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UCA - Poesia Marginal

 

16/12/2011

Autor e Coautor(es)
Rodrigo Santos de Oliveira
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BELO HORIZONTE - MG ESCOLA DE EDUCACAO BASICA E PROFISSIONAL DA UFMG - CENTRO PEDAGOGICO

Prof.Dr.Luiz Prazeres

Estrutura Curricular
Modalidade / Nível de Ensino Componente Curricular Tema
Educação de Jovens e Adultos - 2º ciclo Língua Portuguesa Linguagem escrita: leitura e produção de textos
Dados da Aula
O que o aluno poderá aprender com esta aula
  • Identificar elementos temáticos e estéticos da Poesia Marginal dos anos 1970.
  • Identificar e analisar releituras de textos literários e musicais produzidos pela geração 1970.
  • Analisar os elementos temáticos e estilísticos num filme que antecipa a chamada geração marginal.
  • Identificar os conceitos e elementos da estética marginal em capas de discos da década de 1970.
  • Produzir textos literários a partir dos ideais estéticos circunscritos segundo tendências artísticas dos anos 1970.
  • Catalogar num blog textos e dados biográficos dos artistas que fizeram parte da geração 1970.
Duração das atividades
2 a 3 aulas de 50 minutos
Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor com o aluno

Antes de iniciar a aula sobre o tema, o professor deverá propor um debate acerca das definições do que se concebe em nossa sociedade como marginal.

Além dos conceitos atrelados aos significados pejorativos de “bandido”, “foragido”, “desprestigiado”, “criminoso”, deve-se explorar o conceito de alteridade, “a outra margem”, ou seja, algo que não está inserido num circuito capitalista ou num plano literário idealizado, que está fora de um centro canonizado ou que não se adapta a um estilo de vida / de escrita ocidentalmente legitimado.

Estratégias e recursos da aula

Atividade 1 – Poesia Marginal - introdução

Nesta atividade, serão apresentados alguns conceitos da poesia concebida como marginal a partir das palavras de Glauco Mattoso e Heloísa Buarque de Hollanda. Para a aplicação desses elementos constituintes e compreensão dessa tendência artística no plano literário, serão apresentados alguns poemas e uma canção do Zeca Baleiro que relê esse movimento.

 

Nota-se no contexto dos anos 1960 e 1970 que a poesia e as artes em geral não tinham o compromisso de abordar e falar somente do belo, assim as temáticas eram voltadas para a vida cotidiana, por referências a leituras várias feitas pelos artistas, apologia uso de drogas, às experiências sexuais, questões existenciais, além de denuncia e protesto em relação ao período da Ditadura Militar.

 

O que hoje é conhecido como poesia marginal pode ser definido como um acontecimento cultural que, por volta  de 1972-1973,  teve um impacto significativo no ambiente de medo e no vazio cultural, promovidos pela censura e pela violência da repressão militar que dominava o país naquela época, conseguindo reunir, em torno da poesia, um grande público jovem, até então ligado mais à música, ao cinema, shows e cartoons.

[...]

O termo marginal (ou magistral como dizia o poeta Chacal), ambíguo desde o início, oscilou numa gama inesgotável de sentidos: marginais da vida política do país, marginais do mercado editorial, e, sobretudo, marginais do cânone literário. Foi uma poesia que surgiu com perfil despretensioso e aparentemente superficial, mas que colocava em pauta uma questão tão grave quanto relevante: o ethos de uma geração traumatizada pelo cerceamento de suas possibilidades de expressão pelo crivo violento da  censura e da repressão militar. Em cada poema-piada, em cada improviso, em cada rima quebrada, além das marcas de estilo da poesia marginal, pode-se entrever uma aguda sensibilidade para registrar – com maior ou menor lucidez, com maior ou menor destreza literária – o dia-a-dia do momento político em que viviam os poetas da chamada geração AI5.

Disponível em: http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/?p=559


 

A palavra marginal [...] veio emprestada das ciências sociais, onde era apenas um termo técnico para especificar o indivíduo que vive entre duas culturas em conflito, ou que, tendo-se libertado de uma cultura, não se integrou de todo em outra, ficando à margem das duas.

Na verdade, marginal é simplesmente o adjetivo mais usado e conhecido para qualificar o trabalho de determinados artistas, também chamados independentes ou alternativos (por comparação com a imprensa nanica, teoricamente autônoma em relação à grande imprensa e contestadora em relação ao sistema). Dizer que um poeta é marginal equivale a chamá-lo de sórdido e maldito (por causa da noção de antissocial), mas esses adjetivos soam mais como elogio porque viraram sinônimos de alternativo e independente. Ou seja, o sentido deixa de ser pejorativo e se inverte a favor de quem recebe o rótulo, muito embora alguns dos assim chamados prefiram outros rótulos ou não aceitem nenhum.

MATTOSO, Glauco. O que é poesia marginal. São Paulo: Brasiliense, 1981. p.7-8.


 

Marginal ou informal era também a forma em que os textos produzidos por essa geração chegavam ao público leitor. Em geral, os poemas eram confeccionados por meio do mimeógrafo e eram repassados, comercializados de “boca em boca” nas ruas, nas faculdades, portas de teatro e cinema, dentre outros espaços culturais. Como salienta Heloísa Buarque de Hollanda:

 

Poderíamos mesmo definir o estilo marginal a partir da presença renitente da invenção poética na prática da produção, divulgação e comunicação de seus produtos. Em tempos de “milagre econômico” e profissionalização de nossas empresas editoriais, os poetas marginais optaram pela produção “doméstica” e pela comercialização independente. Essa opção, refletindo as determinantes vitalistas de nossos poetas e seu compromisso em “viver poeticamente”, traduziu-se numa série de publicações desafiadoras do ponto de vista das normas da produção editorial daquele momento. Foram lançados folhetos mimeografados, livros artesanais, livros-envelopes, posters, cartões-postais, cartazes, varais de poesia, gravações em muros e paredes e até mesmo uma torrencial chuva de poesia que inundou o centro de São Paulo, no dia 4 de dezembro de 1979. Invadiram as ruas, teatros, exposições, ganharam espaço na imprensa nanica, investiram pesado na venda de mão em mão, no contato direto entre o poeta e seu leitor.

Disponível em: http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/?p=559


MIMEÓGRAFO

Mimeógrafo

http://infancia8090.blogspot.com/2011/01/o-inesquecivel-mimeografo.html

 

Para os poemas a seguir, os alunos deverão identificar quais conceitos, efeitos de sentido e contexto relacionado à marginalidade, ou aos poetas malditos, são propostos.

 

1.1 Poema de Chacal

 

uma

palavra

escrita é uma

palavra não dita é uma

palavra maldita é uma palavra

gravada como gravata que é uma palavra

gaiata como goiaba que é uma palavra gostosa

Disponível emhttp://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/chacal.html

 

1.2 

 O POETA PRAS CADEIRAS

Carlos Saldanha (Zuca Sardan)

 

O poeta cumprimenta o seu público,

As cadeiras que não podem

Sequer dar-lhe uma salva de palmas:

Que têm braços, têm pés,

Mas não têm mãos a medir

Na admiração costumaz

 

Pra dar ânimo, enfim

Que ânimo infusa, ninguém

por certo João Limão

se está querendo ser;

Mas afinal algum interesse

Mínimo que se desperte

 

1.3

Poema de Adauto

 

em cada pirado

em cada pivete

em cada malandro

em cada suicida

em cada sub/urbanóide

eu vejo

           todo o

                     seu esplendor

escorrendo pelos bueiros

desta

cidade vazia

- meu único congo...

 

1.4

COGITO

Torquato Neto

 

eu sou como eu sou

pronome

pessoal intransferível

do homem que iniciei

na medida do impossível

 

eu sou como eu sou

agora

sem grandes segredos dantes

sem novos secretos dentes

nesta hora

 

eu sou como eu sou

presente

desferrolhado indecente

feito um pedaço de mim

 

eu sou como eu sou

vidente

e vivo tranquilamente

todas as horas do fim.

Disponível em: http://www.releituras.com/torqneto_menu.asp

 

1.5 Poema de Paulo Leminski

 

           Marginal é quem escreve à margem,

deixando branca a página

           para que a paisagem passe

e deixe tudo claro à sua passagem.

 

           Marginal, escrever na entrelinha,

sem nunca saber direito

           quem veio primeiro,

o ovo ou a galinha.

 

Disponível emhttp://pauloleminskipoemas.blogspot.com/2008/09/marginal-quem-escreve-margem-paulo.html

 

Os poemas sem referência foram retirados de:

HOLLANDA, Heloisa Buarque de. (org.). 26 poetas hoje. 6.ed. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007.

 

1.6

Para a leitura da canção a seguir, é necessário que os alunos pesquisem no Google imagens, na Wikipédia e no You Tube, as personalidades e os intertextos produzidos pelo compositor maranhense Zeca Baleiro. De maneira geral, a canção homenageia alguns poetas e, sobretudo, alguns músicos etiquetados como “marginais”, seja por uma questão de estética performática ou por estarem de alguma maneira fora das “paradas de sucesso”. Um verso da música exalta um dos temas proposto por essa geração: “O meu coração não quer dinheiro, quer poesia!”.

Alguns trocadilhos com os nomes dos escritores são postos em diálogo com elementos da cultura de massa: “Rimbaud - A missão” (o poeta francês está relacionado ao personagem Rambo e ao respectivo filme: Rambo – a missão) e o poeta da geração marginal é associado ao personagem Waly, do desenho animado: Onde está o Waly?.

 

Maldição

Zeca Baleiro

 

Baudelaire, Macalé, Luiz Melodia

Quanta maldição!

O meu coração não quer dinheiro, quer poesia!

 

Baudelaire, Macalé, Luiz Melodia

Rimbaud - A missão

Poeta e ladrão

Escravo da paixão sem guia

 

Edgar Allan Poe tua mão na pia

Lava com sabão tua solidão

Tão infinita quanto o dia

 

Vicentinho, Van Gogh, Luiza Erundina

Voltem pro sertão

Pra plantar feijão

Tulipas, para a burguesia

 

Baudelaire, Macalé, Luiz Melodia

Waly Salomão, Itamar Assumpção

O resto é perfumaria

Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=YZujeTyXuSY&feature=related

 

Atividade 2 – Releituras / reinvenções / rasuras da tradição segundo a ótica marginal

Nesta etapa, os alunos pesquisarão a recorrência da tradição poética e literária subvertida e rasurada segundo a estética dos poetas da geração 1970.

 

Um dos princípios dessa tendência artística era subverter os padrões culturais vigentes e propor outras formas de representação e leitura do mundo. Nesse aspecto, a representação canônica segundo a ótica literária também deveria ser repensada, por isso é comum encontrar na produção artística desse período paródias intertextuais de textos fundadores e clássicos da literatura brasileira e universal.

Dentre os textos mais rasurados, encontram-se poemas dos autores pertencentes ao romantismo, devido à visão idealizada e nacionalista em relação ao conceito de nação, além dos parnasianos e simbolistas que cultuaram “a arte pela arte”, ou seja, o fazer artístico como algo esteticamente lapidado e que cultuasse formas estilisticamente belas.

Somados a esses elementos, apareciam evidentes diálogos com canções e outros recursos oriundos da cultura popular. Assim, o discurso marginal buscava nas frases feitas, nos aforismos, nos quadrinhos, nas notícias de jornais, nos slogans publicitários dentre outros recursos gerados e veiculados no que se definiu como na cultura de massa a matéria-prima para a construção poética. Conforme ressaltou Heloísa Buarque de Hollanda, houve uma busca de anti-literatura “clássica”:

 

Determinados em não deixar o “silêncio” se instalar, os poetas marginais definiram uma poesia com fortes traços anti-literários que se chocava com o experimentalismo erudito das vanguardas daquele momento. Uma dicção poética empenhada em “brincar” com os padrões vigentes de qualidade literária, de densidade hermenêutica do texto poético, da exigência de um leitor qualificado para a plena fruição do poema e seus subtextos. Assim, os marginais, com um só gesto, desafiaram não apenas a crítica, mas também a instituição literária oferecendo uma poesia biodegradável que não parecia importar-se nem com a permanência de sua produção, nem com o reconhecimento da crítica informada pelos padrões canônicos da historiografia literária.  Ao contrário, marcavam sua posição ao não explicitar qualquer projeto literário ou político e ao apresentar-se claramente como não-programática, mostrando-se avessa à escolas e a enquadramentos formais.  Neste sentido, poderíamos considerar hoje os marginais como estruturalmente marcados por experiências que refletem uma quebra geral de certezas e fórmulas sejam elas políticas, literárias ou existenciais, tornando-se, na realidade, mais off literários do que anti-literários. Através do uso irreverente da linguagem poética e da afirmação de um desempenho ironicamente fora do sistema, os poetas marginais sinalizavam em sua textualidade e atitudes uma aproximação radical entre arte & vida.

 

Disponível em: http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/?p=559

 

 

Nessa etapa, os alunos deverão identificar de que maneira os poetas da geração mimeógrafo leem a tradição literária e como eles agregam elementos da cultura popular somados a essa releitura.

Cada grupo pode ficar responsável pela leitura de um texto, depois pode ser promovido um debate para analisar a releitura proposta em relação ao(s) texto(s) motivador(es).

 

1.1

TEXTO I

Erro de português

Oswald de Andrade

 

Quando o português chegou

Debaixo duma bruta chuva

Vestiu o índio

Que pena! Fosse uma manhã de sol

O índio tinha despido

O português

Disponível em: http://www.releituras.com/oandrade_tupi.asp

 

TEXTO II

Manifesto antropófago [fragmentos]

Oswald de Andrade

 

Tupy or not tupy that is the question.

 

Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.

 

Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comi-o.

 

Antropofagia

http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=2124

 

TEXTO III

SENHOR FEUDAL

Oswald de Andrade

 

Se Pedro Segundo

Vier aqui

Com história

Eu boto ele na cadeia

 

Disponível em: http://www.algumapoesia.com.br/poesia2/poesianet171.htm

 

TEXTO IV

Papo de índio

Chacal

 

Veiu uns ômi di saia preta

cheiu di caixinha e pó branco

qui eles disserum qui chamava açucri

aí eles falarum e nós fechamu a cara

depois eles arrepitirum e nós fechamu o corpo

aí eles insistirum e nós comemu eles.

Leitura do poemahttp://www.fabricadofuturo.org.br/index.php?pag=32&prog=41&id=246

 

O poema de Chacal estabelece um diálogo com a antropofagia oswaldiana, com a linguagem dos modernistas, com o falar que imita o discurso / dialeto do índio, apropriação da oralidade. Além do efeito de humor final que está presente na releitura antropofágica proposta pelo autor da geração marginal.

 

1.2

TEXTO I

 

CANÇÃO DO EXÍLIO

Gonçalves Dias

 

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o sabiá;

As aves, que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,

Nossas várzeas têm mais flores,

Nossos bosques têm mais vida,

Nossa vida mais amores.

 

Em cismar, sozinho, à noite,

Mais prazer encontro eu lá;

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o sabiá.

 

Minha terra tem primores,

Que tais não encontro eu cá;

Em cismar - sozinho, à noite -

Mais prazer encontro eu lá;

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá.

 

Não permita Deus que eu morra,

Sem que eu volte para lá;

Sem que desfrute os primores

Que não encontro por cá;

Sem qu'inda aviste as palmeiras,

Onde canta o Sabiá.

Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000115.pdf

 

TEXTO II

Tico-tico

Zequinha de Abreu

 

Tico-tico

Tico-tico

O tico-tico tá

Tá outra vez aqui

O tico-tico tá comendo meu fubá

O tico-tico tem, tem que se alimentar

Que vá comer umas minhocas no pomar

 

Tico-tico

O tico-tico tá

Tá outra vez aqui

O tico-tico tá comendo meu fubá

O tico-tico tem, tem que se alimentar

Que vá comer umas minhocas no pomar

 

Ó por favor, tire esse bicho do celeiro

Porque ele acaba comendo o fubá inteiro

Tira esse tico de cá, de cima do meu fubá

Tem tanta coisa que ele pode pinicar

Eu já fiz tudo para ver se conseguia

Botei alpiste para ver se ele comia

Botei um galo, um espantalho e alçapão

Mas ele acha que fubá é que é boa alimentação

 

O tico-tico tá

Tá outra vez aqui

O tico-tico tá comendo meu fubá

O tico-tico tem, tem que se alimentar

Que vá comer é mais minhoca e não fubá

 

Tico-tico

O tico-tico tá

Tá outra vez aqui

O tico-tico tá comendo meu fubá

O tico-tico tem, tem que se alimentar

Que vá comer é mais minhoca e nao fubá

Disponível em: http://letras.terra.com.br/carmen-miranda/241982/

 

TEXTO III

Jogos florais I

Antônio Carlos de Brito

 

Minha terra tem palmeiras

Onde canta o tico-tico.

Enquanto isso o sabiá

Vive comendo o meu fubá.

 

Ficou moderno o Brasil

Ficou moderno o milagre:

A água já não vira vinho,

Vira direto vinagre.

 

1.3

TEXTO I

Ninguém me ama, ninguém me quer

Antônio Maria e Fernando Lobo

 

Ninguém me ama, ninguém me quer

Ninguém me chama de meu amor

A vida passa, e eu sem ninguém

E quem me abraça não me quer bem

 

Vim pela noite tão longa de fracasso em fracasso

E hoje descrente de tudo me resta o cansaço

Cansaço da vida, cansaço de mim

Velhice chegando e eu chegando ao fim.

Interpretação da música – Quarteto em cyhttp://letras.terra.com.br/antonio-maria/242515/

 

TEXTO II

Poema de Isabel Câmara

 

Quem diante do amor

Ousa falar do Inferno?

 

Quem diante do Inferno

Ousa falar do Amor?

 

Ninguém me ama

ninguém me quer

ninguém me chama de Baudelaire.

 

O poema de Isabel Câmara utiliza uma letra pertencente ao gênero samba-canção (as chamadas músicas “dor de cotovelo”) para fazer uma alusão à estética do poeta francês Baudelaire. O intuito do eu lírico é ser amado / reconhecido pela sua elaboração poética.

 

Sobre Baudelairehttp://www.uepb.edu.br/index.php?option=com_content&view=article&id=714:professor-de-letras-da-uepb-comenta-a-obra-de-charles-baudelaire-por-ocasiao-do-aniversario-de-nascimento-do-poeta&catid=176:slide&Itemid=410

 

Atividade 3 – Arte desbunde, arte denúncia, arte protesto: a arte imita a vida.

Nesta atividade, serão trabalhos alguns aspectos de protesto e indagação política propostos pela geração marginal, bem como os efeitos ideológicos da palavra artística, ideais de liberdade e libertinagem (expressão do desejo) elucidados por esse grupo.

 

Adriano Bitarães Netto (2008) define certa poética do “desbunde” cultuada por esse grupo:

 

Os “desbundados” seriam esses autores “marginais” que produziam uma poética do “descompromisso”, do “gozo”, da “libertação”, poesia essa que se encontrava não apenas no papel, mas no modo de viver e no próprio corpo. Portanto, contra o clima de sufoco gerado na época, principalmente no caso do Brasil, pela política ditatorial, os poetas apontavam como solução o caminho da “marginalidade” estética, utilizando o humor e o prazer para driblar a realidade opressora e moralista.

NETTO, Adriano Bitarães. Ver com os olhos livres: ver a margem. In: Estudo de obras vestibular UFMG 2008. Belo Horizonte: Editora Bernoulli, 2008. p.7.

Nessa etapa, os alunos deverão identificar os principais temas propostos por cada poema e a relação dessa temática com o contexto dessa geração.

 

3.1

CARTA

Isabel Câmara

 

Olha eu te desejo

tanto que perdi

o recado.

Nada temo, tremo!

Sou poeta devassa

adorando a tua raça.

 

3.2 Poema de Charles

 

nunca viajei de avião

mas muitas vezes estive no ar

 

um desinteresse marcante

uma marcação latente

uma dor de dente

uma paixão fulminante

 

3.3

RÁPIDO E RASTEIRO

Chacal

 

vai ter uma festa

                          que eu vou dançar

   até o sapato pedir pra parar.

                                 aí eu paro, tiro o sapato.

e danço o resto da vida.   

 

3.4

MODA

Leila Miccolis

 

Eu queria te ver,

coxas de fora,

(como de fora vejo teus pêlos do peito

pela camisa de seda),

a andares pela rua,

entre assobios e apalpadelas,

O olhar disperso

Como quem nada percebe,

E mostrando ao sentares,

Subindo-te a roupa,

A cueca combinando com a gravata.

 

3.5 Poema de Zulmira Ribeiro Tavares

 

A avestruz é um bicho-raro.

O poeta é um ávis-trote.

 

A avestruz engole

                    tudo: parafusos em princípio.

O poeta não

                digere uma

                                 única partícula.

                 tudo: fica-lhe atravessado

no papel, para tanto

                   Estraçalha e regurgita –

 

                   ei-la: a Arte!          

 

3.6

POETA E REALIDADE (O DESISTENTE)

José Carlos Capinan

 

Vou tentar a desistência

vou sentar aqui

ficar sem ir

e esperar por mim que vem atrás

 

os frutos caem

o carro corre

o poeta morre

o mundo marcha para sua manhã

e a sinfonia não pára

 

– sendo fatalidade, fico aqui –

se em tudo existe a própria máquina

pouco acrescenta ir ou não ir

 

gritam

pulam

ficam eufóricos

                 nunca práticos

                 todos teóricos

abrem camisa arrancam gravata

dizem senões

perdem botões

e permanecem homens

. . . . . . . . filhos da hora

                irmãos do momento

eu vou parar

que venha a noite

 

se vier com luz

amém

se vier escura

                    amém

se vier mulher

bem, aí muito bem.

 

3.7

AQUELA TARDE

Francisco Alvim

 

Disseram-me que ele morreu na véspera.

Fora preso, torturado. Morreu no Hospital

do Exército

O enterro seria naquela tarde.

(Um padre escolheu um lugar de tribuno.

Parecia que ia falar. Não falou.

A mãe e a irmã choravam.)

 

Atividade 4 – Palavra diária, palavra híbrida: poesia plurinarrativa

Nesta atividade, os alunos (em duplas) deverão identificar os vários gêneros textuais com os quais os poetas marginais se serviam e deverão analisar o recurso coloquial da linguagem para a situação discursiva ou para a narrativa apresentada em cada texto.

 

Um dos recursos estéticos propostos pelo poetas do “desbunde” foi apropriar-se e reelaborar discursos veiculados no cotidiano, compostos por diálogos, frases feitas, ditos populares, falas do senso comum. Dessa maneira, o texto poético foi permeado por uma linguagem mais prosaica e livre de formatos, dos parâmetros de rima e métrica. Tal artifício, de certa forma, foi herança da estética modernista difundida, por exemplo, em poemas de Manuel Bandeira. A estética marginal também foi uma contraproposta aos ideais de racionalidade dos concretistas, apesar de o grupo contemporâneo utilizar a ruptura tradicional do verso como conquista e legado originado desse grupo.

 

Assim, nos textos da Poesia Marginal são encontradas paráfrases discursivas e estilísticas de gêneros textuais de uso corriqueiro, dentre eles: cartas, bilhetes, fábulas, propagandas, piadas, notícias, listas, formulários, diários, documentos, classificados, anúncios / informes de placas e tabuletas.

O professor poderá exibir os textos a seguir em data show e solicitará aos grupos que analisem os recursos de linguagem do gênero parafraseado, o uso da coloquialidade, bem como o sentido geral expresso em cada poema.

 

4.1

AVISO

Antonio Carlos Secchin

 

desfiz noivado

vendo sem uso

almofadas soltas

jogo

mesinha mármore rosa

cama sofá arquinha.

 

4.2

JORNAL ÍNTIMO

Ana Cristina César

 

30 de junho

Acho uma citação que me preocupa: “Não basta produzir contradições, é preciso explicá-las”. De leve recito o poema até sabê-lo de cor. Célia aparece e me encara com um muxoxo inexplicável.

 

4.3

PREÇO DA PASSAGEM

Chacal

 

Nome: Orlando Tacapau

Idade: Indeterminada no Espaço

Origem: Indefinida no Tempo

Filiação: Alzira Namira Irineu Cafunga

Impressão digital: Lamentável

 

4.4

OUVIDO AO ACASO Nº477

Bernardo Vilhena

 

avenida atlântica

interior de um táxi

 

chofer:  padres mortos

             famílias destruídas

             guerras, milhares de mortos

             tudo isso para vestir o índio

             E hoje, é o que se vê.  

 

4.5

ALMOÇO

Franscisco Alvim

 

Sim senhor doutor, o que vai ser?

Um filé-mignon, um filezinho, com salada

de batatas

Não: salada de tomates

E o que vai beber o meu patrão?

Uma caxambu

 

4.6

[poema sem título]

Adauto

 

o salvador da pátria

foi apedrejado & morto a pauladas

como veado

porque sua roupa

era toda colorida

y beijava na boca

todos os que passavam na rua...

 

4.7

INVENTÁRIO

Antonio Carlos Secchin

 

um urso caolho

um piano antigo

seu silêncio de madeira

cheio de fugas pra brincar lá fora

passarinho morto na janela quem um tambor quebrado

 

4.8

20/10

Torquato Neto

 

É preciso não beber mais. Não é preciso sentir vontade de beber e não beber: é preciso não sentir vontade de beber. É preciso não dar de comer aos urubus. É preciso fechar para balanço e reabrir. É preciso não dar de comer aos urubus. Nem esperanças aos urubus. É preciso sacudir a poeira. É preciso beber sem se oferecer em holocausto. É preciso. É preciso não morrer por enquanto. É preciso sobreviver para verificar. Não pensar mais na solidão de Rogério, e deixá-lo. É preciso não dar de comer aos urubus. É preciso enquanto é tempo não morrer na via pública.

 

4.9

Reclame

Chacal

 

Se o mundo não vai bem

 

a seus olhos, use lentes

 

… ou transforme o mundo.

 

ótica olho vivo

 

agradece a preferência

Disponível em: http://pensador.uol.com.br/autor/chacal/

 

Todos os poemas, com exceção de 4.9, foram retirados da coletânea 26 poetas hoje, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda.

 

Atividade 5 – Cinema Marginal

Nesta atividade, os alunos identificarão elementos precursores da estética marginal na poesia que foram apresentados no chamado Cinema Marginal. Para isso, deve ser exibido o filme O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla.

 

É importante que os alunos observem, além da temática narrativa, o efeito verborrágico poético (ora cômico, ora crítico, ora baseado nos elementos da cultura de massa) proposto pelo filme. Ao final da exibição pode ser discutido em sala de aula qual possível conceito de marginal que obra cinematográfica elabora.

 

Atividade 6 – Estética da contracultura em capas de discos

Nesta atividade, os alunos exibirá as seguintes capas de discos em data show e, através de uma leitura coletiva, deverão ser identificados quais elementos da estética marginal estão presentes.

 

Capas de discos anos 1970:

 

Raul Seixas

 

http://poucaconstelacao.spaceblog.com.br/

 

Gal Costa

 

http://art2listen2music2see.blogspot.com/2009/02/gal-costa-india.html

 

Caetano Veloso

 http://caetanoendetalle.blogspot.com/2011/08/1972-gilberto-misterioso.html

 

Secos e molhados

 

http://www.constelar.com.br/constelar/142_abril10/ney-matogrosso1.php

 

Caetano Veloso

 

http://www.borguez.com/uabab/caetano-veloso-bicho/

 

Gil e Rita

 

http://ritaleetuttifrutti.blogspot.com/2011/01/lps-rita-lee-e-tutti-frutti.html

 

Recursos Complementares

BAHIANA, Ana Maria. Almanaque anos 70: lembranças e curiosidades de uma década muito doida. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

CHACAL. Uma história à margem. Rio de Janeiro: 7Letras, 2010.

HOLLANDA, Heloisa Buarque de. (org.). 26 poetas hoje. 6.ed. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007.

MATTOSO, Glauco. O que é poesia marginal. São Paulo: Brasiliense, 1981.

NETTO, Adriano Bitarães. Ver com os olhos livres: ver a margem. In: Estudo de obras vestibular UFMG 2008. Belo Horizonte: Editora Bernoulli, 2008. p.5-39.

SALOMÃO, Waly. Me segura qu'eu vou dar um troço. Rio de Janeiro: Aeroplano: Edições Biblioteca Nacional, 2003.

 

Artigo de Heloisa Buarque de Hollanda sobre Poesia marginal: http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/?p=559

Blog do Chacal: http://chacalog.zip.net/

Sair do rótulo de poeta marginal. Entrevista com Chacal: http://www.youtube.com/watch?v=Xb-9t_nkPmo

Sobre o filme O bandido da luz vermelhahttp://www.revistazingu.net/2011/07/o-bandido-da-luz-vermelha

Avaliação
  • Observar e avaliar o interesse dos alunos pelo tema tratado e a disposição para trabalhar em duplas e em grupos.
  • Observar a aplicação conceitual e leitura interpretativa do termo marginal segundo os poemas apresentados.
  • Avaliar a identificação e análise caracterizadora dos gêneros literários e hibridismos nos textos selecionados para leitura.
  • Avaliar a aplicação conceitual e de elementos caracterizadores da estética marginal presentes nas capas de discos dos anos 1970.
  • Avaliar a produção de textos dos alunos baseada nos pressupostos estéticos da geração mimeógrafo, bem como o processo de catalogação dos poetas e construção do blog.
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