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JORNAL

Educação e Cidadania

Segunda-feira, 28 de Junho de 2010

Edição 41

EDITORIAL - Educação e Cidadania

Educação e Cidadania é o tema da 41ª edição do Jornal do Professor, por escolha de 45,94% de nossos leitores.

Aqui você vai conhecer o trabalho desenvolvido pela professora Soraya Freire de Oliveira, de Manaus, que já recebeu diversos prêmios; vai conhecer também o trabalho da professora Gláucia Costa Abdalla, de Belo Horizonte, que integra um grupo responsável pela elaboração de planos de aulas para o Portal do Professor.

Outros assuntos abordados nesta edição são as atividades desenvolvidas na Escola Municipal Professora Emília Ramos, de Natal, apresentadas pela vice-diretora, Regina Maria da Silva Dantas, e pela coordenadora pedagógica, Tânia Maria Fernandes Oliveira; e as eleições realizadas no Centro de Ensino Fundamental 03 do Riacho Fundo I, no Distrito Federal, dentro do projeto Eleitor do Futuro.

Nossa entrevistada é Ângela Maria Biz Rosa Antunes, diretora de Gestão do Conhecimento do Instituto Paulo Freire.

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas!

Seja bem-vindo!

Professora premiada ajuda a promover cidadania na comunidade

Estudantes carregam cartazes sobre a paz.

Criadora de vários projetos premiados, a professora Soraya Freire de Oliveira, de Manaus, no Amazonas, acredita que nada é mais importante do que favorecer a educação, o senso crítico, e a cidadania das crianças. Pedagoga, com habilitação em supervisão escolar e orientação educacional, e especialização em gestão escolar, ela leciona na Escola Estadual Carvalho Leal, pela manhã, e na Escola Municipal Thomas Meirelles, à tarde.

De fevereiro a junho deste ano, ela desenvolveu o projeto Cuidar do Planeta – Uma Questão de Cidadania, envolvendo alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental da Carvalho Leal. Pais, professores e servidores da escola, e a própria comunidade participaram do projeto, que teve como objetivo sensibilizar a comunidade escolar quanto à importância da preservação do meio ambiente para uma melhor qualidade de vida.

Os resultados já apareceram: o relacionamento entre os alunos melhorou e a quantidade de lixo na escola diminuiu. “As mesas do refeitório e o chão mudaram de aspecto. Os alunos passaram a recolher e colocar na lixeira os restos da merenda”, conta Soraya. De acordo com relatos dos pais, aconteceram mudanças também no ambiente familiar, pois os estudantes passaram a se preocupar em proteger e conservar a higiene do lar.

“A grande tarefa da escola é proporcionar um ambiente saudável e coerente com aquilo que ela pretende que os seus alunos aprendam”, acredita a professora. Só assim, justifica ela, o colégio poderá, de fato, contribuir para formar cidadãos conscientes de suas responsabilidades para com o meio ambiente e capazes de tomar atitudes de proteção e melhoria em relação a ele.

Uma das atividades desse projeto foi a Caminhada Ambiental – Todos juntos cuidando do Planeta, quando os alunos carregaram cartazes alusivos e distribuíram panfletos à comunidade. “Acreditamos que a escola necessita ultrapassar seus muros, colaborando na construção da cidadania do aluno e envolvendo a família e a comunidade”, justifica Soraya. Para ela, o verdadeiro educador é aquele que faz o aluno progredir, na medida em que desencadeia a problematização e orienta quanto aos procedimentos da aprendizagem.

Em 2004, ela recebeu o Prêmio Incentivo à Educação Fundamental, promovido pelo Ministério da Educação em parceria com a Fundação Bunge, com a experiência Jornal na Escola – uma questão de cidadania. Em 2007, obteve o prêmio Professores do Brasil, do Ministério da Educação, com a experiência A Vida pede Passagem. Em 2009, foi novamente premiada no Professores do Brasil, com o projeto Leitura e Escrita – Uma Viagem Fascinante.

(Fátima Schenini)

Escola promove cidadania entre alunos, pais, e funcionários

Diretora recebe mães.

Promover a cidadania é uma das preocupações da Escola Municipal Professora Emília Ramos (Emper), de Natal, no Rio Grande do Norte. Localizada no bairro de Cidade Nova, na periferia da capital, a instituição atende cerca de mil alunos, do primeiro ao terceiro ano do ensino fundamental e da Educação de Jovens e Adultos (EJA), a maioria deles filhos de trabalhadores com renda abaixo do salário mínimo.

“A promoção da cidadania na escola tem como meta contribuir na formação dos alunos, para que se reconheçam como cidadãos de direitos e deveres e possam se conduzir na sociedade de forma crítica e autônoma”, diz a vice-diretora da escola, Regina Maria da Silva Dantas, pedagoga com especialização em educação de jovens e adultos, há 22 anos no magistério.

Com o programa Emília em Família, a Emper viabiliza ações, a cada ano, de acordo com os temas de ensino-aprendizagem abordados nos diversos níveis de ensino, objetivando a formação da família em assuntos relacionados à educação de seus filhos. “Abordamos temas de relevância para a construção da cidadania, visão de mundo de forma crítica-reflexiva, buscando estimulá-los a projetarem seus futuros através do resgate aos estudos”, explica a coordenadora pedagógica, Tânia Maria Fernandes Oliveira. Assim, segundo ela, que é mestre em educação e está há 26 anos no magistério, a principal meta da escola é a aproximação de pais ou responsáveis pelos alunos na proposta curricular e administrativa.

Um dos projetos desse programa é o Encontro com a Família, que promove oficinas para que os pais possam compreender melhor as atividades realizadas na escola. A escola também realiza um encontro de formação para funcionários, com o objetivo de contribuir para melhorar a qualidade do trabalho oferecido à comunidade. Neste ano, o encontro com os funcionários teve como tema: A ética voltada para a formação do ser.

De acordo com Tânia Oliveira, os encontros com as famílias se traduzem em momentos lúdicos, palestras, estudos de casos e oficinas, que sintetizam as vivências dos filhos na sala de aula. Dependência química, inclusão e exclusão social, desenvolvimento infantil, beleza, e artesanato estão entre os temas tratados nessas ocasiões.

Os estudantes não são esquecidos na cruzada da escola a favor da cidadania. A partir da temática – Nos caminhos da aprendizagem: uma formação voltada para o ser – foram criados os temas dos projetos didáticos de 2010, para cada ano. Construindo o ser através de fábulas é o tema dos primeiros anos; Literatura Infantil: desatando nós e fazendo laços é o assunto dos segundos anos; Na construção da aprendizagem: uma nova poesia para a vida é abordado nos terceiros anos. No EJA do nível I (do 1º ao 3º ano do ensino fundamental), o tema é: o aluno construindo sua identidade. No EJA do nível II (4º e 5º ano do ensino fundamental), o assunto é Lendo e escrevendo minha história.

(Fátima Schenini)

Alunos do ensino fundamental votam pela primeira vez

Aluna vota na urna eletrônica

Pela primeira vez, os alunos do Centro de Ensino Fundamental 03 do Riacho Fundo I, no Distrito Federal, exerceram um dos mais importantes direitos de um cidadão: o ato de votar. Eles fizeram parte do projeto Eleitor do Futuro, do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TER-DF), desenvolvido em parceria com a Secretaria de Educação do DF. O projeto tem o objetivo de mostrar aos alunos como é feito o processo eleitoral e conscientizar os jovens sobre a ética, a cidadania e a importância de votar.

Cinco chapas concorreram: Partido Vida e Saúde (PVS), Partido Liberdade, Respeito e Dignidade (PLRD), Partido Esporte e Lazer (PEL), Partido Segurança Pública e Combate à Violência (PSPCV) e Partido Educação, Profissionalização e Cultura (PEPC). Dentre as propostas e temas abordados em cada chapa estão as drogas e a sexualidade na adolescência, a cidadania e os direitos humanos e a importância da educação.

Cada partido teve cinco representantes de diferentes turmas. Durante os quatro meses de preparação para as eleições, os candidatos fizeram campanhas e comícios para apresentação de suas propostas. Além disso, os professores adaptaram os temas trazidos pelos partidos para dentro da sala de aula. Alguns aplicaram redações e questionários, outros decidiram abordar os temas em um formato de debate entre os alunos.

Para as professoras Simone de Barros e Lelis Amaral, o projeto foi importante porque despertou a cidadania nos estudantes. Segundo elas, dessa forma os alunos aprendem desde cedo a exercer o seu papel como cidadãos responsáveis por seus atos e seus direitos. “Com essa visão, o aluno passa a ser um multiplicador”, garantem.

Gênesis Kelvin, 16 anos e candidato pelo PVS, diz que vai votar nas eleições de outubro e garante que o projeto fez parte dessa decisão. Já a candidata pelo PLRD, Sara de Oliveira, 11 anos, garante que aprendeu a votar: “O projeto me deu uma consciência, me fez ver a política de outra forma”.

A orientadora educacional, Tânia Bicho, coordenadora do projeto na escola, explica que o processo de eleição obedeceu as principais regras de uma eleição normal: inscrição das chapas, campanhas, comícios, treinamento de mesários, apuração, divulgação de resultados e diplomação. De acordo com ela, os alunos se empolgaram muito com a ideia. “O projeto superou minhas expectativas, os alunos se engajaram muito. Além disso, eles aprenderam que exercer o papel de cidadão é importante”, diz.

É a primeira vez que o CEF 03 participa de um projeto que envolve todos os alunos. As 15 turmas, entre sexto ao oitavo ano, participaram do processo, e no dia da eleição, em 16 de junho, 339 estudantes votaram na urna eletrônica cedida pelo TRE. No próximo semestre, o partido vencedor exercerá um papel fundamental que é o de colocar em prática as propostas que divulgaram nas campanhas, buscando palestrantes e parcerias com outros órgãos para execução do tema proposto em sua chapa.

(Sara Scaringi)

Cidadania é tema de aulas no Portal do Professor

Professora Gláucia Abdalla

Cidadania: você faz o que pode? Este é o título de uma das aulas da professora Gláucia Costa Abdalla, postada na seção Espaço da Aula, no Portal do Professor e disponível a professores de todo o país. Formada em psicologia, com mestrado em educação, ela integra um grupo de professores da Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia (ESEBA), em Minas Gerais, encarregado de elaborar planos de aulas para o Portal do Professor. Em ação, desde 2009, a equipe já disponibilizou 138 aulas, aproximadamente.

O grupo é composto por quatro membros: Lucianna Ribeiro de Lima (validadora das aulas produzidas pelas outras três professoras), Fátima Rezende Naves Dias, Liliane dos Guimarães Alvim Nunes e a própria Gláucia Abdala. Lucianna e Liliane ainda trabalham na Eseba; Fátima e Gláucia são aposentadas desta mesma instituição.

O componente curricular escolhido por elas foi Ética. A partir daí, são desenvolvidos vários temas relacionados, tais como: cidadania, educação ambiental, solidariedade, trabalho infantil, regras de convivência, valores éticos e morais, amizade, sexualidade, preconceitos e discriminação, inclusão e exclusão, dentre outros. Cada participante, com exceção da validadora, elabora seis aulas por mês para o Portal do Professor, de acordo com o componente curricular – Ética -, mas com temas variados.

“No caso da aula em questão - Cidadania: você faz o que pode? - a proposta foi elaborada por mim, tendo por base os trabalhos realizados e coordenados anteriormente, no período de minha atuação profissional, junto a alunos do ensino fundamental”, explica Gláucia Abdalla. Segundo ela, “o professor que acessar o Portal e se interessar por esta proposta de aula, poderá desenvolvê-la com seus alunos”. As demais integrantes do grupo colaboraram com sugestões e idéias para enriquecer a proposta.

“Sempre que possível lemos, complementamos ou fazemos sugestões em relação às aulas propostas”, diz Gláucia Abdalla. Depois que as aulas estão elaboradas, a validadora do grupo lê todas elas e propõe as alterações que julga necessárias, sugere recursos etc. Por último, as aulas são encaminhadas para as responsáveis pela validação no Portal do Professor, para que sejam aprovadas e publicadas.

Gláucia Abdalla trabalhou durante 25 anos na Eseba, atuando com educação infantil, ensino fundamental e no Setor de Apoio ao Processo Educacional, onde desenvolvia e coordenava projetos com alunos, professores e pais. Com especialização em educação pré-escolar e em psicopedagogia clínica e institucional, Gláucia Abdalla também atuou como psicóloga e psicopedagoga, atendendo crianças e adolescentes em clínica particular. Atualmente, além de elaborar aulas para o Portal do Professor, ela dá aulas, supervisiona estágios, e orienta trabalhos em cursos de pós-graduação de faculdades de Uberlândia e de outras cidades da região.

(Fátima Schenini)

Professora estimula aprendizagem de ciências

Professora Rosa Maria Lopes

Há sete anos atuando no magistério, Rosa Maria Portela Lopes, de São Luís, no Maranhão, dá aulas de química para alunos do ensino médio da Escola Pública Estadual Professora Maria do Socorro Almeida (Cemsa), desde 2006.

Graduada em ciências, com habilitação em química, ela desempenha a profissão com entusiasmo. “Acredito na possibilidade de mudanças na educação do país, principalmente a pública. Basta fazermos a nossa parte, que é desempenhar a função com empenho, dedicação e responsabilidade”, salienta.

Entusiasmada, ela conta do projeto que promoveu, em 2009, a fim de despertar nos estudantes o interesse pelo estudo de ciências da natureza – O mundo mágico da ciência no Cemsa. O projeto foi realizado durante seis meses, quando foram abordados os seguintes temas: tensão superficial da água, o elemento ferro presente na areia, o uso do microscópio, a produção de materiais de limpeza, a arte e a química, demonstração cromatografia com o uso de folhas de plantas, acidez e basicidade.

Na oportunidade, também deram início ao desenvolvimento de um mini-projeto – O bafômetro com materiais alternativos – que despertou muita atenção, pois foi totalmente desenvolvido pelos alunos (ainda está em fase de conclusão). A exposição relativa ao projeto O mundo mágico da ciência no Cemsa foi realizada no dia 18 de novembro de 2009, nas dependências da escola, com a participação de todos. Segundo Rosa Maria Lopes, os alunos mostraram-se muito empenhados em reproduzir os experimentos científicos.

Neste ano de 2010, a professora vem desenvolvendo desde abril, junto com outros colegas, o Projeto Conhe&Ser. Criado por ela, tem como objetivo ampliar o conhecimento dos estudantes sobre o perfil de profissões oferecidas pelas instituições educacionais de São Luís. O projeto tem entre suas atividades uma exposição, prevista para o próximo mês de agosto.

Além de lecionar, Rosa Maria Lopes se preocupa também em aumentar seu conhecimento. Neste sentido, ela tem participado de encontros, cursos e estágios. O curso de extensão em Imunologia Básica e Aplicada, que realizou na Universidade Federal do Maranhão, e o estágio extracurricular que fez no Núcleo de Imunologia Básica e Aplicada da mesma universidade, são dois exemplos de sua busca pelo aperfeiçoamento profissional.

(Fátima Schenini)

Escola precisa criar condições para o exercício da cidadania

Ângela Antunes

A diretora de Gestão do Conhecimento do Instituto Paulo Freire, em São Paulo (SP), Ângela Maria Biz Rosa Antunes, acredita que a escola precisa criar condições para que todos os segmentos escolares possam exercer a cidadania.

Em sua opinião, a escola deve oferecer oportunidades para que as crianças e jovens possam aprender a decidir coletivamente, a vivenciar e a experimentar a validade do diálogo crítico como mediador dos conflitos, a construir, em grupo, acordos temporários ou mais duradouros, a lidar com a diferença e a divergência.

“Educar na, para e pela democracia implica criar espaços de decisão e de vivência de princípios éticos, de solidariedade, de justiça, de diálogo”, destaca Ângela Antunes, que é formada em letras e em pedagogia, mestre em administração escolar e doutora em educação.

Em entrevista ao Jornal do Professor, ela cita alguns exemplos de ações que a escola pode utilizar a fim de criar condições para o exercício da cidadania desde a infância.

Jornal do Professor – A senhora acredita que as escolas devem incentivar ações de cidadania entre os alunos? De que forma?

Ângela Antunes – Paulo Freire afirmava que “uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos, em suas relações uns com os outros e todos com o educador ou a educadora, ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos” (Pedagogia da Autonomia). Sem ações de cidadania entre os alunos, acredito que a “experiência profunda de assumir-se” fica impossibilitada. Mais do que um discurso favorável à cidadania, a escola precisa criar condições de os alunos, os pais, a comunidade, enfim, os diferentes segmentos escolares exercitarem-na no cotidiano da unidade educacional.

Dependendo de vários fatores, ações de cidadania podem acontecer de forma mais ou menos intensa em cada espaço, mas é sempre possível fazer algo para começar. Recorro ainda a Paulo Freire: “a melhor maneira que a gente tem de fazer possível amanhã alguma coisa que não é possível de ser feita hoje, é fazer hoje aquilo que hoje pode ser feito. Mas se eu não fizer hoje o que hoje pode ser feito e tentar fazer hoje o que hoje não pode ser feito, dificilmente eu faço amanhã o que hoje também não pude fazer...”

Dessa forma, o que pode ser feito para incentivar ações de cidadania entre os alunos? A seguir, algumas sugestões:

A avaliação: Criar condições de participação dos alunos nos Conselhos de Classe, preparando-os para tal tarefa. Como tem sido os Conselhos de Classe? Quem avalia? Avalia o quê? Sob que critérios? Qual a participação dos alunos? Eles “fazem parte” desse processo? Eles “tomam parte” nas decisões? Eles são apenas comunicados do resultado? O que a escola, o que a família, o que os professores e os próprios alunos fazem com o resultado da avaliação? Em que medida a avaliação é um exercício de cidadania? Ela pode fortalecer o senso crítico, a autoavaliação, o compromisso com a transformação e o amadurecimento pessoal se houver um trabalho de avaliação dialógica, processual e continuada na escola.

A hora do recreio: intervalo para brincar, conviver socialmente, agir coletivamente, ou para agredir, desrespeitar, ou ainda para isolar-se com o celular na mão, mandando torpedos ou mergulhados nos joguinhos eletrônicos? Como são os intervalos das escolas? Como as crianças, adolescentes, jovens ocupam o tempo do recreio? Às vezes, são nesses momentos em que mais ocorrem agressões (físicas e simbólicas): há xingamentos, há brigas nas filas da merenda, há desrespeito com as crianças portadoras de deficiência, há desperdício dos alimentos, etc. A escola pode tornar o recreio um espaço de exercício de cidadania, construindo princípios de convivência, de forma dialógica e coletiva. Resgatando formas de brincar que promovem a interação humana na perspectiva da cultura da paz, reinventando esse tempo, com espaços para radioescola, para apresentação de poesias, de atividades artístico-culturais das crianças e das famílias.

O projeto político-pedagógico: Quem elabora o projeto da escola? Em que medida as crianças, adolescentes, jovens são envolvidos nesse processo? O projeto da escola contempla o projeto de vida das crianças? A escola oferece condições para que os alunos ofereçam contribuições ao projeto? Outro dia eu estava participando da inauguração de uma escola municipal de Sorocaba e vi uma criança muito atenta ao que estava acontecendo. Aproximei-me dela e comecei a conversar. Ela se chamava Talita e tinha seis anos. As aulas já haviam começado há alguns dias. A inauguração oficial estava acontecendo posteriormente ao início das aulas. Eu perguntei se ela estava gostando da escola. Com muita alegria e de forma enfática, ela respondeu que estava gostando muito. Eu perguntei de que ela estava gostando. Ela me respondeu que a escola estava bonita, limpinha, tudo novinho, tinha jardim e ainda por cima tinha muitos amigos ali e a professora era legal. Eu fiquei empolgada com a capacidade de argumentação da Talita e resolvi continuar a conversa. Perguntei se havia algo a melhorar na escola. Com a mesma ênfase que havia afirmado que gostava da escola, afirmou que havia coisas a melhorar. Eu, espantada, comentei:

- Mas a escola é bonita, você gosta da professora, gosta do jardim, está tudo novinho, você tem amigos... o que mais pode melhorar?

Ela respondeu convicta:

- Não pode faltar sorriso. Se tiver mais sorriso, vai ficar mais bonita.

Ela me fez suspender a respiração por alguns segundos.

- E o que mais, continuei? Há mais alguma coisa para melhorar?

Ela respondeu que a escola precisava ser pintada. Eu estranhei:

- Como assim, Talita? Já não está pintada? Acabou de ser inaugurada!”

Ela respondeu:

- Está pintada de adulto.

E o diálogo continuou:

- Como assim, Talita? Pintada de adulto?

- Está pintada de adulto porque está pintada de uma cor só. Precisa ser pintada de criança.

- E como uma escola pode ser pintada de criança?

- Escola pintada de criança tem várias cores e tem Mickey, tem Minnie, tem Pateta, tem a Mônica e tem florzinha.

- E quem deve pintar a escola, Talita? As crianças?

A Talita olhou para mim com ar de reprovação e impaciência e foi categórica:

- Não! As crianças não podem pintar.

- Por que, Talita?

- Porque as crianças pintam fora do risquinho e aí vai ficar feio.

- Como deve ser feito, então?

- As crianças devem escolher os desenhos e as cores e os adultos devem pintar, porque eles sabem pintar dentro do risquinho.

E assim ficamos conversando sobre a escola.

A Talita revelou a capacidade de perceber a importância de a escola ter uma boa atmosfera de trabalho (“não podia faltar o sorriso”), de cuidar da dimensão afetiva, do acolhimento. Além disso, tinha análise da questão da arquitetura da escola, da organização do espaço.

Envolver as crianças, respeitando o grau de desenvolvimento humano de cada faixa etária, pode contribuir muito para o exercício da cidadania desde a infância.

Conferências Lúdicas e ComVidas: uma outra forma de incentivar exercícios de cidadania entre as crianças é criar condições para elas participarem de espaços de organização e articulação de políticas públicas, como por exemplo, das Conferências Lúdicas, que fortalecem a Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente ou das Comissões de Meio Ambiente e Qualidade de Vida, que são comissões formadas por toda a comunidade escolar, visando a despertar a percepção do aluno, melhorando sua sensibilidade para identificar o que precisa ser melhorado na escola, na perspectiva socioambiental, e para tomar decisões buscando solucionar os problemas encontrados. Além disso, pode, ainda, criar condições para participar das Conferências Nacionais Infantojuvenis de Meio Ambiente.

Enfim, são muitas as possibilidades e se não é possível fazer muitas coisas, façamos o que é possível em cada contexto e, aos poucos, vamos contribuindo para construir a educação que forma para e pela cidadania.

JP – Qual a importância de se estimular a cidadania entre os estudantes? Existe uma idade mínima para isso?

AA – Para a Escola Cidadã, o conhecimento se esvazia de sentido, do ponto de vista da democracia, se não contribuir para formar pessoas que ajam de forma solidária, cooperativa, dialógica, respeitosa, comprometida com a vida coletiva, de forma a promover a justiça social e o bem-viver para todos e todas.

Paulo Freire definiu uma educação para e pela cidadania quando, nos Arquivos Paulo Freire, em São Paulo, dia 19 de março de 1997, numa entrevista à TV Educativa do Rio de Janeiro, falou de sua concepção da “escola cidadã”: “A Escola Cidadã é aquela que se assume como um centro de direitos e de deveres. O que a caracteriza é a formação para a cidadania. A Escola Cidadã, então, é a escola que viabiliza a cidadania de quem está nela e de quem vem a ela. Ela não pode ser uma escola cidadã em si e para si. Ela é cidadã na medida mesma em que se exercita na construção da cidadania de quem usa o seu espaço. A Escola Cidadã é uma escola coerente com a liberdade. É coerente com o seu discurso formador, libertador. É toda escola que, brigando para ser ela mesma, luta para que os educandos-educadores também sejam eles mesmos. E como ninguém pode ser só, a Escola Cidadã é uma escola de comunidade, de companheirismo. É uma escola de produção comum do saber e da liberdade. É uma escola que vive a experiência tensa da democracia”.

Penso que o relato que fiz da conversa com a Talita é um bom exemplo que nos autoriza a afirmar que não existe uma idade para o exercício da cidadania. O que não significa que vamos construir cidadania com as crianças a partir de conteúdos e metodologias utilizadas com a formação de adultos. Não é possível fazer uma mera transposição das práticas pedagógicas dos adultos para as crianças. É fundamental respeitar o grau de desenvolvimento humano e criar condições pedagógicas de participação das crianças.

JP – As escolas brasileiras têm contribuído para desenvolver a cidadania entre os estudantes? E esse papel está sendo exercido pela escola entre os pais e a comunidade?

AA – Infelizmente, ainda não podemos afirmar que o exercício da cidadania desde a infância é uma prática vivida nas escolas brasileiras. Conforme afirma Marilena Chauí, a sociedade brasileira é vertical, violenta e oligárquica. A violência que assola o cotidiano da população não é um surto passageiro, ela responde às realidades de um Brasil que se estruturou por meio de relações de tutela e de favor. A política ainda apresenta traços medievais; vem de cima para baixo. As oligarquias ainda possuem grande força como representantes políticos de expressiva parte da população em nosso país. Para que a esfera pública passe a constituir-se como pública e para que sejam fundados os pilares de uma sociedade democrática, não podemos prescindir da garantia dos direitos humanos e da eliminação dos privilégios. É na prática da política democrática que se instaura a esfera pública e a cultura do bem comum. No que diz respeito à atuação com crianças e adolescentes, é essencial apreender o conjunto de valores e princípios preconizados pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e pelo Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Esses marcos legais nos provocam a olhar a realidade sob o foco de outras lentes, a acessar outras formas e conteúdos e a construir novas possibilidades de exercício da cidadania desde a infância.

Ainda falta muito para as escolas brasileiras fortalecerem a cidadania entre os estudantes, mas acho que podemos dizer que estamos, aos poucos, avançando com as experiências. Muitos governos municipais do campo democrático-popular vêm adotando em suas políticas educacionais a participação das crianças, adolescentes e jovens: em São Paulo, no período de 2000-2004, foi implantado o Orçamento Participativo Criança, que envolveu formação semanal para mais de 10.200 crianças, para participarem da definição de prioridades para a educação e para a cidade no Orçamento Participativo da cidade. Muitas outras experiências vêm ganhando expressão nas políticas públicas, como, por exemplo, as já citadas Conferências Lúdicas e as ComVidas.

JP – Como a escola pode educar para a cidadania? Quais os aspectos da cidadania mais importantes para serem desenvolvidos na escola?

AA – Para a maioria das crianças, é a escola que marca o início da sua atuação pública. É na escola que muitas delas vivenciam o primeiro encontro com a sociedade e têm a oportunidade de, por meio da participação, começar a construir sua autonomia e a exercer sua cidadania. É aí que elas se deparam com o público, com o início da construção do significado do que é “coletivo”. O significado de público começa a se definir. Elas compartilham tempos, espaços e objetos. Na hora da entrada e saída da escola, na sala de aula, no recreio, no uso dos brinquedos, da lousa, do giz, do material escolar... elas começam a perceber a convivência em grupo. Elas começam a interagir com bens coletivos e públicos e com linguagens coletivas. A escola e o contexto social em que estão inseridas não podem se eximir da responsabilidade de construção de valores, respeito e responsabilidade frente aos espaços públicos e frente às relações democráticas de convivência, fundamentada na resolução de conflitos por meio do diálogo, na cultura da paz e da sustentabilidade. Isso exige aprendizado. A paz se constroi. A solidariedade, o respeito, o saber escutar, avaliar e decidir implicam processos pedagógicos. Não se estabelecerá entre nós se não agirmos em sua direção. É preciso que a escola se prepare para criar condições de exercício da cidadania desde a infância.

JP – Qual sua opinião sobre a realização, na escola, de campanhas e outras atividades visando ações de cidadania?

AA – Sou absolutamente favorável. A filosofia da educação de Paulo Freire nos inspira a perceber as crianças e adolescentes como sujeitos dos direitos e, portanto, a assegurar sua participação e opinião no processo de construção coletiva das regras na família, na escola e nos grupos sociais que freqüentam. Paulo Freire, a concepção de educação cidadã reconhece a educação como um ato político, o que pressupõe posicionamento crítico diante das relações de poder e de dominação, a relação dialógica entre educador(a) e educando(a), a problematização da realidade, a participação democrática e ativa, o conhecimento que concebe a história do educando(a) como parte constitutiva do currículo e a transformação dos sujeitos, considerando que, no processo de ensino-aprendizagem, todos tomam parte e nessa relação lêem o mundo, formulam compreensões sobre a realidade, com vistas à sua transformação. É fundamental que as visões de mundo, as expressões, as ações e os projetos de vida das crianças não sejam silenciados por uma sociedade que, tradicionalmente, só reconhece o espaço dos adultos.

Educar na, para e pela democracia implica criar espaços de decisão e de vivência de princípios éticos, de solidariedade, de justiça, de diálogo. Como buscar o envolvimento das crianças, adolescentes e jovens para além do “fazer parte”? Como “tomar parte” nas decisões? A escola precisa se organizar nesse sentido; a oferecer oportunidades de aprender a decidir coletivamente, a vivenciar e a experimentar a validade do diálogo crítico como mediador dos conflitos, a construir, em grupo, acordos temporários ou mais duradouros, a lidar com a diferença e a divergência, ensinando a criança a se manifestar com respeito e justiça.

A escola é um espaço privilegiado dessa construção. E essa tarefa é de todos e todas que dela fazem parte. Não ensina apenas o professor. A merendeira ensina e aprende. O inspetor de alunos ensina e aprende. O pessoal que fica na secretaria da escola recebendo e expedindo documentos ensina. Ensinamos e aprendemos em todos os espaços da escola, não só na sala de aula. É preciso que todos assumam essa tarefa educativa essencial. É necessário que tenhamos clareza de que democracia, cidadania, autonomia, participação, solidariedade exigem aprendizado. E aprendemos, principalmente, praticando, vivenciando. Não basta que a escola pronuncie um discurso emancipador. É preciso que ela vivencie o que defende. Nossas palavras devem ser corporeificadas pelo exemplo. Nossa prática não pode ser negadora do nosso discurso (FREIRE, 1997). Se a escola se propõe a formar cidadãos críticos, propositivos, democráticos, participativos, ela deve criar condições para a vivência desses princípios desde a infância. Paulo Freire afirmava “Tudo o que a gente puder fazer no sentido de convocar os que vivem em torno da escola, e dentro da escola, no sentido de participarem, de tomarem um pouco o destino da escola na mão, deve ser feito. Tudo o que a gente puder fazer nesse sentido é pouco ainda, considerando o trabalho imenso que se põe diante de nós que é o de assumir esse país democraticamente”. Aceitemos o convite de Paulo Freire e não nos furtemos a essa imensa e gratificante tarefa. Afinal, somos educadores, “profissionais do sentido da vida” e continuamos sonhando com “um outro mundo possível”. Temos uma escola em nossas mãos. Saibamos construí-la com democracia, para e pela paz, visando a um mundo sustentável, com justiça social e vida digna para todos e todas. Saibamos construí-la desde a infância. Não deixemos de ser “doidos pra ver o nosso sonho teimoso, um dia se realizar!!!”