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A felicidade pode ser clandestina?

 

18/01/2011

Autor e Coautor(es)
Marilene de Mattos Salles
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JUIZ DE FORA - MG Universidade Federal de Juiz de Fora

Maria Cristina Weitzel Tavela

Estrutura Curricular
Modalidade / Nível de Ensino Componente Curricular Tema
Ensino Médio Literatura Literatura brasileira, clássica e contemporânea: criações poéticas, dramáticas e ficcionais da cultura letrada
Dados da Aula
O que o aluno poderá aprender com esta aula

Ao ler e discutir o conto "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector, o aluno terá a oportunidade de buscar pistas explícitas ou não que lhe permitam resgatar uma história de vida da personagem, sensibilizando-se com ela.

Duração das atividades
3 a 4 horas/aula
Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor com o aluno

Aulas preparadas para alunos do 1º ano do ensino médio. É recomendável que já tenham experienciado a leitura de contos e que conheçam as características do gênero.

Estratégias e recursos da aula

Aulas 1 e 2

Professor: conduza seus alunos ao laboratório de informática. Inicie a aula, projetando algumas imagens. Não adiante informações aos alunos. Deixe que eles se pronunciem a respeito de quem se trata.

http://f.i.uol.com.br/folha/ilustrada/images/0832843.jpg  

Pergunte se alguém conhece essa mulher. Dê algumas pistas, como por exemplo:

a) Escreveu "A hora da estrela", obra que já se tornou filme.

b) Recentemente, duas obras suas apareceram em mãos de personagens nas novelas "Caminho das Índias" e "A favorita". Em "A favorita" a personagem leu um trecho de uma crônica (o que causou ciúmes no marido).

Mostre a próxima imagem, para checar a resposta dos alunos. Dê algumas informações sobre Clarice Lispector. Há indicações de leitura em "Recursos complementares".

http://www.dombosco24horas.com.br/curso/imagens/livrosUFPR2010/LISTA%20UFPR%20-%20FELICIDADE%20CLANDESTINA.jpg 

Publicado pela primeira vez em 1971, "Felicidade clandestina" é um livro que reúne 25 contos da escritora brasileira Clarice Lispector - alguns já publicados anteriormente - sendo também o título do primeiro conto. Os contos abordam assuntos como infância, adolescência e família, sem deixar de abordar as angústias da alma.  (Disponível em  http://pt.wikipedia.org/wiki/Felicidade_Clandestina )

Professor: finalizada essa motivação, proponha aos alunos a atividade abaixo. O objetivo é envolvê-los por meio de uma leitura dramatizada feita pela atriz Aracy Balabanian. A atividade é extremamente relevante, pois a experiência da atriz propiciará um momento de profunda sensibilização e reflexão.

Atividade 1

Ouçam o conto "Felicidade clandestina", acessando o site   http://www.youtube.com/watch?v=mbSMwUNjwtE 

Terminada a escuta, solicite a participação da turma no sentido de manifestarem suas impressões iniciais.

Elabore algumas perguntas orais.                                                                                                                                    

a) Quais são os personagens ? Têm nomes? Descreva-os física e psicologicamente.

b) Qual era o objeto de desejo da protagonista?

c) O que significa a expressão "tortura chinesa"?

d) Por que ela se submeteu a essa tortura?

e) Que atitude tomou a mãe da garota diante da situação?

f) Por que, segundo a protagonista, a mãe ficaria horrorizada ao descobrir a filha que tinha?

g) Como se sentiu a protagonista após a decisão da mãe de sua rival? 

Professor: na sequência, solicite a participação espontânea de alguns alunos para fazerem a leitura, em voz alta, do texto.  No entanto, antes de iniciar a leitura, discuta com os alunos o título do conto, levantando algumas hipóteses. Pergunte:

a) O que significa a expressão 'clandestino(a)'?  (Resp.: a expressão significa "feito às ocultas". Por exemplo: encontro clandestino. Pode também significar "ilegal", "ilegítimo")

b) A associação de 'felicidade' com 'clandestina' poderia soar estranho? A felicidade pode ser clandestina?

c) Cite um exemplo que poderia dar ideia de ilegal, ilegítimo para 'felicidade clandestina'.

d) No conto, o que poderia ser a tal felicidade clandestina? (Anote as sugestões dos alunos no quadro)

Inicie a leitura.

FELICIDADE CLANDESTINA

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.

Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu nao vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.

No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.

Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.

Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!

E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.

Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.

Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

 (Lispector, Clarice. Felicidade Clandestina. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998)

Professor: antes de discutir as questões da atividade 2, leia o quadro abaixo.   

Um elemento de extrema importância na obra de Clarice Lispector é a captação da vivência interior das personagens. Daí resulta uma narrativa introspectiva, em que muitas vezes percebe-se o envolvimento do narrador, tornando-se quase imperceptível as fronteiras entre narrador e personagens. Essa centralização na consciência contribui para a digressão, a fragmentação dos episódios e o desencadeamento do “fluxo de consciência”: expressão direta dos estados mentais, do que resulta certa perda da sequência lógica.

(MAIA, J.D. Português: volume único. Livro do professor. São Paulo: Ática, 2005.)

Atividade 2

Promova uma discussão oral acerca das seguintes passagens do texto:

a) Quais são as razões atribuídas pela protagonista para a rivalidade existente entre as meninas e a garota ruiva? Como ela chega a essa conclusão? Trata-se de uma avaliação psicológica? (2º parágrafo)  

b) Há outras passagens do texto que confirmam isso?

c) Com que intenção a protagonista usou a expressão 'tortura chinesa"  para se referir ao descaso da colega? Há nesse caso um exagero (uso hiperbólico da linguagem)?

d) Explique a metáfora:  “eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave,...” (5º parágrafo).   

e) No final do 7º parágrafo, pode-se observar o que se denomina “fluxo de consciência”. Releia essa passagem e tente explicar o que isso representa.

(Resp. possível: nesse trecho, a personagem mescla suas experiências de menina - a promessa do empréstimo do livro poderia se realizar no dia seguinte- com outras experiências que viriam a ocorrer com ela no futuro. Parece haver um mistura em relação ao tempo: há um tempo da história e outro tempo em que a narradora se transporta para o futuro e nele rememora, metaforicamente, o que foi a sua vida: “andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez”.   

f) Por que para a garota era mais importante ficar com o livro pelo tempo que ela quisesse? (Resp.: uma possibilidade é ela querer manter a expectativa da realização de um desejo ao invés de realizá-lo).   

g) Que atitude a menina teve quando o livro enfim ficou em suas mãos? (Resp.: ela fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter)   

h) Por que ela fazia isso? (Resposta possível: ela mantinha o livro às escondidas,  para preservar a sensação de conquista, já que ela não era dona do seu objeto de desejo. Essa atitude torna a sua felicidade clandestina.)  

Aula 3

Professor: após a leitura e análise oral do conto, passe a atividade abaixo, para ser feita em dupla, por escrito. Ela constitui a sistematização da discussão feita acerca de alguns aspectos inovadores da prosa de Clarice. Recolha ao final para correção.

Atividade 3  

a) Em alguns momentos do conto, Clarice Lispector utiliza um recurso bastante recorrente em vários escritores da época. Trata-se da introspecção psicológica , por meio da qual "procura-se desvendar o universo mental da personagem de forma linear, com bastante nitidez de tempo e espaço. Nesse caso, o leitor tem pleno domínio da situação e distingue com facilidade momentos do passado, momentos do presente e momentos de imaginação". Identifique em qual dos fragmentos abaixo ocorre esse processo.

(   ) Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo.

(   ) Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo.

(   ) Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

b) Como já foi discutido, em certos momentos, o recurso utilizado é o do fluxo de consciência: por meio dele, "presente e passado, realidade e desejo se misturam. O pensamento fica solto, sem preocupação com a lógica ou com a ordem narrativa".

Releia:

Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez. 

 No trecho acima, em itálico, podemos observar que a narradora interrompe a linearidade da história e, momentaneamente, passa por fluxo de consciência. Explique esse momento da narrativa, já discutido oralmente.

c) Durante o fluxo de consciência, às vezes a personagem poderá passar por uma revelação (é o que se chama epifania). Esse processo pode ter início a partir de fatos banais do cotidiano (como num encontro, num olhar; ouvindo uma música). A epifania provoca no ser humano um estranhamento diante da realidade. A partir daí, ele passa a ver o mundo e a si mesmo de outro modo, mais aprofundado.

Releia o final do conto.

Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada. [...]

Estando com o livro em mãos, a protagonista vive momentos de êxtase: finge não tê-lo para preservar a sensação de não realização de um desejo (o desejo realizado deixa de ser desejo!!!). Prefere escondê-lo, como se fosse algo ilegítimo, o que torna a sua felicidade clandestina. No meio desse fluxo de consciência, de repente, surge uma revelação. Responda:

- qual é essa revelação?

- o que podemos imaginar a partir dela? 

d) Explique a frase: “A felicidade sempre iria ser clandestina para mim”.    

Recursos Complementares

Fonte de consulta: CEREJA, W. R.& MAGALHÃES, T.C. Literatura Brasileira: ensino médio. São Paulo: Atual, 2005.

Biografia de Clarice Lispector mais completa:  http://www.releituras.com/clispector_bio.asp

Reportagem aborda interesse de jovens por Clarice. Leia em http://www.claricelispector.com.br/clipping_2006_IstoE_ElasAdoramClarice.aspx 

Avaliação

A avaliação se dará por meio de um seminário.

Divida a turma em grupos e distribua as tarefas abaixo.

a) Pesquisa sobre A época de Clarice: fatos históricos e sociais. A geração à qual pertenceu. Outros escritores famosos. Consultar em http://educacao.uol.com.br/portugues/critica-social-e-metalinguagem.jhtm 

b) Clarice Lispector: alguns dados biográficos ( Pesquisar em http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u592.jhtm   ) Em "Recursos complemetares" há uma indicação de site com bigrafia detalhada de Clarice).

c) Clarice por Clarice (Pesquisar em  http://www.claricelispector.com.br/claricejornalista.aspx   ) Um aluno poderá fazer a apresentação inicial da voz do jornalista que produziu o texto, enquanto os demais interpretarão cada tópico como se fossem a própria Clarice. Não é necessário decorar, mas é imprescindível uma excelente leitura interativa.

d) Apresentação de frases proferidas por Clarice Lispector. A consulta poderá ser feita no site http://pensador.uol.com.br/frases_de_clarice_lispector/ 

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