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JORNAL
Edição 54 - Formação de Professores
03/05/2011
 
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Leda Scheibe: universalização da formação superior dos professores é tendência mundial

A universalização da formação superior dos professores é uma tendência mundial

A universalização da formação superior dos professores é uma tendência mundial

Autor:Arquivo pessoal


Com mestrado e doutorado em educação e pós-doutorado na área de formação de professores no ensino superior, Leda Scheibe é professora da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc). Vice-presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) e membro do Conselho Técnico Científico da Educação Básica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ela é aposentada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde continua a trabalhar como professora titular voluntária.

Em entrevista ao Jornal do Professor, Leda Scheibe fala sobre a importância da formação superior para os professores da educação básica e diz que a exigência de uma escolaridade maior e melhor tem aumentado. “A universalização da formação superior dos professores é uma tendência mundial e cada vez mais se justifica frente aos desafios educacionais”, ressalta.

Ela acredita que, neste momento, é preciso investir no processo de discussão e aprovação do Plano Nacional de Educação para a década 2011 – 2020. Em sua opinião, o Plano Nacional de Educação é o instrumento disponível para, efetivamente, apontar estratégias que induzam estados e municípios a investir em planos de carreira e no pagamento de salários dignos aos professores.

Jornal do Professor - Qual é a importância da formação superior para os professores? Um professor com curso superior tem mais condições de ensinar do que um que tenha apenas o curso Normal?

Leda Scheibe - A FORMAÇÃO INICIAL é um momento chave da construção de uma socialização e de uma identidade profissional. A formação dos professores para a escola básica, hoje, não pode mais prescindir de uma formação em curso superior como base para sua atuação docente. Tal requisito tem fundamento na compreensão de que a valorização do professor, tão cantada em prosa e verso, depende não apenas, mas também, de uma formação aprimorada, valorizada pela profundidade dos estudos e mesmo pelo tempo de formação.

O professor é um profissional que lida com formação de crianças, jovens e mesmo de adultos, e que tem como principal conteúdo para o seu trabalho, o conhecimento. Isto não é pouca coisa - sua tarefa é socializar o conhecimento sistematizado, fazer a mediação entre a cultura e o educando, formar indivíduos críticos... Cada vez mais as pessoas precisam para sua sobrevivência, dominar o conhecimento que se amplia dia a dia... Mais e melhor escolaridade é, portanto, uma exigência que só tem se ampliado. O professor está no centro deste movimento que incorpora cada vez mais informações e necessita cada vez mais, para isto, uma formação sólida e cultural, que extrapola a que diz respeito unicamente à disciplina na qual será docente, e o conteúdo pedagógico.

Profissionais cada vez mais qualificados e permanentemente atualizados são exigências do trabalho docente que se complexifica e requer do professor um papel de intelectual no sentido que lhe deu Gramsci. O panorama atual revela que é de se esperar que mais e maiores cobranças recaiam sobre os professores, exigindo deste uma compreensão ampliada do mundo, do trabalho, da ciência, da cultura... A educação pouco pode avançar se o professor não tiver este perfil de pessoa com uma compreensão da cultura, para além dos conhecimentos específicos da sua área de trabalho.

A universalização da formação superior dos professores é uma tendência mundial e cada vez mais se justifica frente aos desafios educacionais.

JP - Como a senhora avalia a formação dos professores, de maneira geral? As instituições de ensino estão preparadas para formar bons professores?

LS - A formação de professores no Brasil é um desafio para seus governantes e para as instituições de ensino que abrigam os cursos que ofertam esta formação. Há instituições preparadas para um bom ensino e no qual os profissionais podem ser bem formados. Mas o que caracteriza, de uma maneira geral, esta oferta, é a condição desigual que temos hoje nos processos de formação de professores: presencial, a distância, três ou quatro anos para a realização dos cursos, ensino diurno e noturno, instituições públicas e privadas etc. Cinco formatos institucionais dão hoje abrigo aos cursos de formação de professores: escolas normais de nível médio; universidades que oferecem os cursos de licenciatura; instituições de ensino superior (IES) em geral, ou seja, centros universitários, faculdades integradas ou faculdades isoladas que oferecem licenciaturas em geral; institutos superiores de educação, criados pela LDB/1996, para funcionar no interior das IES e para assumir toda a formação inicial e continuada de professores; institutos federais de educação tecnológica (IFETS) que podem ofertar tanto as licenciaturas tradicionais com licenciaturas específicas para a educação profissional.

A desigualdade nos processos de formação é preocupante por incorporar desigualdade na qualidade da formação. É um desafio para o país, portanto, romper com o processo histórico de desvalorização social do professor, e caminhar no sentido de uma qualidade de formação mais igualitária.

A formação de professores é sobretudo um problema político: é atravessada pela concepção de sociedade e de projeto de futuro para uma país. Por isso, é preciso destacar que os currículos de formação dos docentes passam por definições nas quais os projetos societários de nação estão presentes de alguma forma, e, portanto, concepções em disputa atravessam os projetos de formação. Como encarar nos projetos de formação dos nossos quadros docentes os novos quadros teóricos, os novos aportes do desenvolvimento científico, os novos equacionamentos dos tempos e dos espaços que requer a virtualidade frente à prática pedagógica? São desafios postos...

Há que apostar, portanto, em processos formativos de docentes cada vez mais inseridos nas novas exigências da atualidade, sem deixar de levar em conta, ao lado da preparação técnica e conteudista dos professores, das necessidades de mudança social , a perspectiva da inclusão escolar, do direito à educação, das necessidades coletivas se sobrepondo ao individualismo, da multidisciplinaridade etc.

JP - Dados do Censo da Educação Básica de 2010 revelam que do total de dois milhões de professores, 1,4 milhão têm idade entre 33 e mais de 50 anos. Como a senhora avalia isso?

LS - Com preocupação. Os dados oficiais também têm revelado que a procura pelos cursos de licenciatura tem decaído nos últimos anos, mesmo que haja oferta de vagas no mercado de trabalho. Isto revela o quanto a carreira docente não é uma profissão atrativa para os jovens.

JP - O que é necessário fazer para atrair para as carreiras docentes os jovens que estão ingressando nas universidades?

LS - Sabe-se que esta questão passa pelo salário dos professores, pela falta de carreira docente na maior parte dos sistemas de ensino no país, pelas condições concretas de trabalho, nas escolas, e também pelo cuidado com sua formação na graduação. No momento, certamente cabem medidas tais como bolsas de estudo para ingressantes nas licenciaturas, não apenas para que possam desenvolver a sua formação com tempo para estudar e manter-se como estudante, sem precisar trabalhar e necessitar apelar para curso noturno. Mas também para que sejam atraídos para os cursos de licenciatura.

JP - Como senhora vê a avaliação de professores?

LS - Esta é uma questão que está em pauta, por diversas razões. Por um lado, pela efetiva necessidade de avaliar o trabalho docente para detectar suas necessidades, rever as posturas dos docentes, sentir o que falta em termos didático-pedagógicos e também de conhecimento curricular... Enfim, pela importância diagnóstica que tem a avaliação, como um elemento de promoção do trabalho docente e das condições de ensino.

Por outro lado, há hoje uma insistência avaliativa no sentido daquilo que está sendo denominado de responsabilização do professor pelos resultados da aprendizagem dos alunos, e sua culpabilização por fatores relacionados com a falta de condições educacionais.

Garantir a qualidade da educação nas escolas e promover a educação profissional dos professores é uma necessidade. Promover o crescimento profissional do professor. Mas usar, por exemplo, o desempenho dos alunos em testes específicos para avaliar as habilidades do professor pode representar equívocos que passam por fatores que vão além do controle do professor.

Penso ser necessário rever a ascensão da avaliação de resultados e fazer da avaliação um elemento da formação humana e não da exclusão (segregação das camadas mais pobres em guetos escolares, desestruturação profissional do magistério, ansiedade dos atores educacionais, ranqueamento das escolas etc). Considero necessária a avaliação do estágio probatório dos professores como um exemplo da avaliação como elemento de formação. No sentido de um acompanhamento do trabalho de quem se inicia na carreira profissional. O estágio probatório é um momento privilegiado de aprendizagem para o profissional docente. Mas seria necessária a participação de professores experientes neste processo de avaliação, como orientadores do trabalho. Sabemos que, mesmo constituídos como exigência pela Constituição brasileira e por leis estaduais, os estágios probatórios não estão sendo efetivamente implementados.

JP - O que os professores podem fazer para enfrentar os desafios da carreira?

LS - Ações de diversas naturezas podem ser feitas para enfrentar os desafios da carreira pelos professores. Professores são pessoas com idéias, com experiências, com imaginação, com ideais. Mas principalmente são uma categoria profissional, o que exige deles/delas ações integradas. Seja na escola, no sindicato ou em outras associações vinculadas ao trabalho docente. Movimentos de solidariedade para com as necessidades coletivas. Formar equipes multidisciplinares nas escolas para ampliar o seu olhar. Construir com os outros profissionais da educação, no sindicato dos professores, instrumento de avaliação dos professores. Socializar bons planos de aula na internet. Lutar para ampliar o tempo de convivência na escola e por mais tempo para planejar suas atividades. Novas tecnologias da comunicação requerem mudanças.

JP - O Ministro da Educação defende a valorização do magistério e entende que o piso salarial e a carreira não devem ser dissociados. Como fazer com que estados e municípios invistam em planos de carreira e paguem o piso salarial do professor?

LS - Neste momento é preciso investir no processo de discussão e aprovação do Plano Nacional de Educação para a década 2011 – 2020. É importante ter clareza sobre a indissociabilidade entre questões de formação, condições de trabalho, salário e carreira para a valorização do magistério. O Plano Nacional de Educação é, no momento, o instrumento que temos para efetivamente apontar estratégias que induzam os estados e municípios a investir em planos de carreira e no pagamento de salários dignos para os seus professores. Recentemente a Conferência Brasileira de Educação (Conae) discutiu à exaustão a necessidade de criação de um Sistema Nacional de Educação para que a nação não fique refém de políticas educacionais setorizadas que desconsideram a necessidade de dar prioridade à educação. Como o Brasil é um país federativo, a adesão às políticas que têm sido discutidas e definidas nacionalmente como fundamentais para o crescimento educacional fica à mercê de determinadas coações... Mas é preciso pelo menos cumprir a lei, neste país. E a lei determina a existência de um piso salarial mínimo e a existência de planos de carreira em todos os sistemas de ensino....

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