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JORNAL
Edição 125 - Educação de Jovens e Adultos
25/05/2016
 
ou

Leôncio Soares (UFMG): “É necessária uma formação específica do educador para trabalhar na EJA”

Segundo Soares, é necessário pensar em um currículo mais apropriado para a EJA

Segundo Soares, é necessário pensar em um currículo mais apropriado para a EJA

Autor:Arquivo pessoal


Professor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Leôncio José Gomes Soares desenvolve pesquisas na área de educação, especialmente a educação de jovens e adultos (EJA). Ele defende a necessidade de uma formação específica do educador para trabalhar na área, formação esta que atenda às especificidades dos jovens, adultos e idosos. “Cada ciclo da vida humana requer atenções e olhares voltados para o entendimento do que é próprio daquele ciclo”, diz o professor. “Acrescenta-se ao ciclo a realidade de serem pertencentes aos coletivos populares, o que significa tratar o jovem pobre, com suas circunstâncias, suas necessidades, seus interesses, suas motivações e expectativas em relação ao processo de formação.”

Segundo Soares, é necessário pensar em um currículo mais apropriado, bem como na elaboração e produção de recursos didáticos. “Não faz o menor sentido trabalhar a alfabetização de adultos com imagens e textos infantis, bem como utilizar atividades didáticas pensadas para adolescentes com um público idoso”, avalia.

Soares tem graduação em letras, mestrado e doutorado em educação e pós-doutoramento na Universidade Federal Fluminense (UFF) e na Northern Illinois University, dos Estados Unidos. (Fátima Schenini)

Jornal do ProfessorQual é a missão da educação de jovens e adultos no Brasil? Ela guarda alguma relação com o antigo curso supletivo?

Leôncio Soares — Não diria missão, e sim função. A educação de jovens e adultos tem origem na educação de adultos e diz respeito a processos de formação dos sujeitos. No Brasil, a partir das décadas de 1980 e 1990, a educação de adultos acolheu o campo da juventude, dada a ausência de políticas voltadas para esse ciclo da vida humana. A relação com o antigo curso supletivo é porque os sujeitos, sejam eles jovens, adultos ou idosos, são os mesmos. A maneira de concebê-los e, consequentemente, de trabalhar com eles é que marca a diferença. Enquanto no supletivo prevalece a ideia de repor conteúdos perdidos, na educação de jovens e adultos se procura envolver os sujeitos na construção de um processo de formação a partir de suas realidades.

Como esse tipo de educação evoluiu em nosso país? Quais as lacunas históricas e fatores recentes que fazem o Brasil ainda precisar de uma política de jovens e adultos?

— Historicamente, no Brasil, os jovens e adultos populares sempre tiveram negados seus direitos à educação. A elite brasileira, quando se lembra dessa parcela da população, é para colocá-la na linha. Foi assim no início do século 20, quando campanhas de educação de adultos se espalharam no país visando à alfabetização de futuros eleitores. Como causa dos desmandos, da miséria e das epidemias, uma discriminação e um preconceito sobre os analfabetos motivaram iniciativas visando a “erradicar esse mal social”. Não se atacavam as causas do analfabetismo, mas o sujeito na condição de analfabeto. Desde então, esses sujeitos são vistos pelo prisma da falta, da ignorância, da incapacidade e do não saber. Movimentos populares e de trabalhadores procuraram imprimir uma educação emancipadora em suas atividades educativas. Na década de 40, Paschoal Lemme [1904-1997] propôs uma educação a partir das necessidades e interesses dos trabalhadores. Na década de 50, Paulo Freire [1921-1997] introduziu a educação com foco no sujeito e na transformação de sua realidade. Passados 500 anos, temos um contingente de 65 milhões de brasileiros, acima de 15 anos, que ainda não conseguiu concluir nem sequer o ensino fundamental. Esse dado da realidade já é suficiente para demandar do Estado o dever para com a garantia do direito à educação aos jovens, adultos e idosos.

Qual é a situação da EJA no mundo, atualmente? Em países desenvolvidos, esse tipo de educação é oferecido da mesma forma que no Brasil? Quais as diferenças e similaridades?

— Obviamente, essa situação não é a mesma no resto do mundo. Países ditos desenvolvidos, localizados predominantemente no hemisfério norte, não convivem com a realidade do analfabetismo. Portanto, a educação de adultos, em muitos deles, é concebida como uma atualização profissional, com novas aprendizagens computacionais ou mesmo de um novo idioma, como fruição artística, histórica e cultural. Países como Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, França, Itália e convivem com um movimento migratório por serem focos econômicos. Nesses países, a educação de adultos assume também a aprendizagem de um segundo idioma para as populações que os procuram.

Há um perfil básico dos alunos de EJA no Brasil?

— Como somos um país de dimensões continentais, a característica da EJA é a heterogeneidade do público que a demanda, marcada por diversidade etária, racial, de gênero, de religião e população LGBT. Não se trata de qualquer jovem, qualquer adulto ou qualquer idoso. São jovens e adultos pertencentes a camadas populares que não tiveram acesso à escola devido a inúmeros fatores, como negação do direito a estudar, necessidade de ter de trabalhar precocemente, de auxiliar a família no cuidados com os irmãos ou algum parente adoentado. Nas salas de EJA, esse público se identifica nas histórias comuns de exploração, opressão e exclusão social.

Como está a formação dos professores que trabalham com a EJA? Eles precisam de formação específica?

— Por muitos anos, a EJA não teve visibilidade, pois era tratada como um problema de pequena proporção. Achavam que eram somente alguns que ainda não sabiam ler nem escrever. De um lado, com a atualização dos dados por meio de estatísticas e indicadores sociais, e de outro, pela forte pressão que os setores populares passaram a fazer ao poder público pelo atendimento ao direito de todos à educação, a EJA passou a ser vista como um problema de grandes proporções. Assistimos a uma ampliação do público demandante da EJA entre o fim do século passado e o início deste. As universidades não acompanharam esse crescimento na mesma proporção. Nas faculdades que formam o professor para a educação básica, a cultura ainda está presa à preparação para atender o público infantil, as crianças e os adolescentes até o ensino médio. A imagem de um adulto ou mesmo do idoso dentro de uma escola de ensino fundamental é ainda desconhecida de muitos cursos de preparação de professores. Iniciativas ainda pontuais vêm se dando em cursos de pedagogia do país, com uma cobertura bem reduzida, se levarmos em conta o atendimento existente nas escolas. Em relação aos cursos de licenciatura que formam os docentes para atuar no segundo segmento do ensino fundamental e no ensino médio — professores de língua portuguesa, de matemática, de geografia, de ciências, de história e de educação física —, os profissionais, muitas vezes, vão trabalhar com a EJA sem uma preparação específica para atuar com esse público. Uma formação específica do educador para trabalhar na EJA é, sim, necessária.

Quais os principais aspectos que os professores de EJA devem observar para a obtenção de melhores resultados com seus alunos?

— Não se trata propriamente de obtenção de melhores resultados, pois não estamos discutindo aqui sobre os distintos rumos que podem ser dados à EJA. Quando nos referimos a uma formação apropriada, estamos nos referindo às especificidades dos sujeitos jovens, adultos e idosos que compõem o público da EJA. Cada ciclo da vida humana requer atenções e olhares voltados para o entendimento do que é próprio daquele ciclo. Acrescenta-se ao ciclo a realidade de serem pertencentes aos coletivos populares, o que significa tratar o jovem pobre com suas circunstâncias, suas necessidades, seus interesses, suas motivações e expectativas em relação ao processo de formação.

Os alunos de EJA necessitam de recursos e materiais didáticos específicos? Como está essa questão?

— Se entendermos que eles estão circunscritos a realidades distintas dos demais estudantes, logo é necessário pensar um currículo mais apropriado. Assim também se dá com a elaboração e a produção de recursos didáticos. Não faz o menor sentido trabalhar a alfabetização de adultos com imagens e textos infantis, bem como utilizar atividades didáticas pensadas para adolescentes com um público idoso.

Qual sua opinião sobre as aulas a distância nos cursos de EJA?

— Em primeiro lugar, temos de reconhecer que se passaram quase 500 anos até que se conquistasse o direito de todos à educação. Isso produziu uma dívida social para com uma parcela significativa da população, e o atendimento a esse direito não pode se dar sem qualidade na oferta. É necessário garantir o acesso desse público demandante da EJA a escolas com instalações adequadas e espaços apropriados. A efetivação do direito não se esgota simplesmente com a garantia do acesso. Há que garantir também a permanência, e essa só se conquista com a qualidade de uma proposta de experiência escolar significativa. Muitos já sofreram a exclusão social, que os impossibilitou de estudar; outros foram excluídos pela segunda vez ao tentarem estudar e não serem atendidos em suas especificidades. Entre as formas de atendimento a esse público, a aula a distância é uma das estratégias possíveis. A educação a distância requer, no entanto, disponibilidade de tempo e de equipamentos e uma postura disciplinada da parte dos estudantes para gerir os momentos de estudos. Grande parte do público da EJA está sem concluir o ensino fundamental exatamente pelos motivos sociais e econômicos que o excluiu da escolarização. Logo, não são muitos os estudantes com perfil autodidata, próprios da educação a distância.

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