12/01/2011
Maria Cristina Weitzel Tavela
Modalidade / Nível de Ensino | Componente Curricular | Tema |
---|---|---|
Ensino Médio | Língua Portuguesa | Relações sociopragmáticas e discursivas |
Serão analisadas várias funções da ‘repetição’ na língua falada e o seu papel interacional. Esse aprendizado ocorrerá tanto em textos não-ficcionais como em ficcionais.
Aulas elaboradas para alunos do 2° ano do ensino médio. É interessante que tenham experiência com textos argumentativos. É fundamental que já tenham lido o conto "Feliz aniversário", de Clarice Lispector, recentemente, pois será utilizado um fragmento desse conto para análise.
Aulas 1 e 2
Professor: a título de motivação, inicie a aula, projetando a tirinha abaixo, de Maurício de Sousa, com o auxílio do data-show.
http://1.bp.blogspot.com/_7P7yrKMwkdc/S_WcyI6dFcI/AAAAAAAAAOA/EFsG4OskVdE/s1600/eco+blog.gif
Quadrinho 1: Cascão: Alô! / Resposta: Alô!
Quadrinho 2: Cascão: Esse eco é um barato! Eu gostaria de saber como funciona!
Quadrinho 3: Papagaio: ...como funciona!
Professor: solicite que algum aluno, espontaneamente, interprete a tirinha. Peça que ele esclareça o efeito de sentido que ela provoca nos interlocutores, e o que teria provocado esse efeito de sentido . É importante que o aluno esclareça a diferença entre eco e repetição.
Em seguida, projete a tirinha de Caulos.
Novamente, convide outro aluno para fazer a interpretação. Se necessário, oriente-se com os passos abaixo.
a) Nessa tirinha, temos de volta um papagaio como um dos personagens. Repare que há uma tentativa de diálogo, quando o sabiá se aproxima e o cumprimenta. O que ocorre nos 4 primeiros quadrinhos? (Resp.: a conversa não se desenvolve, porque, como todos sabem, o papagaio apenas repete as palavras do outro).
b) A que conclusão o sabiá chega, no 5º quadrinho?
c) No último quadrinho o sabiá mostra-se surpreso. Qual é o motivo dessa surpresa? Que efeito o texto provoca no leitor?
Na sequência, dirigindo-se à turma, pergunte:
a) Às vezes, ouvimos alguém se referir a outra pessoa dizendo “parece papagaio”. O que isso quer dizer?
b) Para vocês a repetição tem algum papel importante na linguagem? Solicite exemplos.
Discuta os dois exemplos abaixo.
O exemplo doméstico: a repetição nas relações familiares
Talvez o exemplo mais imediato seja o que acontece em casa, durante as relações entre pais e filhos. Muito provavelmente alguém exemplificará com a fala da mãe. Nesse caso, você poderá analisar a função interacional sob a perspectiva da mãe e do filho. A mãe possivelmente deseja alertar, proibir, aconselhar, etc. Chame a atenção para o aspecto argumentativo que está embutido nessa face da ‘repetição’. Sob o ponto de vista do filho, por conta da impaciência típica do adolescente, talvez ele só perceba uma finalidade para a ‘repetição’: a mãe ‘repete’ para chateá-lo, irritá-lo.
O exemplo da escola: a repetição na sala de aula
Outro exemplo bem próximo da realidade dos alunos é o que vem da sala de aula. Avalie com eles o papel das ‘repetições’ em sala de aula.
a) Por que o professor repete?
b) Chame a atenção dos alunos para a diferença entre parafrasear e repetir. Às vezes, na ânsia de anotar uma dada informação, o aluno se perde e pede para o professor repetir. Mas quase sempre isso é impossível, e o professor acaba por fazer uma paráfrase da sua fala, ou seja, ele diz a mesma coisa porém de forma diferente.
c) Explique aos alunos que uma das principais características do texto falado é que seu planejamento é simultâneo à própria elocução. Com isso, o falante precisa estar monitorando os seus textos orais, reformulando-os de acordo com as necessidades: repetindo, corrigindo, parafraseando, etc.
Professor: informe aos alunos que o foco dessa aula é analisar o papel das repetições na língua falada, verificando algumas de suas funções.
Assim, distribua cópias xerocadas do resumo abaixo, elaborado a partir do texto de Luiz Antônio Marcuschi, citado em “Recursos complementares”. Coloque também os dois exemplos que serão analisados. Explique a teoria. Elabore a análise do primeiro exemplo junto com os alunos. A segunda análise poderá ser feita em dupla. Dê um prazo para que eles resolvam a atividade. Em seguida, faça a correção.
(Atenção: os exemplos que vocês irão analisar foram retirados de uma ‘audiência de conciliação’, realizada no Procon de uma cidade de Minas Gerais. Esta audiência integra o ‘corpus’ de pesquisa de vários projetos científicos da professora doutora Sonia Bittencourt Silveira, da UFJF, a quem agradeço a autorização de uso nessa aula.)
REPETIÇÃO: “é a produção de segmentos discursivos idênticos ou semelhantes duas ou mais vezes no âmbito do mesmo evento comunicativo”.( Marcuschi, 1996)
Devido à sua maleabilidade apresenta várias funções:
► no plano da textualidade, as repetições atuam com a função de coesividade
► no plano do discurso, contribuem para: - facilitar a compreensão - manter a continuidade tópica - conduzir a argumentatividade - propiciar a interatividade dos eventos de fala.
Na condução da argumentação, as repetições servem como estratégia para REAFIRMAR, CONTRASTAR ou CONTESTAR argumentos. |
Atividade 1
Utilizando o quadro de consulta acima, analise a função das repetições nos exemplos 1 e 2.
Contexto da audiência: o consumidor, denominado reclamante (Rte), procurou o Procon para efetuar a troca de um aparelho de som que já passou diversas vezes pela Assistência Técnica. O gerente da loja, denominado reclamado (Rdo), recusa trocar o aparelho e se dispõe, ele mesmo, a levá-lo à assistência para tentar novamente o conserto.
“Petiba” é o nome fictício da cidade onde se localiza a Assistência Técnica.
O mediador do Procon pode ser um advogado do Órgão ou um estagiário de Direito.
Por motivos didáticos, a transcrição da audiência segue parcialmente as regras oficiais.
Exemplo 1
O reclamante reivindica a troca do aparelho, contando, nesse intervalo, com o apoio do mediador. No entanto, o reclamado insiste em que a melhor opção é o conserto.
( Atenção: (x) e (xx) indica "fala não compreendida na gravação")
Reclamado: (Então veja bem) o que a princípio eu vou fazer é isso. Eu vou a Petiba .. Vô-vô na quinta, né? e Vou dormir lá e dez horas então até dez Vou ficar pra resolver isso e tenho outros problemas pra resolver isso e tenho outros problemas pra resolver também. Tá? e vô pra resolvê isso porque a princípio eu vô tentar solucionar esse problema. Eu vou pessoalmente. Tá? E depois é o que eu te falei (x) jurídico (/xx/) é o que eu posso fazer |
Responda:
Com que intenção o reclamado (gerente da loja) fez uso da 'repetição'?
(Resp.: em se tratando de audiência de conciliação, muitas disputas entram em jogo. As partes têm interesses divergentes e vão argumentar sempe no sentido de convencer um ao outro. Nesse fragmento, o gerente usa exaustivamente a repetição para conduzir a argumentatividade, reafirmando as suas ações no sentido de resolver o problema.
Exemplo 2
O mediador tenta persuadir o gerente a trocar o aparelho. Eles discutem sobre as várias vezes que o produto já esteve no conserto e o prazo legal para resolver o problema.
( Atenção: a abertura de colchete indica interrupção; o (xx) indica "fala não compreendida na gravação")
Mediador: Já teve duas vezes na mão [ |
Reclamado: Não teve, não teve mais de trinta dias na minha mão não ué! |
Mediador: Mas a: ao-a autorizada (foram xx) [ |
Reclamado: Aliás na minha mão entre aspas, né? porque o conserto sabe? ... E:u até tô pretendendo até parar com esse negócio de levar, aparelho, pra Petiba, sabe? Eu tô, tô pretendendo fazer o seguinte ((fala pro cliente)) ó, o endereço é esse, cê pega, cê leva |
Responda:
a) Qual é o embate nesse momento da audiência? Quem participa da discussão?
b) Nesse exemplo também há condução argumentativa? Por parte de que? (Resp.: sim, por parte de ambos: mediador e reclamado).
c) Qual dos dois faz uso da repetição? (Resp.: o reclamado)
d) Com que finalidade? (Resp.: o reclamado usa a repetição para contestar os argumentos do mediador.)
Aulas 3 e 4
Professor: inicie a aula, projetando a imagem abaixo.
Mais uma vez, peça que algum aluno se apresente para interpretar a parte verbal do anúncio. Em seguida, passe no quadro a atividade abaixo.
Atividade 2
a) Que produto está sendo anunciado?
b) Qual é o slogan? Com que objetivos se criam slogans?
c) Que outro recurso verbal foi usado como estratégia de convencimento? (Resp.: unir palavras opostas e repeti-las para produzir o efeito da mastigação).
d) Considerando o gênero (propaganda) e o efeito de sentido discutido acima, que funções você poderia atribuir à repetição? (Consulte o quadro teórico).
Professor: finalizada essa tarefa, informe aos alunos que a próxima atividade tem a ver com o conto "Feliz aniversário", de Clarice Lispector. Faça uma revisão do conto com eles.
Em seguida, entregue a atividade abaixo, que será desenvolvida em dupla. Leia e explique a atividade. Passe pelas carteiras tirando as dúvidas. Recolha-a ao final da aula para correção.
Atividade 3
Leia o fragmento do conto "Feliz aniversário". Em seguida, responda ao que se pede.
"Os músculos do rosto da aniversariante não a interpretavam mais, de modo que ninguém podia saber se ela estava alegre. Tratava-se de uma velha grande, magra, imponente e morena. Parecia oca. - Oitenta e nove anos, sim senhor! disse José, filho mais velho agora que Jonga tinha morrido. - Oitenta e nove anos, sim senhora! disse esfregando as mãos em admiração pública e como sinal imperceptível para todos. Todos se interromperam atentos e olharam a aniversariante de um modo mais oficial. Alguns abanaram a cabeça em admiração como a um recorde. Cada ano vencido pela aniversariante era uma vaga etapa da família toda. Sim senhor! disseram alguns sorrindo timidamente. - Oitenta e nove anos!, ecoou Manoel que era sócio de José. É um brotinho!, disse espirituoso e nervoso, e todos riram, menos sua esposa. A velha não se manifestava. Alguns não lhe haviam trazido presente nenhum. Outros trouxeram saboneteira, uma combinação de jérsei, um broche de fantasia, um vasinho de cactos — nada, nada que a dona da casa pudesse aproveitar para si mesma ou para seus filhos, nada que a própria aniversariante pudesse realmente aproveitar constituindo assim uma economia: a dona da casa guardava os presentes, amarga, irônica. - Oitenta e nove anos! repetiu Manoel aflito, olhando para a esposa. A velha não se manifestava. Então, como se todos tivessem tido a prova final de que não adiantava se esforçarem, com um levantar de ombros de quem estivesse junto de uma surda, continuaram a fazer a festa" ...
(LISPECTOR, Clarice. "Feliz aniversário". In: Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.) |
Questões
a) Identifique a repetição na voz dos personagens José e Manoel. Faça um comentário sobre o momento em que ela ocorreu e a importância que poderia ser atribuída aos verbos dicendi ecoar e repetir.
b) Consulte o seu quadro teórico sobre esse assunto e avalie a função discursivo-interacional da 'repetição' nessa passagem do conto.
c) Avalie, também, a repetição na fala do narrador: "A velha não se manifestava". Que função ela teria?
MARCUSCHI, Luiz Antônio. A repetição na língua falada como estratégia de formulação textual. In: KOCH, Ingedore G. V. (org). Gramática do português falado. Vol. VI: desenvolvimentos. São Paulo: Editora da Unicamp/Fapesp, 1996.
http://www.filologia.org.br/vijonafil/atas/o_papel_da_repeticao.pdf
Você encontra o conto "Feliz aniversário" em: http://www.releituras.com/clispector_aniversario.asp
Examine o fragmento, abaixo, da mesma audiência citada na aula. Em seguida, atenda às solicitações.
Reclamado: Que eu vou passar é isso, tá? O que eu queria fazer é isso aí, ele não quis que ele o que ele deseja é a troca do aparelho, vou ver até ONDE que ele tem o:: direito (x x) [ |
Mediador: Até onde..no código de defesa do consumidor ele tem o direito |
a) Durante toda a audiência, o reclamado (gerente) reitera sua posição de consertar o aparelho. Considerando o espaço institucional onde ocorre a audiência (Procon), que avaliação você faz da fala do gerente, nesse fragmento?
b) Pensando no papel institucinal que o mediador exerce, infira: com que propósito ele repetiu a fala do gerente? (Resp.: a repetição tem função argumentativa; ele repete com o propósito de contestar o tom ameaçador do reclamado, que pensa estar até acima da lei.)
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