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Relativização: as orações relativas sob a ótica linguística

 

19/01/2011

Autor e Coautor(es)
Marilene de Mattos Salles
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JUIZ DE FORA - MG Universidade Federal de Juiz de Fora

Maria Cristina Weitzel Tavela

Estrutura Curricular
Modalidade / Nível de Ensino Componente Curricular Tema
Ensino Médio Língua Portuguesa Recursos linguísticos em uso: fonológicos, morfológicos, sintáticos e lexicais
Dados da Aula
O que o aluno poderá aprender com esta aula

O aluno terá a oportunidade de aprofundar seu conhecimento acerca das orações relativas, verificando que, além da estratégia padrão, preconizada pela gramática tradicional, há outras estratégias de relativização igualmente válidas, largamente utilizadas pelos falantes.        

Duração das atividades
4 a 5 horas/aula
Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor com o aluno

Aulas elaboradas para alunos do 2° ano do ensino médio com noções de regência verbal e que saibam identificar pronomes relativos e orações relativas.   

Estratégias e recursos da aula

Aulas 1 e 2

Professor: visando a rememorar algumas noções, faça, inicialmente, uma breve reflexão sobre regência verbal. Não se trata de pedir aos alunos que decorem quadros de verbos que regem preposição e sim de fazê-los perceber:

- que a gramática tradicional (GT) possui regras fixas que nos são exigidas em determinadas situações de interação

- e que, ao longo do tempo, a língua vai passando por mudanças propiciadas pelos próprios usuários. Embora condenadas pela GT, os falantes se utilizam delas, largamente, em situações de informalidade.

Coloque no quadro os exemplos:   

1a) O filme a que assisti, ontem, foi ótimo.

1b) O filme que assisti, ontem, foi ótimo.   

2a) Sentou à mesa para jantar.

2b) Sentou na mesa para jantar.   

3a) Cheguei à estação às quatro da tarde.

3b) Cheguei na estação às quatro da tarde.   

4a) Esse é o técnico que todo mundo confia.

4b) Esse é o técnico em que todo mundo confia.

Pergunte: qual é a forma exigida pela GT? Qual é a que nós falantes mais utilizamos?     

Informe aos alunos que as construções supostamente “erradas” são típicas do português do Brasil. Reforce sua fala com alguns exemplos:   

“os moleques [...] ficaram na porta impacientes [...] (Aníbal Machado. O piano. In: A morte da porta estandarte e outras histórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1965.)   

“existiam outras pessoas na mesa mas eu não tinha coragem de olhá-las.” (Rubem Fonseca. A coleira do cão. São Paulo: Círculo do Livro.)   

Na sequência, distribua cópias xerocadas da atividade abaixo, enfocando as regras da gramática normativa. A atividade será feita com a sua ajuda.   

Atividade   

Entre as frases abaixo, quais atendem às prescrições normativas?   

a) O diretor não quis atender os acionistas.

b) O diretor não quis atender aos acionistas.

c) A empresa não atendeu às solicitações da classe trabalhista.

d) A empresa na atendeu as solicitações da classe trabalhista.

e) O motorista não respeitava aos sinais nem obedecia as normas de trânsito.

f) Venho informar aos senhores que, a partir de hoje, todo pagamento só poderá ser feito até as 15 horas.

g) Gosto mais de carnes do que de verduras.  

h) Prefiro carne do que verduras.

i) Aspiro um cargo mais elevado nesta instituição.

j) Agradeci aos formandos a escolha do meu nome.

k) Você assistiu o jogo da final da Copa?   

(Resposta: a, b, c, f, g, j. Levante as regras para o grupo de verbos da atividade, juntamente com os alunos. Por exemplo: Atender - transitivo direto ou indireto quando o complemento for pessoa; apenas transitivo indireto quando o complemento for coisa.)    

Professor: inicie agora uma breve revisão sobre pronomes relativos também por meio de uma atividade reflexiva. Dê ênfase ao relativo que, objeto dessa aula.   

Para reconhecer o pronome relativo é necessário que o aluno perceba a sua tripla função: referencial, sintática e sequencial. Recorde essa questão, colocando no quadro o exemplo:   

(1a) O remédio custa muito caro.

(1b) Eu preciso do remédio.   

(2) O remédio de que preciso custa muito caro.   

Fica fácil perceber que a oração (1b) foi encaixada em (1a), resultando em (2).  E que, ao fazer essa operação, o objeto indireto o remédio, em (1b),  foi substituído pelo relativo que. Como se trata de norma culta, a preposição de regida pelo verbo precisar permaneceu antes do pronome.     

Portanto, analisando (2) temos:   

- pronome relativo que faz referência anafórica à expressão remédio (coesão referencial);

- é complemento sintático do verbo precisar (objeto indireto);

- une enunciados (coesão sequencial)   

Passe no quadro a atividade abaixo para ser feita por escrito.

Atividade   

1) Identifique o pronome relativo entre os termos sublinhados abaixo.   

a) Correu tanto que ficou cansado.

b) O rapaz que me procurou vendia livros.

c) Esta é a desculpa que faltava.   

(Resposta: b, c)   

2) Faça  uma análise da letra b acima, apontando a tripla função do pronome relativo.   

3) Conclua: como denominamos as orações introduzidas por pronomes relativos?

Professor: faça agora uma recordação sobre as orações relativas, também de forma prática. Informe aos alunos que, atualmente, a designação “orações relativas” vem sendo usada com frequência na literatura linguística em substituição à nomenclatura gramatical “orações adjetivas”.

Atente para o fato de que essa revisão diz respeito à relativa padrão, a única aceita pela tradição gramatical e que consta nas gramáticas normativas.

Passe no quadro as atividades abaixo.

Atividade 1 

Una as duas orações de cada par, formando um só período. Substitua o termo sublinhado por um pronome relativo.   

Exemplo: O médico será o próximo ministro da saúde.

               Eu me referi ao médico.   

               O médico a que me referi será o próximo ministro da saúde.   

a)  O filme foi divertidíssimo.

a’) Assistimos ao filme.   

b)  A receita é saborosa.

b’) Nós falamos da receita.   

c)  O espaço é pequeno.

c’) Nós dispomos do espaço.    

d)  Os cuidados custam caro.

d’) O paciente precisa de cuidados.  

Atividade 2   

Verifique se os períodos abaixo apresentam orações relativas.   

a) O Flamengo acabou chegando ao gol de que precisava.   

b) Esta é a marca em que o mundo confia.   

Ao finalizar as atividades, chame a atenção dos seus alunos para a forte inversão sintática feita nessa operação de encaixar uma oração na outra. A alteração da ordem canônica do português acaba resultando em estranheza aos falantes.   

Por exemplo, sabemos, pelas gramáticas normativas, que, em português, a preposição relaciona dois termos, de tal forma que o sentido do primeiro (antecedente) é explicado ou completado pelo segundo (consequente).   

Exemplo: Referi (antecedente)   ao (preposição)  médico. (consequente)   

Ao fazermos a inversão sintática, na operação encaixe, passamos a ter   

O médico a (preposição) que (consequente) me referi (antecedente) será o próximo ministro da saúde.     

Essa ressalva é importante para que os alunos compreendam, posteriormente, a preferência por outras estratégias não- padrão  na língua falada e, também,  em certos momentos da língua escrita, dependendo do propósito pretendido pelo enunciador.   

Aulas 3 e 4

Professor: inicie a aula, projetando a seguinte tirinha, de Bill Watterson:

1º quadrinho

Filho: Você apoia a liberdade de expressão na nossa sociedade?

Pai: Claro. É o primeiro artigo da nossa Constituição.

2º quadrinho

Filho: Então você seria contra a censura e repressão de ideias que não gostasse.

Pai: Certo. Você tem que viver com o ruim e com o bom.

3º quadrinho

Filho: Então você não se opõe que eu me exponha à arte, cinema ou música que algumas pessoas pensam ser ofensivas e chocantes, certo?

4º quadrinho

Pai: Bem, primeiro deixe- me explicar sobre a nossa responsabilidade de ser culturalmente educado e capaz de fazer distinções críticas sobre...

Filho: VOCÊ ESTÁ ME ENROLANDO!

Promova uma interação oral com os alunos, fazendo algumas perguntas.

a) Qual é o tema da discussão entre pai e filho?

b) Supostamente, o que o filho deseja fazer?

c) Que estratégias ele utiliza para convencer o pai?

d) Qual é a reação do pai?   

Em seguida, coloque no quadro a fala do menino (2º quadrinho).    

“Então você seria contra a censura e a repressão de ideias que não gostasse.”     

Pergunte:

1) Há nessa fala alguma discordância em relação à norma gramatical?   (Resp.: sim. O verbo gostar rege a preposição de. Então, de acordo com a norma, o garoto deveria ter dito “ideias de que não gostasse”.)   

2) Soaria estranho ou artificial se o garoto usasse a norma? (Resp.: sim, já que em situações de informalidade, como a da tirinha,  não nos preocupamos com as restrições gramaticais; usamos uma linguagem mais descontraída.)   

3) Sendo assim, como as frases abaixo poderiam ser ditas numa situação de informalidade?   

a) O Flamengo acabou chegando ao gol de que precisava.   

b) Esta é a marca em que o mundo confia.   

c) São recursos de que a empresa dispõe.   

Professor: nesse ponto da aula, aproveitando a proposta de Bagno (2002), distribua aos seus alunos algumas fichas com os enunciados abaixo. Em seguida, solicite que assinalem qual (ou quais) desses enunciados eles consideram mais normal para eles, mais fácil de ser entendido e mais frequente no modo de falar deles e de seus familiares:   

(A) Este é um filme de que eu gosto muito.

(B) Esse é um filme Ø que eu gosto muito.

(C) Este é um filme que eu gosto muito dele.   

Recolha as fichas, apure os votos e preencha a tabela abaixo. Reserve-a para futuras comparações com dados obtidos em pesquisa científica.

Enunciado

Nº de votos

% do total

A

B

C

Total

100,0

A partir desses enunciados, explique aos alunos as três estratégias de relativização que os falantes do português do Brasil têm à sua disposição, duas das quais eles já sabem, por conta das aulas anteriores.  

(A) Esse é um filme de que eu gosto muito.

(B) Esse é um filme Ø que eu gosto muito.

(C) Esse é um filme que eu gosto muito dele.   

Pergunte:

a) Vocês já perceberam esses diferentes modos de falar?

b) Do ponto de vista do uso da língua, todos são usados indistintamente pelos falantes? Percebem alguma diferença relacionada ao uso?

c) De acordo com o que já foi discutido anteriormente, qual deles é o único aprovado pela tradição gramatical?

(Resp.: o A. )  

Professor: explique que no enunciado (A) temos uma relativa padrão.   

No enunciado (B), como houve o apagamento da preposição, a oração relativa é denominada cortadora.   

No enunciado (C), o falante recorre à ordem canônica (antecedente/preposição/consequente): ao colocar os elementos sintáticos na ordem mais natural (eu gosto muito dele), evita a alteração da sintaxe habitual da sua língua. Para fazer isso, ele acrescentou um pronome (ele), após o verbo, neste caso, contraído à preposição de. Nos estudos linguísticos, esse pronome é denominado pronome cópia, daí o nome dessa relativa ser copiadora.   

Peça aos alunos que participem, oferecendo outros exemplos da relativa copiadora. Inicie a lista:

a) Essa é a rua que nunca ouvi falar dela.    

Finalizada essa reflexão, distribua cópias xerocadas da atividade abaixo para ser feita em grupo. Cada grupo fará a análise de uma letra, sob sua orientação. Ao final, farão uma apresentação oral das conclusões a que chegaram. Todos deverão anotar as respostas. Recolha para correção.   

Atividade   

Analise as orações relativas dos textos abaixo, sob a ótica dos estudos linguísticos.     

a) Dunga foi um marcador dedicado, eficiente; é um pai de família amável, porém exigente. Essas qualidades são importantes quando se pensa em um técnico para comandar a seleção. A competência que vem demonstrando já nos permite dizer que ele é o técnico de que os brasileiros mais gostam.

b)   Pai:  Filho, você precisa conhecer o outro lado da vida ....  agora já é um adulto.

      Filho:  Não preciso que alguém me lembre isso toda hora, né,  pai?

      Pai: Olha... vai lá dentro e bota o terno que sua mãe comprou, vai.

      Filho: Ta BOM... Agora vou ter que usar coisas que eu nem gosto delas.     

c) A Linha de Caminhões Volkswagen Delivery ficou ainda mais completa. Agora, são 4 modelos com 3 diferentes capacidades de carga: 5,8 e 9 toneladas. Todos com a tecnologia, robustez e agilidade de que você precisa, prontos para atender qualquer segmento. E com excelente espaço interno. Um deles, com certeza, é sob medida para o seu negócio.   

d) De Gol em Gol, já são mais de cinco milhões fabricados. Um marco histórico. Mas, se você acha muito, espere só até ver o que a gente vai fazer lá na África. Mais uma vez, o país do gol e do Gol vai poder fazer o que mais gosta.     

e) Alexandre Borges se diverte com o perfil ambíguo do seu atual personagem. Numa hora, é mocinho, em outra, se torna um vilão. Ele faz qualquer negócio para alcançar os seus objetivos. “A sua personalidade  vai de acordo com a situação que ele se encontra.   

f) Diante da turbulência política, econômica e social que se encontra o Brasil, nada melhor do que copa do mundo, para ludibriar e entorpecer o cidadão brasileiro.   

g) Trechos retirados de Quem manda em mim sou eu, de  Fanny  Abramovich.   

“O tênis, que estava precisando, fica pro Natal, se algum parente compadecido resolver me dar um de presente.”

“O professor contou sobre os festivais que vai. Conhece todo mundo. Pessoalmente. Fala na maior intimidade de artistas,de modelos, de cantores pra quem fez clipes, de apresentador de TV que não manja nada de nada.”     

h) Anunciamos aquilo que queremos nos desfazer, que não é mais útil, da mesma forma, aquele que lê os anúncios deseja encontrar um novo carro, uma nova casa...     

i) No livro “Gafes esportivas”, J. Milton Gonçalves, professor e consultor de língua portuguesa e inglesa, diz que constitui uma gafe o falante se expressar usando frases como "O jogador que falei dele vai entrar no segundo tempo". O referido professor faz o seguinte comentário sobre o assunto: “Quanto sofrem os esportistas deste país! Que ânimo tem um torcedor para continuar acompanhando uma transmissão esportiva, ouvindo um destrambelho desses. Qualquer pessoa com dois dedinhos de leitura gramatical diria: “O jogador de quem falei vai entrar no segundo tempo”.   

Professor: finalizada essa tarefa, antes de concluir a aula, compare os dados das fichas (com a votação que seus alunos fizeram) com as conclusões de pesquisas, expressas nas tabelas abaixo. Atenção: a pesquisa foi realizada com falantes cultos: de uma maneira simplificada, são pessoas que convivem na zona urbana e que possuem curso superior completo.

  Estratégias de relativização na língua falada

Tipo

Qtd

%

Padrão

26

20,5

Não-padrão

101

79,5

Total

127

100,0

Tipos de estratégias de relativização não- padrão na língua falada   

Tipo

Qtd

%

Copiadora

6

5,6

Cortadora

95

94,4

Total

101

100,0

Observe que as estratégias não- padrão têm predominância sobre a padrão. E que entre as não-padrão, o falante prefere, fortemente, a cortadora.  

Finalize com a pergunta:

Por que os falantes têm preferência pelas estratégias não-padrão? E por que preferem a relativa cortadora?   

Ao fazer o fechamento dessa aula, levante a questão do preconceito linguístico existente sobre a estratégia copiadora, tida, erroneamente, como aquela falada por pessoas “ignorantes” ou “pouco instruídas”. Aliás, a ampla preferência da relativa cortadora pelos falantes cultos se dá, primeiro, para se esquivar desse problema. Por outro lado, ele também se esquiva da relativa padrão, para não querer ser “pedante”, pois ela lhe parece ‘certa demais’.

Recursos Complementares

BAGNO, M. Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa.  Parábola Editorial: São Paulo, 2002.

http://www.filologia.org.br/anais/anais%20III%20CNLF%2062.html 

Avaliação

Leia os enunciados a seguir e, em seguida, responda às questões.   

a) A regra é clara: compre LG, que você pode ir pra copa. (Propaganda na revista Época )

b) “A Itália jogou demais e mereceu a vitória, coisa de que só me convenci 20 anos depois, ao rever o jogo” (Juca Kfouri, sobre o jogo contra a Itália, em 1982. Folha de São Paulo).

c) Há noites que eu não posso dormir de remorso por tudo o que eu deixei de cometer. (Mário Quintana)

d) "Comecei hoje aquele curso, que estava fissurada pra fazer. (...) registrei as bonitezas que meus olham viam. Incrível! Percebi coisas que nunca tinha percebido antes. E coisas comuns, de todo o dia, que eu nem gostava delas." (Fanny  Abramovich. Quem manda em mim sou eu!)

Questões  

a) Identifique, no material acima, os pronomes relativos.

b) Selecione, para análise, um exemplo de cada uma das estratégias de relativização.

c) Explique-as, tendo em vista seus conhecimentos acerca do assunto.

Opinião de quem acessou

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Opiniões

  • Valmir Luis, SEB Coc , São Paulo - disse:
    valmir.literat@gmail.com

    21/08/2015

    Cinco estrelas

    Excelente aula. O problema está na escassez de tempo para cumprir essa programação.


Sem classificação.
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