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JORNAL
Edição 28 - Seja um Professor
14/10/2009
 
ou

Zélia Porto (UFPE): carreira de magistério tem avanços e desafios

Zélia Granja Porto é professora da UFPE.

Zélia Granja Porto é professora da UFPE.

Autor:Arquivo pessoal


Professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Zélia Granja Porto atua no Núcleo de Pesquisa Formação de Professores e Prática Pedagógica da Pós-Graduação de Educação e no Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação Popular e Educação de Jovens e Adultos - Infância e Adolescência. Formada em psicologia, é doutora em Perspectivas Histórica, Comparada e Política Educacional pela Universidade de Salamanca, na Espanha. É membro do Conselho Técnico Científico da Educação Básica da Capes.

Em entrevista ao Jornal do Professor, Zélia Granja Porto responde a perguntas como o que é ser professor, quais as principais características que devem ser encontradas nos bons professores, o que é necessário para atrair mais interessados para a carreira de magistério, e o que é preciso fazer para ingressar na carreira.

Jornal do Professor – O que é ser professor?

Zélia Granja Porto – A docência, a escola, as aprendizagens dos alunos sempre ocuparam um lugar importante nas minhas reflexões. O que destacaria em primeiro lugar? O que o debate educacional vem pontuando nas últimas décadas: que todo cidadão tem direito à educação básica, obrigatória e universal, tal como vem sendo construída ao longo da historia da humanidade. Com isso estou querendo dizer que toda criança, jovem ou adulto tem direito a formar sua mente, seus valores, suas identidades, sua percepção de mundo, da realidade, de sujeitos humanos, concretos - sujeitos de direitos, de cultura em suas várias manifestações – providas pela ciência, pela técnica, pela estética, pela ética, pela prática social e cultural – sujeitos de pensar, de afetos – enfim, seres humanos em sua totalidade e em sua incompletude, capazes de atuar criticamente em todas as instâncias da vida social contemporânea.

Eu penso que a escola é este lugar de síntese e integração, de ampliação de horizontes culturais e sociais onde se vão formando estes sujeitos de modo mais sistematizado, planejado e profissional do que em outros espaços não escolares: na família, na rua, no trabalho, nos clubes, nos sindicatos, nos partidos políticos, nos movimentos sociais, por exemplo. No entanto, sem prescindir do diálogo e da problematização desses e outros universos das práticas sociais e culturais; do diálogo e da comunicação com os outros, do reconhecimento das diferenças, da solidariedade. Portanto, se faz necessária a construção de uma pedagogia, de uma intencionalidade didática que articule estes mundos- conhecimentos considerando-se o tripé: aluno-professor-conhecimentos. Falar do papel do professor implica reconhecer estas dimensões da prática pedagógica, da relação com os conhecimentos, das formas de educar, de ensinar e aprender na escola como um lugar de sínteses, de construção e de vivência de identidades sociais e culturais, de sistematização e de produção de conhecimentos.

JP - Quais as principais características que devem ser encontradas nos bons professores?

ZGP – No meu entendimento, o professor é este profissional cujo papel foi delegado pela sociedade e que destaco algumas características do seu pensar e fazer. Vou me acompanhar de Carlos Drumond de Andrade, salientando um trecho do poema Especulações em torno da palavra homem para explicar melhor o que estou querendo dizer sobre o papel do professor:

“Mas que coisa é o homem,

Que há sob o nome:

Uma geografia?

Um ser metafísico?

Uma fábula sem signo que a desmonte?

Como pode um homem

Sentir-se a si mesmo,

Quando o mundo some?”

O poeta nos instiga a refletir sobre a configuração humana que somos, na qual se articulam e se interpenetram o ser indivíduo – que percebe e sente o outro antes de si mesmo, construindo e constituindo-se como sujeito, como pessoa, com sua individualidade, suas identidades irrepetíveis, numa geografia, numa família, numa nação, num mundo. Mundos e conhecimentos que se dão e se constroem a partir de interrelações entre ações, signos, significados e o ambiente sócio cultural, portanto, as atividades humanas não existem no vácuo, são processos históricos, situados, datados historicamente. Ao selecionar este fragmento do poema de Drumond tive a intenção de focalizar através das metáforas – geografia do sujeito, signos, mundos – o papel do professor e da escola na mediação dos conhecimentos sistematizados na escola, destacando algumas:

· Saber ser mediador de sínteses entre conhecimentos - de articular estes mundos que falei anteriormente: da cultura que o aluno vive e traz para a sala de aula; de valorizar, reconhecer as práticas e experiências locais articulando com as globais, numa perspectiva dialética; de ajudar a organizar e desafiar a capacidade de pensar dos alunos, de relacionar fatos, fenômenos, cultura, afetos, de modos se ser, de saberes, de se expressar, de falar.

· Saber lidar com os tempos pedagógicos de forma que garanta a escolaridade, com sucesso, dos alunos que ingressam na escola: tempo curricular, tempo para ensinar e para aprender que darão conta do processo de sistematização das aprendizagens significativas: tempo de organização do fluxo dos conhecimentos históricos tal como se encontram no currículo escolar; tempo do professor, tempo didático que se expressa na organização do seu tempo para planejar e organizar aulas, de avaliar o processo de aprendizagens dos alunos; tempo ou ritmo de desenvolvimento do conhecimento do alunos alusivo ao desenvolvimento cognitivo, heterogeneidade e ritmos de aprendizagens.

· Reconhecer o que nos diz Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas:

“Digo: o real não está nem na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é o no meio da travessia. Conto ao senhor é o que sei e o senhor não sabe: mas principal quero contar é que não sei, e pode ser que o senhor saiba. Mestre não é quem ensina, mas quem de repente aprende”.

· Ficar atento ao que nos diz Cora Coralina: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.”

JP – Em sua opinião, o magistério é uma profissão valorizada? Por quê?

ZGP – Poderia afirmar diante do que estamos construindo ao longo destes últimos trinta anos que alguns avanços estão sendo visíveis, mas alguns desafios ainda terão que ser enfrentados. Podemos listar alguns:

· Reconhecimento social da profissão, ainda em construção. Veja que em algumas regiões professora ainda são chamadas de “tias”, por exemplo. Qual é o salário de uma tia?

· Muitos municípios tem dificuldades para adotar as referências nacionais para a valorização do magistério – piso salarial, hora atividade, entre outros;

· alguns municípios contratam professores sem a qualificação mínima de formação para o magistério em nível médio, para atuarem nos anos iniciais e finais em nível superior.

· evasão de professores com licenciaturas nas áreas de biologia e matemática, para outras atividades por encontrarem melhores alternativas profissionais e salariais.

JP – O que é necessário para atrair mais interessados em seguir a carreira de magistério?

ZGP – O debate educacional já apontou alguns obstáculos a superar:

Agilidade na elaboração de programas de formação docente e de planos de cargos e carreiras; adequação dos currículos dos cursos de formação de professores, inclusive das universidades e faculdades de formação de professores que deveriam articular teoria e prática no processo de formação docente e tomar como foco os mais variados temas relativos à educação, tanto do ponto de vista do desempenho escolar como dos avanços e entraves à construção de conhecimentos conceituais nas áreas do desenvolvimento cognitivo, das aprendizagens da leitura, da escrita, da matemática e das ciências; ingresso nas redes públicas mediante concurso publico e titulação conforme legislação em vigor; adequar numero de alunos por professor; adequar estruturas físicas da escola; manter em funcionamento bibliotecas, laboratórios e conectividade; incentivar participação de professores e alunos em eventos de natureza cientifica; apoiar iniciativas pessoais de formação inicial e continuada; garantir reforma de prédios e provimento de material pedagógico, entre outros.

Algumas iniciativas de valorização e reconhecimento da carreira podem ser salientadas, a exemplo do recente Decreto 6.755, de 29 de janeiro de 2009, que institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica e que dá relevância à importância do docente no processo educativo e de sua valorização profissional. Este mesmo Decreto disciplina a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) no fomento a programas de formação inicial e continuada e concretiza a Política Nacional por meio de planos estratégicos formulados em fóruns permanentes de apoio à formação docente, instituídos em cada estado e no Distrito Federal.

JP – Você tem observado mudanças na carreira de magistério? Quais?

ZGP – Foi um privilégio para mim ter tido a oportunidade de participar de alguns momentos da construção deste debate educacional: ter iniciado como professora da rede estadual e depois como gestora desempenhando funções em gestão da política educacional de Pernambuco e hoje como professora universitária da UFPE e como conselheira do Comitê de Educação Básica da Capes. Destes lugares pude testemunhar, tecer reflexões, preocupações e convicções o que me leva a destacar alguns avanços, embora reconhecendo que temos muitos desafios pela frente. A formação de professores e valorização do magistério no campo da legislação apresenta ganhos:

• Dimensão profissional da docência é afirmada na Constituição Federal de1988 (art. 206- inciso V) como princípio (valorização dos profissionais do ensino);

• Plano Decenal de Educação para Todos -1993-2002 e o Pacto de Valorização do Magistério tematizam necessidades de aprendizagem do aluno e incluem formação inicial e continuada dos professores como pontos centrais, não deixando de lado condições de trabalho e salário condigno;

• LDB de 1996 denomina o docente de profissional da educação e cria o Curso Normal Superior e o Instituto Superior de Educação;

• Estabelecimento de Referências Nacionais para o Docente da Educação Básica – CNE 1996, com destaque para a sua formação e remuneração digna;

• Lei do FUNDEF – 1996 e Lei do FUNDEB – 2008;

• Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica em nível superior – 2002;

• Implantado em regime de colaboração e por adesão dos Estados, Distrito Federal e Municípios através do Plano de Ações Articuladas (PAR), um conjunto articulado de ações, segundo as metas e diretrizes do Compromisso Todos pela Educação, diagnóstico da educação básica do sistema local com vista à melhoria da qualidade, estruturado em quatro dimensões e entre elas uma sobre a formação de professores e dos profissionais de serviço e aApoio escolar.

• A instituição do Plano Nacional de Formação de Professores e a instalação da Plataforma Freire são iniciativas importantes que o Ministério da Educação, a Capes, em articulação com alguns estados e municípios e as instituições de ensino superior representam um esforço para construção do reconhecimento e de identidade do professor da educação básica. Veja que na Plataforma Freire o professor da educação básica tem agora um lugar para tornar visível sua trajetória formativa, além de ser o espaço para a inscrição nos cursos de formação inicial e continuada.

JP – Como alguém pode se tornar professor, ou seja, o que é preciso fazer para ingressar na carreira? Que cursos existem atualmente para formar professores?

ZGP – Diante do que fui comentando ao longo desta entrevista posso assegurar que as competências profissionais e acadêmicas para ser professor têm lugar. E um lugar institucional. Um percurso formativo que considera a experiência e saberes que adquiriu ao longo da vida, mas que precisa de um lugar de sistematização. Acho que este lugar é na universidade, mais particularmente, em um curso de licenciatura. Neste particular saliento o papel importante que as instituições de ensino superior desempenham e vão desempenhar nesta tarefa de formação inicial e continuada. A primeira condição seria, então, dotar o professor com esta formação inicial conforme o debate educacional foi pontuando ao longo das ultimas décadas e positivada mediante a legislação educacional própria – a constituição de 1988, a LDB de 1996, as emendas constitucionais, as normativas do Conselho Nacional de educação, para citar apenas alguns. Em caráter excepcional admite-se a formação em nível médio para professores que atuam na educação infantil. Podemos destacar o Proinfantil (MEC) – um curso que habilita o professor em serviço que atua na educação infantil e que ainda não possui, sequer, o nível médio.

Gostaria de destacar, mais uma vez, o Plano Nacional de Professores que se materializa nas instâncias estaduais e municipais através do Plano de Formação de Professores (PAR FOR), que tem como meta nacional ofertar formação inicial e continuada através da oferta de 331.607 vagas de cursos nos três formatos: Primeira Licenciatura Graduação – Curso especial para atender a formação de docentes que não possuem licenciaturas; Segunda Licenciatura Graduação – Curso Especial para a formação continuada de docentes que possuem licenciatura, mas atuam em área diferente de sua formação; e curso Especial de Formação Pedagógica para docentes graduados bacharéis não licenciados .

Na Plataforma Freire estarão disponíveis outros cursos que compõem a formação continuada de professores: cursos de especialização, atualização e aperfeiçoamento. O Proinfantil habilita o professor com formação de nível médio para atuar na educação infantil. Funciona em articulação com os municípios que ainda mantêm em seus quadros professores sem habilitação em nível médio.

JP – Você gostaria de acrescentar alguma coisa que não foi perguntada?

ZGP - Gostaria de acrescentar um comentário já que falei um pouco sobre política, formação e legislação. O que queria salientar é em relação à continuidade das políticas públicas da formação, da valorização e da profissionalização dos docentes. Que a mesma seja debatida com a sociedade, amplamente, para que tome a dimensão de política de estado, mas, sobretudo, de uma política de sociedade de forma que possibilite a construção de uma escola pública de qualidade para todos, como direito social.

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