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Edição 25 - Matemática Descomplicada
26/08/2009
 
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Entrevista com a diretora acadêmica da OBMEP, Suely Druck

Suely Druck, diretora acadêmica da Obmep.

Suely Druck, diretora acadêmica da Obmep.

Autor: Arquivo pessoal


Doutora em matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com pós-doutorado pela Université de Paris, Suely Druck é professora da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Idealizadora e atual diretora acadêmica da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), ela integra o Conselho Técnico-Científico de Educação Básica da Capes, o Comitê de Planejamento em Educação Matemática (ICSU-LAC) e o Conselho Diretor da Sociedade Brasileira de Matemática. Exerceu o cargo de presidente da Sociedade Brasileira de Matemática por dois mandatos.

Leia abaixo a entrevista de Suely Druck ao Jornal do Professor.

Jornal do Professor – A matemática é uma disciplina muito temida, motivo de pânico entre muitos alunos. Ela é mesmo difícil? A que se deve essa má fama?

Suely Druck – Deve ficar claro que o problema com a matemática é universal e não é uma questão só brasileira. Não há nada de errado com nossas crianças, a matemática é a disciplina mais temida em todo o mundo. A matemática se distingue de outras disciplinas por três aspectos, que talvez a tornem mais difícil. Primeiro ela demanda atenção e concentração, o que não é muito fácil com crianças, é preciso aulas interessantes que desafiem a inteligência das crianças e agucem sua curiosidade - isso não está acontecendo em muitas salas de aula. Em segundo lugar, a matemática é sequencial, principalmente do 1º ao 9º ano (1ª a 8ª série), assim um assunto que não foi bem aprendido cria dificuldades para o aprendizado de assuntos posteriores. Em terceiro lugar, a matemática é a única ciência que as crianças têm que compreender sua teoria desde a mais tenra infância: por exemplo, elas devem entender aos seis anos o sistema decimal, senão não vão aprender a contar, que é uma das primeiras atividades matemáticas que as crianças desenvolvem. Por esses três aspectos deve haver atenção especial ao ensiná-la.

JP – Desde que começou a participar do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), no ano 2000, a situação do Brasil teve uma pequena melhora na área da matemática: o índice de 334 passou para 370 em 2006. Mesmo assim, entre 57 países avaliados, nosso país ocupa a 53ª posição em matemática. Qual a razão desse baixo desempenho?

SD – Os motivos são vários, a começar pela situação dos professores; em geral mal preparados, mal remunerados e trabalhando em condições que em nada motivam a boa qualidade. Quando me voltei para a questão do ensino escolar, fiquei realmente muito chocada com o isolamento acadêmico que vivem nossos professores. Por outro lado não há um esclarecimento aos jovens de que uma boa formação em matemática é um valor e pode fazer uma enorme diferença em suas vidas. Como optar por carreiras científicas e tecnológicas, se a maioria hoje tem base matemática? Como eles podem ser partícipes do desenvolvimento científico e tecnológico do país sem saber matemática? O país precisa dizer aos seus jovens que precisa que eles estudem matemática, sentir que através da matemática eles podem se inserir num projeto nacional de desenvolvimento já seria uma grande motivação.

JP – Qual a solução para esse problema?

SD – Projetos nacionais que impactem e distingam a matemática, como por exemplo a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, que em 2009 teve mais de 19 milhões de alunos inscritos. Qual seria um projeto similar para os professores de matemática? Como estancar o derrame de professores mal formados no mercado escolar? Como motivar bons alunos a seguir o magistério em matemática? Porque as escolas federais são de boa qualidade, e isso não ocorre com grande maioria das escolas municipais e estaduais? Essas e outras perguntas precisam de respostas urgentes. O MEC tem tomado boas iniciativas, mas os resultados ainda vão demorar, em educação quase tudo é a médio ou longo prazo. Acredito que projetos de grande impacto podem acelerar os resultados - existem bons exemplos disso em nosso país.

JP – A pesquisa acadêmica brasileira na área de matemática tem reconhecimento internacional. A que se pode atribuir isso?

SD – A pesquisa em matemática no Brasil foi criada com exigências de excelência na formação e atuação de seus pesquisadores; e essa exigência se mantém até hoje – os comitês de matemática nas agências de fomento são conhecidos por seu alto nível de exigência. Isso garantiu e garante até hoje a boa qualidade da pesquisa em matemática no Brasil, que nos levou a ser promovidos ao Grupo IV - o segundo em excelência internacional na área de pesquisa - pela International Math Union. Para mim, foi um privilégio ser a presidente da Sociedade Brasileira de Matemática por ocasião dessa promoção.

JP – Que tipo de cooperação as universidades e instituições de pesquisa podem oferecer às escolas de ensino fundamental e médio, no sentido de disseminar o conhecimento da matemática?

SD – Acredito que somente as universidades públicas serão capazes de resolver o problema do ensino da matemática na rede escolar. Elas detêm o conhecimento que precisa ser repassado ao ensino médio e fundamental, e são as únicas instituições em condições para isso. Já existem boas iniciativas em várias dessas universidades – bons cursos de licenciatura e de aprimoramento de professores, mas ainda é um trabalho bastante restrito frente à demanda do país. Os institutos de pesquisa obviamente também detêm o conhecimento matemático, mas por sua própria natureza têm atuação mais restrita nessa área. Por outro lado eles podem colaborar também, principalmente concedendo sua chancela a iniciativas de excelência e colaborando na divulgação da matemática em nível de iniciação científica.

JP – Como se deve ensinar matemática? Existe um segredo para o ensino desta disciplina ou ela é fácil de ensinada?

SD – Em primeiríssimo lugar, conhecendo-a profundamente, sua teoria, aplicações e técnicas. Somente assim será possível ensiná-la de modo interessante, desafiador e que desperte a curiosidade das crianças. Um professor deve conhecê-la tão bem que seja capaz de abordar o mesmo tópico de várias maneiras diferentes, para alunos com perfis diferentes. Para as crianças, acredito que conhecimentos pedagógicos são uma boa ferramenta, mas em nível de graduação eles já não têm tanta importância. O segredo de ensinar bem a matemática é conhecê-la muito bem, é gostar de desafiar os alunos, é vibrar quando eles apresentam boas soluções, é gostar de resolver problemas e entender que esse é o papel principal da matemática, é saber para que ela serve no contexto de desenvolvimento científico e como ela pode ser utilizada para o bem estar dos cidadãos, e finalmente o mais importante: é gostar MUITO de matemática.

JP – Como a senhora avalia o ensino da matemática no Brasil (tanto no ensino básico quanto na graduação)?

SD – No ensino básico o ensino da matemática é sofrível em geral, exceção feita às escolas federais que fazem um ótimo trabalho e a poucas escolas particulares, fora isso há poucas outras exceções. Infelizmente essa situação vem condenando milhões de jovens brasileiros a não ter nem poder sonhar com um futuro interessante e produtivo para ele e para o nosso país. Na graduação a situação é similar, a grande maioria dos professores de matemática está sendo formada em faculdades particulares em sua maioria de baixa qualidade acadêmica. Já as universidades públicas vêm fazendo um bom trabalho na graduação em matemática. No entanto, não podemos ser pessimistas, essa situação pode ser mudada. É preciso que nos empenhemos com competência e que tenhamos a excelência como meta e valor principal na educação. É também importante que saibamos distinguir aqueles que querem a mudança e que estão dispostos a trabalhar por ela; eles são muitos, mas não são todos.

JP – Que análise a senhora faz do ensino da matemática em outros países, comparativamente com o Brasil?

SD – A situação de inferioridade do ensino da matemática no Brasil frente a países que têm boa educação pública vem sendo amplamente divulgada em nossa imprensa, há pouco a acrescentar. Sabemos que a situação é grave e precisa urgentemente ser mudada se tivermos a pretensão de nos incluir dentre os países que oferecem um bom nível de vida a seus cidadãos. Sem matemática não há cidadania.

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