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JORNAL
Edição 43 - Redação no Ensino Médio
31/08/2010
 
ou

Márcia Martins Castaldo: a boa redação é fruto de um longo percurso

A professora Márcia Martins Castaldo trabalha com redação há mais de 20 anos.

A professora Márcia Martins Castaldo trabalha com redação há mais de 20 anos.

Autor:Arquivo pessoal


A redação tem sido o tema principal do trabalho da professora Márcia Martins Castaldo, há mais de 20 anos. Doutora e mestre em educação, bacharel e licenciada em português, inglês e francês, ela integra o Grupo de Estudos e Pesquisa em Letramento e Alfabetização da Universidade de São Paulo (Geal/USP). Também exerce a função de coordenadora pedagógica na Escola Municipal de Ensino Fundamental Jairo Ramos, em São Paulo (SP).

Em sua opinião, a leitura é muito importante para a elaboração de um bom texto, pois promove a reflexão sobre o conteúdo ou sobre a forma. Ela acredita que é necessário cuidar da redação desde as primeiras letras, pois a boa redação é fruto de um longo percurso.

Jornal do ProfessorQual é a importância do hábito da leitura para que os alunos possam fazer boas redações?

Márcia Martins Castaldo – Ler e redigir são duas ações que envolvem a palavra escrita, entretanto, demandam diferentes modos de interação. A leitura é muito importante para a redação por fazer parte do conjunto de conhecimentos acionados por aquele que redige, e mais, compõe o lastro de recursos linguísticos do indivíduo. Ler promove a reflexão - sobre o conteúdo ou sobre a forma -, ato imprescindível para a elaboração de um bom texto. Embora importante, a leitura, sozinha, não garante uma boa redação, há outros aspectos específicos do ato de redigir a serem considerados. Ler e escrever se intersecionam na construção de uma consciência da palavra escrita; nesse ponto, uma ação influencia a outra proporcionando benefícios para ambas.

JP – Os professores devem estimular a leitura entre seus alunos? De que forma?

MMC – O professor precisa mostrar para seus alunos a paixão que ele próprio tem pela leitura e pela descoberta da palavra escrita. O professor deve proporcionar condições para que seu aluno amplie a “consciência linguística” e saiba despertar “as mil faces secretas” da palavra que dorme “em estado de dicionário”, resgatando Drummond.

JP – É possível ensinar a fazer redação? Como isso pode ser feito no ensino médio?

MMC – Algumas vozes defendem a ideia de que não é possível ensinar alguém a fazer uma redação; essas vozes alegam que escrever é dom e que esse ato demanda inspiração. Além disso, muitas pessoas têm a ideia de que, passado o período inicial de escolarização, o indivíduo já dominou a palavra escrita e encerrou sua aprendizagem. Não creio ser essa a realidade. Quando um indivíduo aprende as letras, ele apenas se inicia no universo da palavra escrita, apenas começa a entender como elas se harmonizam para formar o texto, há muito a caminhar; até o fim de nossas vidas, a palavra escrita oferece desafios, e isso torna possível o ensinar-aprender a redigir. O ensino-aprendizagem do ato de redigir requer a definição de uma trajetória de construção para fornecer ao indivíduo condições de descobrir os poderes da palavra, seus recursos. Eixos norteadores, enfoques, sequências didáticas, estratégias, reflexões, todo o universo dos expedientes de ensino-aprendizagem podem ser mobilizados para que um indivíduo vá realizando essa construção.

JP – O que é mais importante para uma boa redação: a técnica ou o conteúdo?

MMC – A articulação entre essas duas dimensões do texto é importante. Uma redação que meramente aplica uma técnica não tem alma, não seduz o leitor; não seduz nem mesmo quem escreve, pois o escrever se transforma em ato mecânico, creio que seja esse o motivo pelo qual muitos não gostam de escrever. Não há como escrever adequadamente sem conteúdo; ao redigir, um indivíduo materializa ideias, emoções. Essa divisão não deve levar à ênfase de um ou outro aspecto, ela deve ser concebida como um tipo de artifício para se estudar, entender a palavra escrita, avaliá-la.

JP – Que ferramentas os professores de português do ensino médio podem utilizar para que os alunos aprendam a fazer boas redações?

MMC – O ensino de redação é bastante complexo, mas dois eixos são fundamentais: a análise de textos e a reescritura a partir da correção e da avaliação. Com a análise de textos, o aluno vai criando a “consciência da palavra”, nesse momento, o professor tem condições de mostrar como se realiza a construção dos textos e explicar como o aluno pode utilizar os recursos da escrita para elaborar seu próprio trabalho. Os atos de corrigir e avaliar têm papel essencial nesse processo, pois promovem o diálogo entre os interlocutores e realimentam o processo de conscientização a respeito do ato de comunicar, é uma forma de perceber o “outro” concretamente. Há um risco: utilizar indevidamente essas práticas e criar barreiras, traumas, até. A correção e a avaliação precisam ser tratadas como forma de interação, um momento especial de encontro e orientação. Enfoquei essas questões em minha dissertação de mestrado: “A prática da redação na escola: avaliação, um caminho?”

JP – Em sua opinião, qual a melhor periodicidade para que os alunos do ensino médio façam redações?

MMC – O fato de a redação demandar a prática – para aprender a redigir é preciso redigir; regras, modelos, análises não frutificam se não forem experimentados - remete-nos a uma polêmica histórica entre quantidade e qualidade. A resposta para essa questão demanda algumas considerações. O que é redação? É aquela produção mais, digamos, extensa, como uma história, um texto de opinião? Ou uma simples resposta de exercício, o relatório de uma pesquisa? A redação é vista como um processo de construção articulada em etapas de elaboração ou um produto isolado? Considerando a redação como resultado de um processo de elaboração e de reflexão linguística, a periodicidade estaria vinculada à extensão dos processos, que, por vezes, são longos. Por exemplo, se um professor decidisse produzir com seus alunos uma epopéia, em um possível trajeto envolvendo várias etapas - pesquisa a respeito do gênero; leitura e análise de modelos,com apresentação, discussão e experimentação de recursos de elaboração; construção do texto, correção e avaliação, revisão, até o resultado final -, ele precisaria de maior intervalo de tempo, talvez um bimestre, ou mais, e isso poderia gerar um desconforto relacionado à ideia de produto: uma só redação no bimestre. Ao considerarmos apenas o produto final como redação, somos levados a achar que houve produção insuficiente. É um equívoco pensar assim. É preciso visualizar o trajeto para obtenção do resultado final: se cada etapa do processo de construção da epopéia for registrado de alguma forma, tais registros podem ser acatados como redação, produções intermediárias, até a obtenção do resultado final, o número de produções realizadas se amplia, mas com fundamento, com objetivos. Simplesmente aumentar o número de produções sem o cuidado de articulá-las não promoverá adequadamente o ensino-aprendizagem da redação. Há processos mais rápidos, que podem ser desenvolvidos em uma semana ou quinze dias, isso pode ocorrer, por exemplo, quando o objetivo é aperfeiçoar determinado aspecto da trajetória textual, como a produção com foco no vestibular.

JP – A partir de sua experiência de mais de 20 anos de trabalho com o ensino de redação, a senhora poderia nos dizer quais os principais erros cometidos pelos alunos?

MMC – A busca de uma receita padronizada de escrita é o principal erro cometido pelos alunos. A escrita é como impressão digital, cada indivíduo tem a sua, diferente daquela de todas as outras pessoas. Ao buscar tal receita, o indivíduo pode soterrar seus saberes, com isso, perde-se a autoria; sem autoria, perde-se a correção gramatical, o eixo de raciocínio, a clareza, a precisão, a exploração do conteúdo, o desejo de ser compreendido. O texto torna-se uma tarefa cumprida, apenas; um dever-dizer que não permite a transfiguração do saber-dizer de cada um.

JP – A redação é um item temido pelos vestibulandos. O que não pode ser esquecido pelos candidatos? O que não pode faltar em uma boa redação?

MMC – A boa redação não surge do dia para a noite, é um resultado do que esse candidato fez ao longo dos anos de escolarização; do seu grau de consciência linguística. Às vésperas do vestibular, não se amadurece como em um processo de anos; às pressas, só é possível aprimorar aspectos do texto, entender o que são provas de concursos seletivos, o que demanda esse gênero de texto. É necessário cuidar da redação desde as primeiras letras, não só no momento em que se demanda a produção de determinado gênero; a boa redação é fruto de um longo percurso. Não deve faltar, ainda, à redação, a autoria, é necessário mostrar ao interlocutor – independentemente de ele ser ou não um membro de banca examinadora – a autonomia em relação à escrita, esse envolvimento vai se refletir no adequado encadeamento do raciocínio, na exploração pertinente dos conteúdos, na boa articulação da palavra e das ideias, na correção gramatical, no uso correto dos recursos para a construção do gênero de texto requisitado pela proposta. Esse foi o tema de minha tese de doutorado: “Redação no vestibular: a língua cindida”; no trabalho, exponho a angústia do embate entre as prescrições do gênero, as distorções sobre o uso dos modelos e os saberes do candidato; embate que, em geral, impede a criação porque tolhe a autoria.

JP – A forma de fazer redação sofreu modificações nos últimos 20 anos?

MMC – Creio que sim. Percebe-se um movimento interessante de preocupação com a “consciência linguística”; cada vez mais, a prática da redação se distancia de propostas desvinculadas de uma análise de construção do gênero; tem havido preocupação com o preparo para obtenção do texto.

JP – Você considera importante que os professores ou as escolas promovam concursos de redações ou estimulem os alunos a participarem de concursos desse tipo?

MMC – Concursos são interessantes se não se tornarem motivação central do ensino-aprendizagem da escrita. Encarar um concurso como medida da eficácia de um programa de redação ou do desempenho do aluno não é salutar. Conceber a participação em um concurso de redação como uma atividade a mais que viabiliza a exposição do texto em outro contexto - se o concurso for externo -, ou para estimular a prática – se for interno - pode ser construtivo para analisar a produção em outra perspectiva: concretiza-se o intelocutor porque amplia-se o público-alvo, não apenas o professor lerá o texto. Ocorre, muitas vezes, que toda a programação de uma escola modifica-se para atender às demandas de um determinado concurso; isso é reduzir o poder da palavra escrita.

JP – As instituições de ensino superior preparam bem os professores de português para o ensino de redação?

MMC – Não. Em geral, o professor precisa articular seus conhecimentos para essa prática recolhendo informações espalhadas pelas várias disciplinas que cursou. Em grande parte, as práticas vêm mais do cotidiano, das experiências, dos conselhos de profissionais com mais anos de prática, das propostas dos livros didáticos.

JP – O que dificulta o trabalho de redação na escola?

MMC – São vários os obstáculos, mas poderia apontar alguns. O trabalho de ensino-aprendizagem de redação demanda muito esforço – pense na correção dialogada, por exemplo, seguida de revisão – e muitas pessoas não gostam de enfrentar esses desafios, nem professores, nem alunos. Redigir, assim como ler, requer reflexão e um tipo de concentração que não é estimulado em nosso cotidiano; os resultados não são imediatos, como se espera nos tempos da velocidade. Além disso, ainda vigoram as concepções da escrita como dom e de resultados obtidos pela quantidade, como produção em massa. Mesmo assim, creio que as pessoas têm redigido mais do que antigamente, no mínimo, porque os índices de indivíduos que atualmente têm acesso à escrita crescem; porque a palavra escrita, mesmo em seu modo peculiar, tem estado nos dedos da juventude.

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