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DIARIO
Edición 44 - Combate às Drogas
22/09/2010
 
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Wânier Ribeiro: ligações emocionais fortes com pais e professores reduzem probabilidade de uso de drogas

A psicóloga e pedagoga Wânier Aparecida Ribeiro integra o grupo de pesquisa Juventude e Educação na Cidade, da Ufmg.

A psicóloga e pedagoga Wânier Aparecida Ribeiro integra o grupo de pesquisa Juventude e Educação na Cidade, da Ufmg.

Autor:Arquivo pessoal


A psicóloga clínica e pedagoga Wânier Ribeiro é residente pós-doc em educação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro do grupo de pesquisa Juventude e Educação na Cidade, da Faculdade de Educação da mesma universidade.

Doutora em educação, sua tese tratou sobre a procupação mundial que envolve questionamentos e reflexões da sociedade contemporânea sobre o abuso de drogas por jovens universitários, avaliando perspectivas metodológicas de prevenção e o papel da universidade neste contexto, além de propor uma abordagem metodológica favorável à realização de um programa preventivo, que atenda as realidades e linguagens do público envolvido.

Em sua dissertação de mestrado, também em educação, discorreu sobre as abordagens pedagógicas de prevenção ao uso indevido de drogas por adolescentes escolares, avaliando as práticas usuais presentes na escola, suas concepções sociais e políticas ao longo da história, estendendo estas concepções às formas de apropriação dessa questão como conteúdo transversal a ser trabalhado na escola.

Atualmente, Wânier Ribeiro faz pós-doutorado em educação na UFMG, onde aborda o tema: Identidades culturais juvenis de adolescentes em medida socioeducativa de internação.

Jornal do Professor - O que leva uma criança ou adolescente a consumir drogas?

Wânier Ribeiro – Essa pergunta é tão complexa quanto difícil de responder, assim como, também, saber qual é a melhor forma de lidar com esse problema. É importante que se compreenda que os motivos de uso, abuso e dependência de drogas são diversos, devendo ser contextualizados às realidades concretas e distintas, vivenciadas por sujeitos específicos e reais. Isso quer dizer que devemos ter cuidado com as generalizações e mitos que envolvem o consumo abusivo de drogas. Mitos, por exemplo, que associam o consumo abusivo ou a dependência química a aspectos específicos e isolados, como a pobreza, a falta de uma família “estruturada”, distúrbios psicopatológicos, analfabetismo e em alguns casos, até à raça, contribuem com o preconceito e a marginalização de pessoas usuárias. Importante lembrar aqui que o consumo ou a dependência química deva ser considerado em seus aspectos biopsicossociais e, acrescento espirituais.

No que diz respeito à adolescência, inúmeras pesquisas têm demonstrado que um dos principais motivos que podem levar os adolescentes a experimentarem as chamadas drogas ilícitas (por exemplo: maconha, cocaína, crack) é a curiosidade devido às sensações que os amigos relatam sentir. Apesar de se dizer que a droga é ruim, que prazer é este que muitos procuram?

Um segundo motivo apontado por adolescentes pesquisados é a necessidade de aceitação, de pertencimento ao grupo de amigos. Muitas vezes, o jovem pode se sentir constrangido em dizer que não quer utilizar a droga. Isto acontece não apenas em relação a drogas ilícitas, mas, principalmente, em relação ao consumo de álcool, muito usual em festas.

Esses dados nos apontam que o primeiro contato do adolescente com as drogas costuma ser casual, motivado principalmente pela curiosidade, pelo desejo de experimentar novas sensações e pela pressão do grupo de amigos do qual faz parte. Já o contato com drogas como o cigarro e o álcool costuma ser mais precoce e, na maioria das vezes, ocorre no ambiente familiar. O fato de os pais fumarem ou beberem faz com que esses produtos estejam mais acessíveis à criança ou ao adolescente que, também, por curiosidade, acaba experimentando-os.

Muitas pesquisas e, ainda, relatos de experiências clínicas apontam que crianças e adolescentes que possuem ligações emocionais fortes com os pais e professores – as duas referências mais importantes para esta faixa de idade – apresentam uma menor probabilidade de experimentarem ou consumirem drogas com frequência. Isso porque, ao se sentirem compreendidos pela família e pela escola percebem que possuem um canal aberto de diálogo para discutirem seus conflitos com adultos de confiança, podendo, então, recusar com mais segurança o consumo, mesmo diante da pressão dos amigos.

JP – É possível prevenir o uso de drogas na escola? De que forma? A escola deve fazer um trabalho preventivo nesse sentido?

WR – Sim. Hoje não há como a escola e professores escaparem a esta responsabilidade social. O problema está dentro das escolas, na rua, nas nossas casas, nas instituições como um todo. Não há como a escola se furtar a este papel.

O quadro atual de consumo abusivo de drogas pelo público jovem demonstra a necessidade de ações preventivo-educativas direcionadas à formação de indivíduos mais reflexivos e críticos diante da oferta e das consequências biopsicossociais advindas do consumo, afastando-se, desse modo, daquele modelo educativo autoritário, que visava apenas à transmissão de informações sobre os malefícios advindos do consumo.

As perspectivas críticas contemporâneas de prevenção ao uso indevido de drogas buscam centrar seus esforços em práticas que priorizem a formação dos jovens como sujeitos livres, responsáveis, críticos e capazes de fazerem escolhas saudáveis ao longo de suas vidas. Tais práticas se propõem à abertura do encontro com o outro pela linguagem, buscando conhecer a polissemia, trazida pelo fenômeno, que encontra seu fundamento na cultura e no processo histórico da humanidade, reafirmando a mútua implicação entre o homem e o mundo. Parece-me, desse modo, que as políticas participativas, multidimensionais e interdisciplinares, com foco na promoção e na educação para a saúde e que contemplem a responsabilização dos sujeitos no processo, tendem a surtir um impacto maior de aderência dos sujeitos.

O enfoque educativo, que tem conseguido resultados mais efetivos, é aquele que prioriza, em sua metodologia, o contexto real dos atores sociais, com a utilização de discursos e práticas não autoritários, discriminatórios ou alarmistas, a prevalência do diálogo entre os envolvidos e atividades que despertem o interesse dos adolescentes à participação.

Ações possíveis junto aos adolescentes:

Na escola: atividades interdisciplinares sobre cuidados à saúde, buscando a interação entre educadores, educandos e família (oficinas, que podem ser realizadas vinculadas às várias disciplinas, envolvendo a música, a dança, a poesia, o desenho; gincanas, que promovam o espírito de competição entre equipes para a construção de CDs, DVDs; teatros; pesquisas, trabalhos interdisciplinares, grupos de encontros entre as famílias e educadores para discussões sobre educação e saúde, com a participação dos adolescentes, levando conhecimentos e dúvidas para os pais); incentivo à prática de esportes; abrir espaços da escola para integração dos jovens nos fins de semana.

Na comunidade: aproveitar os grupos comunitários e religiosos existentes, envolvendo-os no desenvolvimento de ações junto aos adolescentes, com vistas a atividades de seu interesse, visando à formação de multiplicadores.

Na família: incentivar o diálogo e desenvolver as relações interpessoais para o conhecimento e reconhecimento das necessidades e conflitos dos filhos, para que o apelo ao uso abusivo de drogas seja evitado.

JP – Falar sobre drogas é uma solução para evitar seu uso?

WR – É sempre importante falar sobre uma temática para levantar informações, buscando evitar os prejuízos a ela relacionados. Porém, mais que apenas falar sobre o assunto é fundamental discutir, debater, escutar o posicionamento dos jovens sobre o assunto, ou seja, seus valores pessoais, familiares, culturais e sociais. Compreender os seus pontos de vista a partir do diálogo sem preconceitos é o ponto de partida para que eles possam elaborar e reelaborar conceitos, atitudes e valores diante do cuidado à saúde e à vida como um todo, seja no ambiente escolar e/ou familiar. Conhecendo-se os valores dos filhos (família), dos alunos (escola) se torna mais fácil adentrar seus mundos, suas linguagens e suas realidades, para conduzir adequadamente a conversa. Nesse sentido, o diálogo toma um rumo formativo que vai além daquele apenas informativo, ou seja, da mera transmissão de conhecimentos, que apregoa somente os perigos e prejuízos que as drogas representam. Esse tipo de discurso alarmista, muitas vezes, não surte efeitos positivos nas pessoas, como os de auto-confiança, respeito e amor por si mesmas, pois é focado no amedrontamento. A proposta formativa de educação contribui para que o jovem se posicione de forma responsável, reflexiva e crítica diante de sua vida, tornando-o capaz de enfrentar situações com maior segurança.

JP – De quem é o papel de ajudar na prevenção de drogas?

WR – A prevenção primária/universal pretende atuar antes que haja o consumo indevido da droga. Digamos que ela começa com os cuidados à saúde que a mãe desenvolve consigo mesma, durante a gravidez. Deve ser iniciada, de forma direta, na infância, associada a um quadro mais amplo de educação para a saúde. Deve contar com o apoio de “educadores naturais”, sendo os pais e os professores”, os principais agentes. Com os jovens e adultos, ela precisa voltar-se para a conscientização e sensibilização diante de sua existência e, em consequência, para a responsabilidade de suas escolhas.

O problema do uso abusivo de drogas, atualmente, é de ordem pública, pois atinge todos os setores da sociedade. A prevenção, nesse sentido, deve contar com todas as instâncias governamentais e não governamentais. Falou-se do papel da família e da escola como principais referências de socialização da criança e do jovem, acrescente-se a isso o importante trabalho desenvolvido por algumas redes sociais comunitárias, em algumas regiões (sejam religiosas, jurídicas, de apoio comunitário, de saúde), que por meio de projetos apoiados pelo governo ou de ONG’s, enfrentam a situação mesmo que, muitas vezes, com precários recursos financeiros, proporcionando às crianças e adolescentes importante arsenal cultural, de lazer, de trabalho e esportes, para minimizar o problema. Entretanto, ainda há muito que se fazer, tanto na perspectiva da educação quanto de saúde, para se atingir um propósito maior de prevenção. Isso esbarra em problemas que vão desde uma política social e econômica de investimento nessa área até uma política cultural de que todos nós, cidadãos, somos responsáveis pela formação das novas gerações.

Cabe ressaltar aqui, que a escola, em particular, é chamada todo o tempo a acudir a esta nova demanda social. Tornou-se lugar comum dizer que a prevenção é papel da escola e, principalmente, dos professores. Em contrapartida, necessário se faz pontuar que muitos professores, mesmo que interessados em intervir sobre o problema não se sentem devidamente preparados para a sua condução, pois não recebem o apoio necessário (como cursos de formação, tempo de dedicação a projetos que contemplem temas trannsversais) para se fundamentarem em ações mais efetivas e eficazes. Ou seja, eles são chamados a atender às novas demandas sociais e educacionais mas sem uma estrutura que lhe dê suporte técnico e/ou psicológico para o trato da questão.

Essa questão de base política deve conceber que se o professor é a principal referência nas questões de formação das novas gerações ele deva ser mais valorizado e não apenas lembrado como solução de problemas que atravessam o cotidiano escolar e a sociedade como um todo.

JP – Quais as drogas mais comuns que afetam o universo escolar?

WR – Não podemos deixar de mencionar o álcool e o tabaco como principais drogas de abuso, que afetam o universo escolar e/ou familiar. Este último universo, o familiar, constitui-se como marco de referência para comportamentos de controle e/ou de abuso por parte dos jovens, que necessitam, pela própria faixa de idade, de referências que lhe dêem noções de limites e atitudes saudáveis diante da própria vida. Não querendo dizer com isto que todos os adolescentes que abusam de drogas advenham de famílias que não forneceram limites e/ou noções de cuidados para a saúde e a vida como um todo, pois o consumo abusivo deve ser avaliado por um viés mais complexo: social, cultural, psicológico, biológico, espiritual. Os fatores que envolvem o abuso de drogas e a dependência química são múltiplos, devendo ser considerados os aspectos biopsicossociais e espirituais.

O álcool e o tabaco se constituem como porta de entrada para o consumo de outras drogas, principalmente, por elas serem lícitas e socialmente aceitas, além de serem tratadas, ainda, por uma grande parcela da população, de forma banal. Esta banalidade no trato pode atrair o jovem para o consumo abusivo de outras drogas. Isto quer dizer que não é a propriedade legal ou social da droga que causa menos ou mais malefícios para o usuário, pois mesmo as legalizadas e aceitas socialmente podem levá-lo, num período de tempo, talvez, mais prolongado do que se tivesse utilizando o crack, por exemplo, a problemas de toda ordem: saúde, moral, psicológico etc.

As últimas estatísticas sobre consumo entre estudantes, apontadas pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid/2004), demonstram que as drogas mais utilizadas, excetuando-se álcool e tabaco, foram pela ordem: solventes, maconha, ansiolíticos, anfetamínicos e anticolinérgicos. Uso na vida de energéticos foi de 12%. O total estimado de uso na vida de drogas, na rede estadual de ensino, foi de 22,6%.

JP – Como o professor pode identificar que o estudante consumiu drogas?

WR – Não existe um parâmetro definidor para detectar o consumo de drogas, pois muitas características comportamentais e de atitudes apresentadas por um aluno podem se assemelhar a problemas de outra ordem. Por isso é importante o professor ficar atento e crítico ao que se apresenta, somar alguns aspectos que, avaliados de forma criteriosa, possam contribuir com uma intervenção positiva e não rotuladora. O professor, geralmente, conhece e reconhece comportamentos diferenciados de seus alunos, pois convive com eles em seu dia-a-dia. Como o perfil de personalidade de cada aluno é muito específico, o professor notará a mudança a partir de sua atenção e sensibilidade para o problema. Alguns alunos podem apresentar comportamentos agressivos, dispersivos, eufóricos, outros podem apresentar apatia, sonolência, desinteresse. Com o uso mais frequente de drogas, em geral há a desmotivação pelo estudo, infrequencia, queda de rendimento escolar. Mas, tudo isso nem sempre aparece de forma transparente. Também, os comportamentos diferenciados terão influência de acordo com o tipo de droga utilizada.

JP – De que maneira o professor pode abordar o tema das drogas sem expor quem já consome?

WR – Um trabalho preventivo na escola não deve ter seu foco no usuário de drogas ou no dependente químico, para se evitar estigmatizações e preconceitos. Ora, se o trabalho é preventivo deve ser direcionado ao público em geral, independente se há usuários ou não. O professor pode fazer isso por meio de oficinas vivenciais, de arte, literárias, debates interdisciplinares, teatros, gincanas que promovam a temática da saúde, pesquisas interdisciplinares, painéis, feiras de ciência, festivais de música. Envolver os alunos de forma a interagirem, quebrarem rótulos entre o próprio grupo possibilita que um colega, inclusive, ajude o outro a vencer o problema. Ao final de uma oficina de prevenção que seja descontraída e interativa, é possível que um adolescente que tenha problemas com o uso de drogas possa procurar o professor e se sentir acolhido para uma conversa. Ou mesmo o professor, de forma delicada e discreta, poderá procurar o seu aluno, individualmente, para demonstrar a preocupação que tem por ele e tentar uma intervenção. É importante entender que o trabalho preventivo não se baseia numa “caça às bruxas”, num autoritarismo que afasta o jovem da proposta. Muito pelo contrário, deve ser uma possibilidade de que a “ficha do jovem caia”.

Já vivi muitas situações em que esse tipo de abordagem conduziu jovens, inclusive universitários, ao tratamento da dependência química. Se eles se sentem acolhidos tendem a procurar ajuda. É importante que os trabalhos preventivos sejam sempre articulados a propostas que se alinhem às necessidades tanto dos alunos, quanto da comunidade escolar e da família, para que não seja um mero cumprimento de estrutura curricular ou de demanda pontual, pois trabalhos estanques não surtem efeitos duradouros. A escola deve ter a família como uma aliança no enfrentamento do problema.

JP – A partir de que idade o estudante começa a consumir drogas?

WR – Os últimos levantamentos nacionais realizados demonstram que as maiores porcentagens de usuários estão na faixa etária dos 16 anos, apesar de que o uso na faixa de 10 a 12 anos seja expressivo (12,7 %). E é importante sublinhar que esta faixa tem atingido, a cada ano, um percentual mais elevado de consumo.

JP – A senhora conhece algum estudo ou estatística que informem sobre o uso de drogas nas escolas?

WR – O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), é o maior centro de pesquisa em álcool e drogas do país. O serviço já realizou diversos levantamentos epidemiológicos sobre uso de drogas, sendo sua importância incomensurável.

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