Logo Portal do Professor

JORNAL

Matemática Descomplicada

Quarta-feira, 26 de Agosto de 2009

Edição 25

EDITORIAL - Matemática Descomplicada

O tema da 25ª edição do Jornal do Professor é Matemática Descomplicada. Escolhido por nossos leitores, o assunto foi o preferido de 52,06% dos que votaram na enquete colocada em nossa página.

Nesta edição, você vai conhecer diferentes experiências de professores de matemática e saber mais sobre a situação do ensino e dos professores de matemática no país, com três entrevistados: o professor Hilário Alencar, presidente da Sociedade Brasileira de Matemática; o professor Paulo Figueiredo Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (Sbem); e a professora Suely Druck, diretora acadêmica da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP).

Aproveite para escolher o tema das próximas edições e para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

Seja bem-vindo!

Professora usa sucata para criar novas formas de aprendizagem

Alunos fazem ábaco com sucata.

Professora há mais de 15 anos, Kátia Leite Campos, do Rio de Janeiro (RJ), criou um projeto que utiliza recursos vindos do lixo para trabalhar com estudantes que apresentam dificuldades de aprendizagem. É o Projeto Ábaco, que busca integrar conceitos filosóficos e socioeducacionais ao processo de desenvolvimento do aluno, pautados no desenvolvimento sustentável.

Palitos de churrasco, tampinhas e argolas de garrafa pet, e potinhos variados são alguns dos materiais usados. “Uso também caixas de ovos, papéis velhos em forma de bolinhas, jornais com marcação de território, o domínio da tabuada e pronto: temos um jogo matemático que interdisciplinariza com geografia e história”, explica a professora, que dá aulas para alunos do ensino fundamental no Ciep Marechal Henrique Teixeira Lott, no Realengo, zona oeste da capital. Com licenciatura plena em matemática, ela é professora concursada do município, desde 2001.

O projeto foi desenvolvido, inicialmente, com 28 estudantes do período final do 1º ciclo que não sabiam somar, nem ler e escrever. Os alunos foram acompanhados durante dois anos, no período de 2006 e 2007. “Como essas crianças já haviam passado por vários métodos para aprender, busquei criar outras formas e acabei desenvolvendo jogos, uma nova metodologia com recursos vindos do lixo”, diz Kátia.

Em sua opinião, os jogos proporcionaram mais astúcia e raciocínio lógico aos estudantes. Além disso, o fato de que algumas etapas exigiam a interpretação e a escrita em forma de registros, fez com que os alunos passassem a escrever espontaneamente. A aprendizagem melhorou muito e puderam obter resultados positivos. “Os alunos saíram do não saber para o saber, do não poder para o poder, do não capaz para o capaz. Passaram a apreciar e gostar de aprender matemática. A assimilação ficou descomplicada”, destaca.

Em 2008, o projeto teve a participação de 34 alunos e, em 2009, são 33 os participantes. Para atender as necessidades dos alunos, Kátia fez algumas adaptações que levaram à criação de novos jogos, com níveis mais difíceis de desenvolvimento. Hoje são 12 jogos feitos com materiais recicláveis, que podem ser aplicados na faixa dos cinco aos 12 anos.

Pesquisadora autônoma, ela diz que seus maiores desafios, hoje, nas pesquisas de campo são o desenvolvimento e a dinamização da metodologia e da divulgação e a aplicação dos jogos a âmbito de incubadoras, ou seja, plantar a idéia e a metodologia a longo prazo e realizar mais estudos. Ela tem participado de palestras e congressos e recebido muitos pedidos de professores para realizar oficinas sobre o projeto. “Andorinha sozinha não faz verão. Aí entram minhas amigas Fátima Gismonti, Luciana Andreia, e Maria Augusta. Elas são meu time e com elas espero formar multiplicadores e prosseguir, além, claro, de outros que venham agregar a nossa filosofia e metodologia”, ressalta.

Outros projetos – Kátia já desenvolveu outros projetos. Em 2000, quando dava aulas em Santo Antônio de Pádua, no interior do estado, aliou músicas de cantigas de roda à recreação para melhorar o desempenho de uma turma com dificuldades. Ela tocava as músicas e pedia que eles escrevessem as letras no quadro-negro. Depois passava as letras para a forma de notas musicais, atribuía valores e os alunos tinham que combinar os valores e acertar as letras das músicas. “Chegamos a formar expressões numéricas e nesse nível eles já se desdobravam com facilidade e bom desempenho”, salienta.

Idealista e entusiasta, Kátia pretende continuar lecionando no ensino fundamental. “Quero ser uma professora graduada e pós-graduada em matemática, atuando na base da educação e dizendo a meus alunos: “não tenha receio, vamos tirar de letra. Matemática não é nada complicada!” Para ela, é preciso mudar a forma como a matemática é transmitida para os alunos a fim de passar um sentimento de natural, simples e descomplicado. “Quando se diz que algo é difícil, cria-se um obstáculo,” acredita.

(Fátima Schenini)

Jogos auxiliam o ensino da matemática

Alunos de Canela (RS) confeccionam jogos matemáticos.

Durante muitos anos, a matemática foi considerada um bicho-de-sete-cabeças nas escolas. Para muitos alunos, a disciplina não era apenas difícil, mas também chata. Para contornar a situação, professores começaram a usar a criatividade com o intuito de atrair a atenção dos alunos e conquistar seu gosto pela matéria.

Foi o que fez Dionéia Boch de Castilhos, professora do Colégio Marista Maria Imaculada, em Canela, no Rio Grande do Sul. Ela criou o projeto Jogos Matemáticos onde não apenas propõe desafios aos estudantes como também os incentiva a criar novas brincadeiras para aprender.

“Com este projeto, tento transmitir um pouco do prazer que a matemática pode nos dar, propondo problemas desafiadores, levando o aluno a investigar e descobrir caminhos para chegar a tal resultado, percebendo que a matemática não é nenhum bicho papão”, diz a professora.

O projeto vem sendo desenvolvido para alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental da escola, desde 2005. Segundo a coordenadora do colégio, Liane Ramirez, o jogo tornou-se um instrumento pedagógico para a introdução e fixação de conteúdos matemáticos. “Sendo a matemática um objeto de uso sociocultural e por estarmos imersos em um mundo em que a quantificação, as relações espaciais e temporais permeiam o nosso cotidiano, necessário se faz refletirmos sobre as diversas situações do dia-a-dia em que usamos funcionalmente e trazermos esse mundo matemático para a sala de aula, criando e aproveitando todas as possibilidades práticas e significativas de uso para os alunos”, detalha. Ela explica que o trabalho com jogos tem como objetivo proporcionar aos alunos um contato mais prático com o componente curricular, desenvolver o raciocínio lógico, a habilidade de cálculo mental e possibilitar a compreensão de conteúdos matemáticos de uma maneira lúdica e prazerosa.

A professora Dionéia lembra que a matemática está diretamente ligada ao dia-a-dia do homem e, por isso, trabalha com a disciplina de maneira que os alunos a relacionem com sua realidade. “Os alunos evoluíram no aprendizado, demonstrando mais interesse pela matemática. Destaco principalmente a situação do 7º ano, onde começamos a trabalhar com a regra de sinais. Depois da aplicação dos jogos, esse entendimento melhorou muito, pois o aluno percebe o porquê e a aplicação prática dessas regras em uma brincadeira”, destaca. Segundo a professora, os jogos utilizados são simples. Desde um jogo de botão, para trabalhar números inteiros, a um jogo de baralho, o pife matemático. “Também utilizo jogos de varetas, jogos de computador, de tabuleiro. Todos adaptados ao conteúdo trabalhado. Muitas vezes, o jogo ilustra a aula, e o aluno aprende por um método lúdico e divertido”, afirma.

A coordenadora conta que os alunos do 7º ano confeccionaram uma “lata para calcular”, com a qual é possível realizar adição algébrica de números inteiros. Já os estudantes do 6º ano utilizaram jogos de baralho e adivinhações para desenvolver o cálculo mental. “Os alunos também criam, em grupos, jogos matemáticos. Durante essa criação, eles têm total autonomia na invenção de regras. Os jogos criados ou adaptados serão apresentados durante o mês de outubro para a escola toda”, diz.

Na opinião da professora Dionéia, é importante criar novas metodologias para formar estudantes responsáveis pelo próprio aprendizado. “Precisamos formar estudantes autônomos e criativos, competentes para estudar e pesquisar por si mesmos, visando também às exigências da sociedade e do mercado de trabalho. A matemática, aprendida de maneira adequada, é útil nas profissões e na formação de cidadãos”, conclui.

(Rafania Almeida)

Brincadeira ajuda alunos a aprender

Professora Jóice Boff e três alunas no laboratório de informática.

Aprenda matemática brincando é o nome do blog criado pela professora Jóice Boff dos Santos, de Três Cachoeiras, no litoral norte do Rio Grande do Sul. Apaixonada por matemática, ela não consegue aceitar que os alunos digam que não entendem e não gostam da disciplina. O blog, então, surgiu como uma tentativa de fazer com os estudantes aprendam a gostar dessa matéria.

“Acredito que, se eles gostarem da matemática, irão aprender e se interessar, buscando sempre mais”, diz a professora, que dá aulas para 86 alunos de 6º e 7º anos (5ª e 6ª séries) da Escola Maria Angelina Maggi, da rede estadual de ensino. Professora concursada, com licenciatura plena em matemática e física, Jóice conta que teve a idéia de fazer o blog depois que concluiu o curso de introdução à educação digital promovido pela Secretaria de Educação a Distância do MEC.

Os alunos participam do blog em aulas no laboratório de informática, seja para jogar (sempre jogos ligados ao conteúdo que está sendo trabalhado), seja para fazer atividades postadas pela professora, ou para fazer pesquisas sobre o conteúdo que será estudado. “Já estou pensando em criar outro blog para a turma, para eles postarem seus trabalhos”, adianta Jóice.

Ela explica que procura descomplicar suas aulas deduzindo as fórmulas, explicando onde o conteúdo será usado, fazendo a ligação com a realidade e trabalhando de forma prática, com jogos, com material concreto. Além disso, procura utilizar materiais didáticos como DVD, projetor multimídia, material dourado, e jogos, entre outros. “Estou sempre buscando, pesquisando e trocando material com os colegas, para que a aula se torne mais produtiva e agradável,” destaca a professora.

Em Itajaí, no litoral de Santa Catarina, a professora Gisele dos Santos Miranda acredita que, com a brincadeira a criança tem a oportunidade de construir o conhecimento de forma prazerosa. Graduada em pedagogia, séries iniciais, com pós-graduação em gestão escolar e alfabetização, ela dá aulas para o segundo ano do Colégio Salesiano e leciona em classe de alfabetização na rede de educação do município.

“Sempre procuro trabalhar com jogos e brincadeiras, bem como trabalhar em grupo e percebo que os alunos que apresentaram dificuldades no início, aos poucos conseguem desenvolver suas atividades com mais autonomia”, afirma a professora. Ela salienta que tem a preocupação de planejar a dinâmica das aulas incluindo momentos de leitura, registro, jogos, trabalhos em grupo e individuais. “Também acredito que a intervenção do professor é muito importante no desenvolvimento da atividade. Assim consigo perceber com mais clareza o que o aluno ainda não conseguiu compreender e tenho a oportunidade de fazer a mediação individualizada”, relata.

Quando a proposta é trabalhar em grupo, ela faz o agrupamento das duplas ou equipes por níveis próximos, facilitando a colaboração entre os alunos. “A interação é uma excelente ferramenta que utilizo em minhas aulas.” Gisele também utiliza a internet em suas aulas: “existem ótimos sites com jogos matemáticos que colaboram muito para o aprofundamento dos conteúdos”, justifica.

(Fátima Schenini)

Competição estimula o aprendizado da matemática

Professor Fernando Cores com alunos na sala de aula.

Estudar matemática pode ser mais divertido do que muitos estudantes imaginam. É o que acreditam os alunos dos Colégios Militares de todo o país. A dedicação na disciplina taxada como “terror das salas de aula” rende a eles o título de grandes campeões das Olimpíadas Brasileiras de Matemática das Escolas Públicas (Obmep). Na quarta edição da competição, em 2008, 118 estudantes de instituições militares conquistaram medalha de ouro, o equivalente a 39,3% do total de campeões. Na categoria ensino médio, 49 representantes desses colégios estão entre os cem melhores colocados, sendo donos inclusive das 11 primeiras colocações.

No Colégio Militar de Brasília (CMB), 500 dos três mil alunos estão participando da Obmep 2009. De acordo com a assessora pedagógica da Divisão de Ensino do CMB, Thelmy Arruda de Rezende, a cada ano um número maior de alunos se interessa mais pela disciplina com intuito de participar das olimpíadas. “Do ano passado para cá, tivemos um aumento de 40% de alunos representantes na competição. Para eles, a premiação torna o aprendizado mais interessante”, diz Thelmy. Ela atribui o sucesso dos alunos nas olimpíadas ao planejamento, estrutura da escola e dedicação.

Professor de matemática no CMB, o tenente Fernando Cunha Cores é responsável pela coordenação do preparatório para as olimpíadas no colégio. Ele acredita na fórmula tradicional para ensinar matemática, com o auxílio de tecnologias, mas atribui o sucesso dos alunos no desempenho à motivação. “Os estudantes estão sempre motivados a estudar. Nunca ficam sem professor em sala de aula. Se um falta, outro já está pronto para substituir. Além disso, eles gostam de ser desafiados, se superarem e serem reconhecidos por isso”, avalia.

Além da preocupação com a qualidade do ensino em sala de aula, os alunos que participam das olimpíadas ganham um pacote extra de preparação. Uma vez por semana, eles se reúnem para estudar. “Durante uma hora e meia eles tiram dúvidas, resolvem desafios acima do nível deles, desenvolvem novas técnicas de resolução e recebem orientação mais direcionada. Trabalhamos com animações, transparências e o que for necessário para eles visualizarem melhor as questões”, conta o professor. Core acredita que a repercussão do desempenho dos alunos do Colégio Militar os incentiva a melhorar cada vez mais.“Quem participa com o nome do colégio não quer fazer feio. Se esforça para conseguir resultados cada vez melhores e toma gosto pelo desafio”, analisa.

Olimpíadas – A primeira competição dessa natureza no país foi a Olimpíada Paulista de Matemática (OPM), criada em 1977. A Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM) acessível às escolas públicas e privadas de todo o Brasil foi criada em 1979. Atualmente, cerca de 300 mil alunos de escolas públicas e privadas participam dessa competição, sendo que o Colégio Militar de Brasília classificou 150 alunos para a segunda etapa de 2009.

A Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), foi criada em 2005, devido à baixa participação das escolas públicas na OBM. As duas foram criadas pela Sociedade Brasileira de Matemática. De acordo com a idealizadora da Obmep, Suely Druck, cerca de cem países realizam olimpíadas de matemática e participam de competições internacionais, inclusive o Brasil. “Milhões de alunos já sabem mais matemática pelo simples fato da Obmep existir. Essa atividade cria um ambiente salutar para o ensino da matemática nas escolas. Pelo tipo de problemas que aborda, aguça a curiosidade de alunos e professores por questões matemáticas”, afirma Suely.

Segundo ela, a competição visa devolver às salas de aula o prazer do raciocínio da matemática. “As olimpíadas funcionam exatamente como um campeonato nacional entre as escolas públicas: os atletas (alunos) treinam resolvendo problemas de matemática, os que passam para as finais (2ª fase) treinam mais ainda e contam com a torcida de seus colegas e professores para um bom desempenho na final. Todos querem uma medalha para sua escola”, diz.

(Rafania Almeida)

Leia a entrevista da professora Suely Druck na íntegra.

Mais de 19 mil alunos participaram da primeira etapa da Olimpíada de Matemática

Estudantes de 43,8 mil escolas públicas de educação básica participaram na terça-feira, 25, da primeira etapa da 5ª Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep). Farão as provas mais de 19,2 milhões de alunos, de 5.508 municípios. A competição reúne alunos do sexto ao nono ano do ensino fundamental e das três séries do ensino médio. A divulgação dos resultados finais está prevista para 11 de dezembro.

Nessa primeira etapa, de acordo com Cida Neves, da coordenação da Obmep no Ministério de Ciência e Tecnologia, as provas serão aplicadas e corrigidas pelos professores em suas turmas. Cada escola escolherá 5% das melhores provas e enviará os cartões-resposta ao Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Os estudantes selecionados participarão da segunda fase, em 24 de outubro.

Na segunda fase, segundo Cida Neves, as provas serão aplicadas e corrigidas por professores indicados pelo Impa. Desse grupo de estudantes sairão os ganhadores das medalhas de ouro, prata e bronze da olimpíada. Além das medalhas, os vencedores receberão bolsas de iniciação científica júnior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A Obmep é promovida pelos ministérios de Ciência e Tecnologia e da Educação e realizada pelo Impa e pela Sociedade Brasileira de Matemática (SBM). A realização da olimpíada atende os objetivos de incentivar o ensino de matemática e de descobrir talentos entre estudantes das redes públicas que estão nos anos finais do ensino fundamental e em todo o ensino médio.

(Ionice Lorenzoni)

As pessoas devem mudar concepção sobre a matemática

Foto do presidente da Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Paulo Figueiredo.

Os resultados em matemática obtidos por estudantes brasileiros em avaliações como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos – Pisa e o Sistema de Avaliação da Educação Básica – Saeb têm levantado inúmeros questionamentos sobre o ensino dessa disciplina no Brasil.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (Sbem), Paulo Figueiredo Lima, certamente há, hoje, um consenso de que é necessário mudar o enfoque do sistema educacional como um todo e dos que lecionam matemática em particular, com relação ao conteúdo a ser ensinado e também à maneira como o conteúdo é ensinado.

Em sua opinião, é indispensável, em toda a trajetória escolar, que se desenvolva a capacidade de sistematização e de organização lógica do pensamento e que os conteúdos sejam ensinados de maneira estimulante. “As pessoas devem “entrar no jogo da aprendizagem” e mudar sua concepção sobre a matemática, deixando de considerá-la como um “bicho de sete cabeças,” salienta o professor, que é doutor em matemática e docente da Universidade Federal de Pernambuco.

Na realidade, diz, “há um conjunto complexo de fatores que afetam negativamente a qualidade da educação básica em nosso país, muitos deles estreitamente ligados às persistentes desigualdades sociais. Fatores que intervêm em particular no campo da formação matemática.” O dilema, segundo ele, é ter de se atribuir, ao mesmo tempo, caráter prioritário, a muitos desses fatores.

De acordo com Paulo Figueiredo, o professor de matemática tanto dos anos iniciais quanto do ensino médio passa, atualmente, por enormes dificuldades para vivenciar sua prática profissional. “Ele é mal remunerado; trabalha em condições adversas, muitas vezes em três turnos diários; teve uma formação inicial deficiente, tanto na matemática como no campo didático-pedagógico; e tem poucas oportunidades de continuar sua formação na sua vida profissional, entre outros obstáculos”, salienta. Em sua visão, essas condições adversas têm contribuído para o afastamento de licenciados da sala de aula.

Ele acredita que a questão do professor é inseparável dos dilemas da escola atual. E enfatiza a necessidade de haver interferência para a superação de deficiências, tais como escolas com infraestrutura física precária e sem um efetivo projeto pedagógico, como tarefa prioritária para mudar o quadro da educação básica em nosso país.

Na visão do presidente da Sbem, o ensino básico no Brasil, em particular o de matemática, tem sido capaz de formar uma elite de destaque no panorama científico nacional e internacional. “O que ofusca o brilho desses avanços é que o país precisa de muito mais profissionais de ciência e tecnologia do que o contingente formado atualmente”. Além disso, destaca, “ao não se estender a todos os 56 milhões de alunos matriculados no ensino básico uma formação de boa qualidade, perde-se a batalha pela equidade social e desperdiçam-se os talentos de milhares de futuros profissionais de ciência e tecnologia, necessários para o avanço e a autonomia de nosso país.”

Leia a entrevista de Paulo Figueiredo na íntegra.

(Fátima Schenini)

Entrevista com o presidente da Sbem, Paulo Figueiredo Lima

Foto do presidente da Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Paulo Figueiredo.

Presidente da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (Sbem), em segundo mandato, Paulo Figueiredo Lima é professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) desde 1980. Graduado em engenharia civil, com mestrado e doutorado em matemática, ele tem experiência na área de educação matemática, com ênfase nos seguintes temas: Educação básica, livro didático, didática das grandezas e medidas.

Em entrevista ao Jornal do Professor, Paulo Figueiredo aborda, entre outros assuntos, os resultados dos estudantes brasileiros no Pisa, a situação do ensino e dos professores de matemática no Brasil, jogos matemáticos e a missão da Sbem.

Jornal do Professor – A matemática é uma disciplina difícil mesmo ou isso é um preconceito que ainda não foi superado? Qualquer pessoa é capaz de aprender matemática? O que é preciso para isso?

Paulo Figueiredo – É sempre uma temeridade adotar uma explicação simples para um fato tão complexo quanto o temor que é difundido com relação à matemática e o preconceito de que se trata de um conhecimento accessível a poucas pessoas. Mas, certamente há, hoje, um consenso de que é necessário mudar o enfoque do sistema educacional como um todo e dos que lecionam matemática em particular, com relação ao conteúdo a ser ensinado e também à maneira como o conteúdo é ensinado.

No início da formação escolar, a criança, a toda hora, revela sua curiosidade para conhecer o que se passa à sua volta e desenvolve atividades para descobrir o novo e para se adaptar ao mundo. Em particular, realiza atividades matemáticas de contar, ler e escrever números, medir, localizar-se, argumentar, entre outras, que devem ser reconhecidas e desenvolvidas na escola.

Nos anos seguintes, é necessário construir o letramento matemático mais avançado que inclui, entre outros conhecimentos e habilidades: identificar e realizar as operações numéricas, com papel e lápis, com calculadora ou mentalmente; fazer medições e estimativas; adquirir competências de leitura de informações gráficas, de visualização e de identificação de objetos geométricos, de localização e de orientação espaciais; compreender e utilizar as funções matemáticas básicas como modelos para resolução de problemas; selecionar, ler, interpretar dados estatísticos e tomar decisões com base nesses dados.

Além disso, ao longo de toda a trajetória escolar, é indispensável que se desenvolva a capacidade de sistematização e de organização lógica do pensamento que é tão presente na mtemática e tão importante no dia a dia de todos os cidadãos.

Todos esses conteúdos podem ser ensinados de uma forma estimulante, na qual as pessoas “entrem no jogo da aprendizagem” e mudem sua concepção sobre a matemática, deixando de considerá-la como um “bicho de sete cabeças”.

JP – A que o senhor atribui os resultados obtidos pelo Brasil no Pisa, em matemática? É possível reverter essa situação?

PF – Devemos observar com cautela os resultados do Pisa. Muito se fala do Pisa e pouco se diz sobre ele, além da notícia do péssimo escore atingido pelo Brasil. Esse programa internacional, patrocinado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimentos Econômicos (OCDE), realiza uma avaliação em três áreas, e em cada edição, elegeu uma área principal: 2000 (Leitura), 2003 (Matemática), 2006 (Ciências). No Pisa, são escolhidas amostras de 4.500 a 10.000 estudantes de 15 anos de idade, em 57 países.

O teste do Pisa não avalia conteúdos curriculares de forma explícita, como se faz em muitos outros programas de avaliação em larga escala. Aplicado a jovens que concluíram oito ou nove anos de escolaridade, o teste visa medir seus “conhecimentos e habilidades em matemática, leitura, ciências e resolução de problemas” e procura identificar se esse jovem possui “conhecimentos e habilidades necessários para a adaptação bem-sucedida a um mundo em transformação”

Um conceito-chave no programa é o de letramento. Em particular: o letramento em matemática é a capacidade individual de identificar e compreender o papel da matemática no mundo, de fazer julgamentos bem fundamentados e de se envolver com a matemática de maneira a atender às suas necessidades atuais e futuras como um cidadão construtivo, consciente e reflexivo.

A idéia de letramento é permeada pela concepção de que a matemática é uma atividade humana exercida nos mais variados contextos, desde os mais comuns da vida cotidiana das pessoas até os mais complexos do campo da tecnologia e da ciência. É também permeada pela idéia de que a Matemática é uma fonte de modelos para a resolução de problemas nesses contextos.

Por sua vez, tais concepções implicam em uma formação matemática inovadora, que valorize o desenvolvimento de competências para selecionar e analisar informações, para raciocinar, para resolver problemas, para argumentar e comunicar-se com outros; enfim, uma formação que não valorize apenas o armazenamento de informações, a memorização e a repetição de procedimentos técnicos.

O que se diz acima pode ser confirmado com uma consulta aos documentos do Pisa, que são disponíveis na web. Nesses documentos, observa-se, em particular, que as questões da prova do Pisa são propostas em contextos significativos, muitos dos quais envolvendo questões práticas. Como exemplo, pode-se verificar uma unidade típica da prova do teste do Pisa/2003 que contém questões em torno de tarifas postais expressas em tabelas e em gráficos cartesianos.

Tornar realidade, para todos, uma formação matemática nos moldes acima referidos é uma tarefa indispensável, desafiadora, mas extremamente difícil. Não é por acaso que mesmo a potência hegemônica no mundo atual, os Estados Unidos, apresentem, no Pisa, um escore abaixo da média dos países participantes do programa.

Infelizmente, quando entram em pauta os maus resultados nas avaliações logo surgem as soluções milagrosas, muitas delas preconizando uma formação matemática conflitante com as concepções adotadas no Pisa. Se tais soluções prevalecessem, poderíamos até mesmo piorar nosso desempenho no Pisa...

As considerações acima não devem levar à conclusão errada de que devemos desprezar os resultados do Pisa. Pelo contrário, é do senso comum constatar que a educação em nosso país vai mal e, em particular, que a formação matemática de nossos cidadãos é muito deficiente. Os resultados da avaliação do Pisa, que não se afastam muito dos resultados observados nas inúmeras avaliações nacionais e estaduais – Saeb, Prova Brasil, Enem, entre outras – parecem confirmar o que aponta o senso comum.

O que é necessário é uma análise cuidadosa para ultrapassarmos o senso comum, compreender melhor a realidade e, assim, poder transformá-la de modo mais eficaz. Periodicamente, quando são divulgados os resultados de avaliações, a do Pisa em particular, aparecem muitos diagnósticos taxativos, apontando este ou aquele fator como o grande responsável pelo “fracasso da educação brasileira”.

Na realidade, há um conjunto complexo de fatores que afetam negativamente a qualidade da educação básica em nosso país, muitos deles estreitamente ligados às persistentes desigualdades sociais. Fatores que intervêm em particular no campo da formação matemática. E, hoje, o dilema é ter de se atribuir, ao mesmo tempo, caráter prioritário, a muitos desses fatores. Todos concordam, no entanto, com a grande importância do professor em todo o processo educativo.

JP – Como o senhor vê a formação de professores de matemática no Brasil hoje? É possível melhorar? De que forma? Por que há falta de professores de matemática no Brasil? Qual a solução?

PF – O profissional que leciona matemática, desde o que atua nos anos iniciais até o professor do ensino médio vive, no momento atual, sua prática profissional com enormes dificuldades. Ele é mal remunerado; trabalha em condições adversas, muitas vezes em três turnos diários; teve uma formação inicial deficiente, tanto na matemática como no campo didático-pedagógico; e tem poucas oportunidades de continuar sua formação na sua vida profissional, entre outros obstáculos.

Essas condições adversas têm afastado da sala de aula mesmo os licenciados em matemática existentes em algumas regiões do país. Quando se fala em falta de professores de matemática é preciso que se tenha em conta que isto de fato ocorre em muitas regiões do país em particular nos municípios do interior. No entanto, em outras regiões, estima-se que haja licenciados em número suficiente para a demanda do sistema escolar. O que ocorre é que esses licenciados em matemática preferem o exercício de outras profissões que oferecem melhores condições de trabalho e de remuneração.

Pensar em mudar a educação básica em matemática sem modificar este quadro indesejável não parece minimamente eficaz. Além disso, é urgente que se abandone, na formação do professor e em sua prática de sala de aula, a concepção, hoje dominante, que só leva em conta o ensino, em benefício de outra em que se valorizem igualmente o ensino e a aprendizagem. Ensinar sem que a criança e o jovem aprendam é, obviamente, uma inutilidade.

Daí porque é preciso levar em conta os avanços científicos no campo da cognição, que nos falam de como as crianças e os jovens incorporam e desenvolvem o conhecimento. Entre outras conseqüências, isso conduz a uma concepção nova do erro do aluno, que passa a ser uma janela para se compreender seu modo de pensar sobre as questões que lhe são propostas.

Infelizmente, no país, ainda prevalece o ensino que dá mais ênfase à nomenclatura e aos conhecimentos técnicos do que às idéias da matemática; que prioriza a memorização de procedimentos em detrimento da capacidade de resolução de problemas com o emprego da matemática. É a matemática da decoreba.

O que é pior: muitas propostas, ditas inovadoras, não fogem desse modelo, mesmo quando vêm apresentadas em vistosas e enganadoras embalagens tecnológicas. Outras, igualmente danosas, prometem ao professor um ensino em que ele não precisa preparar suas aulas, que já vêm prontas, e ao aluno uma aprendizagem rápida e eficiente. Uma solução em que o professor não precisa pensar e o aluno aprende sem esforço... Além disso, a questão do professor é inseparável dos dilemas da nossa escola atual, que é o seu campo de trabalho.

A escola é o campo privilegiado para o letramento em seus níveis progressivos. E, em nosso país, é lamentável o número de escolas desvinculadas da comunidade; com infraestruturas físicas precárias; desorganizadas pela má gestão e pela ausência de um efetivo projeto pedagógico. Além disso, é muito pequeno o tempo que as crianças e os jovens passam nas escolas, nas quais pouco se desenvolvem atividades esportivas e culturais. Interferir para que se superem tais deficiências é, também, tarefa prioritária para que se mude o quadro da educação básica em nosso país.

A despeito desses “pecados capitais”, o ensino da matemática pode contabilizar algumas “virtudes”, que, mesmo de brilho limitado, apontam na direção da mudança do quadro insatisfatório que todos diagnosticam.

Houve inegáveis avanços nas propostas curriculares no país. Os Parâmetros Curriculares Nacionais – tanto para o ensino fundamental como para o ensino médio – incorporam concepções atuais no campo da educação matemática e estão em sintonia com propostas curriculares de muitos outros países. Um grande número de propostas curriculares estaduais ou municipais é de boa qualidade e harmoniza-se com as idéias centrais dos PCN. O maior entrave, neste item, é que tais propostas curriculares ainda não chegaram, efetivamente, às salas de aula.

O livro didático de matemática, ao longo dos últimos anos tem sido adquirido e distribuído para todas as escolas públicas do ensino básico, pelo Ministério da Educação. A avaliação dessas obras, promovida pelo MEC, foi um fator de inegável melhoria na produção de livros didáticos de matemática, alguns dos quais já atingem o nível de muito boa qualidade. Além disso, muitos desses livros estão em consonância com os parâmetros curriculares mais atuais. No entanto, os efeitos positivos dessa política são muito atenuados pelo fato de que os sistemas educacionais pouco ou nada fazem para incluir a discussão do uso do livro em sala de aula nas formações continuadas que realizam. Tudo se passa como se o programa do livro didático se encerrasse com a chegada do livro na sala de aula.

O ensino básico no Brasil, em particular o de matemática, tem sido capaz de formar uma elite que vem se destacando no panorama científico nacional e internacional. Convém mencionar que na mesma altura em que se divulga amplamente a posição brasileira de “quase-lanterna” na avaliação do Pisa, é preciso colocar na grande mídia que a conceituada revista norte-americana The Scientist aponta o Brasil com um destacado 11º lugar no campo da pesquisa científica mundial. Os profissionais brasileiros nos diversos campos das ciências, da engenharia, da medicina, da informática, entre outros, ocupam lugar de destaque nos âmbitos nacional e internacional. E praticamente todos eles vieram da escola básica brasileira. Aprenderam matemática nas salas de aula do Brasil. O que ofusca o brilho desses avanços é que o país precisa de muito mais profissionais de ciência e tecnologia do que o contingente formado atualmente. Além disso, ao não se estender a todos os 56 milhões de alunos matriculados no ensino básico uma formação de boa qualidade, perde-se a batalha pela eqüidade social e desperdiçam-se os talentos de milhares de futuros profissionais de ciência e tecnologia, necessários para o avanço e a autonomia de nosso país.

JP – É possível aprender matemática brincando?

PF – Não há dúvida que a dimensão lúdica da matemática está bastante ausente no ensino dessa disciplina, embora nos anos iniciais esta deficiência seja mais atenuada. Isto deveria mudar, em virtude do papel importante que as atividades lúdicas envolvendo a matemática podem desempenhar na sala de aula.

Vem de longa data o interesse pelos jogos matemáticos (ou como chamam alguns “matemática recreativa”), e existe, hoje, uma extensa bibliografia sobre o tema e um crescente interesse dos professores para incorporá-lo em sua prática pedagógica. No entanto, devemos evitar uma concepção superficial do emprego de jogos na aprendizagem da matemática.

Os jogos devem ser encarados como situações-problema com base nas quais podem ser tratados conceitos e relações matemáticas relevantes para o ensino básico e vários aspectos têm sido apontados como pedagogicamente relevantes nas experiências com jogos na sala de aula de matemática.

Em primeiro lugar, menciona-se a necessidade de desenvolver a dimensão lúdica, importante para o desenvolvimento integral do aluno. Os jogos são, ao lado disso, um elemento que favorece a inserção do aluno em sua cultura, na medida em que a dimensão lúdica está enraizada nessa cultura. Os jogos seriam, assim, mais uma forma de exploração da realidade do aluno. Em segundo lugar, argumenta-se que idéias e relações matemáticas importantes estão presentes numa enorme variedade de jogos e por em meio desses jogos é possível um encontro inicial e estimulante com tais idéias.

Além disso, a busca de estratégias para a vitória ou para solucionar um desafio inclui, via de regra, uma variedade de questões de lógica ou de Matemática, das elementares até problemas não resolvidos por especialistas. Este fato possibilitaria a exploração de um mesmo jogo em diversos níveis, dependendo do estágio dos participantes.

Os jogos matemáticos fornecem uma excelente oportunidade para que sejam explorados aspectos importantes da metodologia de resolução de problemas, que tem sido muito defendida no ensino da matemática. No âmbito pedagógico, é fundamental o aspecto interativo propiciado pela experiência com jogos matemáticos. Os alunos não ficam na posição de meros observadores, tomando conhecimento de novos fatos, mas se transformam em elementos ativos, na tentativa de ganhar a partida ou na busca de um caminho para a solução do problema posto a sua frente. Certamente que tal atitude é extremamente positiva para a aprendizagem das idéias matemáticas subjacentes aos jogos. Além do mais, a vitória numa partida ou a descoberta da solução de um desafio são experiências relevantes para fortalecer a autoconfiança, tão indispensável ao processo de aprendizagem. É bom notar, em contrapartida, que as derrotas repetidas e os insucessos frequentes diante dos desafios podem levar a frustrações e reforçar a idéia de incapacidade para compreender os fatos na área da matemática.

O caráter recreativo da experiência com jogos tem sido apontado com um dos méritos dessa experiência no sentido de tornar mais atraente a matemática para aqueles alunos que desenvolveram reações a lidar com esse conhecimento. Outro mérito seria o de contribuir para atitudes positivas de convivência pois, nos jogos não individuais, o aluno é chamado a negociar as regras do jogo, a respeitá-las, a colaborar com seus parceiros de jogo, a saber perder e a saber ganhar.

Deve-se advertir, no entanto, que não é uma tarefa fácil trazer os jogos matemáticos para a escola básica. A complexidade de alguns jogos, mesmo aqueles mais comuns, requer, de um lado, clareza sobre os vários conceitos matemáticos envolvidos e, de outro, um planejamento do momento e da maneira adequados para a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem, para que seja garantida a riqueza conceitual, o prazer em participar da atividade e a conquista da autoconfiança.

JP – Qual é a missão da Sociedade Brasileira de Educação Matemática? Ela desenvolve algum projeto voltado para professores da educação básica?

PF – A Sbem, fundada em 1988, é uma entidade civil de caráter científico e cultural, sem fins lucrativos e sem qualquer vinculação político-partidária ou religiosa. De acordo com seu estatuto, a Sbem tem por finalidade congregar profissionais e estudantes que atuam em educação matemática para promover o desenvolvimento dessa área do conhecimento.

Como associação científica, a Sbem tem expandido sua área de atuação e conta, atualmente, com diretorias regionais em 24 unidades da Federação, que reúnem cerca de 15.000 associados. Ela mantém um periódico - Educação Matemática em Revista - com 25 números publicados. Mais recentemente, criou a Biblioteca do Educador Matemático, com quatro obras publicadas, que procura levar aos professores as produções dos pesquisadores da área.

Entrevista com a diretora acadêmica da OBMEP, Suely Druck

Foto da professora Suely Druck, diretora acadêmica da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep).

Doutora em matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com pós-doutorado pela Université de Paris, Suely Druck é professora da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Idealizadora e atual diretora acadêmica da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), ela integra o Conselho Técnico-Científico de Educação Básica da Capes, o Comitê de Planejamento em Educação Matemática (ICSU-LAC) e o Conselho Diretor da Sociedade Brasileira de Matemática. Exerceu o cargo de presidente da Sociedade Brasileira de Matemática por dois mandatos.

Leia abaixo a entrevista de Suely Druck ao Jornal do Professor.

Jornal do Professor – A matemática é uma disciplina muito temida, motivo de pânico entre muitos alunos. Ela é mesmo difícil? A que se deve essa má fama?

Suely Druck – Deve ficar claro que o problema com a matemática é universal e não é uma questão só brasileira. Não há nada de errado com nossas crianças, a matemática é a disciplina mais temida em todo o mundo. A matemática se distingue de outras disciplinas por três aspectos, que talvez a tornem mais difícil. Primeiro ela demanda atenção e concentração, o que não é muito fácil com crianças, é preciso aulas interessantes que desafiem a inteligência das crianças e agucem sua curiosidade - isso não está acontecendo em muitas salas de aula. Em segundo lugar, a matemática é sequencial, principalmente do 1º ao 9º ano (1ª a 8ª série), assim um assunto que não foi bem aprendido cria dificuldades para o aprendizado de assuntos posteriores. Em terceiro lugar, a matemática é a única ciência que as crianças têm que compreender sua teoria desde a mais tenra infância: por exemplo, elas devem entender aos seis anos o sistema decimal, senão não vão aprender a contar, que é uma das primeiras atividades matemáticas que as crianças desenvolvem. Por esses três aspectos deve haver atenção especial ao ensiná-la.

JP – Desde que começou a participar do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), no ano 2000, a situação do Brasil teve uma pequena melhora na área da matemática: o índice de 334 passou para 370 em 2006. Mesmo assim, entre 57 países avaliados, nosso país ocupa a 53ª posição em matemática. Qual a razão desse baixo desempenho?

SD – Os motivos são vários, a começar pela situação dos professores; em geral mal preparados, mal remunerados e trabalhando em condições que em nada motivam a boa qualidade. Quando me voltei para a questão do ensino escolar, fiquei realmente muito chocada com o isolamento acadêmico que vivem nossos professores. Por outro lado não há um esclarecimento aos jovens de que uma boa formação em matemática é um valor e pode fazer uma enorme diferença em suas vidas. Como optar por carreiras científicas e tecnológicas, se a maioria hoje tem base matemática? Como eles podem ser partícipes do desenvolvimento científico e tecnológico do país sem saber matemática? O país precisa dizer aos seus jovens que precisa que eles estudem matemática, sentir que através da matemática eles podem se inserir num projeto nacional de desenvolvimento já seria uma grande motivação.

JP – Qual a solução para esse problema?

SD – Projetos nacionais que impactem e distingam a matemática, como por exemplo a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, que em 2009 teve mais de 19 milhões de alunos inscritos. Qual seria um projeto similar para os professores de matemática? Como estancar o derrame de professores mal formados no mercado escolar? Como motivar bons alunos a seguir o magistério em matemática? Porque as escolas federais são de boa qualidade, e isso não ocorre com grande maioria das escolas municipais e estaduais? Essas e outras perguntas precisam de respostas urgentes. O MEC tem tomado boas iniciativas, mas os resultados ainda vão demorar, em educação quase tudo é a médio ou longo prazo. Acredito que projetos de grande impacto podem acelerar os resultados - existem bons exemplos disso em nosso país.

JP – A pesquisa acadêmica brasileira na área de matemática tem reconhecimento internacional. A que se pode atribuir isso?

SD – A pesquisa em matemática no Brasil foi criada com exigências de excelência na formação e atuação de seus pesquisadores; e essa exigência se mantém até hoje – os comitês de matemática nas agências de fomento são conhecidos por seu alto nível de exigência. Isso garantiu e garante até hoje a boa qualidade da pesquisa em matemática no Brasil, que nos levou a ser promovidos ao Grupo IV - o segundo em excelência internacional na área de pesquisa - pela International Math Union. Para mim, foi um privilégio ser a presidente da Sociedade Brasileira de Matemática por ocasião dessa promoção.

JP – Que tipo de cooperação as universidades e instituições de pesquisa podem oferecer às escolas de ensino fundamental e médio, no sentido de disseminar o conhecimento da matemática?

SD – Acredito que somente as universidades públicas serão capazes de resolver o problema do ensino da matemática na rede escolar. Elas detêm o conhecimento que precisa ser repassado ao ensino médio e fundamental, e são as únicas instituições em condições para isso. Já existem boas iniciativas em várias dessas universidades – bons cursos de licenciatura e de aprimoramento de professores, mas ainda é um trabalho bastante restrito frente à demanda do país. Os institutos de pesquisa obviamente também detêm o conhecimento matemático, mas por sua própria natureza têm atuação mais restrita nessa área. Por outro lado eles podem colaborar também, principalmente concedendo sua chancela a iniciativas de excelência e colaborando na divulgação da matemática em nível de iniciação científica.

JP – Como se deve ensinar matemática? Existe um segredo para o ensino desta disciplina ou ela é fácil de ensinada?

SD – Em primeiríssimo lugar, conhecendo-a profundamente, sua teoria, aplicações e técnicas. Somente assim será possível ensiná-la de modo interessante, desafiador e que desperte a curiosidade das crianças. Um professor deve conhecê-la tão bem que seja capaz de abordar o mesmo tópico de várias maneiras diferentes, para alunos com perfis diferentes. Para as crianças, acredito que conhecimentos pedagógicos são uma boa ferramenta, mas em nível de graduação eles já não têm tanta importância. O segredo de ensinar bem a matemática é conhecê-la muito bem, é gostar de desafiar os alunos, é vibrar quando eles apresentam boas soluções, é gostar de resolver problemas e entender que esse é o papel principal da matemática, é saber para que ela serve no contexto de desenvolvimento científico e como ela pode ser utilizada para o bem estar dos cidadãos, e finalmente o mais importante: é gostar MUITO de matemática.

JP – Como a senhora avalia o ensino da matemática no Brasil (tanto no ensino básico quanto na graduação)?

SD – No ensino básico o ensino da matemática é sofrível em geral, exceção feita às escolas federais que fazem um ótimo trabalho e a poucas escolas particulares, fora isso há poucas outras exceções. Infelizmente essa situação vem condenando milhões de jovens brasileiros a não ter nem poder sonhar com um futuro interessante e produtivo para ele e para o nosso país. Na graduação a situação é similar, a grande maioria dos professores de matemática está sendo formada em faculdades particulares em sua maioria de baixa qualidade acadêmica. Já as universidades públicas vêm fazendo um bom trabalho na graduação em matemática. No entanto, não podemos ser pessimistas, essa situação pode ser mudada. É preciso que nos empenhemos com competência e que tenhamos a excelência como meta e valor principal na educação. É também importante que saibamos distinguir aqueles que querem a mudança e que estão dispostos a trabalhar por ela; eles são muitos, mas não são todos.

JP – Que análise a senhora faz do ensino da matemática em outros países, comparativamente com o Brasil?

SD – A situação de inferioridade do ensino da matemática no Brasil frente a países que têm boa educação pública vem sendo amplamente divulgada em nossa imprensa, há pouco a acrescentar. Sabemos que a situação é grave e precisa urgentemente ser mudada se tivermos a pretensão de nos incluir dentre os países que oferecem um bom nível de vida a seus cidadãos. Sem matemática não há cidadania.

Poetas Inocentes

Foto do coordenador do projeto Poetas Inocentes, Gerson Lourenço.

O projeto Poetas Inocentes lançará mais uma obra no dia 19 de setembro próximo. Poetas Inocentes, volume quatro, será lançado durante a Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro. O livro é uma coletânea de poesias, contos e desenhos de alunos e professores participantes das oficinas promovidas pelo referido projeto em escolas e comunidades vizinhas.

O idealizador, organizador, e coordenador geral do projeto é o escritor, compositor e poeta Gerson Lourenço, professor de leitura, literatura e língua inglesa na Escola Estadual Albino Fiore, em São Paulo (SP). Graduado em pedagogia e em letras (português e inglês), com especialização em língua portuguesa e literatura brasileira, ele faz pós-graduação em literatura e crítica literária.

Natural de Divino de Virgolândia (MG), o professor Gerson Lourenço mora na capital de São Paulo desde 1988. Ele ingressou no magistério em 1998 e, em 1999, deu início ao projeto Poetas Inocentes com o objetivo de descobrir, despertar e divulgar a arte, incentivando a leitura e a produção de textos poéticos, desenhos, danças, teatro, música e cinema. A primeira edição foi realizada na Escola Estadual Dr. Genésio de Almeida Moura, com um festival de música que teve como tema a paz. Atualmente, ele é desenvolvido em escolas estaduais e municipais de São Paulo e do Rio Grande do Sul.

Desde que teve início, o projeto lançou um long-play, três CDs e publicou três volumes do livro Poetas Inocentes. Também já organizou concurso de poesias, promoveu cursos de capacitação para professores, palestras, apresentações teatrais para os alunos e contadores histórias, enfatizando a importância da arte para crescimento pessoal, interpessoal e profissional para toda a comunidade escolar.

De acordo com Gerson Lourenço, o projeto provocou a ocorrência de mudanças significativas nos hábitos de leitura. “Percebemos que tanto durante o desenvolvimento do projeto como após, os alunos vão mais à biblioteca pesquisar, solicitam livros para ler e dialogamos mais sobre literatura.”

A fim de poder procurar patrocínios que possibilitem não só dar continuidade aos projetos desenvolvidos como também por outros em prática, Gerson Lourenço criou a Organização Brasileira dos Criadores de Artes Anônimos (Obracaa). Até 2012, a organização pretende levar o Poetas Inocentes a todas as escolas brasileiras e suas comunidades. “Para isso, estamos preparando professores, coordenadores do projeto. Não queremos apenas descobrir, despertar e divulgar a arte, mas manter estes artistas até que possam caminhar sozinhos”, explica.

No Rio Grande do Sul, o projeto é coordenado pela professora Silvana Antonielli, do município de Coxilha. Em São Paulo, Carlos Pedro Stringhini coordena o projeto em Jumirim, Tietê, Laranjal Paulista, Maristela, e Itu; Gilberto Campos de Oliveira, no município de Perus.

Acesse o site do projeto: http://www.poetasinocentes.com.br/

Hilário Alencar, presidente da SBM: matemática não é difícil.

Foto mostra o presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, professor Hilário Alencar.

Graduado em matemática, com mestrado, doutorado, e pós-doutorado em matemática, Hilário Alencar da Silva é professor associado da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e coordenador do Centro de Pesquisa em Matemática Computacional (CPMAT) na mesma instituição.

Presidente da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), membro titular da Academia Brasileira de Ciências, foi pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da UFAL e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Matemática da UFAL, por duas vezes.

Em entrevista ao Jornal do Professor, Hilário Alencar diz que matemática não é difícil. Ela é acessível e atraente, desde que explicada de forma clara e correta.

Jornal do Professor – A matemática é uma disciplina muito temida, motivo de pânico entre muitos alunos. Ela é mesmo difícil? A que se deve essa má fama?

Hilário Alencar – A matemática não é difícil. Pelo contrário, ela é acessível e atraente desde que explicada de forma clara e correta. Talvez seja a disciplina mais fácil de ser assimilada do currículo. Na atualidade está bem estabelecido que a matemática e a língua materna constituam os pilares sobre os quais se assenta a aprendizagem de todas as outras matérias. Além disso, está claro que o domínio da linguagem ajuda enormemente na aprendizagem da matemática, e o raciocínio desenvolvido pela matemática é essencial para que o estudante progrida na leitura e na análise de textos. Não é construtivo atribuir a má fama da matemática a alguém. De fato, o ensino de todas as ciências em nossas escolas do ensino básico precisa ser melhorado e aperfeiçoado e muitas cabeças estão neste momento se debruçando sobre a questão básica de como melhorar a qualidade do ensino em nossas escolas. A Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) e boa parte da comunidade matemática tem atuado para a melhoria do ensino da matemática no Brasil em todos os níveis. A melhoria do ensino só se realizará e atingirá um estágio satisfatório quando forem implantadas políticas de valorização da profissão do professor.

JP – Há preconceito com a matemática também entre professores?

HA – Professores são membros da sociedade e partilham de todos os seus problemas. Os professores de matemática certamente não têm preconceito com esta ciência. Às vezes o preconceito se materializa quando se pensa que a matemática é uma ciência estéril, pronta e acabada, que se pode aprender somente em livros e enciclopédias. A matemática como cultura popular tem perdido espaço para outras atividades da sociedade atual.

JP – Qualquer pessoa pode aprender matemática? Ou algumas pessoas realmente têm dificuldades com números?

HA – É claro que qualquer pessoa pode aprender matemática. De fato, acreditamos que todas as pessoas podem aprender a contar, a operar com os números, a calcular uma porcentagem, a olhar para um gráfico e saber dizer se ele representa uma tendência de crescimento ou decrescimento, e a retirar uma informação simples de uma tabela. Todas as pessoas podem aprender a calcular a área de um terreno retangular, entender e utilizar as noções de áreas e volumes. Todas as pessoas podem dominar o raciocínio lógico em um nível que lhes permitam entender, elaborar e criticar argumentos. Esta é a matemática que é essencial para o pleno exercício da cidadania, e que faz parte do que é ensinado na escola básica. Geralmente as pessoas não têm dificuldades com números. As dificuldades aparecem exatamente quando se salta do ensino puramente numérico para o terreno das manipulações algébricas e analíticas que exigem que o indivíduo tenha adquirido a capacidade de generalização. Todas as pessoas têm em princípio potenciais para adquirir tal capacidade. Algumas a adquirem mais tardiamente. Mas esse assunto deve ser alvo de uma conversa com algum especialista em psicologia.

JP – Desde que começou a participar do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), no ano 2000, a situação do Brasil teve uma pequena melhora na área da matemática: o índice de 334 passou para 370 em 2006. Mesmo assim, entre 57 países avaliados, nosso país ocupa a 53ª posição em matemática. Qual a razão desse baixo desempenho?

HA – Eu falei anteriormente que o ensino, em geral, em nossas escolas deixa muito a desejar e tem espaço para ser melhorado. Para começar, nosso aluno normalmente estuda apenas um turno, quando em outros países ele fica o dia inteiro na escola. É preciso lembrar que a criança não aprende apenas na escola. Em casa, com a família, ela aprende costumes, regras, maneira de se expressar, forma de se alimentar, comportamento em grupo, como reagir a situações de todos os tipos, etc. Em casa ela também aprende com a televisão. Aprende também com os amigos, fora de casa. Deste modo, a responsabilidade da escola é atualmente até menor do que todos estes outros ambientes que propiciam aprendizagem, juntos. Em suma, só melhoraremos nosso desempenho no setor educacional quando priorizarmos a educação com políticas de Estado para este setor.

JP – Qual a solução para esse problema?

HA – Esta pergunta é equivalente a perguntar: qual a solução para melhorar a formação da juventude brasileira? Todos os educadores, em particular, os professores de matemática, estão preocupados e buscando soluções para tal problema. Alguns pontos já são consenso:

a) A necessidade de que o ensino público em nossas escolas seja em tempo integral;

b) A necessidade de melhorar MUITO o salário dos professores;

c) A necessidade de que a política pública da área da Educação seja política de Estado e não política de Governo;

d) A necessidade de ampliar gradativamente para 6% do PIB o investimento em educação no País;

e) A necessidade de rever os ambientes escolares garantindo que as escolas tenham água tratada, banheiros limpos, dependências agradáveis ao ensino e à aprendizagem, biblioteca, laboratórios, segurança, bem como ambiente para esportes.

JP – A pesquisa acadêmica brasileira na área de matemática tem reconhecimento internacional. A que se pode atribuir isso?

HA – Ao trabalho incansável da comunidade matemática brasileira, com o apoio imprescindível das agências de fomento CNPq, Capes, FAP’s, etc, que se organizou há cerca de 50 anos e estabeleceu um caminho claro a ser percorrido – o da formação no mais alto nível, e da produção científica com qualidade. O investimento na formação de recursos humanos para atuarem na matemática é estratégico para o país, novos paradigmas se estabelecem e devemos estar atentos para atrair e potencializar a formação de novos pesquisadores e professores.

JP – Que tipo de cooperação as universidades e instituições de pesquisa podem oferecer às escolas de ensino fundamental e médio, no sentido de disseminar o conhecimento da matemática?

HA – De fato, muita coisa já está sendo feita. A Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), que reuniu em sua última edição mais de 18 milhões de crianças. Em geral, o sistema de Olimpíadas de Matemática que existe no país oferece anualmente cursos para alunos e professores, e mais recentemente tem conseguido conceder, com recursos federais, bolsas de estudo para os alunos mais destacados. A Sociedade Brasileira de Matemática produz uma coleção de livros destinados ao professor de Matemática do ensino médio que são comercializados a preço acessível. A SBM edita a Revista do Professor de Matemática que atualmente tem uma tiragem de 40 mil exemplares, destinada especialmente aos professores e estudantes da escola básica. A SBM também promove a cada dois anos, com a participação de professores universitários, a Bienal de Matemática destinada basicamente aos professores de nossas escolas. A universidade vem revendo os seus cursos de formação de professor de matemática visando oferecer uma formação mais realista para enfrentar a situação atual de nossas escolas.

JP – Como se deve ensinar matemática? Existe um segredo para o ensino desta disciplina ou ela é fácil de ensinar?

HA – Não existe segredo. O bom professor de matemática é uma pessoa que conhece bem a matéria, que cumpre sua missão, e que investe em sua formação de modo a se manter sempre atualizado. Como em todas as profissões devemos sempre aprimorar o conhecimento e a comunicação. Por isto eu digo que não existe receita. Certamente, quem não sabe matemática e for colocado na posição de professor, fará um péssimo trabalho.

JP – Por que há falta de professores de matemática no Brasil?

HA – No nível do ensino básico a falta se deve fundamentalmente aos degradantes salários pagos aos professores. Os formados para este nível de ensino preferem ir fazer outra coisa que lhes pague melhor. No entanto, para o nível universitário a falta se deve realmente a limitação no número de formados. Vale lembrar que a profissão de matemático, bem como a de professor de matemática, não possui o charme e o apelo social de outras profissões como: médico, advogado, economista, jornalista, engenheiro, etc. Por outro lado, um bom matemático sempre estará empregado.

JP – Como o senhor avalia o ensino da matemática no Brasil (tanto no ensino básico quanto na graduação)?

HA – Já falei sobre o ensino básico, onde a situação é muito preocupante. É necessário uma política para a formação de professores onde seja contemplado também o conteúdo de matemática, bem como o estabelecimento de parâmetros curriculares, os quais devem ter a participação dos profissionais da área. Em relação à graduação, as principais universidades brasileiras oferecem ensino de qualidade nos cursos de licenciatura em matemática, bacharelado em matemática e demais cursos que utilizam a matemática e aplicações. Existem, entretanto, mais de 500 cursos universitários de matemática sendo oferecidos, cujo nível de qualidade tem grande espaço para ser melhorado.

JP – Que análise o senhor faz do ensino da matemática em outros países, comparativamente com o Brasil?

HA – Todos os países tem carências sérias no ensino da matemática e, mais geralmente, das ciências. Nos países em desenvolvimento muitas vezes as dificuldades próprias do aprendizado se juntam a problemas socioeconômicos. Mas, de fato, o problema do ensino da matemática atinge igualmente os países mais desenvolvidos. Alguns deles, como é o caso dos Estados Unidos, compensam as deficiências de formação dos seus próprios alunos através de incentivos para atrair alunos talentosos de outros países. Na Europa, onde a situação ainda é relativamente melhor, também tem vindo a constatar um agravamento progressivo do problema. A matemática é uma ciência de natureza diferenciada quando comparada com as demais ciências, sendo universal na forma de ser elaborada, sistematizada, aprendida, ensinada, aplicada e divulgada. Hoje é classificada como ciência exata mas já foi classificada como ciência humana. Portanto, os problemas e desafios da matemática são muito semelhantes em qualquer parte do nosso país e no mundo.