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JORNAL
Edição 36 - Ciências nos anos iniciais
19/03/2010
 
ou

Antônio Carlos Pavão (UFPE): ciência é empolgante e integradora

Para o professor Pavão, da UFPE, os professores devem aproveitar a curiosidade natural das crianças

Para o professor Pavão, da UFPE, os professores devem aproveitar a curiosidade natural das crianças

Autor:Passarinho/ Ascom/ UFPE


Doutor em química, com mestrado em físico-química, Antonio Carlos Pavão é um incentivador do ensino das ciências nas classes iniciais. É professor associado da Universidade Federal de Pernambuco, coordenador de ciências do Programa Nacional do Livro Didático do Ministério da Educação, membro do Comitê Organizador da Feira Nacional de Ciências do Ensino Básico (Fenaceb) e do Conselho Técnico Científico (CTC) do Ensino Básico da Capes, Pavão também é diretor, desde 1995, do Espaço Ciência, o Museu de Ciência de Pernambuco. Em entrevista ao JP, ele fala de como a ciência pode ajudar o professor no ensino de diversos conteúdos.

Jornal do Professor - Qual é a importância do ensino de ciências nos anos iniciais do ensino fundamental?

Antônio Carlos Pavão - O que nós devemos fazer é aproveitar o que já é natural das crianças. Elas são curiosas, uma criança pergunta sobre tudo e tem resposta para tudo. Perguntar é uma característica já própria à ciência. A criança pergunta e como elas têm respostas, elas estão formulando também hipóteses. E a criança tem outra vantagem, ela é muito aberta a argumentações. Os adultos são mais conservadores, eu diria. Elas são mais abertas a novidades, informações, descobertas. Então, na verdade, ensinar ciência para a criança é explorar aquilo que elas já trazem nelas, que é a curiosidade. E também as crianças gostam de brincar, e ensinar e brincar é necessário para se levar uma vida humana. Então, nós também devemos ensinar ciências de uma forma lúdica.

JP – Quais seriam os principais recursos pedagógicos a serem utilizados nessa fase?

ACP - Eu diria que a partir da própria curiosidade do aluno, procurar entender o que ele está perguntando e estimular que busque respostas. E com isso você vai introduzindo os procedimentos da investigação científica. É ter uma observação cuidadosa, um registro. Então, todo o processo de alfabetização também vai estar contemplado nesse processo de ensino de ciências.

Apesar de ser sempre bom, não precisa de grandes recursos. É mandar uma criança observar, por exemplo, quantas pernas tem uma formiga. E daí você estimula os alunos a procurarem saber mais sobre aquele assunto. A formiga é vertebrada ou invertebrada? O que ela come? Onde ela mora? Qual a organização social delas? Tem muita coisa que pode ser explorada nas escolas que não requer grandes recursos, basta apenas observar o que está disponível.

Pensem também em fazer uma feira de ciências, onde seria o momento de mostrar a produção científica dos alunos para as famílias, para a população em geral, porque é importante essa comunicação da ciência. A socialização do conhecimento também está contribuindo para formar cidadãos. Então, para resumir, deve-se ensinar ciência fazendo ciência.

JP – E os professores que saem do ensino superior, hoje em dia, estão preparados para ensinar ciências?

ACP – A gente vê muitas faculdades de formação de professores em que o pedagogo sai sem qualquer formação na área de ciências. Aí vira um impasse para o professor, porque ele chega na escola e encontra lá, por exemplo, o livro didático de ciências e tem que ensinar ciências. Ele acaba se apegando ao livro como uma espécie de uma muleta. A ciência é uma coisa empolgante, então o que temos observado é que mesmo com essa deficiência na formação os professores conseguem superações impressionantes. Eles mesmos vão trabalhando sua rotina na área de ciências. Eles dão aula e aprendem junto. Mas também tem o outro, que simplesmente se acomoda e manda o aluno copiar coisas do livro e etc. Aí a ciência vira um desastre, vira um “decoreba”, aquele estigma que a gente já conhece e acaba assustando os alunos. Uma coisa que é envolvente, interessante, prazerosa, acaba virando uma coisa chata, maçante, o que infelizmente a gente vê muito nas escolas.

Eu diria que, em termos de formação do professor, temos que melhorar muito ainda. Nós devíamos priorizar essa formação de ciência, mostrar que isso não é um bicho de sete cabeças. Ao contrário: é uma coisa que vai facilitar a vida do professor. Porque ele pode buscar melhor integração entre as diversas disciplinas, a história da ciência, a própria alfabetização, integração com geografia. Você poderia explorar toda a matemática trabalhando com tema de ciência. Ciência é uma disciplina muito integradora, e devíamos estimular os professores a trabalhar mais com ela.

JP – Que locais existem no Brasil que oferecem uma formação para professores?

ACP – Temos observado alguma proliferação de cursos de especialização, de mestrado e até de doutorado na área de ensino de ciências. Citando o caso de Pernambuco, na Universidade Federal Rural de Pernambuco, temos já há algum tempo o mestrado e agora vamos começar com o doutorado em ensino de ciências. No Espaço Ciência, que é o Museu de Ciência de Pernambuco, existe um pólo da Universidade Aberta do Brasil que oferece um curso de especialização do ensino de ciências semi-presencial para professores que estão na ativa, que estão em sala de aula. E no Brasil temos várias universidades que trabalham com o ensino de ciências. Mas eu queria destacar um trabalho que tem sido desenvolvido nos centros de museus de ciências, que tem oferecido minicursos, oficinas, palestras, diversas atividades voltadas para a formação de professores. Essa é uma atividade que temos que incentivar mais e divulgar mais. Então eu recomendaria aos professores que têm oportunidade que busquem centros de museus de ciências. Para saber o local desses centros basta acessar o site da Associação Brasileira de Centros de Museus de Ciências.

Várias universidades no país têm desenvolvido seus programas de formação de professores. Eu destacaria a UFRJ no Departamento de Bioquímica Médica, sob a coordenação do professor Leopoldo de Meis. Ele desenvolve um programa em que os professores são convidados a irem ao departamento. Eles usam os laboratórios de pesquisa do próprio departamento para conhecer um pouco mais e desenvolver ideias e projetos para serem aplicados nas escolas. Esse projeto já ganhou dimensão nacional. Hoje tem 25 universidades que oferecem esse curso. Tem curso de férias e vários materiais que também estão disponíveis para serem usados em sala de aula. Vale a pena destacar todo o esforço e trabalho que a Capes vem fazendo através do programa de formação de professores, tanto inicial quanto continuada. Todos os estados estão hoje envolvidos e na Plataforma Paulo Freire é possível localizar um curso que teriam interesse de frequentar. Esse trabalho que vem sendo feito pela Capes promete mudar o quadro que temos hoje de falta de professores, principalmente na área de ciências.

Acho que também é necessário estimular o professor para ele mesmo buscar seus caminhos. O professor poderia simplesmente, no início do ano, agrupar os alunos e dizer: cada um vai escolher um tema para estudar, qualquer assunto serve. Às vezes, as coisas mais simples, mais triviais se tornam uma questão muito grande. Uma pergunta aparentemente simples guarda muita coisa. Então, deixe o aluno fazer uma pergunta e estimule-o para que vá buscar respostas a essa pergunta. Que ele faça investigações, em livros, na internet e proponha experimentos que possa realizar com os recursos de que dispõe. Que ele também busque outras fontes – pode buscar um profissional como um dentista ou um engenheiro, para uma melhor orientação. O professor faz um papel de orientador: junto com os alunos ele constroi o conhecimento. Assim, tanto ele quanto os alunos irão aprender.

JP - O senhor acredita que uma criança que seja despertada para a ciência poderá mais tarde vir a escolher uma carreira científica?

ACP – Não tenho dúvidas disso. Um exemplo é o Einstein. Ele dizia que ficou maravilhado quando ganhou de seu pai dele uma bússola. Aquilo atraiu a atenção dele, que ainda era criança. O Clodowaldo Pavan, um grande geneticista brasileiro que morreu há pouco tempo, falou que foi estudar biologia porque quando seu pai o levou ao Museu do Ipiranga, em São Paulo, ele viu um marsupial com o filhote dentro de sua bolsa e achou aquilo fantástico. Eu mesmo posso dizer, como pesquisador, as ideias que trabalho hoje são ideias que eu já vinha trabalhando desde jovem, ainda criança. Felizmente tive esse estímulo para continuar. Então não tenho dúvidas que se estimularmos as crianças elas vão se tornar cientistas. Agora, não queremos formar só cientistas, queremos, sobretudo, formar cidadãos. Formar pessoas que sejam aptas a responder questionamentos que a sociedade nos coloca o tempo todo, como por exemplo: você é contra ou a favor das células tronco? Mesmo como um consumidor, se você vai comprar uma tevê ou uma geladeira você tem que conhecer um pouco de ciência e tecnologia para fazer uma melhor escolha. Quer dizer, nós precisamos aprofundar os conhecimentos de ciência e tecnologia para toda a população, porque queremos que todos de fato sejam cidadãos.

Todas essas ideias que expressei aqui também estão presentes nos livros que o MEC tem oferecido para as escolas. Quem observar o edital do Programa Nacional do Livro Didático vai ver que há uma insistência no conceito do ensino de ciências investigativo, experimental, prazeroso. O MEC vem trabalhando com esses conceitos, que aliás não são novos. Se pegarmos o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, capitaneado por Anísio Teixeira, Cecília Meirelles e vários educadores, lá eles já expressam que o ensino deve seguir o mesmo modelo que norteia as investigações maduras nas universidades, quer dizer, a experimentação, a observação, o registro, seguir os procedimentos usuais da pesquisa científica. Então esse conceito acaba sendo materializado na escolha dos livros didáticos que o MEC distribui nas escolas.

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