25/01/2011
Maria Cristina Weitzel Tavela
Modalidade / Nível de Ensino | Componente Curricular | Tema |
---|---|---|
Ensino Médio | Língua Portuguesa | Relações sociopragmáticas e discursivas |
Os objetivos dessa aula são discutir o conceito de referenciação dêitica e analisar em que medida uma interpretação equivocada de expressões referenciais é responsável pela geração de mal-entendidos.
Aulas elaboradas para alunos do 1° ano do ensino médio, que conheçam o conceito de coesão referencial e que saibam identificar os referentes de expressões referenciais.
Aulas 1 e 2
Professor: consulte a aula A recuperação anafórica e a interpretação dêitica na produção de sentidos e decida sobre a conveniência de sua aplicação, na totalidade ou em parte, antes dessa aula.
Iniciando esta aula, conduza seus alunos ao laboratório de informática. Projete as imagens abaixo e faça as perguntas associadas.
Imagem 1 (Campanha dos Correios - II Concurso de Arte em Selo)
Pergunte:
a) Qual é o propósito dessa campanha? (Resp.: divulgar um concurso.)
b) O que nos sugere o 1º parágrafo do texto? Artistas fazem sucesso de imediato? (Resp.:O cartaz sugere que o sucesso não ocorre de imediato e que muitos artistas fizeram a divulgação de seus trabalhos, batendo nas portas das pessoas.)
c) De acordo com o 2º parágrafo, quem passaria a fazer a divulgação das obras de arte? De que forma? Há alguma diferença?(Resp.: quem fará a divulgação será o carteiro, também batendo nas portas. Porém ele não vai levar as obras propriamente; elas serão divulgadas por meio dos selos.)
d) Assim, qual é o referente da expressão referencial isso? (Resp.: nesse caso, a forma verbal fazer, acompanhada do pronome demonstrativo isso, remete a grande parte do discurso anterior, ou seja, mostrar os trabalhos de porta em porta.)
e) E a expressão referencial você, a quem se refere? (Resp.: mais especificamente àquelas pessoas interessadas em participar do concurso, ou seja, os artistas.)
f) Finalmente, foi possível explicitar todos os referentes de expressões referenciais apenas recorrendo ao próprio texto? (Resp.: sim, a coesão referencial ocorreu por retomada de elementos no próprio texto, por anáfora.)
Imagem 2 (Tirinha / Laerte )
1º quadrinho: Por onde começar?
2º quadrinho: Claro! Por aquela pessoa que me trouxe à vida! Que não mediu sacrifícios pra que eu nascesse no amor e no carinho! Sim!
3º quadrinho: Aquela pessoa sem a qual eu simplesmente não existiria!
4º quadrinho: O doutor Esmeraldo e sua equipe maravilhosa!! Parabéns, doutor!
Pergunte:
a) Qual é a intenção da personagem?
b) Os três primeiros quadrinhos geram uma expectativa no leitor? Qual é ela? (Resp.: que ele vai homenagear a sua mãe.)
c) Que recurso linguístico o autor usou para gerar essa expectativa? (Usou a expressão referencial "aquela pessoa", formada por um demonstrativo (aquela), seguido por um nome genérico (pessoa). Note que "pessoa" pode se referir tanto a um homem quanto a uma mulher. Até o 3º quadrinho, a expressão "aquela pessoa" está esvaziada de sentido, pois não possui um referente anterior.)
d) O que gerou o humor nessa tirinha? (Resp.: a quebra da expectativa no 4º quadrinho, quando é atribuído um referente à expressão "aquela pessoa". Trata-se do médico e sua equipe e não da mãe do personagem.)
e) O próprio texto forneceu as pistas para a compreensão da expressão? (Resp.: sim, porém dessa vez, a referência ocorreu por catáfora.)
Imagem 3 (Propaganda SEDEX/Correios. Ícaro Brasil)
Pergunte:
a) Na mensagem inicial dessa propaganda, bem no alto, à esquerda, existem duas expressões referenciais. Quais são elas? (resp.: "a gente" e "seu")
b) A quem elas se referem? (Resp.: "a gente" diz respeito ao pessoal dos Correios, mais especificamente àqueles que trabalham no SEDEX; e "seu" refere-se às pessoas que estão lendo a propaganda num dado momento: usuários de fato ou em potencial dos serviços de SEDEX.)
c) Como o leitor estabelece a referência de "a gente"? (Resp.: para que isso ocorra, é necessário que o leitor relacione "a gente" com a plaquinha de SEDEX, com o slogan: mandou, chegou. E também com a logomarca dos Correios. Essas inferências dependem de seu conhecimento de mundo: saber que os Correios disponibilizam o SEDEX, que é um serviço de entrega rápida.)
d) E quanto à referência de "seu"? (Resp.: essa referência é não textual ou situacional; ela se faz a cada momento que a propaganda é lida, e diz respeito a quem a estiver lendo naquele instante.)
Na sequência, peça que os alunos entrem no site abaixo, para assistirem ao comercial das sandálias havaianas.
http://www.youtube.com/watch?v=i4h-euoyS54
Professor: solicite a participação espontânea dos alunos na interpretação da propaganda. Porém, se for necessário, acrescente questões. Por exemplo:
a) O que proporcionou o humor? (Um aviso, que gerou um mal- entendido.)
b) Como o agente publicitário promoveu essa situação? (Ele usou duplamente o recurso da ambiguidade: primeiro, com o termo 'havaiana' e, segundo, com um aviso que poderia estar sendo direcionado a interlocutores distintos.)
- Quem deu o aviso? O que ele disse ? (Resp.: o segurança. Ele disse: Quem está de havaiana não poderá entrar.)
- O que aconteceu na sequência? (Resp.: os primeiros da fila, por estarem de havaianas (sandálias), entenderam que o aviso era pra eles.)
- A quem de fato era direcionado o aviso? (Resp.: a um rapaz que estava de havaiana (fantasia).)
c) Como podemos explicar esse mal- entendido do ponto de vista discursivo? (Resp.: Do ponto de vista discursivo, a interpretação tanto do termo 'havaianas' quanto do aviso só foi possível quando se levou em conta o contexto situacional. Tem-se, portanto, um caso de dêixis - referência de expressões ancoradas na situação. O agente de publicidade criou o mal- entendido, amparado na ambiguidade, utilizando o bom humor como uma das estratégias de persuasão nessa propaganda.)
Professor: dando continuidade, converse com seus alunos sobre situações ambíguas que geram mal- entendidos. Quantas vezes não chegamos em meio a uma conversa, entramos nela pensando em se tratar de um dado assunto e mais tarde, quando se vê, não era nada daquilo... Uma ambiguidade tópica (aquelas conversas em que pensamos estar falando sobre o mesmo assunto que o nosso interlocutor, quando, na verdade falamos de coisas diferentes) cria mal- entendidos, podendo desencadear tanto o bom humor quanto os desentendimentos. Se você tiver algum caso para ilustrar, conte aos alunos. Pergunte se alguém já passou por isso.
Terminada a conversa, passe à exibição de outro vídeo, que faz parte da campanha NÃO JULGUE APRESSADAMENTE.
Como as falas estão em inglês, faça a seguinte contextualização: dois médicos estão avaliando um paciente sedado. Um mosquito começa a voar, incomodando-os. Um deles pega o desfibrilador (aparelho elétrico usado pelos médicos em casos de parada cardíaca) e mata o inseto. Enquanto isso, a mãe e a filha do paciente sobem de elevador para uma visita. Descem no andar, deparam-se com a cena. O médico com o desfibrilador diz: "ele está morto".
http://www.youtube.com/watch?v=LYeop9tKvII
Ao fim da exibição, após os comentários, solicite que os alunos respondam por escrito às questões abaixo, em dupla. Recolha para correção.
a) Considerando a expressão facial de mãe e filha diante do enunciado "ele está morto", o que elas inferiram?
b) Que pistas discursivas elas consideraram para produzir essa inferência? (Resp.: elas atribuíram à expressão "ele" o sentido de "o paciente".)
c) O que, de fato, havia acontecido? (Resp.: quando o médico disse "ele", referia-se ao mosquito.)
d) A que conclusão podemos chegar? (Resp.: que a referência da expressão "ele" se deu contextualmente e acabou produzindo um mal- entendido.)
e) Que tipo de comportamento a campanha pretende que tenhamos diante de situações assim?
Aulas 3 e 4
Nessas duas aulas, os alunos realizarão trabalhos de leitura e escrita. Divida a turma em grupos de 3 alunos. Entregue cópias xerocadas das atividades abaixo.
Atividade 1
Leia o texto abaixo e, em seguida, responda às questões propostas.
O defunto vivo
Em alguns arraiais do interior mineiro, quando morria alguém, costumavam buscar o caixão na cidade vizinha, de caminhão. Certa feita, vinha pela estrada um caminhão com sua lúgubre encomenda, quando alguém fez sinal, pedindo carona. O motorista parou.
- Se você não se incomodar de ir na carroceria, junto ao caixão, pode subir.
O homem disse que não tinha importância, que estava com pressa. Agradeceu e subiu. E a viagem prosseguiu.
Nisto, começa a chover. O homem, não tendo onde se esconder da chuva, vendo o caixão vazio, achou melhor deitar-se dentro dele, fechando a tampa, para melhor abrigar-se. Com o balanço da viagem, logo pegou no sono.
Mais na frente, outra pessoa pediu carona. O motorista falou:
- Se você não se importa de viajar com o outro que está lá em cima, pode subir.
O segundo homem subiu no caminhão. Embora achasse desagradável viajar com um defunto num caixão, era melhor que ir a pé para o povoado.
De tempos em tempos, novos caronas subiam na carroceria, sentavam-se respeitosos em silêncio, em volta do caixão, enquanto seguiam viagem.
Avizinhando-se o arraial, ao passar num buraco da estrada, um tremendo solavanco sacode o caixão e desperta o dorminhoco que se escondera da chuva dentro dele.
Levantando devagarinho a tampa do caixão e pondo a palma da mão para fora, fala em voz alta:
- Será que já passou a chuva?
Foi um corre-corre dos diabos. Não ficou um em cima do caminhão. Dizem que tem gente correndo até hoje.
(Weitzel, Antônio Henrique. Folclore literário e linguístico. Juiz de Fora, MG. EDUFJF, 1995)
Responda:
a) A expressão ‘alguém’ aparece no primeiro e no segundo parágrafos. A quem elas se referem? Trata-se do mesmo referente? (Resp.: não; alguém - no 1º parágrafo - se refere a qualquer carona; alguém - no 2º parágrafo – é um carona específico.)
b) ‘Alguém’ (2º parágrafo) e ‘o homem’ (4º parágrafo) são a mesma pessoa? (Resp.: sim)
c) Explique a ambiguidade da expressão "o outro" em “Se você não se importa de viajar com o outro que está lá em cima, pode subir”, considerando a referência atribuída pelo motorista e pelo segundo carona.
(Resp.: a expressão ficou ambígua, pois ‘o outro’ na fala do motorista do caminhão tem um referente no próprio texto: ‘o homem’ (que pediu carona anteriormente). Aqui há uma recuperação anafórica. As demais pessoas que subiram no caminhão entenderam ‘o outro’ como sendo um ‘defunto’; uma expressão dêitica, cuja interpretação se deu de acordo com o contexto situacional.)
d) Explique o humor do texto.
Atividade 2
Leia o texto e responda às questões em seguida.
O PODER DE UM TELEFONEMA
O cara liga pra casa numa tarde para saber o que a esposa vai fazer para o jantar.
- Alô? - diz uma vozinha de criança.
- Oi, querida, é o papai. Mamãe está perto do telefone?
- Não, papai. Ela está lá em cima no quarto com o tio Chico.
Após alguns segundos, o cara diz:
- Mas querida, você não tem um tio chamado Chico!!!
- Sim, eu tenho! E ele está lá em cima no quarto com a mamãe.
- Tá bom, então quero que você faça o seguinte: suba correndo as escadas, bata na porta do quarto e grite para a mamãe e para o tio Chico que meu carro acabou de parar na frente de casa.
- Tá legal, papai. Alguns minutos depois, volta a menina:
- Eu fiz o que você disse, papai.
- E o que aconteceu?
- Bem, a mamãe pulou da cama pelada e começou a correr pelo quarto gritando, tropeçou no tapete e caiu pela janela da frente, e agora ela está morta...
- Oh, meu Deus!!! E o tio Chico?
- Ele pulou da cama pelado também, estava muito assustado, e pulou pela janela do fundo para dentro da piscina, mas ele deve ter esquecido que você esvaziou a piscina na semana passada para limpar, daí ele bateu a cabeça no fundo dela, e agora está lá, morto também...
Uma longa pausa e o cara diz:
- Piscina??? Por acaso o telefone dai é 3555-0739???
- Não!
- Desculpe, foi engano!!!
Questões:
a) No texto acima, as expressões papai, mamãe e querida foram interpretadas equivocadamente, gerando um enorme mal- entendido. Tudo aconteceu a partir de uma conversa telefônica entre um homem e uma criança. Explique quais são os referentes dessas expressões, considerando a fala da criança e a fala do homem.
b) Marque a opção correta.
O equívoco gerado no texto acima pode ser analisado:
( ) sob a ótica da dêixis: fenômeno que ancora a produção linguística dos falantes aos contextos situacionais.
( ) na perspectiva da anáfora, já que os referentes poderiam ser recuperados durante a conversa entre o “pai” e a “filha”.
Sobre Anáfora e Dêixis, leia:
ILARI, R. Introdução à Semântica: brincando com a gramática. São Paulo: Contexto, 2001.
GOUVEIA, Carlos A. M. Pragmática In: FARIA, I. H. et alii (Org.) Introdução à linguística geral e portuguesa. Lisboa: Caminho.
Leia o texto abaixo, de Luís Fernando Veríssimo.
Conto erótico nº 1
-Assim ?
-É. Assim.
-Mais depressa ?
-Não. Assim está bem. Um pouco mais para...
-Assim ?
-Não, espere.
-Você disse que...
-Para o lado. Para o lado!
-Querido...
-Estava bem mas você...
-Eu sei. Vamos recomeçar. Diga quando estiver bem.
-Estava perfeito e você...
-Desculpe.
-Você se descontrolou e perdeu o...
-Eu já pedi desculpa !
-Está bem. Vamos tentar outra vez. Agora.
-Assim ?
-Um pouco mais pra cima.
-Aqui ?
-Quase. Está quase !
-Me diga como você quer. Oh, querido...
-Um pouco mais para baixo.
-Sim.
-Agora para o lado. Rápido !
-Amor, eu...
-Para cima ! Um pouquinho...
-Assim ?
-Ai ! Ai !
-Está bom ?
-Sim. Oh, sim. Oh yes, sim.
-Pronto.
-Não ! Continue.
-Puxa, mas você...
-Olha aí. Agora você...
-Deixa ver...
-Não, não. Mais para cima.
-Aqui ?
-Mais. Agora para o lado.
-Assim ?
-Para a esquerda. O lado esquerdo !
-Aqui ?
-Isso ! Agora coça.
(O rei do rock. Porto Alegre: RBS/Globo, 1978)
Atividade
No texto acima, Veríssimo opera com dois contextos situacionais diferentes. Cada um desses contextos leva a uma determinada produção de sentido. Responda:
a) Durante quase toda a leitura somos orientados para a construção de uma determinado cenário no qual dois personagens vivem uma situação. Qual é ela? Ilustre sua resposta com "pistas" fornecidas pelo texto.
b) No final do texto, outro cenário emerge nos direcionando a outra interpretação. Em que momento do texto isso ocorre? Qual era a real situação vivenciada pelos personagens?
c) Que efeito essa leitura produz no leitor?
Quatro estrelas 4 classificações
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01/11/2014
Quatro estrelasmuito bbom ótima elaboração
26/07/2013
Três estrelasGostei muito dos exemplos dados (deixidade estratégica na produção de sentidos/ humor, caso de referentes, uso da ambiguidade e recuperação anafórica) e vou aproveitá-los em minha prática com os meus "anjinhos do Ensino Médio" Uai...Preciso de ajuda para o ensino de gramática, sou ainda bem tradicional e essa "galera" parece não querer nada...Ufa!
24/06/2011
Quatro estrelasAula muito interessante. Os textos escolhidos para ilustrar o conteudo são muito pertinentes.
30/01/2011
Cinco estrelasO conteudo escolhido para aula eh muito bom e importante para trabalhar a capacidade de interpretacao e producao de textos dos alunos;os recursos utilizados(textos, internet) sao atuais e interessantes!Apesar de ser suspeita para falar, a nota eh 10!