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Campo semântico, metáforas e outros processos de significação em um texto narrativo

 

30/11/2010

Autor e Coautor(es)
Marilene de Mattos Salles
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JUIZ DE FORA - MG Universidade Federal de Juiz de Fora

Estrutura Curricular
Modalidade / Nível de Ensino Componente Curricular Tema
Ensino Médio Literatura Estudos literários: análise e reflexão
Dados da Aula
O que o aluno poderá aprender com esta aula

O aluno terá a oportunidade de ler e interpretar o conto A doida, de Carlos Drummond de Andrade, revendo alguns dos elementos que estruturam uma narrativa. Serão especialmente estudadas as possíveis intenções do autor relativas às escolhas lexicais feitas para a descrição da personagem,  do espaço, e para a narração de ações, assim como os efeitos provocados no leitor. A partir desse estudo, o aluno será apresentado ao conceito de ‘campo semântico’. Adicionalmente, outros processos de significação serão abordados, como a metáfora e a metonímia.

Duração das atividades
- 4 horas/aula
Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor com o aluno

Aulas elaboradas para alunos do 3° ano do ensino médio, que conheçam características do gênero ‘conto’ e já saibam identificar metáforas e metonímias .       

Estratégias e recursos da aula

Aula 1 

Professor: conduza seus alunos ao Laboratório de Informática. Objetivando promover uma motivação e uma sensibilização para o conto que será lido, projete a imagem abaixo, disponível no endereço

http://2.bp.blogspot.com/_WY3qKeZY6L0/TClX5uZI78I/AAAAAAAARsY/qYnY6uj9aDM/s400/doen%C3%A7a+mental.jpg 

Faça algumas perguntas sobre a imagem. Abaixo, você encontra algumas sugestões, porém lembre-se de que a percepção da arte é bastante individual e as respostas poderão oscilar.

a) Que impressão a imagem dessa mulher traz? (Resp.: possivelmente dirão que a mulher dá a impressão de estar transtornada.) b) Que elementos da imagem poderiam provocar essa impressão? (resp.: especialmente os olhos, que estão arregalados, sobressaltados. Também parecem opacos, dando ideia de ausência, alienação; a face da mulher expressa cansaço, fadiga; a mão na boca pode espelhar insegurança, talvez medo.)

c) Que relação poderíamos estabelecer entre a figura feminina e o fundo da imagem? (Resp. possível: figura e fundo se mesclam em traços e cores, formando uma atmosfera sombria propiciada pela cores acinzentadas e amareladas.)

d) Poderíamos dizer que essa mulher necessita de ajuda? Poderia ela ter um transtorno mental?

e) Conhecem algum caso de pessoa que aparentasse possuir um algum transtorno? Como foi essa experiência? (Professor: se você tiver experienciado algo relevante, conte aos alunos.)

f) Já ouviram falar em manicômios? Como os loucos eram tratados nesses locais? Será que todas as pessoas que eram encaminhadas aos manicômios, de fato, eram loucas?

Professor: na sequência peça aos alunos que acessem o vídeo abaixo que conta um pouco da história da loucura no Brasil.

http://www.youtube.com/watch?v=-2O0WlW5pFc 

Cite a Lei da Reforma Psiquiátrica, que propôs a modificação no tratamento clínico dos doentes mentais, com eliminação da internação  e a substituição desse modelo por uma rede de serviços de atenção psicossocial. A Lei visou eliminar a exclusão social e integrar os portadores de transtornos mentais à comunidade. Para sua informação, leia os dois artigos iniciais. 

Lei nº 10216 - De 06 de abril de 2001   

Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.   

O Presidente da República. Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.

Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.

Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:

I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;

II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;

III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;

IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;

V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;

VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;

VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;

http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/relatorio_15_anos_caracas.pdf 

Aula 2   

Professor: informe a seus alunos que a temática da loucura e da exclusão social será retomada, agora por meio da leitura do conto A doida, de Carlos Drummond de Andrade. Distribua aos alunos cópias xerocadas do texto e solicite que eles façam uma leitura silenciosa, para que cada um utilize sua própria experiência na construção do sentido. Posteriormente, haverá a retomada do texto, para que seja feita uma leitura colaborativa. Atenção: os parágrafos foram numerados para facilitar as referências.

A doida é um dos contos inseridos na obra CONTOS DE APRENDIZ , publicada quando o autor já estava próximo dos 50 anos. Até então, o poeta mineiro nunca tinha se aventurado como contista e já havia publicado seus livros mais importantes - Alguma Poesia e Sentimento do Mundo - que o consagraram como um dos maiores poetas brasileiros.          http://www.novacultura.de/drummondcontos.html 

A doida  

1. A doida habitava um chalé no centro do jardim maltratado.  E a rua descia para o córrego, onde os meninos costumavam banhar-se. Era só aquele chalezinho, à esquerda, entre o barranco e um chão abandonado; à direita, o muro de um grande quintal. E na rua, tornada maior pelo silêncio, o burro pastava. Rua cheia de capim, pedras soltas, num declive áspero. Onde estava o fiscal, que não mandava capiná-la?  

2. Os três garotos desceram manhã cedo, para o banho e a pega de passarinho. Só com essa intenção. Mas era bom passar pela casa da doida e provocá-la. As mães diziam o contrário: que era horroroso, poucos pecados seriam maiores. Dos doidos devemos ter piedade, porque eles não gozam dos benefícios com que nós, os sãos, fomos aquinhoados. Não explicavam bem quais fossem esses benefícios, ou explicavam demais, e restava a impressão de que eram todos privilégios de gente adulta, como fazer visitas, receber cartas, entrar para irmandades. E isso não comovia ninguém. A loucura parecia antes erro do que miséria. E os três sentiam-se inclinados a lapidar a doida, isolada e agreste no seu jardim.

3. Como era mesmo a cara da doida, poucos poderiam dizê-lo. Não aparecia de frente e de corpo inteiro, como as outras pessoas, conversando na calma. Só o busto, recortado, numa das janelas da frente, as mãos magras, ameaçando. Os cabelos, brancos e desgrenhados. E a boca inflamada, soltando xingamentos, pragas, numa voz rouca. Eram palavras da Bíblia misturadas a termos populares, dos quais alguns pareciam escabrosos, e todos fortíssimos na sua cólera.

4. Sabia-se confusamente que a doida tinha sido moça igual às outras no seu tempo remoto (contava mais de 60 anos, e loucura e idade, juntas, lhe lavravam o corpo). Corria, com variantes, a história de que fora noiva de um fazendeiro, e o casamento, uma festa estrondosa; mas na própria noite de núpcias o homem a repudiara, Deus sabe por que razão. O marido ergueu-se terrível e empurrou-a, no calor do bate-boca; ela rolou escada abaixo, foi quebrando ossos, arrebentando-se. Os dois nunca mais se veriam. Já outros contavam que o pai, não o marido, a expulsara, e esclareciam que certa manhã o velho sentira um amargo diferente no café, ele que tinha dinheiro grosso e estava custando a morrer – mas nos racontos antigos abusava-se de veneno. De qualquer modo, as pessoas grandes não contavam a história direito, e os meninos deformavam o conto. Repudiada por todos, ela se fechou naquele chalé do caminho do córrego, e acabou perdendo o juízo. Perdera antes todas as relações. Ninguém tinha ânimo de visitá-la. O padeiro mal jogava o pão na caixa de madeira, à entrada, e eclipsava-se. Diziam que nessa caixa uns primos generosos mandavam pôr, à noite, provisões e roupas, embora oficialmente a ruptura com a família se mantivesse inalterável. Às vezes uma preta velha arriscava-se a entrar, com seu cachimbo e sua paciência educada, no cativeiro, e lá ficava dois ou três meses, cozinhando. Por fim a doida enxotava-a. E, afinal, empregada nenhuma queria servi-la. Ir viver com a doida, pedir a bênção à doida, jantar em casa da doida, passou a ser, na cidade, expressões de castigo e símbolos de irrisão.

5. Vinte anos de uma tal existência, e a legenda está feita. Quarenta, e não há mudá-la. O sentimento de que a doida carregava uma culpa, que sua própria doidice era uma falta grave, uma coisa aberrante, instalou-se no espírito das crianças. E assim, gerações sucessivas de moleques passavam pela porta, fixavam cuidadosamente a vidraça e lascavam uma pedra. A princípio, como justa penalidade. Depois, por prazer. Finalmente, e já havia muito tempo, por hábito. Como a doida respondesse sempre furiosa, criara-se na mente infantil a ideia de um equilíbrio por compensação, que afogava o remorso.

6. Em vão os pais censuravam tal procedimento. Quando meninos, os pais daqueles três tinham feito o mesmo, com relação à mesma doida, ou a outras. Pessoas sensíveis lamentavam o fato, sugeriam que se desse um jeito para internar a doida. Mas como? O hospício era longe, os parentes não se interessavam. E daí – explicava-se ao forasteiro que porventura estranhasse a situação – toda cidade tem seus doidos; quase que toda família os tem. Quando se tornam ferozes, são trancados no sótão; fora disto, circulam pacificamente pelas ruas, se querem fazê-lo, ou não, se preferem ficar em casa. E doido é quem Deus quis que ficasse doido... Respeitemos sua vontade. Não há remédio para loucura; nunca nenhum doido se curou, que a cidade soubesse; e a cidade sabe bastante, ao passo que livros mentem.

7. Os três verificaram que quase não dava mais gosto apedrejar a casa. As vidraças partidas não se recompunham mais. A pedra batia no caixilho ou ia aninhar-se lá dentro, para voltar com palavras iradas. Ainda haveria louça por destruir, espelho, vaso intato? Em todo caso, o mais velho comandou, e os outros obedeceram na forma do sagrado costume. Pegaram calhaus lisos, de ferro, tomaram posição. Cada um jogaria por sua vez, com intervalos para observar o resultado. O chefe reservou-se um objetivo ambicioso: a chaminé.

8. O projétil bateu no canudo de folha-de-flandres enegrecido – blem – e veio espatifar uma telha, com estrondo. Um bem-te-vi assustado fugiu da mangueira próxima. A doida, porém, parecia não ter percebido a agressão, a casa não reagia. Então o do meio vibrou um golpe na primeira janela. Bam! Tinha atingido uma lata, e a onda de som propagou-se lá dentro; o menino sentiu-se recompensado. Esperaram um pouco, para ouvir os gritos. As paredes descascadas, sob as trepadeiras e a hera da grade, as janelas abertas e vazias, o jardim de cravo e mato, era tudo a mesma paz.

9. Aí o terceiro do grupo, em seus 11 anos, sentiu-se cheio de coragem e resolveu invadir o jardim. Não só podia atirar mais de perto na outra janela, como até, praticar outras e maiores façanhas. Os companheiros, desapontados com a falta do espetáculo cotidiano, não, queriam segui-lo. E o chefe, fazendo valer sua autoridade, tinha pressa em chegar ao campo.

10. O garoto empurrou o portão: abriu-se. Então, não vivia trancado?...E ninguém ainda fizera a experiência. Era o primeiro a penetrar no jardim, e pisava firme, posto que cauteloso. Os amigos chamavam-no, impacientes. Mas entrar em terreno proibido é tão excitante que o apelo perdia toda a significação. Pisar um chão pela primeira vez; e chão inimigo. Curioso como o jardim se parecia com qualquer um; apenas era mais selvagem, e o melão-de-são-caetano se enredava entre as violetas, as roseiras pediam poda, o canteiro de cravinas afogava-se em erva. Lá estava, quentando sol, a mesma lagartixa de todos os jardins, cabecinha móbil e suspicaz. O menino pensou primeiro em matar a lagartixa e depois em atacar a janela. Chegou perto do animal, que correu. Na perseguição, foi parar rente do chalé, junto à cancelinha azul (tinha sido azul) que fechava a varanda da frente. Era um ponto que não se via da rua, coberto como estava pela massa de folhagem. A cancela apodrecera, o soalho da varanda tinha buracos, a parede, outrora pintada de rosa e azul, abria-se em reboco, e no chão uma farinha de caliça denunciava o estrago das pedras, que a louca desistira de reparar.

11. A lagartixa salvara-se, metida em recantos só dela sabidos, e o garoto galgou os dois degraus, empurrou cancela, entrou. Tinha a pedra na mão, mas já não era necessária; jogou-a fora. Tudo tão fácil, que até ia perdendo o senso da precaução. Recuou um pouco e olhou para a rua: os companheiros tinham sumido. Ou estavam mesmo com muita pressa, ou queriam ver até aonde iria a coragem dele, sozinho em casa da doida. Tomar café com a doida. Jantar em casa da doida. Mas onde estaria a doida?   

12. A princípio não distinguiu bem, debruçado à janela, a matéria confusa do interior. Os olhos estavam cheios de claridade, mas afinal se acomodaram, e viu a sala, completamente vazia e esburacada, com um corredorzinho no fundo, e no fundo do corredorzinho uma caçarola no chão, e a pedra que o companheiro jogara.

13. Passou a outra janela e viu o mesmo abandono, a mesma nudez. Mas aquele quarto dava para outro cômodo, com a porta cerrada. Atrás da porta devia pois estar a doida, que inexplicavelmente não se mexia, para enfrentar o inimigo. E o menino saltou o peitoril, pisou indagador no soalho gretado, que cedia.

14. A porta dos fundos cedeu igualmente à pressão leve, entreabrindo-se numa faixa estreita que mal dava passagem a um corpo magro.

15. No outro cômodo a penumbra era mais espessa e parecia muito povoada. Difícil identificar imediatamente as formas que ali se acumulavam. O tato descobriu uma coisa redonda e lisa, a curva de uma cantoneira. O fio de luz coado do jardim acusou a presença de vidros e espelhos. Seguramente cadeiras. Sobre uma mesa grande pairavam um amplo guarda-comida, uma mesinha de toalete mais algumas cadeiras empilhadas, um abajur de renda e várias caixas de papelão. Encostado à mesa, um piano também soterrado sob a pilha de embrulhos e caixas. Seguia-se um guarda-roupa de proporções majestosas, tendo ao alto dois quadros virados para a parede, um baú e mais pacotes. Junto à única janela, olhando para o morro, e tapando pela metade a cortina que a obscurecia, outro armário. Os móveis enganchavam-se uns nos outros, subiam ao teto. A casa tinha se espremido ali, fugindo à perseguição de 40 anos.

16. O menino foi abrindo caminho entre pernas e braços de móveis, contorna aqui, esbarra mais adiante. O quarto era pequeno e cabia tanta coisa.

17. Atrás da massa do piano, encurralada a um canto, estava a cama. E nela, busto soerguido, a doida esticava o rosto para a frente, na investigação do rumor insólito.

18. Não adiantava ao menino querer fugir ou esconder-se. E ele estava determinado a conhecer tudo daquela casa. De resto, a doida não deu nenhum sinal de guerra. Apenas levantou as mãos à altura dos olhos, como para protegê-los de uma pedrada.

19. Ele encarava-a, com interesse. Era simplesmente uma velha, jogada num catre preto de solteiro, atrás de uma barricada de móveis. E que pequenininha! O corpo sob a coberta formava uma elevação minúscula. Miúda, escura, desse sujo que o tempo deposita na pele, manchando-a. E parecia ter medo.

20. Mas os dedos desceram um pouco, e os pequenos olhos amarelados encararam por sua vez o intruso com atenção voraz, desceram às suas mãos vazias, tornaram a subir ao rosto infantil.

21. A criança sorriu, de desaponto, sem saber o que fizesse.

22. Então a doida ergueu-se um pouco mais, firmando-se nos cotovelos. A boca remexeu, deixou passar um som vago e tímido. 23. Como a criança não se movesse, o som indistinto se esboçou outra vez.

24. Ele teve a impressão de que não era xingamento, parecia antes um chamado. Sentiu-se atraído para a doida, e todo desejo de maltratá-la se dissipou. Era um apelo, sim, e os dedos, movendo-se canhestramente, o confirmaram.

25. O menino aproximou-se, e o mesmo jeito da boca insistia em soltar a mesma palavra curta, que entretanto não tomava forma. Ou seria um bater automático de queixo, produzindo um som sem qualquer significação?

26. Talvez pedisse água. A moringa estava no criado - mudo, entre vidros e papéis. Ele encheu o copo pela metade, estendeu-o. A doida parecia aprovar com a cabeça, e suas mãos queriam segurar sozinhas, mas foi preciso que o menino a ajudasse a beber. 27. Fazia tudo naturalmente, e nem se lembrava mais por que entrara ali, nem conservava qualquer espécie de aversão pela doida. A própria ideia de doida desaparecera. Havia no quarto uma velha com sede, e que talvez estivesse morrendo.

28. Nunca vira ninguém morrer, os pais o afastavam se havia em casa um agonizante. Mas deve ser assim que as pessoas morrem.

29. Um sentimento de responsabilidade apoderou-se dele. Desajeitadamente, procurou fazer com que a cabeça repousasse sobre o travesseiro. Os músculos rígidos da mulher não o ajudavam. Teve que abraçar-lhe os ombros – com repugnância – e conseguiu, afinal, deitá-la em posição suave.

30. Mas a boca deixava passar ainda o mesmo ruído obscuro, que fazia crescer as veias do pescoço, inutilmente. Água não podia ser, talvez remédio...

31. Passou-lhe um a um, diante dos olhos, os frasquinhos do criado-mudo. Sem receber qualquer sinal de aquiescência. Ficou perplexo, irresoluto. Seria caso talvez de chamar alguém, avisar o farmacêutico mais próximo, ou ir à procura do médico, que morava longe. Mas hesitava em deixar a mulher sozinha na casa aberta e exposta a pedradas. E tinha medo de que ela morresse em completo abandono, como ninguém no mundo deve morrer, e isso ele sabia  não apenas porque sua mãe o repetisse sempre, senão também porque muitas vezes, acordando no escuro, ficara gelado por não sentir o calor do corpo do irmão e seu bafo protetor.

32. Foi tropeçando nos móveis, arrastou com esforço o pesado armário da janela, desembaraçou a cortina, e a luz invadiu o depósito onde a mulher morria. Com o ar fino veio uma decisão. Não deixaria a mulher para chamar ninguém. Sabia que não poderia fazer nada para ajudá-la, a não ser sentar-se à beira da cama, pegar-lhe nas mãos e esperar o que ia acontecer.

(ANDRADE, C. D. Seleta em prosa e verso. Rio de Janeiro: Record, 1995)

Professor: terminada a leitura silenciosa, faça perguntas orais para verificar a compreensão geral.   

a) Qual é a temática do conto que vocês acabaram de ler?

b) Conhecem ou sabem de alguma história de pessoas que vivem excluídas da sociedade?

c) Quais são os personagens principais desse conto?

d) A quem o título do conto faz alusão?

e) Segundo os moradores da cidade, por que a mulher teria ficado louca?

f) Há no conto uma passagem (2º parágrafo) segundo a qual as mães diziam: “Dos doidos devemos ter piedade, porque eles não gozam dos benefícios com que nós, os sãos, fomos aquinhoados.” Havia realmente esse sentimento de piedade em relação à doida? Como a família e a comunidade em geral a tratavam?

g) No começo do conto, o garoto que adentra a casa, nomeado como ‘o chefe’ (9º parágrafo) se comporta como um antagonista. Porém, o que ocorre quando ele se vê diante da doida?

Aulas 3 e 4   

Professor: retome o texto para efetuar uma leitura colaborativa,  visando a promover uma conversa sobre aspectos relevantes do texto.

“Sabe-se, pelas pesquisas recentes, que é durante a interação que o leitor mais inexperiente compreende o texto [...] Muitos aspectos que o aluno sequer percebeu ficam salientes nessa conversa, muitos pontos que ficaram obscuros são iluminados na construção conjunta da compreensão.”

                         (KLEIMAN. A.  Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas: Pontes, 2000)

A leitura poderá ser feita por alunos, porém faça interrupções, chamando a atenção  para as escolhas lexicais feitas pelo autor para caracterizar a personagem ‘a doida’, o espaço externo, o espaço interno, e para  narrar ações.

Faça os alunos perceberem que essas escolhas ora geram um clima de guerra, ora propiciam um sentimento de abandono, opressão.    

Diga a eles que vocês farão uma interrupção no 5º e 11º parágrafos, para, em conjunto, anotar esses elementos num quadro (como no modelo abaixo).

Descrição da ‘doida’

Descrição do espaço externo

Narração de ações

...isolada e agreste no seu jardim (2º par.)

...mãos magras ameaçando. Os cabelos brancos e desgrenhados. E a boca inflamada, soltando xingamentos, pragas... (3º par.)

[..] loucura e idade, juntas, lhe lavravam o corpo Repudiada por todos, [...] acabou perdendo o juízo. (4º par.)

[...] habitava um chalé no centro do jardim maltratado; chão abandonado; rua cheia de capim, pedras soltas (1º par.)

[...] vidraças partidas não se recompunham mais (7º par.)   

[...] paredes descascadas, sob as trepadeiras (8º par.)

A cancela apodrecera, o soalho da varanda tinha buracos, a parede [...] abria-se em reboco,  e no chão [...] o estrago das pedras [...] (10 par.)  

...sentiam-se inclinados a lapidar a doida (2ª par.)

...gerações sucessivas de moleques passavam pela porta, fixavam cuidadosamente a vidraça e lascavam uma pedra. ...como a doida respondesse sempre furiosa (5º par.) 

[...]o mais velho comandou, e os outros obedeceram[...] tomaram posição [...] o chefe reservou-se um objetivo ambicioso [...](7º par.)

O projétil bateu [...] (8º par.)

O terceiro do grupo sentiu-se cheio de coragem e resolveu invadir o jardim [...]podia atirar mais de perto [...] como até, praticar outras e maiores façanhas. [...] E o chefe fazendo valer sua autoridade tinha pressa em chegar ao campo. (9º par.)

[...] entrar em terreno proibido é tão excitante [...] Pisar num chão pela primeira vez ; e chão inimigo. (10º par.)

A partir do 12º parágrafo, peça aos alunos que apenas ressaltem, oralmente, os elementos que caracterizam o espaço interno e que dão um clima de guerra ou sensação de abandono e opressão.     

Finalizada a leitura, apresente aos alunos o conceito de campo semântico.

Campo semântico   

É o agrupamento de palavras com traços comuns na significação. Segundo Francisco da Silva Borba, o campo semântico é “o conjunto das significações correlatas em que se associam as palavras.   

Há campos semânticos elementares, como, por exemplo, os que designam as partes do corpo humano (cabeça, braços, pernas, mãos, olhos, boca), ou os termos de parentesco (pai, mãe, filho, tio, avô, primo).   

Existem outros campos semânticos mais elaborados, como, por exemplo, aqueles em que se destaca o emprego das palavras em sentido conotativo, como costuma ocorrer na linguagem literária.   

A estruturação de campos semânticos depende bastante da influência do contexto na significação das palavras. Exemplo: no poema de Castro Alves, “Quando eu morrer”, as palavras “viajante” e “hotel” são incluídas no campo semântico de morte por influência do contexto.                                                                      

                                      (VALENTE, A. A linguagem nossa de cada dia. Petrópolis: Vozes, 1998.)

Professor: objetivando explicar melhor o conceito acima, construa junto com os alunos, por escrito, as respostas da atividade abaixo.   

Atividade   

Examine a descrição da personagem, denominada ‘a doida’, e a descrição do espaço externo anotadas no quadro preenchido anteriormente.   

a) Por essas descrições é possível correlacionar palavras segundo suas significações? (Resp. sim. Na descrição da personagem podemos selecionar: isolada, agreste, magra (mãos magras), desgrenhados (cabelos brancos e desgrenhados; inflamada (boca inflamada), loucura, lavrar (o corpo); repudiada; sem juízo. Na descrição do espaço, temos: maltratado (jardim); abandonado (chão); soltas (pedras), partidas (vidraças), descascadas (paredes), apodrecera (cancela), buracos (soalho), estrago (das pedras no chão).   

b) Que impressão essa seleção de palavras evoca no leitor? (Resp.: evoca a sensação de abandono).   

c) É possível estabelecer uma relação entre essa seleção de palavras (campo semântico) e o tema do conto  (exclusão social)?     

Professor: a atividade abaixo promove uma reflexão sobre outros campos semânticos, o de “guerra” e o de "mobiliário". Também procura investigar a compreensão de uma metáfora e uma metonímia.

Atividade (para ser feita em grupo e por escrito, em folha à parte. Deverá ser entregue para correção.)  

a) Crie um campo semântico de guerra. Para tanto, examine novamente o quadro elaborado em sala, contendo a narração de ações.

(Resp.: lapidar (a doida), lascavam (uma pedra),  furiosa, (o mais velho) comandou, (os outros) obedeceram, tomaram posição, o chefe, objetivo ambicioso, projétil, coragem, invadir (o jardim), atirar, façanhas, autoridade, campo, terreno proibido, chão inimigo.)

b) Que efeitos essas palavras provocam no leitor? (Resp.: essas palavras criam uma expectativa e provocam uma indignação, mesmo a doida revidando. Afinal, ela vive sozinha e isolada, é repudiada por todos. Não conta com a solidariedade de ninguém.)   

c) Os meninos tratam a doida como uma inimiga. E como tal, deve ser atacada. Que tratamento deve merecer uma pessoa  portadora de transtorno mental?   

d) Releia os parágrafos 15 a 19. Nesse fragmento também podemos perceber uma lista de palavras que compõe um campo semântico de mobiliário (cantoneira, cadeiras, mesa grande, guarda-comida, mesinha de toalete, abajur, piano, quadros, armário, cama).

Marque a opção INCORRETA.

(   ) A mobília faz parte da descrição do espaço interno, cujo objetivo é servir de instrumento ao desenvolvimento da ação.

(   ) A mobília se encontra amontoada, como se estivesse em um depósito. Associada à quase escuridão do ambiente, tem-se a sensação de opressão.

(   ) Esse campo semântico em si não gera expectativa no leitor, nem mesmo suspense; é possível perceber que tudo acabará bem.

(   ) A mobília (e outros objetos de decoração) forma uma barricada, com a qual a doida pretende se defender.  Assim, esse campo semântico separa oponentes de guerra: de um lado os meninos e, de outro, a doida.   

e) Explique a intenção do autor quando diz “a casa não reagia” no fragmento abaixo:

                        "A doida, porém, parecia não ter percebido a agressão, a casa não reagia."

Resp.: trata-se de um caso de metonímia; na verdade quem não reagia era a doida.   

f) Pode-se dizer que o mesmo processo figurativo (metonímia) foi usado em

                        “A casa tinha se espremido ali, fugindo à perseguição de 40 anos”?   

g) Considerando o significado abaixo da expressão lavrar, explique o sentido metafórico da mesma expressão em :  

                        “[...] loucura e idade, juntas, lhe lavravam o corpo.”   

Lavrar: sulcar (a terra) com arado ou charrua; arar.

Professor: recolhidas as atividades, conduza os alunos ao Laboratório de Informática e acesse o vídeo abaixo.

http://www.youtube.com/watch?v=p9cuaVA7wzw   

Recursos Complementares

Excelente vídeo sobre a reforma psiquiátrica

http://www.youtube.com/watch?v=lZC6IsEdxmk&feature=related 

Avaliação

As histórias são grandes instrumentos de divulgação de idéias, de formação de mentalidades e modelos de comportamento social, ético, político, etc. Assim, responda:

a) Podemos considerar que um dos objetivos do conto A doida foi proporcionar uma reflexão sobre os modos de agir da sociedade diante dos excluídos?

b) Uma das peculiaridades formais com que a matéria literária lida é a exemplaridade: por meio de exemplos, transmitem-se valores culturais. Que exemplo(s) podemos tirar desse conto?

c) Elabore um pequeno texto, evidenciando, no desfecho dessa história, os  índices que nos levam a perceber a mudança de comportamento do garoto em relação à doida.  

Opinião de quem acessou

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Opiniões

  • Fabiana dos Santos Lima, ALDACI BARBOSA DRA EEFM , Ceará - disse:
    flimasantos@gmail.com

    19/03/2011

    Cinco estrelas

    A aul é escelente e tem um alto nivel de criticidade que analisa se o aluno do Ensino Médio possui ou não proficiencia leitora


Sem classificação.
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