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JORNAL
Edição 126 - Prêmio Viva Leitura-8ª Edição
30/06/2016
 
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Suzana Vargas: “Um cidadão bem estimulado nunca mais abandona o hábito da leitura depois de o adquirir”

Suzana diz que a leitura pode alargar nossa compreensão e nos ajudar a viver melhor

Suzana diz que a leitura pode alargar nossa compreensão e nos ajudar a viver melhor

Autor:Arquivo pessoal


Professora de literatura por mais de 30 anos em instituições de educação básica e superior, poeta, autora de literatura infantil e ensaísta, com vários títulos publicados, Suzana Bisch Kfuri (Suzana Vargas) dedica-se ao trabalho com oficinas de poesia e de leitura em universidades e entidades culturais de todo o Brasil. Desde 1996, ela coordena o projeto Estação das Letras, no Rio de Janeiro, espaço alternativo por ela idealizado, dedicado exclusivamente à leitura e à escrita.

Com graduação em letras e mestrado em teoria literária, Suzana atuou como pesquisadora da Fundação Biblioteca Nacional e editou, de 1991 a 2004, com outros escritores, a revista Poesia Sempre. Também foi editora da revista Buriti, publicação da mesma entidade na Casa da Leitura do Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler).

Em entrevista ao Jornal do Professor, Suzana diz que a leitura pode alargar nossa compreensão e nos ajudar a viver melhor. Para que as pessoas leiam mais, a leitura deve estar identificada com prazer, lazer e conhecimento. Ela afirma que os professores têm papel fundamental para incentivar o gosto pela leitura entre os estudantes, mas o estímulo da família e dos parentes também é importante. “Aprendemos por osmose, por imitação em todos os setores. Se vejo pessoas lendo, vou, naturalmente, valorizar os livros”, destaca.

Para Suzana, um cidadão bem estimulado “nunca mais abandona o hábito da leitura depois que o adquire.” (Fátima Schenini)

Jornal do ProfessorA senhora é professora de literatura em diferentes níveis de ensino há mais de 30 anos. Por que a leitura é importante na vida das pessoas?

Suzana Vargas – A leitura nos ajuda a viver melhor porque viver exige de nós um exercício constante de compreensão. Compreender as razões que existem para determinados fatos, situações e estados de alma nos torna mais felizes. A falta de entendimento das coisas é que nos infelicita. Nesse aspecto, a leitura abre para nós um campo muito amplo, que vai do psíquico ao político, só para citar alguns dos terrenos que exigem compreensão, sensibilidade e certa dose de realismo e de percepção das coisas. E não falo aqui apenas da leitura literária. Toda a leitura pode alargar nossa compreensão. Tenho uma história pessoal que se construiu através dela. Tudo a que consegui chegar a ser ou resolver foi a leitura que me deu, no terreno profissional, no emocional e pessoal. São incontáveis as situações em que descobri essa estratégia de vida. Daí minha fé nesse caminho para a compreensão do mundo, que descobri muito cedo. Trabalho para levar essa boa nova a todos. As vantagens da leitura não se limitam apenas ao acúmulo de conhecimentos, mas ao modo como essas informações vão se somar e transformar nossa percepção da realidade, permitindo-nos sair da passividade e passar a uma ação mais organizada e consciente. Esse é um assunto muito vasto, que me permitiria estender por muitas páginas.

Em palestras com estudantes, brincando, mas a sério, costumo falar que ler é bom para namorar. Com isso, quero dizer que ler nos torna mais bonitos porque mais interessantes. Uma pessoa interessante é alguém que tem o que contar, tem opinião, sensibilidade e poder de análise ou síntese. E isso, por si só, a torna mais bela, de convívio fácil porque tem a mente ágil, produtiva.

Algumas pessoas dizem que gostam de ler; outras dizem que não. É possível estimular o gosto pela leitura em qualquer pessoa? Qual o papel da família?

– Acho que toda pessoa que está exposta à leitura e percebe suas vantagens pode ser conquistada para os livros. Depende do modo como os estímulos chegam até ela. Um bom professor leitor pode fazer milagres, mas o estímulo da família e dos parentes também tem seu papel. Ter livros em casa ao alcance e à vista é muito importante. Regrar um pouco o uso da internet e da TV também facilita. Não vai aí crítica negativa a esses importantes mecanismos de leitura, hoje mais do que nunca. Aprendemos por osmose, por imitação em todos os setores. Se vejo pessoas lendo, vou, naturalmente, valorizar os livros. E são muitas as formas de estímulo, mas acredito que a da sala de aula seja fundamental, pois é na escola que as crianças passam a maior parte do tempo. Claro que os estímulos variam e dependem da faixa etária.

De que maneira os professores podem incentivar o gosto pela leitura entre os estudantes?

– Os professores são fundamentais. Eles precisam gostar de ler (é inacreditável o número de professores que não leem, não gostam ou leem pouco). A leitura precisa ser um valor em si para o mestre. Um professor apaixonado sempre vai encontrar caminhos interessantes e prazerosos para transformar os livros ou os momentos dedicados à leitura em momentos de descoberta da vida e do mundo. E vai utilizar todas as matérias, seja matemática, ciências, história ou língua portuguesa, para, de algum modo, descobrir com e para seus alunos essa fonte de informação. Um bom livro pode servir para motivar uma série de atividades, tarefas e exercícios em outras áreas que não somente língua portuguesa ou literatura. Uma boa história pode ser recontada de muitas maneiras – através de desenhos, quadrinhos, fotos, recortes. Um poema serve para cantar, inventar músicas, desenhar, dizer em voz alta, dançar... A internet pode ser usada para nos contar ou recriar detalhes de épocas passadas, como moedas, indumentárias, vocabulários etc. Vivemos um momento especialmente rico em informações que devem ser aproveitadas para mostrar que a literatura e a leitura são uma importante fonte de reflexão.

A realização de eventos, como feiras de livros, pode contribuir para disseminar o interesse pela leitura?

– Os eventos e feiras literárias são importantes, na medida em que noticiam a existência do livro como um produto, veiculam os títulos e autores na mídia. Através deles é possível um contato direto com os escritores. Mas esses eventos não formam leitores. Existem duas instâncias importantes para o livro: a escolar e familiar, na qual a formação é indispensável e conta muito através de atividades e do contato direto com a leitura; e a midiática, que tem efeito psicológico importante, pois conta com a natureza mais, digamos, festiva do objeto livro. Sem falar na comunhão com outros leitores e na possibilidade real de aquisição das obras colocadas à venda.

O ideal seria – como venho advogando – a criação de uma cadeira de leitura nas escolas, que acompanhasse os estudantes do fundamental ao nível universitário. Mas essa ação teria de se transformar em projeto de lei e tem muitas especificidades. Um dia – se alguém quiser me ouvir –, posso detalhar.

A senhora idealizou e coordenou, durante 13 anos, o projeto Rodas de Leitura, desenvolvido em parceria com o Centro Cultural Banco do Brasil. Qual seu objetivo ao idealizar o referido projeto? De que forma eventos como esse podem contribuir para que a população leia mais?

– Foi um projeto pioneiro nessa área, pois colocou a leitura fora do âmbito escolar. O projeto Rodas de Leitura demonstrou que literatura pode ser uma atividade de lazer equiparada a outras atividades de um centro cultural, tais como cinema, teatro, exposição etc. Aliás, esses era um dos objetivos do projeto: mostrar, na prática, que ler um bom romance e ver um bom filme são atividades igualmente gratificantes e prazerosas. Na verdade, coloquei em prática algo que já desenvolvia nas minhas aulas de literatura desde a década de 80, quando comecei a dar aulas em vários níveis, entre eles o universitário. A esse respeito, defendi uma tese de mestrado em 1988, no livro Leitura: uma Aprendizagem de Prazer (Ed. José Olympio). O projeto foi retomado depois, em 2010, na Fundação Biblioteca Nacional, sob os auspícios do [instituto] Oi Futuro. Mas, depois de 13 anos, o Brasil inteiro já estava falando e realizando rodas de leitura. Hoje, falamos nelas como se fala em rodas de samba, o que me enche de alegria. Existem algumas teses sobre esse projeto que me alegram igualmente. E nunca abandonei essa prática, que desenvolvo até hoje em todos os programas que coordeno. Atividade de leitura sem livros ou sem ler não existe.

Para que a população leia mais é necessário que a leitura esteja identificada com prazer, lazer e conhecimento.

A senhora idealizou e coordena, há 20 anos, o projeto Estação das Letras, espaço alternativo dedicado unicamente à leitura e à escrita. O que a levou a criar esse espaço? Que atividades são promovidas no local?

– Criei a Estação das Letras movida por dois desejos. O primeiro, de estender as oficinas de criação literária, que desenvolvia desde 1982, às pessoas que escreviam e não tinham como ser orientadas para dar continuidade à vocação. Para isso, aliei-me aos melhores profissionais, entre escritores e professores de literatura. Com eles, com seu apoio, desenvolvi esse espaço único no país. O segundo desejo, que se mistura com o anterior, visa à formação de leitores, já que por trás de um grande escritor existe sempre um leitor maior ainda. À medida que o tempo foi passando, ambos os projetos se aproximaram muito, e a Estação das Letras ampliou bastante seu leque de ofertas, chegando aos cursos profissionalizantes do mercado editorial para além da leitura e da escrita. Afora as oficinas de leitura e escrita, mantemos grupos de leitores, que se reúnem semanalmente, e eventos mensais gratuitos diversos ligados à leitura de livros. Sem nunca perder o foco, a Estação é uma verdadeira usina...

A senhora acredita que a realização de prêmios como o Viva Leitura podem contribuir para disseminar a importância da leitura?

– Acredito e muito. Prêmios como esse são muito estimulantes para quem desenvolve projetos nessa área, tanto para entidades públicas quanto privadas, além das pessoas físicas contempladas. E a maior virtude: abrangem o território nacional como um todo.

Costuma-se ouvir que o preço dos livros é um empecilho para que mais pessoas leiam. Qual sua opinião sobre isso?

– Muitas vezes, o preço dos livros funciona como impeditivo mesmo. Mas outras tantas, não. O que acontece no nosso país é que ainda não temos uma população de leitores consumidores de livros. Temos uma grande quantidade de analfabetos funcionais e uma massa que transitou da cultura oral para a audiovisual sem passar pelo livro. Leitura é hábito, e hábito se adquire na frequência com que somos apresentados aos produtos. Na verdade, adquire-se o hábito na escola. Um cidadão que valoriza os livros, de verdade, não hesitará em pagar R$ 40 ou mais por seu objeto de desejo. Não é o quanto custa um hambúrguer hoje em dia?

Outra afirmação que se escuta é de que a vida moderna, com facilidades como a internet, tem colaborado para diminuir o hábito da leitura entre a população. Isso é fato ou é mito?

– Pode ser fato, mas tem muito de mito. Claro que somos assediados por imagens e pelas facilidades da internet, mas creio que elas podem e devem ser bem utilizadas em proveito da leitura. Mudaram os suportes, mas não mudou a leitura. Hoje, inclusive, lê-se e escreve-se infinitamente mais do que antes. Vou repetir: um cidadão bem estimulado nunca mais abandona o hábito da leitura depois que o adquire.

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