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DIARIO
Edición 42 - Educação Infantil
06/08/2010
 
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Flávia Motta (UFRRJ): educação infantil é uma etapa fundamental

Flávia Motta é professora da UFRRJ

Flávia Motta é professora da UFRRJ

Autor:Arquivo pessoal


Docente do Departamento de Educação e Sociedade do Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Flávia Miller Naethe Motta é professora convidada do Curso de Especialização em Educação Infantil da PUC do Rio de Janeiro. Formada em psicologia, com mestrado e doutorado em educação, Flávia Motta é membro do Grupo de Pesquisa Infância, Formação e Cultura (Infoc). Em sua opinião, a educação infantil é uma etapa fundamental na construção do pensamento mais complexo e o professor é aquele que vai mediar as relações que as crianças vão estabelecer com o seu contexto cultural e com os saberes do mundo.

Para ela, a escola é o espaço apropriado para a construção dos conceitos científicos que permitirão ao pensamento infantil uma passagem para um nível diferente de pensar, marcado pelas funções mentais superiores. Além disso, acredita que fatores como a perda de espaços anteriormente utilizados para as brincadeiras das crianças – como as ruas – e a redução do tamanho das famílias, fazem com que a escola acabe por ser um espaço, imprescindível, de convivência e de troca.

Jornal do Professor – Qual é a importância da educação infantil? Com qual conceito ela foi criada?

Flávia Motta – A educação infantil, a partir da Constituição de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, foi reconhecida como um direito da criança, um dever do Estado e agora, paulatinamente deixa de ser uma opção da família, para constituir-se numa obrigação, com a aprovação da PEC 96A/03. A oferta da educação infantil, enquanto política de Estado, é o reconhecimento das crianças como sujeitos sociais de direitos.

A importância da educação infantil, entretanto, extrapola o aspecto social, quando pensamos o que ela pode significar para cada criança concreta que pode vivenciar essa experiência. Hoje reconhecemos que as crianças são sujeitos produzidos na e produtores de cultura. Sabemos que a socialização não é um processo vertical, de cima para baixo, onde as gerações mais velhas incutem valores nas mais novas. As crianças ressignificam o que o mundo ao seu redor oferece a elas e esse processo acontece de maneira intensa naquilo que chamamos hoje de cultura de pares. A possibilidade de se encontrar entre outras crianças propicia a intensificação deste processo que se dá desde muito cedo, com bebês ainda na creche.

Devemos reconhecer ainda a função do professor de educação infantil como aquele que vai mediar as relações que as crianças vão estabelecer com o seu contexto cultural e com os saberes do mundo. A criança constrói conhecimentos espontâneos para explicar a realidade ao seu redor. A escola, desde a educação infantil, é o espaço apropriado para a construção dos conceitos científicos que permitirão ao pensamento infantil uma passagem para um nível diferente de pensar, aquele que segundo Vigotski é marcado pelas funções mentais superiores.

Sabemos que a escola moderna teve um papel significativo na construção do sujeito da modernidade e do próprio sistema capitalista. De uma forma geral, ela foi pensada para atender a um modelo de criança oriunda das classes dominantes. Esse modelo de criança, que crescia numa cultura aproximada daquilo que era cobrado na escola, afastava ainda mais as crianças das camadas populares. Dessa forma, a educação infantil assumiu, desde muito cedo, um caráter compensatório, onde deveria propiciar às crianças mais pobres, um acesso a um mundo cultural legitimado pela cultura dominante. Essa educação que pode ser chamada de compensatória foi influenciada por Pestalozzi, Froebel, Montessori e McMillan. A pré-escola era encarada como uma forma de superar a miséria, a pobreza, a negligência das famílias. Junte-se a isso, o desempenho esperado na escola primária e a educação infantil tinha tudo para se tornar um espaço preparatório que deveria suprir aquilo que, nessa concepção, faltava às crianças.

Por outro lado, a educação infantil desenvolveu-se atrelada à necessidade das mães trabalhadoras, de terem um lugar onde deixar suas crianças. As creches supriam, dessa maneira, uma necessidade dos adultos (não que isso não fosse legítimo, mas sua motivação não estava naquilo que era efetivamente uma demanda infantil). Assim, antes de uma instituição educativa, a creche se configurava como uma entidade assistencial. Inicialmente podemos pensar então numa educação voltada para os cuidados e para o desenvolvimento intelectual – no sentido da cultura dominante – que as famílias de origem popular não podiam oferecer às suas crianças.

JP – Quais os níveis existentes na educação infantil e quais as principais diferenças entre eles?

FM – A educação infantil se divide em creche (0 – 3 anos) e pré-escola (4 e 5 anos). Na prática, durante muito tempo se discutiu a dicotomia entre o educar e o cuidar, como se uma fase demandasse mais cuidados e outra, mais educação. As pesquisas no campo educacional mostraram, entretanto, que essa era uma falsa dicotomia e que as duas características estão presentes em todos os níveis de escolaridade.

De qualquer forma, vemos hoje instituições profundamente marcadas pela cultura escolar, onde alfabetos são colocados nas paredes do berçário e as experiências de letramento são pensadas, não como apropriação de uma leitura crítica ou estética do mundo, mas como aquisição de ferramentas de codificação e decodificação da escrita e da leitura. Creio que a pré-escola acaba sendo mais cobrada dessa função escolarizada, enquanto a creche continua sendo percebida, muitas vezes, como espaço de guarda das crianças. Felizmente, essa concepção de educação infantil encontra críticos que propõem novos olhares, no dia-a-dia das escolas, na academia, nas pesquisas.

A obrigatoriedade da escolarização a partir dos quatro anos, no entanto, promove uma grave cisão na educação infantil, que, mais uma vez, se vê pensada nas duas fases que a compõem: creche e pré-escola. Na medida em que a creche fica excluída desse processo - e não se trata aqui de defender a sua obrigatoriedade! – temos uma diminuição da sua importância perante os órgãos públicos que devem garantir seu financiamento. A questão pode ser vista ainda pela ótica de que a existência de um direito, previsto na Constituição desde 1988, não é suficiente para a sua garantia, o que o faz valer é a sua demanda virar uma obrigação. Sem dúvida, aumentar a oferta de pré-escolas tem um lado extremamente positivo e provavelmente vai beneficiar crianças que hoje estão fora da escola. Os aspectos orçamentários presentes nesse debate também merecem destaque. Segundo a Emenda Constitucional nº 59/09, os recursos devem ser alocados prioritariamente na nova faixa de obrigatoriedade (novo § 3º do art. 212), o que significa que, a nível municipal, a ampliação dos recursos só pode se dar pela pré-escola, uma vez que o ensino médio não é de sua competência. O direito à creche, nesse contexto, parece ter deixado de ser exigível. De fato, a obrigatoriedade da escolarização dos 4 aos 17 anos está posta. Trata-se agora de discutir que escola é esta que será oferecida às crianças, lembrando ainda o quanto é artificial essa divisão que separa em universos distintos crianças até 5 anos e 11 meses daquelas que já completaram 6 anos. O que está em jogo é o modelo de educação a ser implantado nas escolas para as crianças até os 10 anos, fase em que ainda se situam na infância.

JP – O que é importante aprender nesta fase? O que as crianças desenvolvem nesta etapa da vida?

FM – Essa etapa é fundamental na construção do pensamento mais complexo. Nessa fase a criança está aprendendo coisas referentes aos saberes escolarizados, mas está também aprendendo muitas outras: o que é ser menino ou menina, qual a diferença dos papéis sociais de pessoas de diferentes etnias/raças, qual é o valor estético de uma produção mais autêntica ou de outra, mais voltada para a estética dos adultos, entre outras. Não é à toa que vemos muitas crianças terminarem a educação infantil realizando aqueles desenhos estereotipados que mostram casas, árvores e flores coloridas, bem dentro da idéia que nós adultos temos do que deve ser um desenho infantil. Se pensarmos em termos mais filosóficos, podemos afirmar que o que está em jogo nesse momento é a construção de uma moral, de uma ética e de uma estética que vão orientar o sujeito, não de forma determinista – pois as situações concretas de sua vida podem levá-lo a reformulá-las – mas de qualquer maneira, elementos que serão estruturantes de valores e, se ainda podemos usar esse conceito, tão criticado pelo pensamento contemporâneo, da sua identidade.

JP – A partir de que idade é importante que uma criança frequente a educação infantil?

FM - É complicado estabelecer idades que funcionem de maneira igual para sujeitos com histórias diferentes. De qualquer forma, acredito que o contato com pessoas para além do círculo familiar mais próximo é uma experiência rica desde a mais tenra idade. Atualmente, espaços que eram ocupados pelas crianças foram sendo perdidos; não se brinca na rua como antigamente, as famílias, de uma maneira geral estão mais reduzidas ou restritas aos núcleos mais centrais. Assim, a escola acaba por ser um espaço de convivência e de troca, imprescindível na atualidade.

JP – Quais as habilidades que um professor precisa ter para atuar neste nível de aprendizagem?

FM - Um professor, de qualquer faixa etária, deve ser alguém que tenha interesse por gente, goste de dialogar (verdadeiramente ouvindo o que o outro tem a dizer) e que procure desenvolver uma postura reflexiva de sua prática. Isso, no entanto, se aplica a professores desde a educação infantil até a formação universitária. Além disso, considero importante ainda que o professor se permita explorar aspectos relativos à cultura: música, filmes, museus, teatro, literatura, para que ele possa vivenciar experiências estéticas que possibilitem que ele seja um mediador das mesmas para seus alunos. Creio ainda ser importante que esse professor seja antenado com as culturas infantis, tanto naquilo que as crianças produzem, quanto naquilo que é produzido para elas, para ter elementos que permitam uma troca efetiva e uma crítica do que é ofertado para o consumo das crianças. Por fim, acho que deve ser alguém disposto a abrir mão de uma lógica adultocêntrica, que enxerga o mundo pelas lentes da cultura adulta.

JP – Em sua opinião, os professores de educação infantil estão sendo preparados de forma adequada pelos cursos de pedagogia? Por quê? Em caso negativo, o que precisaria mudar nos currículos?

FM - É complicado falar dos “professores” como é complicado falar das “crianças” generalizando aspectos de uma realidade que é muito complexa. Tenho certeza que temos excelentes programas de graduação, assim como reconheço que devam haver vários que deixam muito a desejar. O fato concreto é que a formação inicial e a prática precisam se articular através dos estágios, da pesquisa, das atividades de extensão e também de um movimento das escolas em acolher os novos professores e contribuírem em sua socialização profissional.

JP – Quais são as novas diretrizes da educação infantil? Quais os avanços que traz?

FM - O documento atualmente representativo das diretrizes governamentais são os Subsídios para Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica - Diretrizes Curriculares Nacionais Específicas Para a Educação Infantil, elaborado com a consultoria da professora Sonia Kramer e disponível na página do MEC. A revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil fundamenta-se numa concepção de criança enquanto sujeito sócio-histórico-cultural, cidadão de direitos. E reconhece que as instituições educativas devem considerar as especificidades e singularidades da criança, com ênfase em práticas de educação, nas quais está envolvida a dimensão do cuidado, responsáveis pelo desenvolvimento físico, emocional, afetivo, cognitivo, linguístico e sociocultural.

As propostas pedagógicas para a educação infantil devem atender às especificidades das crianças de 0 aos 6 anos, sujeitos sociais, produtores de cultura e produzidos na cultura. Ao longo deste período, vão sendo desenvolvidas a linguagem (verbal e não-verbal), afetividade emoções e sentimentos), a motricidade (os movimentos, a gestualidade, a expansão do corpo no espaço) e a cognição (o pensamento, a dimensão racional), constituindo-se nas interações sociais.

A ludicidade caracteriza o trabalho pedagógico nas instituições de educação infantil: o desenvolvimento e a aprendizagem são relacionados às possibilidades de brincar; a brincadeira é compreendida como uma forma de aprender o mundo por parte da criança. Para tal, é necessário garantir materiais lúdicos/brinquedos de qualidade e que o profissional que atua com a criança tenha conhecimentos sobre a cultura lúdica.

A educação infantil, como primeira etapa da educação básica, é direito social das crianças e de suas famílias, sem qualquer requisito de seleção. Além disso, há uma qualidade do trabalho cotidiano nas instituições de educação infantil que deve ser assegurada, considerando a identidade e a diversidade sócio-cultural das crianças e suas famílias; a organização do tempo em rotinas que equilibrem segurança e flexibilidade; ritmos individuais e referências familiares; vivências pessoais e experiências culturais; a organização de espaços deve torná-los acolhedores, desafiadores, saudáveis e inclusivos, e deve promover o contato com equipamentos culturais (livros de literatura; brinquedos; objetos; produções e manifestações artísticas) e com a natureza. Aspectos como higiene, conforto, relação apropriada entre a quantidade de adultos e crianças também devem ser observados.

As propostas pedagógicas das instituições de educação infantil devem respeitar o direito à liberdade, à exploração dos espaços, à brincadeira e à expressão de significados pelos movimentos, palavras, desenhos e outras formas de produção simbólica, bem como o direito das crianças à apropriação e construção dos conhecimentos e a ampliação do universo cultural. Devem ainda respeitar e acolher as crianças em suas diferenças; entendendo que são cidadãs de direitos à proteção e à participação social;

Os eixos de saberes e conhecimentos a serem contemplados são:

- As crianças e a arte: experiências estéticas e expressivas com a música, artes visuais e plásticas, cinema, fotografia, dança, teatro, literatura.

- As crianças, a leitura e a escrita: experiências de narrativa, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos.

- As crianças e o conhecimento matemático: experiências de exploração e ampliação de conceitos e relações matemáticas.

- As crianças e a natureza: experiências que possibilitem o contato, o conhecimento, o cuidado (a preservação) da biodiversidade e a sustentabilidade da vida na Terra.

As diretrizes sugerem ainda uma atenção especial às transições vivenciadas pelas crianças. Que envolvem, desde a passagem entre o espaço privado – da casa – ao público – da instituição, quando do ingresso da criança na creche, na pré-escola ou na escola, até aquelas que acontecem no âmbito do próprio segmento: entre as diferentes faixas etárias; entre instituições, no caso da passagem da creche à pré-escola; entre turnos e/ou entre docentes, no caso das crianças que frequentam a instituição em turno integral; e, num mesmo turno, entre os diferentes momentos que compõem as rotinas diárias.

JP – Qual o seu recado para o professor da educação infantil?

FM - Não sei se há um recado específico a ser dado, mas creio que ele deva ter consciência da importância da sua função e reconheça que os sujeitos com os quais se depara no cotidiano, por mais novos que sejam, têm uma história, uma cultura, valores que devem ser respeitados e trazidos para a escola como elementos constituidores das práticas educativas que vão se desenvolver ali. Lembro ainda que se há uma especificidade nesses sujeitos de pouca idade, é que eles produzem cultura, são nela produzidos, brincam, aprendem, sentem, criam, crescem e se modificam, ao longo do processo histórico que constitui a vida humana e, por fim, que as crianças são constituídas a partir de sua classe social, etnia, gênero e por diferenças físicas, psicológicas e culturais.

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