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JORNAL
Edição 9 - Educação no Campo
18/11/2008
 
ou

"Alunos devem ter o campo como perspectiva", diz Mançano

Autor:Arquivo pessoal


Pós-doutor pelo Institute for the Study of Latin American and Caribbean - University of South Florida (EUA), Bernardo Mançano Fernandes possui graduação em geografia, mestrado em geografia humana e doutorado em geografia humana pela Universidade de São Paulo. Em entrevista concedida para o Jornal do Professor, por e-mail, ele explica o porquê das acentuadas diferenças educacionais encontradas no campo e na cidade.

Segundo ele, para que um aluno da escola do campo continue a estudar, o campo tem que ser a sua perspectiva.

 

JP - Apesar do notável declínio da população que reside no campo (de 32% em 1980 para 17% em 2004, segundo dados do INEP), ainda há cerca de 30 milhões de habitantes em áreas rurais do Brasil. O número é equivalente a população de países como a Argentina, porém a desigualdade educacional entre zonas rurais e urbanas é gritante. Dados da PNAD 2004, mostram que 29,8% da população adulta do campo é analfabeta. Já na zona urbana a tava é de 8,7%. Como o senhor avalia esse cenário? Quais os caminhos para diminuir o abismo entre zonas rurais e urbanas?

BM - De fato, o número absoluto da população no campo é notável e a tendência é de aumentar. O êxodo rural deixou de ser um problema para o Brasil. O crescimento da população urbana não tem mais o componente migratório como significativo. A luta pela terra e as políticas de reforma agrária e de assentamentos rurais têm criado um conjunto de políticas de desenvolvimento para o campo, especialmente para a população camponesa.

A desigualdade educacional entre campo e cidade é gritante porque as políticas de educação rural sempre foram precárias e motivadores do êxodo rural. Como viver no campo com um forte processo de expulsão pelas políticas de desenvolvimento? Impossível. No Brasil está nascendo uma nova visão sobre o campo, onde as pessoas possam viver e trabalhar. E a luta pela terra e a reforma agrária têm ajudado muito com a construção dessa compreensão.

Todavia, as condições de vida no campo ainda são precárias, mas estão mudando rapidamente com as políticas governamentais, como por exemplo os Territórios de Cidadania. Temos situações em que as condições de vida no campo estão melhorando e casos em que a precariedade se mantém.

Os índices de analfabetismo nos permitem analisar essas situações. O campo em geral tem um altíssimo índice de analfabetismo, mas há situações em que este índice é bem menor e até mais baixo que o urbano. As melhores situações estão nos territórios em que a população está organizada e onde estão sendo implantadas políticas públicas. Por exemplo, a Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária, realizada em 2004, mostrou que o índice de analfabetismo nos assentamentos de reforma agrária é de 7,4%. Isso, graças há criação de uma política pública chamada Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera).

JP - As regiões Norte e Nordeste são as que registram a menor taxa de freqüência escolar: 90,6% no Norte e 89,7% no Nordeste, ambos de 7 a 14 anos. Já no ensino médio, a taxa de freqüência escolar saltou de 55,0% para 71,8% entre 2000 e 2004. Apesar da melhora, a distorção idade-série ainda é bastante elevada em zonas rurais. No ensino fundamental, cerca de 41,4% dos alunos tem idade superior à adequada. Já no ensino médio, a taxa é ainda maior: 59,1%. Como fazer para melhorar esta realidade que leva tantos alunos a abandonarem a escola?

BM - Primeiro é importante lembrar que estes dados relativos de freqüência escolar vêm melhorando. Mas ainda está longe de atingir um nível aceitável.

Meus estudos têm demonstrado que para evitar que os alunos abandonem a escola é preciso que a escola não os abandone. É preciso que a escola lhes ofereça perspectiva. E essa perspectiva não está somente na escola. Está em um conjunto de políticas de desenvolvimento para o campo. Mas então é preciso pensar de qual campo está se falando? Estou me referindo ao campo camponês, da agricultura familiar, da vida em comunidade, da biodiversidade, da agroecologia. Não estou me referindo ao campo das monoculturas agroexportadoras, das commodities, do deserto verde, da poluição ambiental. Temos que pensar que quando um aluno abandona a escola do campo, provavelmente ele está abandonando o campo também. Para que um aluno da escola do campo continue a estudar, o campo tem que ser a sua perspectiva. E quando o campo é uma perspectiva, a cidade também é. E o jovem pode optar em trabalhar e viver no campo e na cidade porque ambos se completam. Todavia, quando o campo não oferece perspectiva, a cidade é a rota da fuga. A cidade não é mais opção, é refúgio. Muitas cidades são verdadeiros campos de refugiados do campo, que vivem em guetos, como bem escreveu Mike Davis em Planeta Favela.

(Renata Chamarelli)

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