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Sedução e conflito amoroso em narrativas

 

23/07/2011

Autor e Coautor(es)
Marilene de Mattos Salles
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JUIZ DE FORA - MG Universidade Federal de Juiz de Fora

Maria Cristina Weitzel Tavela

Estrutura Curricular
Modalidade / Nível de Ensino Componente Curricular Tema
Ensino Médio Literatura Literatura brasileira, clássica e contemporânea: criações poéticas, dramáticas e ficcionais da cultura letrada
Dados da Aula
O que o aluno poderá aprender com esta aula

Objetivos das aulas:

- Promover a aquisição de conhecimento de mundo, fator necessário à produção da coerência textual e à formação de bagagem cultural.

- Discutir questões contextuais relacionadas à trama narrativa, tais como a prostituição, os negócios escusos.

- Analisar os textos (letra de música, minissérie televisiva e conto), levantando questões pontuais em cada um deles no que diz respeito à estrutura das narrativas (temática, espaço, personagens, foco, etc).

- Examinar processos figurativos relevantes à produção do sentido.

- Investigar a relação conflito X fluxo de consciência na composição do protagonista do conto. 

- Promover o estudo da intertextualidade de semelhança e/ou de diferença.

- Estimular a escrita por meio de uma oficina de produção de textos.

Duração das atividades
10 horas/aula
Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor com o aluno

Aulas elaboradas para alunos do 3° ano do ensino médio. É recomendável que conheçam os elementos da narrativa e alguma teoria sobre o gênero textual ‘conto’. É imprescindível que entendam a linguagem vulgar como um dos níveis de registro da língua.         

Estratégias e recursos da aula

Professor : os textos dessa aula, em especial o conto, apresentam forte apelo erótico, sendo, talvez,  necessário que você rediscuta com os alunos a função da linguagem vulgar em narrativas, sua adequação à fala dos personagens e à trama. Espera- se, com isso, que os alunos percebam que tanto a linguagem como a descrição de cenas de erotismo fazem parte de um contexto social.        

Aulas 1 e 2

Iniciando a aula, reserve um lugar diferenciado, equipado com computador e data show. Busque um instante de interação no qual você e os alunos possam conversar sobre Chico Buarque, importante artista do cenário nacional. Se julgar relevante, promova uma rápida pesquisa em sites confiáveis. Seguem, abaixo, algumas sugestões:

http://www.chicobuarque.com.br/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Chico_Buarque

A pesquisa poderá seguir os seguintes passos:

a) Dados biográficos: nascimento, relações com a família; mudança para o exterior; as primeiras composições.

b) Participação em festivais de Música Popular Brasileira.

c) Composições  para o teatro.

d) Composições  para o cinema

e) Composições durante a ditadura 

f) Canções de amor

Professor: esclareça a todos que, nessa sequência didática, vocês irão trabalhar a  música “Folhetim”, uma das 17 compostas por Chico para a peça “Ópera do malandro”, que estreou no dia 26 de junho de 1978, no Rio. “Ambientada no bairro da Lapa, reduto da malandragem carioca, a peça mostra as transformações do país no final da Segunda Guerra, com o aumento da influência americana em todos os setores da vida brasileira. Duran e Vitória administram uma cadeia de bordéis. Terezinha, filha do casal, volta do exterior e se aproxima de Max, um ambicioso malandro contrabandista, para, juntos, criarem um empreendimento moderno em contraposição aos negócios ultrapassados do pai.”  

 A peça teve a sua adaptação para o cinema. Veja cartaz do filme em

http://www.abracirj.org.br/site/wp-content/uploads/2010/01/opera-do-malandro-poster01.jpg

 Cartaz do Musical Opera do Malandro

“Ópera do Malandro”, musical de 1986 inspirado na peça de Chico Buarque, com roteiro assinado por Ruy Guerra e Orlando Senna.

Após essa contextualização e antes de promover a escuta da música, converse com os alunos sobre o que vem a ser um folhetim. Recupere a importância desse veículo de comunicação para a literatura, no passado, pois nos folhetins eram publicados textos literários, como, por exemplo, os de Machado de Assis. 

Na sequência, inicie a escuta da música, acessando o site  http://letras.terra.com.br/gal-costa/127827/

Terminada a escuta, faça, oralmente, a atividade abaixo.

Atividade 1

a) Quem canta a música? Quem surge ao final do vídeo. 

b) Considerando as informações anteriormente apresentadas e a letra da música que você acabou de ouvir, que atividade o eu lírico desempenha na sociedade?

c) No seu entendimento, como se circunscreve o trabalho da prostituta? Trata-se de um trabalho como outro qualquer, ou seja, elas têm reconhecimento legal, por exemplo? Há leis que as amparam?

d) Conhecem algum movimento social em prol do reconhecimento desse trabalho?

e) Apesar de não haver leis, existem regras tácitas que organizam o exercício da profissão (por exemplo, não se envolver emocionalmente com o cliente)?

f) O que nos sugere a letra da música a esse respeito?

g) Explique o título “Folhetim”, associando-o aos versos

“Mas na manhã seguinte/ Não conta até vinte, te afasta de mim/ Pois já não vales nada/ És página virada / Descartada do meu folhetim.”

Aulas 3 e 4

Na sequência, acesse o site abaixo com o episódio “Folhetim”, da minissérie “Amor em 4 Atos”, da Rede Globo, que foi ao ar no início de 2011. O vídeo não está completo, porém o fragmento postado é suficiente para essa aula.

Acesse o site    http://www.youtube.com/watch?v=Iiu_XQfYLOo&feature=fvst

Ou se houver possibilidade faça o download do vídeo para agilizar a exibição do mesmo. Assim, não será necessário ter Internet no espaço que você estiver ocupando.

Finalizada a exibição, aplique a atividade a seguir, buscando discutir as semelhanças e diferenças entre a música e o vídeo.

Atividade 2

Divida a turma em grupos de quatro alunos. Cada grupo irá discutir as questões colocadas abaixo.

a) Qual é a temática tratada?

b) Em que espaços se passam as duas narrativas?

c) Qual é o foco narrativo?

d) Quem são os personagens principais? Há conflito entre eles?

e) Quais são os principais acréscimos feitos no vídeo em relação aos personagens? Destaque um deles e explique a sua importância na composição da trama.  (3 grupos)

f) Identifique pontos de semelhança e pontos de diferença, se houver. Ilustre seu texto citando versos relacionados a cenas. (2 grupos)

Aula 5

Nessa aula os alunos farão a pesquisa abaixo.

Pesquisa

1) Forme uma dupla e selecione uma  música com temática amorosa, de Chico Buarque ou de outro autor nacional, a ser utilizada na oficina de produção de texto  nas duas últimas aulas.  

Professor: dê oportunidade aos seus alunos para que escolham livremente a música. No entanto, como se trata de um ambiente escolar, acompanhe a consulta a sites de modo que a escolha seja adequada. Caso alguma dupla apresente dificuldade, indique os endereços: 

http://letras.terra.com.br/chico-buarque/  que contém uma listagem de músicas de Chico, entre elas O meu amor, Carolina, Anos dourados, Olhos nos olhos, Tatuagem, A Rita, etc.

http://www.youtube.com/watch?v=Dp-rVINSOhU  Los Hermanos  - Último romance

http://www.youtube.com/watch?v=qZwxvzB_id4    Jota Quest - Vem andar comigo

http://www.youtube.com/watch?v=vz9BhXmznkM&feature=related  Paralamas do sucesso -  Aonde quer que eu vá  

http://www.youtube.com/watch?v=xdN3xJKvnLg   Paralamas do sucesso - Cuide bem do seu amor

http://www.youtube.com/watch?v=cBjYLnyHCkg  - Skank – Ainda gosto dela

http://www.youtube.com/watch?v=geDHzXg56UU&NR=1  - Skank  -  Sutilmente      

Finalizada a seleção musical, passe à segunda fase da pesquisa.

2) Acesse o site  http://pt.wikipedia.org/wiki/Xico_S%C3%A1  e selecione algumas informações sobre Xico Sá,  que serão utilizadas na próxima aula.

Aulas 6, 7 e 8  

Professor: inicie a aula, exibindo a imagem de Xico Sá, disponível em   http://gnt.globo.com/gsat-images-web/fckeditor/image/xico-340.jpg

Xico Sá

Enquanto a imagem permanece projetada, promova uma conversa informal sobre ele. Abra espaço para que os próprios alunos troquem as informações obtidas na pesquisa. 

Ao finalizar a conversa, diga a eles que vocês vão ler um conto desse escritor, cujo título é “Um corte de cetim” (não disponível na web).

Explique que esse texto apresenta inúmeras relações contextuais (sociais, políticas, artísticas, ideológicas, etc), impossíveis de serem tratadas nessa aula, por conta dos objetivos traçados. Muitas dessas referências já deverão fazer parte do conhecimento de mundo deles (como por exemplo a do quadro do Portinari). Outras são recuperadas no próprio texto, graças à cooperação do autor. Haverá, porém, várias expressões que ficarão sem maiores esclarecimentos e cujos sentidos certamente enriqueceriam a leitura. As perdas ocorrerão; no entanto, não impossibilitarão a compreensão do texto no sentido mais amplo.

Informe também que haverá um trabalho abordando fragmentos do conto (a ser realizado em aula próxima), que culminará com a avaliação. E que para efeitos didáticos, esses fragmentos encontram-se sublinhados no texto. Também por uma questão meramente didática, o texto foi dividido em 2 partes.

Continue a aula de acordo com as seguintes estratégias.

Estratégias de leitura

1ª parte

Leitura colaborativa em voz alta em sala de aula. Ao final, aplique a atividade 3, oralmente.

Atividade 3

Faça as seguintes perguntas:

a) Quem narra a história?

b) Em que lugar ela se passa?

c) O narrador é o protagonista?

d) Que relação há entre o narrador e o Paiva?

e) E entre o narrador e o palhaço? Até esse ponto do texto é possível dizer por que eles brigaram?

f) Que importância tinha os filhos na vida do narrador?

g) Como estava sua vida conjugal? Ele estava bem com a esposa?

h) Quem é a mulher que surge na vida do narrador? Ele já a conhecia? Que sentimento essa mulher desperta nele?

i) Em algum momento  houve alguma pista sobre traição nesse novo relacionamento?

j) O que diziam as pessoas sobre juras de amor feitas por uma mulher da vida quando ela está com o cliente?

k) Há traição se no dia seguinte ao encontro ela ignorar tudo o que foi dito?

2ª parte

Leitura silenciosa em sala. Ao final, faça oralmente a atividade abaixo.

Atividade 4

1) Por que a todo momento o narrador diz que essa história poderia ser bem mais trágica?

2) Explique melhor, agora, quem é o palhaço a quem o narrador se refere. Qual é a sua importância no desenvolvimento da narrativa?

3) Considerando que uma narrativa apresenta introdução, desenvolvimento e desfecho, esclareça se a história foi contada seguindo essa ordem.  Em outras palavras, a narrativa é linear?

4) O que representou para o narrador viver uma relação fora do casamento?

5) Quanto tempo durou essa relação?

Professor: a atividade abaixo deverá ser feita por escrito em sala. A depender do perfil da turma, use a metodologia do estudo dirigido. Recolha a atividade para correção.

Atividade 5

1) Avalie o fragmento abaixo retirado do conto.

 “Minha linda esposa.

            As cortinas bordadas com flores balançando de tarde, como se cumprimentassem os mortos.

           Nosso soninho dos justos, nossas sestas, Senhor, livrai-nos das tentações.

            Rebobina, amorrrr, rebobina a minha vida, que era tão linda, e agora me vês, olhos nos olhos, que estou aos pés de uma mulher –abismo que me levou por causa de uma noite apenas, vaidoso supus, que merda, que era o maior, grande coisa!”

a) Qual é o conflito vivenciado pelo narrador nesse momento?

b) Explique a metáfora mulher-abismo. A quem ela se refere?

c) Identifique nesse fragmento uma relação de intertextualidade com a letra da música Folhetim.

2) “Deliro, mas vou olhar se os meus dois tricolores estão cobertos. Faz um frio sem precedentes na cidade do Rio de Janeiro."

a) Explique o uso do verbo delirar no início desse parágrafo. Para tanto releia o parágrafo anterior a este.

b) A maneira como o protagonista conta a história nos dá, muitas vezes, a impressão de delírio, dada a velocidade narrativa e o uso de muitas relações com o contexto. Seriam fluxos de consciência? Identifique outra passagem assim.

Professor: no livro, o conto é apresentado em 15 páginas. Conforme já explicado, para efeito didático, ele foi dividido em duas partes, correspondendo a primeira às 6 páginas iniciais e a 2ª às 9 páginas finais.  

1ª parte

 Um corte de cetim

                                                O destino é uma útil invenção dos homens.

                                                Adolfo Bioy Casares, n’O sonho dos heróis

Se o Paiva não me segura, essa história poderia ter sido bem mais trágica, embora eu só recorde, com alguma nitidez, do momento em que o palhaço adentrou o ambiente cantarolando uma marchinha ridícula:

Quem pintou o amor foi um ceguinho

mas não disse a cor que ele tem

Penso que só Deus dizer-nos vem

ensinando com carinho

a pura cor do querer bem...

[“Amar a uma mulher só”, Sinhô]

Braços dados com a inominável criatura parecia caçoar das leis do cosmo.

Adentrou o botequim com aquele semirriso de fala de Sétimo Céu.

O perfeito canalha de fotonovela.

Quem via toda banca e moral era incapaz de saber os expedientes e o saldo negativo do sujeito. Pequenos golpes nas damas da noite, falsas rifas de instituições de caridade e obras completas, amigo, em se tratando de contos do vigário.

Fingia o rico de berço, mesmo sem um barão na carteira. Ao terceiro uísque era dono de meia Vieira Souto. Mais dois, incorporava a lagoa Rodrigo de Freitas, o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor... Tudo lavrado em cartório.

Delirante do último, viajou mais do que o Jorginho Guinle, embora a milhagem realista – esta, sim, de fazer inveja a Mr. Gulliver, Julio Verne e todos os navegadores épicos – tenha sido rodada apenas nos trens da central do Brasil, um ser eminentemente ferroviário e suburbano.

 

Se o Paiva não me segura, amigo, eu quebro a cara daquele palhaço.

“Babavas catupiri, ódio e exclamações até pelas ventas”, conta o grande Paiva.

É, quando o sujeito adentrou o botequim, eu comia um rissole de camarão.

 

“Chegaste mais faminto do que os retirantes do quadro do Portinari”, o Paiva reconstitui o episódio apenas com as tintas da galhofa.

Talvez somente eu, suposto personagem principal,venha com a demão de ensaiada melancolia. 

 

Volto ao local do crime e pago a conta.

Corno, porém honesto, vos falo.

Já consigo rir um pouco da minha desgraça.

“Um homem sem chifres é um animal desprotegido”, Paiva em momento de filosofia pura.

Os Cearás todos gracejam; o cozinheiro põe a cabeça na portinhola.

O mundo ri do babaca.

 

Para a minha memória, carcomida pela maresia como aro de bicicleta velha, tudo teria sido mais trágico do que escuto das testemunhas.

A impiedosa ressaca moral ainda gruda manchetes sangrentas e populares na cortiça furada do cérebro.

Pelo filtro azul da amnésia tento enxergar o passado.

“O destino é uma útil invenção dos homens”, acordei com a dita sentença a zumbir nas oiças. Não recordo de quem ouvi ou li e muito menos a compreendo.

Não tem o estilo Paiva de frases feitas. 

[...]

A síndrome de Korsakov, neuropatologia associada à falta de vitamina Bi (tiamina) por causa do alcoolismo, leva à confabulação e me atordoa o juízo desde a copa do mundo de 19...

Amnésia anterógrada, amnésia retrógrada, desorientação temporoespacial. O sujeito acometido chega ao ponto de confundir sua mulher com um chapéu, é o que dizem.

 

O paladar ajuda a reconstituir aquela história.

Peço um rissole de camarão com catupiri.

Faca na mesa em punho. Mão esquerda, a que uso para o melhor de mim; as belas jogadas na sinuca do boteco Taco, ali em Botafogo, o jardim dos caminhos que se bifurcam de todos os perdidos no paraíso da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

A faca comum de refeições. Com serras. Enrolada no guardanapo de papel, sob as bordas do prato. 

Toalhinha verde, vermelha e branca.

Sempre pensei que se um dia matasse alguém seria com a direita. Superstição pura de um canhoto de nascença.

“Estavas na sua mesa de sempre, ali perto da pedra do cisne”, contou o Paiva. “Quando partiu feito um touro bravo dos melhores espetáculos de Madri”.

 

“Isso é o que dá acreditar em meias verdades na cama”, acho que me disse algo o palhaço.

“Foi ela, a colombina de araque”, inflamou ainda mais o ambiente uma dessas criaturas mal comidas que estão sempre a mascar o jiló do despeito e da inveja.

A dama histérica na sua mais completa força física.

A turma do deixa disso, maior instituição da cordialidade brasuca, contra a turma do “eu quero é ver o navio pegar fogo para comer peixe assado”.

 

“Se não te seguro, minha Nossa Senhora, a merda daria no boné”, o Paiva lembra, ajuda com mais dois econômicos dominós da memória.

Por educação, ele prefere não desvendar o acontecimento, melhor para todos.

“Se não te seguro rapaz...”

Às vezes um “se”, esticado na sua última potência, eu reflito, como o elástico da calcinha nova e vermelha que ela vestiu na dita noite de gala e das meias verdades, salva ou desmantela de vez o macho.

 

Plec,

plec,

plec... 

Três vezes diante do inadiável homem, o barulhinho do elástico, plec, plec, plec, como aquele apóstolo miserável que negou, três vezes, conhecer Nosso Senhor Jesus Cristo na hora do canto do galo. Como o baticum na madeira, três vezes, de novo, para afugentar os azares que já dobraram a esquina e bafejam mal-assombros de véspera no cangote do inevitável.

Três vezes, vade retro, deliro, falo sozinho pelas ruas ou penso.

O barulho do elástico da calcinha depois do banho, muito antes de consumar o ato, eu vaidoso no último, fingindo folhear uns salmos na mesinha de cabeceira, provaria daquele fruto lendário e até então proibido.

Não que eu tivesse tentado alguma vez. 

Achava que era muita areia mesmo, um Saara, uma vertigem.             

Imagina se levo uma banana de uma rapariga cuja fama é dizer sim para quase todos, segundo consta nos anais do bairro.

(Como eu queria aquela democrática dama e a respeitava como se fosse a derradeira do universo)

Os amigos falavam mal, roendo a pitomba da inveja, mas era colosso.

 

Só não poderia levar um não naquela semana de aniversário, Carnaval e tudo, meus quarenta anos de uma vida assim meia-boca.

Quarentinha esta noite, fogo-fátuo. 

Naquela maldita semana, o titio aqui, amigo, que sempre rejeitou metáforas baratas, era a própria cidade do Rio de Janeiro a caminho da decadência.

Até a Embrafilme, onde havia feito carreira de funcionário publico, anos de glória das pornochanchadas, estava a caminho do buraco, conforme promessa do presidente eleito Fernando Collor de Mello.

Uma semana antes daquele carnaval de 1990, um ano que nem o generoso amigo Zuenir Ventura daria um tostão por ele, eu acabara de ser transferido para uma saleta do Proálcool, sem ar-condicionado, no Centro.

Ofereceram dois órgãos decadentes à época como opções para o meu belo futuro: IBC, o Instituto Brasileiro do Café, e o supracitado programa nacional alternativo de combustíveis, também a caminho do desmanche.

Escolhi pelo vício que predominava em minha triste alma de barnabé sem rumo. Vício este, registre-se, como já o fiz na Justiça Trabalhista, adquirido ao rodar, em mimeógrafos a álcool, óbvio, provas e mais provas de concursos públicos de repartições às quais servi desde os meus vinte anos.

 

Dois filhos, tricolores, graças a Deus, nascidos no tempo da Máquina do Fluminense. Um orgulho.

Um casamento, porém, aos fiapos. Ela, ex-atriz de sucesso das melhores pornochanchadas da década anterior, perdera o que sobrava da admiração e do respeito por este verme inútil.

 

Foi no meio dessa ruína pública e privada que a inominável criatura surgiu.

            Pela primeira vez na vida, o ditado bíblico da tempestade e da bonança se materializava diante dos meus olhos.

            A felicidade abanava o rabinho para mim como um poodle alegre com o seu dono.

            Ela entrou no boteco sem nome próximo ao canal do Leblon. Boquinha da noite, alguns pescadores chegavam para vender seus cardumes.

            Eu me lembro muito bem, o cheiro de peixe ajuda a mover a engenhoca velha da memória afetiva.

            Vestia uma calça branca e apertada. O tipo do traje que pede coragem, corpo benfeito e ousadia a quem pula dentro dele.

            A linda afilhada de Balzac, nos primeiros verões dos seus trinta anos, portava tudo isso e muito mais.

            Até os peixes mortos pareciam revirar os olhos naquele momento sublime.

            Os pescadores ainda tentaram dizer “tesouro”. Em vez do previsível coro dos tarados, porém, o que se viu foi um bando de machos boquiabertos.

            Ela me olhou de dentro do caroço mortal das retinas.

“O destino é uma útil invenção dos homens.” Creio ter sido a justa hora em que o mantra, esse zumbido que me persegue, grudou qual um aparelho retroauricular na minha orelha.

Avistara a desalmada costela pela primeira vez na festa de lançamento do filme Iracema, uma transa amazônica, em que a minha mulher havia trabalhado.

O Paulo César Peréio, amigo comum, nos apresentou rapidamente.

“Um gênio esse Peréio”, acho que ela disse. “Se fosse ator de língua inglesa ou francesa, seria maior que o Marlon Brando no Último tango e o De Niro no Touro indomável.”

“Eu sou macho, porra”, acho que o Peréio disse, na buena onda.

Quase dez anos se passaram. Agora é mais areia ainda e o meu caminhãozinho Fenemê não passa muito bem com seus feixes de mola e chassis adulterados.

2ª parte

Ela entrou no boteco dos pescadores como quem desfila para o Yves Saint Laurent em Paris.

            O Feijão, vulgo Paulo Jacinto dos Reis, brother fotógrafo que me acompanhava, eternamente do contra, diz que era a luz que a favorecia.

            Todo fotógrafo é meio veado, você sabe, amigo.

            Nem vem.

Um baita ladrilho torto, inclinado mesmo, assim era o chão do lugar em que estávamos, e a linda afilhada de Balzac com aquela classe toda, nossa!

Nem Brigitte nos melhores tempos.

Nem Brigitte na laje.

Nem Brigitte na mão de Roger Vadim.

Nem Brigitte na mão de Serge Gainsbourg.

Nem.

Ela pegou o Marlboro vermelho, me olhou no caroço do olho, adeusinho cordial ao populacho da caça e pesca, e partiu com aquela bunda que rachava o cimento, o asfalto.

 

Foram dias e mais dias de sonhos e delírios.

            Acordava transando com a minha própria mulher como se fosse a primeira vez.

            Paudurescência sem limites.

Conseguia até esquecer a decadência da salinha em desmanche do Proálcool.

Sem ar condicionado. No Centro.

Não ligava mais para a política, lia apenas o Esportes e os segundos cadernos.

 

Não peguei telefone.

            Dei uma de civilizado.

            Confiança no mantra, por supuesto: “O destino é uma útil invenção dos homens”.

Me masturbava no banheirinho do Proálcool como um guri de catorze anos.

A bunda na calça branca.

O desfile do século.

Além de todas as lendas do bairro, é óbvio: ela nunca teria ido à praia na frente dos outros, bronzeava-se solitária numa praiazinha na região de Búzios; no Rio de Janeiro vestia sempre calças compridas.

 

Até que um dia...

            Se Deus é por mim, quem será contra mim, só pensei naquele para-choque de caminhão, escrito em neon sobre os céus da baía de Guanabara, justo naquela hora em que enchi a mão nas coxas dela.

            Acho que o próprio caminhão, com filosofia do para-choque e tudo, sobrevoava o Rio de Janeiro como o boi de Nassau que voou no Recife.

            Se Deus é por mim...

            Uma faixa pendurada nos chifres do boi nessa hora.

            Vejo aqui pelo buraco da fechadura da minha amnésia particularíssima.

            Vejo aqui o meu passado.

            Até que um dia enchi a mão esquerda, a mesma com que jogo sinuca, nas coxas dela.

            Com força.

            O Paiva está aí de prova, não me deixa mentir nunca.

            Era uma mesa na calçada.

            “Vai comer aqui ou quer que embrulhe?”, gritou o populacho que passava de ônibus.

            Me empolguei tanto que pedi uma lagosta para a danada. Com vinho verde, Casal Garcia, bossa.

            “Qualquer coisa pendura, não passa vergonha catando os couros de rato dessa carteira”, cochichou o Paiva na fila do banheiro.     

            Beijei como um filho a bochecha rosa do Paiva.

Se o Paiva não me segura, essa história poderia ter sido bem mais trágica.

            Lembro do justo momento em que gritei:

            Eu arrebento a cara daquele palhaço!!!

Às vezes um “se”, esticado na sua última potência, como o elástico da calcinha nova e vermelha que ela vestiu na dita noite de gala e das meias verdades, salva ou desmantela de vez o macho.

[...]

           Sim, agora deu tempo de filosofar sobre a ordem natural das coisas e das onomatopeias que ainda estalam no corpo dela, só dela, mas uma ressaca em câmera lenta, quase uma dengue sartriana, já se espraiava com gosto de chifre e pretérito perfeito no palato.

           Cuspo bílis e outros ressentimentos, mesmo ainda sem tanto motivo.

           Talvez a falta de noção do suposto corno, donde a conjugação dos verbos se confunde e a paranoia nos faz mesmo uns baitas profetas do óbvio. Me contariam muito mais coisas depois, por enquanto só conspiro isso mesmo que estás vendo, amigo, pô, velho, que bom que estás aqui justo nessa hora...

           “O ciúme é a guerra fria do macho”, passa e sopra na mesma oiça do zumbido, aquele sobre o futuro do homem, o vendedor de flores, seu Chico.

           “O destino é a guerra fria do ciúme”, os mantras se misturam.

           “A guerra fria é o destino”, mais uma fusão maluca.

           Dava tempo para o ex-comunista e funcionário público decadente chifrado de véspera fazer todas as alegorias possíveis.

           Fiz.

           Até Laika, a cadelinha russa que triunfou com seu belo sorriso nos ares, nos tempos da gloriosa ex-URSS, me veio à cabeça.

 

Eu havia me separado da minha mulher e domingo seria o primeiro Fla-Flu sem os meus dois filhinhos tricolores.

            De tanta ira do papai, meu medo era que eles, inflados pela mãe, lógico, virassem a casaca e torcessem pelo Mengo, time do sogro.

            Eu havia me separado mesmo?

            Quando um homem sabe disso?

            Como saber do apocalipse, uma vez que um macho nunca usa ponto final para nada nessa vida, usa no máximo ponto e vírgula!?

 

Paiva, diplomata desde os cueiros, é garçom de besta, um Rui Barbosa, nosso águia de Haia, o baiano que falava todas as línguas do Pentecostes, orgulho da pátria amada de antanho, ensinava francês aos francófilos e inglês aos britânicos, brasa, mora.

            O Paiva é um Itamaraty, uma ONU dos cus de boi, dos sururus da área, dos arranca-rabos, dos quiproquós, das mumunhas, das nove-horas, dos rebuceteios e das cegueiras do amor que sangra até com a inimputável faca de passar margarina vegetal em pão de família tolstoianamente feliz e lesada.

            Vai dar merda, mas é tudo em câmera lenta como as mortes dos filmes do Sam Peckinpah que a gente via grudentos, superbonder nas costelas, debaixo daquele edredom na inauguração do teu primeiro ar-condicionado  ali na curva do cemitério de Botafogo.

            Minha linda esposa.

            As cortinas bordadas com flores balançando de tarde, como se cumprimentassem os mortos.

            Nosso soninho dos justos, nossas sestas, Senhor, livrai-nos das tentações.

            Rebobina, amorrrr, rebobina a minha vida, que era tão linda, e agora me vês, olhos nos olhos, que estou aos pés de uma mulher –abismo que me levou por causa de uma noite apenas, vaidoso supus, que merda, que era o maior, grande coisa!

                    Tudo, amor, menos fazê-los, com a ajuda do urubu sogro e do cunhado, rubro-negros, nessa hora mais trágica.

            Te perder, tudo bem, quer dizer, desculpa, te amo, não tem mais jeito, mas meus filhos virarem a casaca, nem fodendo...

            Já era tarde, suponho.

 

O antes de tudo, ainda esperando aquela mulher de uma noite que supus de uma vida, foi tão grande que deu tempo até de escrever uns versos no guardanapo. Mas se eu soubesse que justo aquele momento sublime era o antes da merda, não tinha sido filósofo nem tampouco virtuoso parnasiano.

            Mas quem sabe o verbo nessas horas?

            O Paiva bem que avisou, dando os devidos créditos ao MIltinho, bamba, o músico: adjetivar não tá com nada, estrela é coisa de xerife, não de poeta.

            Meditei, dava tempo para tudo, dançar na chuva, piruetas, uma eternidade o a. M., o antes da Merda, e todos os DeCês, depois de Cristos e culposas ressacas.

            Reflexão e chope com colarinho, cutucou o Paulo Roberto, é como aquele outro ditado lá derivativo da galinha.

            “Não saquei, mas vamos em frente, cavalo não desce escada”, disse um bigodinho ponte aérea querendo tirar onda de almanaque- balneário, achando que essa terra é só a nostalgia- pasquim do Ibrahim Sued.

            Só podia ser um paulista, ouviram do Ipiranga e em todo o Baixo Leblon, por supuesto, ali nas redondezas.

            Deu merda também nos arredores antes de dar merda aqui no eu profundis, eu sentia coisas como uma bicha mística e sem futuro diante da dança do copo na mesa branca.

            Eu queria entender por que tudo aquilo era o prognóstico de um desastre.

            Tipo aquelas coisas que todo mundo conta depois dos grandes acidentes aéreos.

            Fulano quase embarcou, mas, generoso, cedeu o bilhete a um parente.

            “O destino é uma útil invenção dos homens”, o mantra.

            Sicrano fez uma piadinha num filme caseiro antes de seguir para o aeroporto, despediu-se da noiva, ó pobre viúva precoce.

            Tem também aquela do mapa astral do bom astrólogo argentino...

 

O Paiva nunca foi do exército vulgar do deixa-disso, é nobre, não age por ciuminhos, caprichos de moças, lundus, quebra-copos, pantins alcoólicos e outros varejões Ceasas da existência nada sopa e verdurosa, o Paiva não é nada tira-manchas mesmo em tempos de modernos e segmentados saponáceos.

            O Paiva sente quando o vermelho do amor enviesado amanhece tingindo o branco do olho do vagabundo:

            Olho de cabra pendurada antes de tirar o couro no açougue.

            No que filosofo de novo, deu tempo de pensar e tudo, havia sido um carnaval de desgraças, às vésperas dos meus quarent’anos.

            A simples ressaca borra, com indisfarçáveis e bovinas nódoas da culpa; o amor dá leves pinceladas, sutis, também rubras, pois, pois, pero outra coisa mais vagaba, saca?, escrota, odeio gastar manhãs com discussões de relações e outras leseiras comuns de dois, prefiro não, prefiro quem diz  só “Eu te amo”, cortina samba-clube, escurinho, vento levo o que sobrou de cisco no olho, e aquela manteiga de latinha Aviação esperando por nós dois, tão lá na frente, derretida porque nos solavancos a latinha caiu bem na parte que faz sol em nossa área, colada na comida do gato que só lambeu a tampa gordurosa dos nossos problemas tão grandes porque só nossos e tão mais ou menos porque derretem-se ao primeiro sol, e pronto, tchau e bênção.

            Deliro, mas vou olhar se os meus dois tricolores estão cobertos. Faz um frio sem precedentes na cidade do Rio de Janeiro.

            Não há quartos; moro, não é de hoje, numa quitinete. É o que lembro.

            Que fazer, velho Lênin?

            Solo reflexões qual um Hendrix de Arembepe, solo uma tese que roubei do Moreno, o menino que fez bobagem no samba do Assis Valente e voltou reencarnado no pelo de um rapaz direito, agora com nome de Plínio, incapaz de maltratar coração de moça, agora destituído da perversão da rumba e do foxtrote.

            É o que dizem, me conta o mesmo.

 

O Paiva é capaz de parar uma guerra, como fez Pelé na África no comando do glorioso Santos Futebol Clube.

            “Solta o touro, Paiva”, ainda gritou o Paulo Roberto Pires, vestido de xeique, maluco como todos nós no ambiente, com os bigodes tingidos pela cachaça das contrariedades e o chope da galhofa, lembrando, aos poucos, a narração de Valdir Amaral nos supremos Fla-Flus, o relógio marca, tem peixe na rede no Flamengo, indivíduo competente, gooooool leeeeeeeeeeeeeeeegalll, reverbera o Mário Viana no MARACA, corta, essas coisas que os machos narram na latinha do túnel do tempo.

 

Não, não é papo ungido de Quarta-feira de Cinzas.

            Parti para cima do palhaço mesmo.

            Fazia um dia lindo, um Gênesis pós-bossa nueva social clube, Rio de Janeiro, manhãzinha virgem de tudo.

            Pergunte ao Paiva se não tentei ser elegante, um poeta na reencarnação passada, poeta de soneto, um bilaquiano de grêmio recreativo, pergunte, doutor, pergunte.

Não, eu não babava catupiri e exclamações.

Recobrar o juízo, ora, tentei, beber sem comer uma ova, foi de tudo do cardápio, rissole de camarão, caldinho de feijão, carne seca...

A merda foi ensaiar aqueles golpes à Muhammad Ali no espelhinho apertado do banheiro dos homens.

Mania de antecipar a tragédia.

Não andava nada fácil.

Todo corno é um profeta.

Eu até tirava os óculos de míope e astigmático...

Jogo de cintura da porra. No espelho, esse treino me encoraja como a um marinheiro...

“De Conrad”, passa gritando na rua o Zarvos, poeta grego da área, que tira onda do rebuceteio como todas as testemunhas que me ocorrem.

Sim, um marinheiro ciente de que para curar um amor platônico, como disse o poeta marginal e selvagem, só uma trepada homérica.

A merda foi imaginar a luta de gigantes.

Pena que o espelho me roubava, digamos assim, o punch de índio velho.

Até ensaiei uns jabs que aprendi com o meu amigo Eduardo Ohata.

Tudo que eu queria era arrebentar a cara daquele palhaço, pierrô uma ova, que parecia cada vez mais distante, como em um sonho de veado místico.

 

“Não existe corno de uma noite”, tentava apartar o Paiva. “Vou contar até vinte para encerrar essa inimizade entre homens de boa vontade”, dizia, bíblico qual um Paulo Coelho.

 

Até o inocente cisnezinho da pedra do quadro gigante popular do bar Jobi deslizou no lodo e puft n’água.

            O cisnezinho estava à esquerda da minha miopia e à direita do meu astigmatismo.

Mais adiante uma choupana.

E creio que um casal perdido não me recuerdo adonde naquele mesmo lago azul-naïf.

No barco, com mantimentos, fumaça na chaminé da choupana...

Havia musgo na pedra em que deslizou o pobre cisne, ria o Paiva, ora, fez de tudo para evitar o desastre, como um musguito en la piedra ai si si si, como na canção latina.

 

Havia tanta coisa essa noche, boleros, cinzas carnavalescas e sobretrudo chifre, palhaçada e um corte de cetim que foi o estopim da bomba-relógio do meu coração de corno.

 

Procurei a desalmada em todos os blocos, confesso, mas por que aparecer justo na aurora da quarta?

            E nestas circunstâncias, meu bom, me conforta o Paulo Roberto, o xeique sobre as cinzas, é que tens que ser grande.

            No cordão do Bola Preta quase faço besteira, contou-me.

            Como numa miragem do deserto da infidelidade, cheguei a ver aquela vagaba com outro.

            Devia ser mesmo.

            Taí, amigo, a única vantagem de um corno: vê tudo antes.

            Todo corno é profeta.

            Mas só sei disso agora.

            Sim, ela, colombina de araque, acabou de sair com o palhaço.

            Mereço um emprego na Bíblia. No Antigo Testamento.

 

“Ela não fazia homens de cornos, ela fazia cada um mais importante que o outro”, me consola mais ainda o Paiva. “Pena que muitos largaram tudo por esta bela senhora.”

            Blasfemei, reprisando o que havia perdido:

            Filhos tricolores para o Mengo, uma mulher que ainda merecia todos os créditos, bem ou mal o calor do lar doce lar para um barnabé em fim de carreira na semana que mal completara quatro décadas...

            Perder de um, perder de dez, incontáveis perdas.

            Nem careceu falar ao Paiva o que havia me machucado mais ainda...

            Sim, o velho e bom garçom sabia da moral da história: a vagaba dividira com aquela palhaço o corte de cetim vermelho que eu a tinha presenteado na noite do nosso idílio.

            Daquele corte de fazenda que dei com tanto gosto e esmero, a libertina fizera as duas fantasias que viraram a mortalha do nosso possível amor na aurora da Quarta de Cinzas.

            “Perdoa a pobre Bovatu”, ainda me sugere o Paiva.

            Como assim?

            Mistura das traidoras clássicas de Flaubert e do Machado, Bovary e Capitu.

            Aposto que foi ideia do xeique Paulo Roberto.

“Ou preferes Madame Capivary?”, mais uma vez chisteou o velho e bom.

 

Corri atrás da imperdoável sujeita.

            Ela seguiu rumo à praia.

            Donde uma ressaca medonha encobria Leblon, Ipanema, Arpoador, Copacabana e o resto do universo naquelas cinzas.

            Tombamos na areia.

 

O palhaço, ainda pintado, com medo da minha fúria, ou apenas para não pagar de palhaço mesmo no ônibus de volta para a sua residência, lavava a maquiagem com água de coco em um quiosque ao longe.

 

Ela atirou o que restava do corte de cetim para Iemanjá e saiu toda prosa vestida de Pombagira.

Aulas 9 e 10

Essas aulas são destinadas à oficina de produção de textos. Os alunos, em duplas, produzirão um miniconto, a partir da música que selecionaram na aula 5. Recolha a atividade, ao final, para correção. Marque uma data para que eles apresentem os resultados.

Recursos Complementares

VERISSIMO, L.F. Feijoada completa. In: BRESSANE, Ronaldo (Org.) Essa história está diferente: dez contos para canções de Chico Buarque. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

 HOMEM, Wagner. Histórias de canções: Chico Buarque. São Paulo: Leya, 2009.

 Artigo "O inconformismo social no discurso de Chico Buarque"

http://www.revistafenix.pro.br/PDF3/Artigo%20Christian%20Alves%20Martins.pdf      

Avaliação

1) Explique e relacione os fragmentos abaixo.

 Conto Corte de cetim

 “Ela não fazia homens de cornos, ela fazia cada um mais importante que o outro”, me consola mais ainda o Paiva. “Pena que muitos largaram tudo por esta bela senhora.”

 Letra da música Folhetim

“E eu te farei as vontades

direi meias verdades

sempre à meia luz

e te farei, vaidoso, supor

que és o maior e que me possuis.”

 

2) Releia o trecho a seguir.

[...]

“Corri atrás da imperdoável sujeita.

            Tombamos na areia.

O palhaço, ainda pintado, com medo da minha fúria, ou apenas para não pagar de palhaço mesmo no ônibus de volta para a sua residência, lavava a maquiagem com água de coco em um quiosque ao longe.

Ela atirou o que restava do corte de cetim para Iemanjá e saiu toda prosa vestida de Pombagira.

 

Responda: No seu entendimento, o que aconteceu no final? Escolha uma das opções abaixo e justifique a sua resposta.

(    ) Eles se separaram

(    ) Eles ficaram juntos

(    ) A obra é aberta, ambígua. Não sabemos.

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