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JORNAL
Edição 63 - Gestão de Sucesso
29/11/2011
 
ou

Sandra Aparecida Riscal (UFSCar): gestão em escolas públicas passa por transição

Cada escola se organiza de forma diferente, diz Sandra Riscal

Cada escola se organiza de forma diferente, diz Sandra Riscal

Autor:Arquivo pessoal


Professora de gestão escolar do curso de pedagogia e do programa de pós-graduação em política e gestão da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Sandra Aparecida Riscal é graduada em pedagogia, com doutorado em educação na área de administração pública.

Para ela, que foi responsável pela elaboração do material didático da Escola de Gestores, um curso de educação a distância do MEC, na UFSCar, para o Estado de São Paulo, as escolas públicas brasileiras passam atualmente por transição na forma em que são administradas.

De acordo com a especialista, os gestores escolares descobrem, pouco a pouco, que a construção da escola pública do século XXI é uma tarefa coletiva que deve envolver toda a comunidade escolar. “A pior coisa que pode acontecer na escola é o diretor impor um modelo de gestão, porque vai colocar a escola numa camisa de força”, afirma. Segundo ela, a gestão escolar deve se impor pela democracia, ou seja, pela capacidade do diretor em motivar professores, funcionários, alunos e pais em torno de projetos pedagógicos definidos de comum acordo.

Jornal do Professor - Como a senhora define gestão escolar?

O termo gestão tem sido muito utilizado na área empresarial para discutir questões de caráter técnico, de revisão orçamentária, de sistematização de processos e de como tornar mais eficiente o próprio processo administrativo. A gestão escolar não seria isso que se faz em gestão empresarial. No caso da escola, a gestão implicaria numa participação maior de todos os membros da escola, como coordenador pedagógico, orientador educacional, diretor, mas também a participação de alunos, professores, funcionários na discussão do que seria a parte de cada um no trabalho da escola. A gestão escolar é muito mais ligada à organização do trabalho da escola, à discussão dos objetivos, dos estudos. Essa discussão coletiva envolveria tanto a parte administrativa, por exemplo, a utilização dos recursos financeiros, quanto a parte pedagógica, ou seja, que tipo de currículo vai se utilizar naquela escola, quais seus objetivos pedagógicos.

JP - O que é essencial para uma gestão escolar de sucesso?

A gestão escolar de sucesso não tem um modelo. Cada escola se organiza de forma diferente, é formada por pessoas com histórias de vida distintas. Uma gestão de sucesso seria aquele em que o gestor reconhece as particularidades da escola, aquilo que faz com que a escola tenha uma cara própria, aquilo que há de melhor e que cada um pode contribuir para a escola. Cada escola terá pessoas com capacidades, com concepções diferentes e vai contribuir de forma diferente para a própria gestão. O gestor tem de compreender a diversidade e como cada um pode contribuir. A pior coisa que pode acontecer na escola é o diretor, que se chama de gestor, impor um modelo de gestão porque vai colocar a escola numa camisa de força. Se ele conseguir compreender o que cada um pode oferecer e conseguir montar uma equipe que possa trabalhar com ele. Para as pessoas que estão na escola aquilo vai ser uma gestão de sucesso porque os pais e os alunos vão compreender o papel da escola e vão se sentir bem lá.

JP- Qual a formação que um professor deve ter para ser um gestor bem sucedido?

A legislação hoje exige que todo o gestor de uma escola tenha formação básica em pedagogia. Isso significa que um professor de matemática, química, física, por exemplo, vai ter de fazer um curso de pedagogia para se transformar em gestor. Mas a formação de um bom gestor exige que ele tenha a experiência de trabalhar com pessoas. Não adianta ter feito cursos se não passou por um processo de compreender o que é democracia. Democracia é o direito das pessoas de serem ouvidas. Todo mundo acha que democracia é o direito de falar. Você pode muito bem falar, mas ninguém ouvir. A formação básica do gestor deveria ser a de democracia.

JP - As qualidades pessoais do educador são importantes? O que é preciso para esse profissional promover uma boa experiência de gestão escolar?

Não há um modelo. Os cursos de gestão escolar vão permitir que o profissional compreenda o que é uma gestão democrática, que é o fundamento da gestão escolar. Antigamente, o modelo de diretor que tínhamos era aquele de linha dura, o representante do estado, do governo dentro da escola. Hoje temos uma inversão. O gestor é o representante da escola para o governo. Essa formação pessoal deveria ser voltada para a democracia, ligadas às pessoas da própria comunidade. Um dos grandes problemas que temos hoje em São Paulo é que boa parte dos gestores vem de outras bairros e regiões e não têm uma ligação direta com a comunidade. O gestor deve estar aberto a ter um vínculo, inclusive, afetivo com a comunidade. O gestor não é apenas aquela pessoa que segue normas e tem competência administrativa. Ele precisa ter afinidade com as pessoas da escola e se identificar com os projetos.

JP - Como envolver os pais e professores nos projetos da escola?

O próprio diretor tem de ter o desejo de fazer isso. E ele não pode querer impor um projeto pessoal dele à escola. A gestão democrática é exatamente permitir que a comunidade escolar tenha palavra e consiga debater e discutir o seu próprio projeto de escola. O diretor vai fracassar se tentar por em prática o projeto que ele tem na cabeça porque muito dificilmente as pessoas vão ter em mente o mesmo projeto dele. Uma metáfora que consigo fazer uso é do gestor como um arquiteto. A comunidade escolar às vezes não tem muito claro como vai fazer aquilo que tem em mente para a escola, mas todo pai sabe porque é importante a criança ir para a escola. A partir do que o diretor ouviu é que se começa a se discutir um projeto para a escola. A comunidade sabe dizer o que ela quer da escola, mas ela não saber fazer. A partir dos desejos das pessoas, se elabora os projetos políticos pedagógicos da escola. É uma discussão e isso funciona porque os diretores reúnem a comunidade e as pessoas se sentem parte da escola. Essa visão do diretor como administrador está mudando. Muitos pais que não participam da escola estão acostumados a serem chamados na escola para ganhar bronca porque o filho está com nota baixa. Os pais têm de perceber que podem construir a educação dos seus filhos.

JP - O que é uma gestão democrática descentralizada e por que é importante para a boa gestão escolar?

A escola tem autonomia para debater aquilo que ela deseja como projeto político pedagógico. Algumas escolas trabalham com blogs e murais, e aos poucos os pais vão participando porque vão percebendo que a escola também é deles. Durante muito tempo a escola foi estatal e não pública. Existe uma diferença. Uma coisa é a escola ser comandada pelo estado e outra é a comunidade se apropriar da escola, que ela compreenda com um espaço público do qual pode participar e ajudar a construir.

JP - A prática da gestão escolar deve ser preocupação da política educacional?

Aparece desde a Constituição de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases. E desde os últimos governos, a prática da gestão escolar tem sido incentivada, pelo MEC e pelos estados, por meio de cursos de formação de gestores. Mas implementar a gestão democrática é um processo demorado, justamente por não ser algo que se impõe por lei.

JP - O Brasil avança em políticas públicas que permitem o surgimento de boas experiências em gestão escolar?

Não se tem uma gestão democrática nas escolas públicas de uma hora para outra. Nós estamos plantando sementes. No futuro, os alunos atuais quando se transformarem em diretores de escola terão uma mente mais aberta porque estão estudando em escolas mais democráticas. Os professores e diretores atuais têm mais dificuldade em fazer gestão democrática porque estão acostumados com um modelo de escola em que estudaram. Eles questionam, por exemplo, em como fazer uma gestão democrática numa escola em que eles não são respeitados. Nós confundimos autoridade com autoritarismo, ainda mais quando o Brasil tem uma origem autoritária. Antigamente, o diretor era uma autoridade. Há ainda a visão de que a pessoa que tem cargo, tem poder e manda. É assim com o cargo de diretor e visão de que as pessoas vão respeitá-lo porque é o diretor. Autoridade é algo conquistado exatamente pela relação de respeito com as pessoas. Se você respeitar os outros, será respeitado. Hoje em dia estamos justamente na fase de transição porque estamos mudando essa concepção de autoridade. A autoridade de um diretor na gestão democrática não será mais resultado de um cargo, mas do tipo de trabalho que ele faz e do respeito com que trata as pessoas. Acontece o mesmo com o educador que entra na sala de aula e acha que os alunos devem ficar em silêncio porque ele é o professor. Gradualmente, esse professor percebe que ele deve mudar a relação com o aluno. A autoridade que ele vai ter dependerá do respeito que ele tem pelos seus alunos e não do cargo. Mas ao conquistar esse respeito, ele não perde. E, por meio da gestão democrática, estamos tentando estabelecer uma escola que respeite a diversidade, em termos culturais e raciais. Uma escola que saiba respeitar e compreender que a síntese de uma cultura distinta, onde cada um tem o direito de ter opinião diversa.

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