplinas, ainda há deficiências de ordem epistemológica, isto é, a forma de conceber a articulação não está baseada num pressuposto comum, que seria a pesquisa.

A pesquisa, por si só requer tal articulação, não é possível investigar um aspecto do processo ensino-aprendizagem sem recorrer a fundamentos teóricos e práticos. Então enquanto as instituições não adotarem tal perspectiva na formação estarão falhando nesta articulação.

JP – Quais os principais pontos que procura enfatizar com seus alunos, futuros professores?

OBO – Além dos citados anteriormente, a problemática que envolve o uso de recurso e estratégias didáticas, a abstração necessária para aprender ciências, a pesquisa na formação. Também procuro enfocar aspectos relacionados à linguagem, mais especificamente ao discurso pedagógico, ou seja, à forma de conceber o professor, o aluno e o conteúdo.

Neste caso, penso o discurso a partir da interação entre os participantes (no caso o professor e os alunos) e os sentidos produzidos nessa interação. Assim, procuro abordar com meus alunos licenciandos a importância de se considerar em uma aula o que os estudantes têm a dizer sobre o conteúdo, pois os significados que o professor projeta naquilo que ensina nem sempre são os mesmos que os alunos elaboram. Valorizar esse processo de significação implica em reconhecer que há diferentes aprendizagens.

JP – É importante que os professores de ciências participem de cursos ou oficinas para reciclagem de conhecimentos ou aprendizado de novas técnicas? Por quê?

OBO – Claro que sim! É imprescindível, por conta do que já disse antes. Ser professor é uma profissão desafiadora, cheia de imprevistos, de incertezas, de inovações e ele não pode se ausentar no enfrentamento destes desafios. Para isso o estudo, a pesquisa, a frequência em cursos, oficinas, eventos, seminários contribuem para o encontro/discussão/compartilhamento de alternativas para o processo ensino-aprendizagem.

JP – Qual a contribuição que as instituições acadêmicas podem dar?

OBO – As instituições formadoras podem contribuir de diferentes modos, quando procuradas pelas secretarias de educação, para ofertar cursos e atividades formativas ou propondo parcerias com as escolas, particularmente nos momentos dos estágios obrigatórios que constam nas grades curriculares dos cursos de licenciatura. Esse seria um momento interessantíssimo para a articulação entre a formação dos futuros professores e daqueles que estão em serviço.

No entanto, há um princípio básico que deve ser considerado nessa formação: a parceria, a construção conjunta. Pois, a universidade não tem as respostas prontas para os professores, nem pode impor os conhecimentos circulantes ali como panaceia para os problemas escolares. O ponto essencial é partir das necessidades e conhecimentos dos professores para que coletivamente se encontre possibilidades de enfrentamentos, sejam de ordem metodológicas, curriculares ou sociais.

JP – A Universidade Federal do Paraná promove algum tipo de atividade nesse sentido? Quais as principais?

OBO – A universidade tem atuado em vários projetos de formação de professores em serviço, como aqueles promovidos pelas secretarias municipais de educação, em que a universidade oferece cursos, faz assessoria para a produção de materiais didáticos ou para a reformulação curricular, ou orienta projetos de ensino que os professores desenvolvem em suas aulas. Por exemplo, na área de ciências, há um junto à Secretaria de Curitiba, denominado “Parceria Escola-Universidade”, em que os professores da rede municipal desenvolvem um projeto de intervenção em sua sala de aula sob orientação de um professor da universidade, cuja duração é de cerca de oito meses. Junto à secretaria estadual há o PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional), neste o professor frequenta cursos na UFPR e também desenvolve um projeto orientado por um docente da universidade, com duração de dois anos. Além de cursos e eventos de extensão esporádicos ofertados aos professores. Em relação à formação conjunta de futuros professores e aqueles que estão em serviço, temos o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), financiado pelo governo federal. Ele conta com dois professores da escola para orientar e 15 licenciandos sob coordenação de um docente da universidade. Sou coordenadora de um projeto PIBID e, ainda que em fase inicial, tenho percebido bons resultados no grupo de estudos que realizamos semanalmente. Já em relação à formação nos estágios, às vezes acontecem eventos ao longo do semestre em que há troca de conhecimentos entre os professores envolvidos, mas não é uma prática sistemática e corriqueira. Deveria ser melhor organizada.

JP – Em sua opinião, é importante que os alunos participem de atividades como exposições e feiras de ciências? Por quê?

OBO – Sim, todo contato com atividades científicas pode contribuir na formação do aluno, para aquela compreensão que citei anteriormente, a de que o conhecimento científico é abstrato e se diferencia do cotidiano. As feiras, exposições, mostras, museus sempre contam com recursos que se diferenciam dos presentes na escola, de modo que a frequência a esses espaços pode garantir uma aprendizagem adicional, pelo fato do aluno estar mais descompromissado com o conhecimento veiculado.