Portal do Governo Brasileiro
Início do Conteúdo
JORNAL
Edição 94 - Semana Nacional de Ciência e Tecnologia-2013
08/11/2013
 
ou

Alfredo Luís Mateus (Coltec – UFMG): "Crianças e adolescentes têm interesse natural pela ciência"

"As feiras de ciências dão voz aos estudantes", diz Alfredo Luís Mateus

Autor:Arquivo pessoal


Em razão da grande curiosidade que demonstram pela ciência, crianças e adolescentes devem estar engajados em atividades baseadas em fenômenos e observações. A ideia é defendida por Alfredo Luís Mateus, professor de química no Colégio Técnico (Coltec) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele considera as feiras de ciências e eventos semelhantes ótimas oportunidades para o estudante interagir com o público.

“Qualquer atividade que torne o aluno mais responsável por seu aprendizado, seja produzindo um vídeo ou um artigo num blogue, seja mostrando um experimento numa feira, é algo muito positivo”, avalia. Com graduação e mestrado em química pela Universidade de São Paulo (USP) e doutorado em química inorgânica pela University of Florida, dos Estados Unidos, Mateus coordena o projeto Pontociência, portal de experimentação para o ensino de ciências. Colaborativo, o portal conta com mais de 900 experimentos.

Jornal do ProfessorComo escolas e professores podem despertar o interesse de crianças e adolescentes por temas científicos e tecnológicos?

Alfredo Luís Mateus — Crianças e adolescentes têm interesse natural, uma grande curiosidade pela ciência. A questão é como escolas e professores podem não tirar a curiosidade que as crianças já têm pela ciência. Basta ver alguns canais de vídeos de experimentos no YouTube, com centenas de milhares de visualizações. Neles, crianças dizem: “Ah, se meu professor fizesse isso!”. A ciência trata do mundo ao nosso redor. Não permitir que as crianças descubram este mundo por elas mesmas, com ajuda do professor, é decepcionante. Como um aluno pode sair do ensino médio sem nunca ter olhado em um microscópio? Após olhar em um microscópio, como ele pode não querer entender o que viu? Engajar o estudante em atividades a partir de fenômenos e observações é fundamental para manter o interesse dele na ciência. Contar como as coisas funcionam na frente da sala e dar um monte de exercícios repetitivos não ajuda.

Qual a importância do lúdico nesse tipo de aprendizado?

— A importância de atividades divertidas que envolvam a ciência está mais ligada a uma mudança de atitude em relação à matéria do que ao aprendizado em si. As atividades informais têm como objetivos atrair a curiosidade, dar a oportunidade de as pessoas pensarem nos tópicos ligados à ciência num ambiente mais relaxado do que a sala de aula, mas com o entretenimento como pano de fundo. O que é ótimo. Não existe nada de errado em se divertir e aprender, muito pelo contrário. Mas o aprendizado formal precisa acontecer também para que os jovens possam realmente ter uma noção melhor de como o nosso mundo científico e tecnológico funciona. A nossa cultura tem de valorizar esse esforço a mais, que é necessário para dominar o básico da ciência. Então eu não consigo ver as atividades de divulgação científica para jovens dissociadas da escola formal. As comunidades que estudam a divulgação científica e o ensino de ciências têm de juntar esforços para conseguir que o trabalho informal ajude o formal e vice-versa.

Qual a importância de realizar eventos como feiras de ciências?

— Nas feiras de ciências, os estudantes têm uma oportunidade ótima de falar com o público sobre o que fizeram. Essa conversa sobre ciência é fundamental, pois desenvolve habilidades muito importantes para qualquer pessoa, mesmo que ela não vá trabalhar na área científica. É possível perceber nos alunos, quando apresentam trabalhos, como adaptam a linguagem ao falar com alunos mais novos ou mais velhos, como criam estratégias para explicar o que fizeram. As feiras de ciências dão voz aos estudantes, e qualquer atividade que os tornem mais responsáveis pelo próprio aprendizado, seja produzindo um vídeo ou um artigo num blogue, seja mostrando um experimento numa feira, é algo muito positivo e que, na minha experiência, sempre surpreende o professor com os resultados.

— Qual a contribuição da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia para a popularização da ciência no Brasil?

— O evento coloca as atividades de divulgação científica no calendário das cidades de todo o Brasil. Quem acompanhou o esforço e o crescimento do número de atividades e de cidades, ano a ano, pôde perceber o impacto que ela teve. Esse impacto deve ser especialmente importante nas cidades menores, onde a Semana Nacional não é uma atividade a mais. É o grande encontro de divulgação científica do ano. É um momento importante para a reflexão sobre as direções que o ensino e a divulgação científica devem tomar no Brasil.

Os professores da educação básica estão bem preparados para ensinar conteúdo científico e tecnológico?

— O Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer na formação de professores. Um número muito grande de pessoas leciona na área de ciências, química e física, principalmente, sem a formação adequada. Além disso, boa parte dos que hoje fazem cursos de licenciatura teve um ensino livresco, voltado para o vestibular, sem acesso a experimentações ou a abordagens diferenciadas. Ao chegar à universidade, essas pessoas são bombardeadas com disciplinas voltadas para formá-las como futuras pós-graduandas, não como profissionais da educação. Como convencê-las de que existe um universo inteiro de outras possibilidades e abordagens para aulas de ciências se elas não puderam vivenciar isso e verificar que fazem a diferença? Com certeza, acham que aprenderam bem nos cursos, pois foram até aprovadas nos vestibulares.

Em palestras e cursos a licenciandos em química, pergunto se fizeram experimentos com alguma frequência nas aulas de química do ensino médio. Em geral, de uma sala com 100 pessoas, duas ou três levantam a mão. Então, é um círculo vicioso. Professores com repertório de práticas fraco e conhecimento da matéria reduzido contribuem de maneira negativa na formação de novos professores, que acabam com as mesmas dificuldades. Mas há motivos para um pouco de otimismo, com o surgimento de iniciativas como o Pibid [Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência], que leva licenciandos às escolas e permite o contato de uma nova geração com a anterior. Desse modo, eles podem aprender juntos uma maneira diferente de ensinar ciências. Essa troca de experiências é muito importante.

É importante que os professores participem de oficinas ou cursos de formação continuada para o aprendizado de novas técnicas de ensino nas áreas de ciência e tecnologia? Como isso pode ser feito sem que os professores se afastem da sala de aula?

— É fundamental que o professor, como todo profissional, esteja sempre aberto a aprender. O grande desafio dos cursos de formação continuada é balancear a quantidade de conhecimentos da área (química, física, biologia) com os conhecimentos pedagógicos. Achar que a pessoa consegue dar uma boa aula apenas com o domínio da matéria ou da parte pedagógica é um erro. Outro desafio é como tratar questões pedagógicas para um público (os professores) que tem, em geral, grande resistência a entrar nesse universo. É necessário que essas questões sejam levadas aos professores de uma forma menos acadêmica, mais integrada com a prática de sala de aula. Assim, é possível que mais professores tentem ir além e busquem mais conhecimentos. É fundamental que os governos invistam muito na qualificação dos professores. Faz sentido que sejam liberados para participar de cursos e recebam incentivos para isso. Nos Estados Unidos, cursos de qualificação profissional são comuns. Alguns ocorrem nas férias, com oferta de bolsas aos professores participantes. Há a alternativa de liberar material na internet. Para o professor usar esse material, ele precisa, porém, aprender a ter autonomia, o que deveria ser o grande foco dos cursos de formação continuada.

Qual o papel da academia na disseminação de conhecimentos científicos entre professores da educação básica e a população em geral?

— A academia tem um papel extremamente importante na melhoria dos cursos de licenciatura. Tem o dever de estar sempre cobrando melhores condições de trabalho para os professores, de mostrar à população para onde o dinheiro das pesquisas está indo e quais são os resultados, que muitas vezes são fascinantes. Esse trabalho não é simples, pois é necessário adequar a linguagem para um público amplo, sem que os conceitos sejam explicados de maneira incorreta. As universidades, aos poucos, estão acordando para a necessidade da divulgação científica. Na UFMG, diversas iniciativas vêm sendo tomadas, como a transmissão de programas na Rádio UFMG Educativa, a participação de professores em museus de ciências e, na internet, projetos como o portal Pontociência.

Quais as principais atividades desenvolvidas pelo portal?

— O Pontociência é um portal colaborativo. Nossa equipe e qualquer pessoa que queira participar põem à disposição roteiros de experimentos de química, física e biologia. Esses roteiros contêm instruções, passo a passo, sobre montagem de experimentos, com fotos e vídeos. Já temos mais de 900 experimentos. A ciência por trás de cada fenômeno é explicada em uma linguagem acessível. Mais do que apenas um portal para oferecer conteúdos, esperamos criar uma comunidade de pessoas que trocam experiências. Os usuários podem comentar cada experimento, tirar dúvidas, compartilhar resultados. O Pontociência está aos poucos se tornando uma referência importante para professores de ciências. Temos mais de quatro mil acessos por dia e estamos trabalhando para inserir novas seções. Uma parte do portal será dedicada ao ensino de ciências e à acessibilidade, com instruções sobre montagem de recursos para pessoas com deficiência e sobre o uso de tecnologia no ensino de ciências, com simulações, vídeos, blogues, etc.

Acesse a página do Colégio Técnico da UFMG

ENQUETE

Ajude-nos a escolher o tema da próxima edição do Jornal do Professor. É só clicar em uma das opções abaixo!

Fim do Conteúdo
REPORTAR ERROS
Encontrou algum erro? Descreva-o aqui e contribua para que as informações do Portal estejam sempre corretas.
CONTATO
Deixe sua mensagem para o Portal. Dúvidas, críticas e sugestões são sempre bem-vindas.