16/12/2011
BELO HORIZONTE - MG ESCOLA DE EDUCACAO BASICA E PROFISSIONAL DA UFMG - CENTRO PEDAGOGICO
Prof.Dr.Luiz Prazeres
Modalidade / Nível de Ensino | Componente Curricular | Tema |
---|---|---|
Educação de Jovens e Adultos - 2º ciclo | Língua Portuguesa | Linguagem escrita: leitura e produção de textos |
Antes de iniciar a aula sobre o tema, o professor deverá propor um debate acerca das definições do que se concebe em nossa sociedade como marginal.
Além dos conceitos atrelados aos significados pejorativos de “bandido”, “foragido”, “desprestigiado”, “criminoso”, deve-se explorar o conceito de alteridade, “a outra margem”, ou seja, algo que não está inserido num circuito capitalista ou num plano literário idealizado, que está fora de um centro canonizado ou que não se adapta a um estilo de vida / de escrita ocidentalmente legitimado.
Atividade 1 – Poesia Marginal - introdução
Nesta atividade, serão apresentados alguns conceitos da poesia concebida como marginal a partir das palavras de Glauco Mattoso e Heloísa Buarque de Hollanda. Para a aplicação desses elementos constituintes e compreensão dessa tendência artística no plano literário, serão apresentados alguns poemas e uma canção do Zeca Baleiro que relê esse movimento.
Nota-se no contexto dos anos 1960 e 1970 que a poesia e as artes em geral não tinham o compromisso de abordar e falar somente do belo, assim as temáticas eram voltadas para a vida cotidiana, por referências a leituras várias feitas pelos artistas, apologia uso de drogas, às experiências sexuais, questões existenciais, além de denuncia e protesto em relação ao período da Ditadura Militar.
O que hoje é conhecido como poesia marginal pode ser definido como um acontecimento cultural que, por volta de 1972-1973, teve um impacto significativo no ambiente de medo e no vazio cultural, promovidos pela censura e pela violência da repressão militar que dominava o país naquela época, conseguindo reunir, em torno da poesia, um grande público jovem, até então ligado mais à música, ao cinema, shows e cartoons. [...] O termo marginal (ou magistral como dizia o poeta Chacal), ambíguo desde o início, oscilou numa gama inesgotável de sentidos: marginais da vida política do país, marginais do mercado editorial, e, sobretudo, marginais do cânone literário. Foi uma poesia que surgiu com perfil despretensioso e aparentemente superficial, mas que colocava em pauta uma questão tão grave quanto relevante: o ethos de uma geração traumatizada pelo cerceamento de suas possibilidades de expressão pelo crivo violento da censura e da repressão militar. Em cada poema-piada, em cada improviso, em cada rima quebrada, além das marcas de estilo da poesia marginal, pode-se entrever uma aguda sensibilidade para registrar – com maior ou menor lucidez, com maior ou menor destreza literária – o dia-a-dia do momento político em que viviam os poetas da chamada geração AI5. Disponível em: http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/?p=559 |
A palavra marginal [...] veio emprestada das ciências sociais, onde era apenas um termo técnico para especificar o indivíduo que vive entre duas culturas em conflito, ou que, tendo-se libertado de uma cultura, não se integrou de todo em outra, ficando à margem das duas. Na verdade, marginal é simplesmente o adjetivo mais usado e conhecido para qualificar o trabalho de determinados artistas, também chamados independentes ou alternativos (por comparação com a imprensa nanica, teoricamente autônoma em relação à grande imprensa e contestadora em relação ao sistema). Dizer que um poeta é marginal equivale a chamá-lo de sórdido e maldito (por causa da noção de antissocial), mas esses adjetivos soam mais como elogio porque viraram sinônimos de alternativo e independente. Ou seja, o sentido deixa de ser pejorativo e se inverte a favor de quem recebe o rótulo, muito embora alguns dos assim chamados prefiram outros rótulos ou não aceitem nenhum. MATTOSO, Glauco. O que é poesia marginal. São Paulo: Brasiliense, 1981. p.7-8. |
Marginal ou informal era também a forma em que os textos produzidos por essa geração chegavam ao público leitor. Em geral, os poemas eram confeccionados por meio do mimeógrafo e eram repassados, comercializados de “boca em boca” nas ruas, nas faculdades, portas de teatro e cinema, dentre outros espaços culturais. Como salienta Heloísa Buarque de Hollanda:
Poderíamos mesmo definir o estilo marginal a partir da presença renitente da invenção poética na prática da produção, divulgação e comunicação de seus produtos. Em tempos de “milagre econômico” e profissionalização de nossas empresas editoriais, os poetas marginais optaram pela produção “doméstica” e pela comercialização independente. Essa opção, refletindo as determinantes vitalistas de nossos poetas e seu compromisso em “viver poeticamente”, traduziu-se numa série de publicações desafiadoras do ponto de vista das normas da produção editorial daquele momento. Foram lançados folhetos mimeografados, livros artesanais, livros-envelopes, posters, cartões-postais, cartazes, varais de poesia, gravações em muros e paredes e até mesmo uma torrencial chuva de poesia que inundou o centro de São Paulo, no dia 4 de dezembro de 1979. Invadiram as ruas, teatros, exposições, ganharam espaço na imprensa nanica, investiram pesado na venda de mão em mão, no contato direto entre o poeta e seu leitor. Disponível em: http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/?p=559 |
Mimeógrafo
http://infancia8090.blogspot.com/2011/01/o-inesquecivel-mimeografo.html
Para os poemas a seguir, os alunos deverão identificar quais conceitos, efeitos de sentido e contexto relacionado à marginalidade, ou aos poetas malditos, são propostos.
1.1 Poema de Chacal
uma
palavra
escrita é uma
palavra não dita é uma
palavra maldita é uma palavra
gravada como gravata que é uma palavra
gaiata como goiaba que é uma palavra gostosa
Disponível em: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/chacal.html
1.2
O POETA PRAS CADEIRAS
Carlos Saldanha (Zuca Sardan)
O poeta cumprimenta o seu público,
As cadeiras que não podem
Sequer dar-lhe uma salva de palmas:
Que têm braços, têm pés,
Mas não têm mãos a medir
Na admiração costumaz
Pra dar ânimo, enfim
Que ânimo infusa, ninguém
por certo João Limão
se está querendo ser;
Mas afinal algum interesse
Mínimo que se desperte
1.3
Poema de Adauto
em cada pirado
em cada pivete
em cada malandro
em cada suicida
em cada sub/urbanóide
eu vejo
todo o
seu esplendor
escorrendo pelos bueiros
desta
cidade vazia
- meu único congo...
1.4
COGITO
Torquato Neto
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.
Disponível em: http://www.releituras.com/torqneto_menu.asp
1.5 Poema de Paulo Leminski
Marginal é quem escreve à margem,
deixando branca a página
para que a paisagem passe
e deixe tudo claro à sua passagem.
Marginal, escrever na entrelinha,
sem nunca saber direito
quem veio primeiro,
o ovo ou a galinha.
Disponível em: http://pauloleminskipoemas.blogspot.com/2008/09/marginal-quem-escreve-margem-paulo.html
Os poemas sem referência foram retirados de:
HOLLANDA, Heloisa Buarque de. (org.). 26 poetas hoje. 6.ed. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007.
1.6
Para a leitura da canção a seguir, é necessário que os alunos pesquisem no Google imagens, na Wikipédia e no You Tube, as personalidades e os intertextos produzidos pelo compositor maranhense Zeca Baleiro. De maneira geral, a canção homenageia alguns poetas e, sobretudo, alguns músicos etiquetados como “marginais”, seja por uma questão de estética performática ou por estarem de alguma maneira fora das “paradas de sucesso”. Um verso da música exalta um dos temas proposto por essa geração: “O meu coração não quer dinheiro, quer poesia!”.
Alguns trocadilhos com os nomes dos escritores são postos em diálogo com elementos da cultura de massa: “Rimbaud - A missão” (o poeta francês está relacionado ao personagem Rambo e ao respectivo filme: Rambo – a missão) e o poeta da geração marginal é associado ao personagem Waly, do desenho animado: Onde está o Waly?.
Maldição
Zeca Baleiro
Baudelaire, Macalé, Luiz Melodia
Quanta maldição!
O meu coração não quer dinheiro, quer poesia!
Baudelaire, Macalé, Luiz Melodia
Rimbaud - A missão
Poeta e ladrão
Escravo da paixão sem guia
Edgar Allan Poe tua mão na pia
Lava com sabão tua solidão
Tão infinita quanto o dia
Vicentinho, Van Gogh, Luiza Erundina
Voltem pro sertão
Pra plantar feijão
Tulipas, para a burguesia
Baudelaire, Macalé, Luiz Melodia
Waly Salomão, Itamar Assumpção
O resto é perfumaria
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=YZujeTyXuSY&feature=related
Atividade 2 – Releituras / reinvenções / rasuras da tradição segundo a ótica marginal
Nesta etapa, os alunos pesquisarão a recorrência da tradição poética e literária subvertida e rasurada segundo a estética dos poetas da geração 1970.
Um dos princípios dessa tendência artística era subverter os padrões culturais vigentes e propor outras formas de representação e leitura do mundo. Nesse aspecto, a representação canônica segundo a ótica literária também deveria ser repensada, por isso é comum encontrar na produção artística desse período paródias intertextuais de textos fundadores e clássicos da literatura brasileira e universal.
Dentre os textos mais rasurados, encontram-se poemas dos autores pertencentes ao romantismo, devido à visão idealizada e nacionalista em relação ao conceito de nação, além dos parnasianos e simbolistas que cultuaram “a arte pela arte”, ou seja, o fazer artístico como algo esteticamente lapidado e que cultuasse formas estilisticamente belas.
Somados a esses elementos, apareciam evidentes diálogos com canções e outros recursos oriundos da cultura popular. Assim, o discurso marginal buscava nas frases feitas, nos aforismos, nos quadrinhos, nas notícias de jornais, nos slogans publicitários dentre outros recursos gerados e veiculados no que se definiu como na cultura de massa a matéria-prima para a construção poética. Conforme ressaltou Heloísa Buarque de Hollanda, houve uma busca de anti-literatura “clássica”:
Determinados em não deixar o “silêncio” se instalar, os poetas marginais definiram uma poesia com fortes traços anti-literários que se chocava com o experimentalismo erudito das vanguardas daquele momento. Uma dicção poética empenhada em “brincar” com os padrões vigentes de qualidade literária, de densidade hermenêutica do texto poético, da exigência de um leitor qualificado para a plena fruição do poema e seus subtextos. Assim, os marginais, com um só gesto, desafiaram não apenas a crítica, mas também a instituição literária oferecendo uma poesia biodegradável que não parecia importar-se nem com a permanência de sua produção, nem com o reconhecimento da crítica informada pelos padrões canônicos da historiografia literária. Ao contrário, marcavam sua posição ao não explicitar qualquer projeto literário ou político e ao apresentar-se claramente como não-programática, mostrando-se avessa à escolas e a enquadramentos formais. Neste sentido, poderíamos considerar hoje os marginais como estruturalmente marcados por experiências que refletem uma quebra geral de certezas e fórmulas sejam elas políticas, literárias ou existenciais, tornando-se, na realidade, mais off literários do que anti-literários. Através do uso irreverente da linguagem poética e da afirmação de um desempenho ironicamente fora do sistema, os poetas marginais sinalizavam em sua textualidade e atitudes uma aproximação radical entre arte & vida.
Disponível em: http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/?p=559
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Nessa etapa, os alunos deverão identificar de que maneira os poetas da geração mimeógrafo leem a tradição literária e como eles agregam elementos da cultura popular somados a essa releitura.
Cada grupo pode ficar responsável pela leitura de um texto, depois pode ser promovido um debate para analisar a releitura proposta em relação ao(s) texto(s) motivador(es).
1.1
TEXTO I
Erro de português
Oswald de Andrade
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena! Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português
Disponível em: http://www.releituras.com/oandrade_tupi.asp
TEXTO II
Manifesto antropófago [fragmentos]
Oswald de Andrade
Tupy or not tupy that is the question.
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.
Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comi-o.
http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=2124
TEXTO III
SENHOR FEUDAL
Oswald de Andrade
Se Pedro Segundo
Vier aqui
Com história
Eu boto ele na cadeia
Disponível em: http://www.algumapoesia.com.br/poesia2/poesianet171.htm
TEXTO IV
Papo de índio
Chacal
Veiu uns ômi di saia preta
cheiu di caixinha e pó branco
qui eles disserum qui chamava açucri
aí eles falarum e nós fechamu a cara
depois eles arrepitirum e nós fechamu o corpo
aí eles insistirum e nós comemu eles.
Leitura do poema: http://www.fabricadofuturo.org.br/index.php?pag=32&prog=41&id=246
O poema de Chacal estabelece um diálogo com a antropofagia oswaldiana, com a linguagem dos modernistas, com o falar que imita o discurso / dialeto do índio, apropriação da oralidade. Além do efeito de humor final que está presente na releitura antropofágica proposta pelo autor da geração marginal.
1.2
TEXTO I
CANÇÃO DO EXÍLIO
Gonçalves Dias
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000115.pdf
TEXTO II
Tico-tico
Zequinha de Abreu
Tico-tico
Tico-tico
O tico-tico tá
Tá outra vez aqui
O tico-tico tá comendo meu fubá
O tico-tico tem, tem que se alimentar
Que vá comer umas minhocas no pomar
Tico-tico
O tico-tico tá
Tá outra vez aqui
O tico-tico tá comendo meu fubá
O tico-tico tem, tem que se alimentar
Que vá comer umas minhocas no pomar
Ó por favor, tire esse bicho do celeiro
Porque ele acaba comendo o fubá inteiro
Tira esse tico de cá, de cima do meu fubá
Tem tanta coisa que ele pode pinicar
Eu já fiz tudo para ver se conseguia
Botei alpiste para ver se ele comia
Botei um galo, um espantalho e alçapão
Mas ele acha que fubá é que é boa alimentação
O tico-tico tá
Tá outra vez aqui
O tico-tico tá comendo meu fubá
O tico-tico tem, tem que se alimentar
Que vá comer é mais minhoca e não fubá
Tico-tico
O tico-tico tá
Tá outra vez aqui
O tico-tico tá comendo meu fubá
O tico-tico tem, tem que se alimentar
Que vá comer é mais minhoca e nao fubá
Disponível em: http://letras.terra.com.br/carmen-miranda/241982/
TEXTO III
Jogos florais I
Antônio Carlos de Brito
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
Vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil
Ficou moderno o milagre:
A água já não vira vinho,
Vira direto vinagre.
1.3
TEXTO I
Ninguém me ama, ninguém me quer
Antônio Maria e Fernando Lobo
Ninguém me ama, ninguém me quer
Ninguém me chama de meu amor
A vida passa, e eu sem ninguém
E quem me abraça não me quer bem
Vim pela noite tão longa de fracasso em fracasso
E hoje descrente de tudo me resta o cansaço
Cansaço da vida, cansaço de mim
Velhice chegando e eu chegando ao fim.
Interpretação da música – Quarteto em cy: http://letras.terra.com.br/antonio-maria/242515/
TEXTO II
Poema de Isabel Câmara
Quem diante do amor
Ousa falar do Inferno?
Quem diante do Inferno
Ousa falar do Amor?
Ninguém me ama
ninguém me quer
ninguém me chama de Baudelaire.
O poema de Isabel Câmara utiliza uma letra pertencente ao gênero samba-canção (as chamadas músicas “dor de cotovelo”) para fazer uma alusão à estética do poeta francês Baudelaire. O intuito do eu lírico é ser amado / reconhecido pela sua elaboração poética.
Atividade 3 – Arte desbunde, arte denúncia, arte protesto: a arte imita a vida.
Nesta atividade, serão trabalhos alguns aspectos de protesto e indagação política propostos pela geração marginal, bem como os efeitos ideológicos da palavra artística, ideais de liberdade e libertinagem (expressão do desejo) elucidados por esse grupo.
Adriano Bitarães Netto (2008) define certa poética do “desbunde” cultuada por esse grupo:
Os “desbundados” seriam esses autores “marginais” que produziam uma poética do “descompromisso”, do “gozo”, da “libertação”, poesia essa que se encontrava não apenas no papel, mas no modo de viver e no próprio corpo. Portanto, contra o clima de sufoco gerado na época, principalmente no caso do Brasil, pela política ditatorial, os poetas apontavam como solução o caminho da “marginalidade” estética, utilizando o humor e o prazer para driblar a realidade opressora e moralista. NETTO, Adriano Bitarães. Ver com os olhos livres: ver a margem. In: Estudo de obras vestibular UFMG 2008. Belo Horizonte: Editora Bernoulli, 2008. p.7. |
Nessa etapa, os alunos deverão identificar os principais temas propostos por cada poema e a relação dessa temática com o contexto dessa geração.
3.1
CARTA
Isabel Câmara
Olha eu te desejo
tanto que perdi
o recado.
Nada temo, tremo!
Sou poeta devassa
adorando a tua raça.
3.2 Poema de Charles
nunca viajei de avião
mas muitas vezes estive no ar
um desinteresse marcante
uma marcação latente
uma dor de dente
uma paixão fulminante
3.3
RÁPIDO E RASTEIRO
Chacal
vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar.
aí eu paro, tiro o sapato.
e danço o resto da vida.
3.4
MODA
Leila Miccolis
Eu queria te ver,
coxas de fora,
(como de fora vejo teus pêlos do peito
pela camisa de seda),
a andares pela rua,
entre assobios e apalpadelas,
O olhar disperso
Como quem nada percebe,
E mostrando ao sentares,
Subindo-te a roupa,
A cueca combinando com a gravata.
3.5 Poema de Zulmira Ribeiro Tavares
A avestruz é um bicho-raro.
O poeta é um ávis-trote.
A avestruz engole
tudo: parafusos em princípio.
O poeta não
digere uma
única partícula.
tudo: fica-lhe atravessado
no papel, para tanto
Estraçalha e regurgita –
ei-la: a Arte!
3.6
POETA E REALIDADE (O DESISTENTE)
José Carlos Capinan
Vou tentar a desistência
vou sentar aqui
ficar sem ir
e esperar por mim que vem atrás
os frutos caem
o carro corre
o poeta morre
o mundo marcha para sua manhã
e a sinfonia não pára
– sendo fatalidade, fico aqui –
se em tudo existe a própria máquina
pouco acrescenta ir ou não ir
gritam
pulam
ficam eufóricos
nunca práticos
todos teóricos
abrem camisa arrancam gravata
dizem senões
perdem botões
e permanecem homens
. . . . . . . . filhos da hora
irmãos do momento
eu vou parar
que venha a noite
se vier com luz
amém
se vier escura
amém
se vier mulher
bem, aí muito bem.
3.7
AQUELA TARDE
Francisco Alvim
Disseram-me que ele morreu na véspera.
Fora preso, torturado. Morreu no Hospital
do Exército
O enterro seria naquela tarde.
(Um padre escolheu um lugar de tribuno.
Parecia que ia falar. Não falou.
A mãe e a irmã choravam.)
Atividade 4 – Palavra diária, palavra híbrida: poesia plurinarrativa
Nesta atividade, os alunos (em duplas) deverão identificar os vários gêneros textuais com os quais os poetas marginais se serviam e deverão analisar o recurso coloquial da linguagem para a situação discursiva ou para a narrativa apresentada em cada texto.
Um dos recursos estéticos propostos pelo poetas do “desbunde” foi apropriar-se e reelaborar discursos veiculados no cotidiano, compostos por diálogos, frases feitas, ditos populares, falas do senso comum. Dessa maneira, o texto poético foi permeado por uma linguagem mais prosaica e livre de formatos, dos parâmetros de rima e métrica. Tal artifício, de certa forma, foi herança da estética modernista difundida, por exemplo, em poemas de Manuel Bandeira. A estética marginal também foi uma contraproposta aos ideais de racionalidade dos concretistas, apesar de o grupo contemporâneo utilizar a ruptura tradicional do verso como conquista e legado originado desse grupo.
Assim, nos textos da Poesia Marginal são encontradas paráfrases discursivas e estilísticas de gêneros textuais de uso corriqueiro, dentre eles: cartas, bilhetes, fábulas, propagandas, piadas, notícias, listas, formulários, diários, documentos, classificados, anúncios / informes de placas e tabuletas.
O professor poderá exibir os textos a seguir em data show e solicitará aos grupos que analisem os recursos de linguagem do gênero parafraseado, o uso da coloquialidade, bem como o sentido geral expresso em cada poema.
4.1
AVISO
Antonio Carlos Secchin
desfiz noivado
vendo sem uso
almofadas soltas
jogo
mesinha mármore rosa
cama sofá arquinha.
4.2
JORNAL ÍNTIMO
Ana Cristina César
30 de junho
Acho uma citação que me preocupa: “Não basta produzir contradições, é preciso explicá-las”. De leve recito o poema até sabê-lo de cor. Célia aparece e me encara com um muxoxo inexplicável.
4.3
PREÇO DA PASSAGEM
Chacal
Nome: Orlando Tacapau
Idade: Indeterminada no Espaço
Origem: Indefinida no Tempo
Filiação: Alzira Namira Irineu Cafunga
Impressão digital: Lamentável
4.4
OUVIDO AO ACASO Nº477
Bernardo Vilhena
avenida atlântica
interior de um táxi
chofer: padres mortos
famílias destruídas
guerras, milhares de mortos
tudo isso para vestir o índio
E hoje, é o que se vê.
4.5
ALMOÇO
Franscisco Alvim
Sim senhor doutor, o que vai ser?
Um filé-mignon, um filezinho, com salada
de batatas
Não: salada de tomates
E o que vai beber o meu patrão?
Uma caxambu
4.6
[poema sem título]
Adauto
o salvador da pátria
foi apedrejado & morto a pauladas
como veado
porque sua roupa
era toda colorida
y beijava na boca
todos os que passavam na rua...
4.7
INVENTÁRIO
Antonio Carlos Secchin
um urso caolho
um piano antigo
seu silêncio de madeira
cheio de fugas pra brincar lá fora
passarinho morto na janela quem um tambor quebrado
4.8
20/10
Torquato Neto
É preciso não beber mais. Não é preciso sentir vontade de beber e não beber: é preciso não sentir vontade de beber. É preciso não dar de comer aos urubus. É preciso fechar para balanço e reabrir. É preciso não dar de comer aos urubus. Nem esperanças aos urubus. É preciso sacudir a poeira. É preciso beber sem se oferecer em holocausto. É preciso. É preciso não morrer por enquanto. É preciso sobreviver para verificar. Não pensar mais na solidão de Rogério, e deixá-lo. É preciso não dar de comer aos urubus. É preciso enquanto é tempo não morrer na via pública.
4.9
Reclame
Chacal
Se o mundo não vai bem
a seus olhos, use lentes
… ou transforme o mundo.
ótica olho vivo
agradece a preferência
Disponível em: http://pensador.uol.com.br/autor/chacal/
Todos os poemas, com exceção de 4.9, foram retirados da coletânea 26 poetas hoje, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda.
Atividade 5 – Cinema Marginal
Nesta atividade, os alunos identificarão elementos precursores da estética marginal na poesia que foram apresentados no chamado Cinema Marginal. Para isso, deve ser exibido o filme O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla.
É importante que os alunos observem, além da temática narrativa, o efeito verborrágico poético (ora cômico, ora crítico, ora baseado nos elementos da cultura de massa) proposto pelo filme. Ao final da exibição pode ser discutido em sala de aula qual possível conceito de marginal que obra cinematográfica elabora.
Atividade 6 – Estética da contracultura em capas de discos
Nesta atividade, os alunos exibirá as seguintes capas de discos em data show e, através de uma leitura coletiva, deverão ser identificados quais elementos da estética marginal estão presentes.
Capas de discos anos 1970:
http://poucaconstelacao.spaceblog.com.br/
http://art2listen2music2see.blogspot.com/2009/02/gal-costa-india.html
http://caetanoendetalle.blogspot.com/2011/08/1972-gilberto-misterioso.html
http://www.constelar.com.br/constelar/142_abril10/ney-matogrosso1.php
http://www.borguez.com/uabab/caetano-veloso-bicho/
http://ritaleetuttifrutti.blogspot.com/2011/01/lps-rita-lee-e-tutti-frutti.html
BAHIANA, Ana Maria. Almanaque anos 70: lembranças e curiosidades de uma década muito doida. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
CHACAL. Uma história à margem. Rio de Janeiro: 7Letras, 2010.
HOLLANDA, Heloisa Buarque de. (org.). 26 poetas hoje. 6.ed. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007.
MATTOSO, Glauco. O que é poesia marginal. São Paulo: Brasiliense, 1981.
NETTO, Adriano Bitarães. Ver com os olhos livres: ver a margem. In: Estudo de obras vestibular UFMG 2008. Belo Horizonte: Editora Bernoulli, 2008. p.5-39.
SALOMÃO, Waly. Me segura qu'eu vou dar um troço. Rio de Janeiro: Aeroplano: Edições Biblioteca Nacional, 2003.
Artigo de Heloisa Buarque de Hollanda sobre Poesia marginal: http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/?p=559
Blog do Chacal: http://chacalog.zip.net/
Sair do rótulo de poeta marginal. Entrevista com Chacal: http://www.youtube.com/watch?v=Xb-9t_nkPmo
Sobre o filme O bandido da luz vermelha: http://www.revistazingu.net/2011/07/o-bandido-da-luz-vermelha
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