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Crônica - um gênero entre o jornalismo e a literatura

 

22/04/2014

Autor e Coautor(es)
ROGERIO DE CASTRO ANGELO
imagem do usuário

UBERLANDIA - MG ESC DE EDUCACAO BASICA

Eliana Dias, Lazuita Goretti de Oliveira

Estrutura Curricular
Modalidade / Nível de Ensino Componente Curricular Tema
Ensino Fundamental Final Língua Portuguesa Análise linguística: modos de organização dos discursos
Ensino Fundamental Final Língua Portuguesa Análise linguística: léxico e redes semânticas
Ensino Fundamental Final Língua Portuguesa Língua oral e escrita: prática de escuta e de leitura de textos
Dados da Aula
O que o aluno poderá aprender com esta aula
  • Quais características da crônica partem da esfera jornalística.
  • Quais características da crônica são da esfera da literatura.
  • O que significa dizer que a crônica fica entre o jornalismo e a literatura.
Duração das atividades
4 aulas de 50 minutos cada
Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor com o aluno
  • Habilidades de leitura e escrita.
  • Noções básicas sobre o texto jornalístico e o texto literário..
Estratégias e recursos da aula

Estratégias:

  • Discussão oral com toda a classe.
  • Leitura de textos jornalísticos literários.
  • Resolução de questionário em duplas.
  • Produção individual de uma crônica.

Recursos:

  • Handout com textos e questionários.
  • Jornais.
  • Folha avulsa para produção textual.

 

 

cronicas

Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/-1wV0JiH-0m8/UJmpGMgbFHI/AAAAAAAAABQ/lqLWSgsUvOA/s1600/CRNICA~1.JPG>. Acesso em: 15 abr. 2014.

 

Módulo 1

 

Atividade 1

 

Para levar os alunos a perceberem o que significa dizer que a crônica é um gênero textual entre o jornalismo e a literatura, primeiramente, o professor deverá apresentar a eles dois textos da esfera jornalísticas - duas notícias, sobre temas diferentes - para que possam elencar algumas características da linguagem jornalística.

 

Os os textos impressos serão entregues juntamente com um breve questionário o qual auxiliará os alunos a identificarem  as características dos textos jornalísticos.

 

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Texto 1

 

Dengue aumenta 82,3% em um mês no Estado

 

CAMPINAS - Em um mês, o número de casos de dengue no estado de São Paulo aumentou 82,3%, segundo a Secretaria Estadual da Saúde. De janeiro até 4 de abril, foram 18.445 registros. No balanço anterior, divulgado no início de março, eram 10.116 casos.

 

dengue
Militares vão remover entulhos e focos


Em relação ao mesmo período do ano passado, quando São Paulo e o país bateram o recorde histórico de casos, houve queda de 82,8%. Nos três primeiros meses de 2013, foram 107.739 casos.


Segundo a secretaria, dez municípios paulistas reúnem 70% dos registros: Americana, Campinas, São Paulo, Jaú, Taubaté, Votuporanga, Santa Bárbara d’Oeste, Boa Esperança do Sul, Casa Branca e Osasco.


A cidade em que a situação é mais crítica é Campinas. Com 5,1 mil casos, uma morte e outras quatro em investigação, a prefeitura anunciou ontem uma operação para conter a proliferação da doença e dar assistência a doentes.


Por determinação do prefeito Jonas Donizette (PSB), cerca de 80 médicos e técnicos de saúde que ocupam funções de gestão, como diretores de unidades e coordenadores, foram orientados a reforçar os postos e hospitais, atuando diretamente no acolhimento e acompanhamento dos doentes.
"A maior preocupação não é com o volume de casos, mas com a virulência com que a doença tem atacado", afirmou o secretário municipal da Saúde, Cármino de Souza. Do total de contaminados, 173 tiveram a forma grave da doença.


Medidas. Outras medidas foram a abertura de espaços de hidratação para os doentes e a requisição da Força Nacional do SUS ao Ministério da Saúde. O pedido já foi formalizado, e o ministério agendou visita técnica nos dias 22 e 23. O prefeito busca antecipar essa visita.


O Exército começa a atuar em Campinas a partir desta terça-feira, 15, no Jardim Cosmos. Os 58 homens do 11.º Batalhão de Infantaria Blindada foram treinados ontem e saíram às ruas para remover entulhos e possíveis focos do mosquito.

 

Texto e imagem disponíveis em: <http://www.estadao.com.br/noticias/vida,dengue-aumenta-82-3-em-um-mes-no-estado,1153840,0.htm>. Acesso em: 15 abr. 2014.

 

Texto 2

 

Fifa inicia amanhã última fase de venda de ingressos para Copa

 

A Federação Internacional de Futebol (Fifa) inicia amanhã (15), às 7h, o último período de vendas de ingressos para a Copa do Mundo de 2014, que ocorrerá em 12 cidades brasileiras entre 12 de junho e 13 de julho. A chamada Venda de Último Minuto será feita inicialmente apenas pela página da internet da Fifa, no endereço www.fifa.com/tickets.


A partir do dia 1° de junho, será possível comprar também em um dos 15 centros de venda e coleta da Fifa. A federação ainda não divulgou o número de ingressos que serão colocados à disposição do público.


Caso haja disponibilidade, os espectadores podem comprar os tíquetes até o dia da partida escolhida. Nas quatro fases de vendas anteriores, foram comercializados 2,57 milhões de entradas para as 32 partidas da competição. Os tíquetes já comprados começam a chegar às mãos dos torcedores este mês.

 

Disponível em : <http://www.jb.com.br/esportes/noticias/2014/04/14/fifa-inicia-amanha-ultima-fase-de-venda-de-ingressos-para-copa/>. Acesso em: 15 abr. 2014.

 

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Em relação a cada um dos textos apresentados, responda:

  1. Qual o assunto abordado?
  2. São apresentadas informações precisas ou imprecisas?
  3. A linguagem utilizada é formal ou informal?
  4. Há a presença de discurso direto? Se sim, com qual finalidade?
  5. As referências temporais (datas, etc.) dão uma impressão de aproximação ou distanciamento do tempo presente?
  6. O texto apresenta prioritariamente fatos ou opiniões sobre os fatos?
  7. O texto é escrito em primeira ou terceira pessoa?

 

Professor, o objetivo dessa primeira atividade é ativar os conhecimentos prévios dos alunos sobre as características dos textos jornalísticos, principalmente  em relação ao tratamento de fatos do cotidiano, visando informar as pessoas sobre os fatos que aconteceram/acontecerão em determinado local, com o mínimo de interferência da opinião por parte do redator da matéria/notícia.

 

Atividade 2

 

O professor deverá dividir a turma em duplas para a leitura de mais dois textos: uma reportagem e uma crônica que abordam o mesmo tema.

 

O objetivo dessa proposta é  levar os alunos a perceberem que, apesar de ambos os textos partirem de um referencial do cotidiano,  a reportagem prima pela imparcialidade, enquanto a crônica prima por lançar uma visão parcial, uma opinião sobre os fatos do cotidiano, sem se preocupar com informações precisas, sobre um acontecimento específico, mas lançando um olhar particular sobre o fato.

 

Texto 1

 

Com reforço de fronteiras na Europa, imigrantes optam por 'rotas da morte'

Daniela Fernandes

 

 Lampedusa
Lampedusa (acima), Sicília e Malta viraram a principal porta de entrada dos que tentam migrar à Europa



Com o reforço da segurança nas fronteiras em toda a Europa e nos Estados Unidos, imigrantes ilegais são cada vez mais obrigados a optar por rotas perigosas para chegar aos seus destinos, aumentando o número de vítimas fatais nessas jornadas.


Segundo dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM), já chega a 900 o número de mortos só na travessia do mar Mediterrâneo, rota usada por imigrantes ilegais africanos que tentam chegar às ilhas de Lampedusa, Sicília e Malta, no sul da Europa.


O número é quase o dobro do registrado em 2012 e o triplo de dez anos atrás.


"O número de mortes vem crescendo porque as fronteiras europeias são cada vez mais vigiadas", disse à BBC Brasil Jumbe Omari Jumbe, porta-voz da OIM.


"Há cada vez menos opções para entrar na Europa. Isso leva as pessoas a utilizar alternativas cada vez mais desesperadas e perigosas".


Outra rota amplamente utilizada por imigrantes clandestinos é a da fronteira entre México e Estados Unidos, onde morreram 463 pessoas no ano passado, o maior número desde 2005. Neste ano, apenas em um ponto da fronteira, na região do rio Grande, 70 pessoas perderam a vida.


A travessia via Golfo de Áden, entre a África e o Iêmen e a Árabia Saudita, também é apontada pela OIM como uma rota migratória bastante perigosa. Não há números oficiais, mas as estimativas apontam para entre 100 e 200 mortes anuais nesta rota.


Sírios

O número de imigrantes africanos que tentam entrar na Europa tem se mantido estável de 2007 a 2012, em torno de 20 mil a 30 mil por ano - exceto 2011, quando o conflito da Líbia elevou o número para 63 mil.


A maioria desses imigrantes vem da África subsaariana, de países como Eritreia, Somália, Etiópia, mas também do Sudão, Mali e Gana, além de refugiados de países árabes em conflito.


Neste ano de 2013, o número dos que tentaram a travessia já tinha chegado a 30 mil no início de novembro, graças, em parte, ao número de sírios fugindo do conflito em seu país e que se juntaram aos imigrantes africanos. Estima-se em 8 mil o número de imigrantes sírios que tentaram a travessia do Mediterrâneo neste ano.


Os perigos dessas jornadas vieram à tona mais uma vez com duas tragédias em outubro. Na primeira, um barco com 500 imigrantes africanos naufragou próximo à Lampedusa, causando 360 mortes.


Na segunda, poucos dias depois, outra embarcação também a caminho de Lampedusa, com cerca de 230 passageiros, afundou ao sul de Malta, provocando 87 mortes.


 

rotas


Os dados causam preocupação, pois, apesar de o número de imigrantes em trânsito ser relativamente estável, o total de mortes está aumentando.


"O número de mortes vem crescendo porque as fronteiras europeias são cada vez mais vigiadas", disse à BBC Brasil Jumbe Omari Jumbe, porta-voz da OIM. "Há cada vez menos opções para entrar na Europa. Isso leva as pessoas a utilizar alternativas cada vez mais desesperadas e perigosas".


"As fronteiras terrestres foram reforçadas e o Mediterrâneo se tornou praticamente a única alternativa para entrar na Europa", diz Jumbe, porta-voz da OIM. "No passado, havia várias outras opções, incluindo a Grécia, a Búlgaria e também por avião".


O exemplo mais recente do reforço das fronteiras terrestres na Europa para impedir a entrada de imigrantes é a decisão da Bulgária de iniciar a construção de um muro de 30 quilômetros (e 3 metros de altura) em sua fronteira com a Turquia.


Esse será o terceiro muro na Europa a obstruir o acesso de imigrantes, após o dos enclaves espanhóis de Celta e Melila, no Marrocos, em 1998, e o construído pela Grécia, de 12,5 quilômetros, também na fronteira com a Turquia, finalizado no ano passado.


O porta-voz da OIM afirma ainda que o número de mortes de imigrantes que atravessam o Mediterrâneo para entrar na Europa vem crescendo desde a criação da Agência Europeia para a Gestão da Cooperação Operacional às Fronteiras Externas (Frontex), que acabaou reforçando o controle nas fronteiras europeias.


Lamp

Enterro de criança imigrante em Lampedusa; jornada pelo Mediterrâneo é extremamente perigosa
 

Segundo dados do OIM, no ano da criação do Frontex, em 2004, foram registradas 296 mortes na rota do Mediterrâneo entre a África e as ilhas de Lampedusa, Sicília e Malta.


Em 2008, esse número havia saltado para 682, mas caiu para 431 em 2009, mesmo assim isso representa um aumento de 45% em relação a 2004.


Números globais

A OIM calcula que 20 mil pessoas morreram desde 1988 na travessia do Mediterrâneo entre a África e o sul da Europa em geral, o que representa uma média de 800 pessoas por ano.

Mortes de imigrantes na rota do Mediterrâneo entre a Africa e Lampedusa, Sicilia e Malta


2004 – 296 mortes
2008 – 682 mortes
2009 – 431 mortes
2012 – 500 mortes
2013 – 900 mortes
Fonte: OIM


A OIM ressalta que as estatísticas de mortes na rota entre a África e Lampedusa, Sícilia ou Malta, via mar Mediterrâneo, são consideradas, desde 2005, as mais realistas na comparação com rotas migratórias de outras regiões do mundo, onde os dados podem ser subestimados.


Por esse motivo, não há números globais de mortes em rotas migratórias.


A Austrália, que recebeu nos últimos anos milhares de refugiados do Afeganistão e Iraque, também possui números considerados mais precisos: 1.484 imigrantes morreram afogados tentando entrar no país nos últimos 13 anos (incluindo os corpos não encontrados), o que dá uma média de 114 pessoas por ano.


O total de mortes na rota México-Estados Unidos vêm crescendo pela mesma razão observada na Europa: reforço cada vez maior da segurança nas fronteiras, o que leva as pessoas a utilizarem caminhos cada vez mais "isolados, traiçoeiros e perigosos", diz a ONG de direitos humanos Wola.


Para especialistas e ONGS, o controle maior das fronteiras dos países ricos também têm feito com que imigrantes caiam nas mãos de redes de tráfico humano.

Imagens e texto disponíveis em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/11/131124_rotas_imigracao_pai_df.shtml>. Acesso em: 15 abr. 2014.

 

Texto 2

 

Desafiando a sorte, por Luis Fernando Veríssimo

Enviado por Luis Fernando Veríssimo


Uma pessoa que nasce pobre, num dos chiqueiros do mundo, com pouca perspectiva de sobreviver, o que dirá de melhorar de vida, tem todo o direito de pensar que a sorte (ou Deus, ou que nome tenha o responsável pela sua sina) lhe foi cruel.


E de assumir sua própria biografia, já que o destino que lhe foi reservado de nascença claramente não serve. Como um dos despossuídos da Terra, só tem duas opções: resignação ou fuga. Fatalismo ou revolta. Aceitar ou rejeitar sua sina. E literalmente desafiar a sua sorte.


Assim essas cenas que se vê, de barcos precários lotados de imigrantes ilegais da África arriscando a vida para chegar à Europa, ou mexicanos sendo caçados na fronteira ao tentar entrar ilegalmente nos Estados Unidos, entre outras imagens de desumanidade e desespero, são cenas de uma tragédia recorrente e sem solução, mas uma tragédia com mais significados do que os que aparecem.


Representam graficamente, didaticamente, a desigualdade entre nações pobres e ricas, que seria apenas outro fatalismo irredimível se a desigualdade não fosse deliberada, cultivada por nações ricas que muitas vezes estão na origem histórica da miséria dos pobres.

 

Lampedusa

Imigrantes ilegais chegando à ilha de Lampedusa


E tem este outro significado, o de cada refugiado da sua sina representar um indivíduo em revolta contra o acaso que determinou que vida ele teria. São pessoas de posse da sua própria biografia, desafiando a ideia de que o destino de cada um está preordenado, na geografia ou nos astros.
A maioria dos que desafiam a sorte e conseguem chegar onde queriam continua a padecer. Transformam-se em problemas sociais no país de destino, sofrem com a hostilidade e o racismo e a falta de oportunidades.


Mas o importante é que passaram pelas barreiras: a da sua origem na miséria e a barreira maior que separa o mundo rico do mundo pobre. Mesmo os que não conseguiram ser mais do que vendedores de bolsas Vuitton falsificadas na calçada, são símbolos de uma vitória.


Já se disse da mistura e da quantidade de raças que se vê na Inglaterra, por exemplo, que são os filhos bastardos do império inglês, na metrópole para reclamar sua parte da herança. O normal é que imigrantes legais ou ilegais, na Europa e nos Estados Unidos, continuem deserdados. Mas pelo menos não é mais uma sina.

 

Imagem e texto disponíveis em: <http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2014/01/09/desafiando-sorte-por-luis-fernando-verissimo-520308.asp>. Acesso em: 15 abr. 2014.

 

Após a leitura dos dois textos sobre o mesmo assunto, os alunos deverão compará-los, guiados pelo seguinte roteiro:

 

  1. Qual o assunto abordado nos dois textos?
  2. É possível afirmar que os dois textos partem de um acontecimento do cotidiano? Qual seria ele?
  3. Qual dos dois textos preocupa-se em mostrar uma visão parcial/particular sobre o acontecimento?
  4. Em qual dos textos podemos perceber uma preocupação com informações precisas/detalhadas?
  5. Qual dos dois textos parece mais informal?
  6. Qual dos dois textos você classificaria como sendo uma crônica?

 

Após a resolução das questões, o professor deverá abrir espaço para que os alunos apresentem e  discutam suas respostas, visando perceber quais os pontos de contato e quais os pontos de distanciamento entre um e outro texto.

 

Módulo 2

 

Atividade 1

 

Nesse segundo momento,  considerando que os alunos já conhecem as diferença entre o texto jornalístico e a crônica, o professor entregará a eles os dois textos seguintes (um pouco mais teóricos), que elucidam sobre  a  questão de crônica ser considerada como um gênero textual entre o jornalismo e a literatura.

 

Sugere-se que os alunos façam uma leitura silenciosa dos texos e, após a leitura, o professor peça a eles que montem um quadro com as aproximações entre texto jornalístico e crônica, da seguinte forma:

 

Pontos de semelhança e divergência entre texto jornalístico e crônica:

 

Semelhanças Diferenças  
   
   
   

 

Primeiramente, o Texto 1 mostra que a aproximação existente entre a crônica, enquanto gênero textual, e os textos jornalísticos se justifica até mesmo pelo histórico do gênero. Isso pode ser percebido nos dois primeiros parágrafos do texto de Heloisa Amaral:

 

Texto 1

O gênero textual crônica

 

A palavra “ crônica”, em sua origem, está associada à palavra grega “khrónos”, que significa tempo. De khrónos veio chronikós, que quer dizer “relacionado ao tempo”. No latim existia a palavra “chronica”, para designar o gênero que fazia o registro dos acontecimentos históricos, verídicos, numa seqüência cronológica, sem um aprofundamento ou interpretação dos fatos. Como se comprova pela origem de seu nome, a crônica é um gênero textual que existe desde a Idade Antiga e vem se transformando ao longo do tempo. Justificando o nome do gênero que escreviam, os primeiros cronistas relatavam, principalmente, aqueles acontecimentos históricos relacionados a pessoas mais importantes, como reis, imperadores, generais etc.



A crônica contemporânea é um gênero que se consolidou por volta do século XIX, com a implantação da imprensa em praticamente todas as partes do planeta. A partir dessa época, os cronistas, além de fazerem o relato em ordem cronológica dos grandes acontecimentos históricos, também passaram a registrar a vida social, a política, os costumes e o cotidiano do seu tempo, publicando seus escritos em revistas, jornais e folhetins. Ou seja, de um modo geral, importantes escritores começam a usar as crônicas para registrar, de modo ora mais literário, ora mais jornalístico, os acontecimentos cotidianos de sua época , publicando-as em veículos de grande circulação.

 

Disponível em: <https://www.escrevendoofuturo.org.br/index.php?view=article&catid=23%3Acolecao&id=186%3Ao-genero-textual-cronica&option=com_content&Itemid=7>. Acesso em: 15 abr. 2014.

 

O Texto 2  apresenta um resumo sobre o que significa dizer que a crônica é um gênero entre jornalismo e literatura.

 

Texto 2

 

Crônica: Gênero entre jornalismo e literatura

 

Alfredina Nery

 

Assim como a fábula e o enigma, a crônica é um gênero narrativo. Como diz a origem da palavra (Cronos é o deus grego do tempo), narra fatos históricos em ordem cronológica, ou trata de temas da atualidade. Mas não é só isso. Lendo esse texto, você conhecerá as principais características da crônica, técnicas de sua redação e terá exemplos.


Uma das mais famosas crônicas da história da literatura luso-brasileira corresponde à definição de crônica como "narração histórica". É a "Carta de Achamento do Brasil", de Pero Vaz de Caminha, na qual são narrados ao rei português, D. Manuel, o descobrimento do Brasil e como foram os primeiros dias que os marinheiros portugueses passaram aqui. Mas trataremos, sobretudo, da crônica como gênero que comenta assuntos do dia a dia. Para começar, uma crônica sobre a crônica, de Machado de Assis:



O nascimento da crônica



“Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e la glace est rompue está começada a crônica. (...)
(Machado de Assis. "Crônicas Escolhidas". São Paulo: Editora Ática, 1994)



Publicada em jornal ou revista, destina-se à leitura diária ou semanal e trata de acontecimentos cotidianos.


A crônica se diferencia no jornal por não buscar exatidão da informação. Diferente da notícia, que procura relatar os fatos que acontecem, a crônica os analisa, dá-lhes um colorido emocional, mostrando aos olhos do leitor uma situação comum, vista por outro ângulo, singular.


O leitor pressuposto da crônica é urbano e, em princípio, um leitor de jornal ou de revista. A preocupação com esse leitor é que faz com que, dentre os assuntos tratados, o cronista dê maior atenção aos problemas do modo de vida urbano, do mundo contemporâneo, dos pequenos acontecimentos do dia a dia comuns nas grandes cidades.

 

Jornalismo e literatura


É assim que podemos dizer que a crônica é uma mistura de jornalismo e literatura. De um recebe a observação atenta da realidade cotidiana e do outro, a construção da linguagem, o jogo verbal. Algumas crônicas são editadas em livro, para garantir sua durabilidade no tempo.

 

Fato corriqueiro...



Há na crônica uma série de eventos aparentemente banais, que ganham outra "dimensão" graças ao olhar subjetivo do autor. O leitor acompanha o acontecimento, como uma testemunha guiada pelo olhar do cronista que tem a pretensão de registrar de maneira pessoal o acontecimento. O autor dá a um fato corriqueiro uma perspectiva, que o transforma em fato singular e único.

 

(Grifos nossos)

 

Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/cronica-genero-entre-jornalismo-e-literatura.htm>. Acesso em: 15 abr. 2014. (Adaptado)
 

Atividade 2

Para que os alunos possam  conhecer um pouco mais sobre esse meio caminho em que se situa a crônica, elencamos abaixo alguns exemplos de crônica, que deverão ser entregues às duplas de alunos.

 

Sugere-se que o professor monte apostilas com duas crônicas cada, fazendo 4 tipos diferente de apostila. Após os alunos lerem as crônicas, aquelas duplas que ficaram com as mesmas crônicas podem ser agrupadas para discutirem o texto e, em seguida, um representante de cada grande grupo apresenta para a classe as crônicas lidas.

 

img

Disponível em: <https://peregrinacultural.files.wordpress.com/2009/08/jovens-lendo.jpg>. Acesso em: 15 abr. 2014.

 

Texto 1

 

O Milagre das Folhas - Clarice Lispector
 
 
Não, nunca me acontecem milagres. Ouço falar, e às vezes isso me basta como esperança. Mas também me revolta: por que não a mim? Por que são de ouvir falar? Pois já cheguei a ouvir conversas assim, sobre milagres: “Avisou-me que, ao ser dita determinada palavra, um objeto de estimação se quebraria.” Meus objetos se quebram banalmente e pelas mãos das empregadas. Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos. Bem que tenho visões fugitivas antes de adormecer – seria milagre? Mas já me foi tranquilamente explicado que isso até nome tem: cidetismo, capacidade de projetar no campo alucinatório as imagens inconscientes.
 
 
Milagre, não. Mas as coincidências. Vivo de coincidências, vivo de linhas que incidem uma na outra e se cruzam e no cruzamento formam um leve e instantâneo ponto, tão leve e instantâneo que mais é feito de pudor e segredo: mal eu falasse nele, já estaria falando em nada.
 
 
Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhares de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzí-las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo.
 
 
Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.
 
 
Clarice Lispector - Crônica publicada no Jornal do Brasil em 04 de janeiro de 1969.

Disponível em: <http://passeandopelocotidiano.blogspot.com.br/2011/01/o-milagre-das-folhas.html>. Acesso em 18 abr. 2014.

 

Texto 2

 

A última crônica  -  Fernando Sabino
 
 
A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever.
 
A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.
 
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
 
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom.
 
Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho -- um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
 
A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa.
 
O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim. 
 
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "parabéns pra você, parabéns pra você..."
 
Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura — ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido — vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
 
Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.
 
 
Texto extraído do livro "A Companheira de Viagem", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1965, pág. 174.
 
Disponível em: < http://www.releituras.com/i_samuel_fsabino.asp>. Acesso em 18 abr. 2014.
 

Texto 3

 

Londres, novembro de 1972  -  Campos de Carvalho
 
 
Meu caro.
 
O selo inglês é só você passar a língua nele e logo gruda. Aliás, a única coisa que realmente funciona mal aqui em Longres, pelo que vi, são os relógios públicos: cada um marca uma hora diferente, e tem até os que não marcam hora nenhuma. A proverbial pontualidade britânica é uma pilhéria: ou então cada um é pontual mas dentro do seu próprio horário, e todos os horários são válidos. Meu pobre relógio brasileiro já ficou maluco.
 
O londrino, tirante os trenagers, que não têm graça nehuma, é em geral engraçadíssimo. Apieda-se pelo fato de você não ter agasalho próprio para o frio glacial que está fazendo. Perto dos franceses, são educadíssimos (o que não é nenhuma vantagem), mas também ignoram a sua existência, a menos que você se ponha a gritar no meio da rua Help! Help! - o que estou sempre fazendo. As mulheres são bonitas, surpreendentemente bonitas, mas todas iguais; já os homens não me agradam, e espero que eu lhes agrade ainda muito menos. Até os cachorros ingleses fumam cachimbo e trazem o olhar perdido no horizonte; educadíssimo: ainda não vi um cachorro sequer olhando para um poste.
 
Londres, pode escrever, é a cidade mais limpa do mundo: até os lixeiros aqui são impecavelmente limpos. Sê você joga um pedaço de papel na rua, logo vem o guarda e o admoesta num perfeito inglês de Oxford; depois vêm os repórteres de tudo quanto é jornal e da televisão para entrevistá-lo e saber a que tribo selvagem você pertence. Finalmente vem o Exército da Salvação e se põe a entoar cânticos pela redenção da sua alma. Antes de sair de casa já cuspo 20 vezes seguidas por medida de precaução - e se me acontece ficar com um pedaço de papel na mão em plena rua, entro simplesmente na primeira agência do correio e despacho-o para uma das ilhas Malvinas, com o selo da rainha e tudo. As casas aqui, de tão limpas parecem até feitas de procelana: não sei se o mesmo acontecerá no Soho ou nos bairros ainda mais pobres: suponho que não. A verdade é que não existe a menor relação entre mendigo londrino e um mendigo, digamos, do Rio de Janero; o mendigo aí, londrino, passaria por lorde e seria recebido com um five o'clock tea pela Academia Brasileira de Letras: muito justo, aliás, do que muitos outros chás de que já tenho ouvido falar.
 
Comprar cigarro em Londres é um drama: você tem que ir a Escócia. Tem casa de tudo aqui perto do meu hotel, até de incenso indiano ou de figas da Guiné: só não tem tabacaria. Parece que o puritanismo inglês se fixou todo no combate ao fumo e ao tabagismo, e até já me explicaram algo parecido com isso; os poucos cigarros que lhe vendem são todos fraquíssimos e é preciso você fumar um maço inteiro, inclusivo o próprio maço, para ter a leve sensação de que algum dia alguém passou fumando perto de você. O que salva os mendigos londrinos são os turistas, sobretudo norte-americanos, que sempre jogam disfaçadamente uma guimba ou outra no meio-fio, longe dos olhares inquisidores e cobiçosos do guarda da esquina. Dizem que o fog londrino despareceu de uns tempos para cá, por motivos meteorológicos e outros que ninguém sabe ainda explicar: a verdade verdadeira é que o que desapareceu mesmo foi a fumaça dos cigarros e dos charutos, a minha inclusive, para total desespero dos cancerologistas ingleses do pulmão.
 
O londrino tem em média dois metros de altura, do que resultam sérios problemas para quem, como eu, tem pouco mais da metade: isto porque as coisas aqui foram feitas para ele e não para mim, evidentemente. Assim, por exemplo, para apertar o botão do elevador tenho que me colocar na ponta dos pés e depois de alguns minutos pedir o auxílio de alguém. Os mictórios públicos batem exatamente na altura do meu queixo e assim acabo urinando é mesmo no chão, onde pelo visto já andaram urinando antes de mim outros brasileiros, ou pelo menos algum cearense. Uma mulher londrina dá para dois homens tranqüilamente e ainda sobra um pouquinho para o dia seguinte: mas nem por isso deixam de ser lindas, lindas, assim como é lindo o Everest. Agora é que eu compreendo por que o inglês (a inglesa) tem fama de ser uma criatura distante, quase inacessível.
 
O abraço do
 
Campos de Carvalho
 
 
 
Texto 4
 
Coisas e pessoas - Mário Quintana
 

Desde pequeno, tive tendência para personificar as coisas. Tia Tula, que achava que mormaço fazia mal, sempre gritava: "Vem pra dentro, menino, olha o mormaço!". Mas eu ouvia o mormaço com M maiúsculo. Mormaço, para mim, era um velho que pegava crianças! Ia pra dentro logo. E ainda hoje, quando leio que alguém se viu perseguido pelo clamor público, vejo com estes olhos o Sr. Clamor Público, magro, arquejante, de preto, brandindo um guarda-chuva, com um gogó protuberante que se abaixa e levanta no excitamento da perseguição.

 

E já estava devidamente grandezinho, pois devia contar uns trinta anos, quando me fui, com um grupo de colegas, a ver o lançamento da pedra fundamental da ponte Uruguaiana-Libres, ocasião de grandes solenidades, com os presidentes Justo e Getúlio e gente muita, tanto assim que fomos alojados os do meu grupo num casarão que creio fosse a prefeitura, com os demais jornalistas do Brasil e Argentina. Era como um alojamento de quartel, com breve espaço entre as camas e todas as portas e janelas abertas, tudo com alegres incômodos e duvidosos encantos de uma coletividade democrática. Pois lá pelas tantas da noite, como eu pressentisse, em meu entredormir, um vulto junto à minha cama, sentei-me estremunhado olhei atônito para um tipo chiru, ali parado, de bigodes caídos, pala pendente e chapéu descido sobre os olhos. Diante da minha muda interrogação, ele resolveu explicar-se, com a devida calma:

 

— Pois é! Não vê que eu sou o sereno...

 

E eis que, por um milésimo de segundo, ou talvez mais, julguei que se tratasse do Sereno Noturno em pessoa.

 

Coisas do sono? Além disso, o vulto aquele, penumbroso e todo em linhas descendentes, ajudava a ilusão. Mas por que desculpar-me? Quase imediatamente compreendi que o "sereno" era vigia noturno, uma espécie de anjo da guarda crioulo e municipal.

 

Por que desculpar-me, se os poetas criaram deuses e semideuses para personificar as coisas, visíveis e invisíveis... E o sereno da fronteira deve andar mesmo de chapéu desabado, bigode, pala e de pé no chão... sim, ele estava mesmo de pés descalços, decerto para não nos perturbar o sono mais ou menos inocente.

 

 

Texto 5

 

O PASTEL E A CRISE — Otto Lara Resende
 

Quando a crise convida ao pessimismo ou ameaça descambar na depressão, está na hora de ler. Poesia ou prosa, tanto faz. A partir de certa altura, bom mesmo é reler. Reler sobretudo o que nunca se leu, como repeti outro dia a um amigo que não é chegado à leitura. Ele mergulhou no Proust sem escafandro e se sente mal quando vem à tona respirar o ar poluído aqui de fora.

 

Verdadeiro sábio era o Rubem Braga. Tinha com a vida uma relação direta, sem intermediação intelectual. Houvesse o que houvesse, trazia no coração uma medida de equilíbrio que era um dom de nascença, mas era também fruto do aprendizado que só a experiência dá. No pequeno mundo do cotidiano, sabia como ninguém identificar as coisas boas da vida. E assim viveu até o último instante.

 

Certa vez, no auge de uma crise, crivada de discursos e de diagnósticos, o Rubem estava de olho nas frutas da estação. Madrugador, cedinho já sabia das coisas. Quando o largo horizonte nacional andava borrasco- so, ele se punha a par das nuvens negras, mas não mantinha o olhar fixo no pé-direito alto da crise. Baixava o olhar ao rodapé, pois o sabor do Brasil está também no rés-do-chão. Num dia de greve geral, inquietações no ar, tudo fechado, o Rubem me telefonou: Vamos ao bar Luís, na rua da Carioca? Vamos ver a crise de perto.

 

E lá fomos nós. O bar estava aberto e o chope, esplêndido. Começamos por um preto duplo, que a sede era forte. Depois mais um, agora louro. E outro. Claro que não faltou o salsichão com bastante mostarda. Calados, mas vorazes, cumpríamos um rito. Alguém por perto disse que a Vila Militar tinha descido com os tanques. Saímos dali e fomos a um sebo. O Rubem comprou Xamã, do Carlos Lacerda, com dedicatória. Depois, pegamos o carro e voltamos pelo Aterro, onde se pode exercer o direito da livre eructação. Tinha sido um perfeito programa cultural. E sem nenhum incentivo do governo.

 

Vi agora na televisão que o maracujá está em baixa e me lembrei do velho Braga. Nem tudo está perdido. Fui à feira e comprei também dois suculentos abacaxis. Caem bem nesta hora de atribulação nacional. Só falta agora descobrir um bom pastel de palmito na Zona Norte. Se o Rubem estivesse aí, lá iríamos nós atrás da deleitosa descoberta. Depois, de cabeça erguida, enfrentaríamos a crise até o caos.

 
In: SANTOS, Joaquim Ferreira (Org.). As Cem Melhore Crônicas Brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, pp. 263, 264
 
 

Texto 6

 

Grande Edgar — Luis Fernando Verissimo

 

Já deve ter acontecido com você.

— Não está se lembrando de mim?

Você não está se lembrando dele. Procura, freneticamente, em todas as fichas armazenadas na memória o rosto dele e o nome correspondente, e não encontra. E não há tempo para procurar no arquivo desativado. Ele esta ali, na sua frente, sorrindo, os olhos iluminados, antecipando sua resposta.

Lembra ou não lembra?

Neste ponto, você tem uma escolha. Há três caminhos a seguir.

Um, curto, grosso e sincero.

— Não.

Você não está se lembrando dele e não tem por que esconder isso. O "Não" seco pode até insinuar uma reprimenda à pergunta. Não se faz uma pergunta assim, potencialmente embaraçosa, a ninguém, meu caro. Pelo menos entre pessoas educadas. Você deveria ter vergonha. Passe bem. Não me lembro de você e mesmo que lembrasse não diria. Passe bem. Outro caminho, menos honesto mas igualmente razoável, é o da dissimulação.— Não me diga. Você é o... o...

"Não me diga", no caso, quer dizer "Me diga, me diga". Você conta com a piedade dele e sabe que cedo ou tarde ele se identificará, para acabar com sua agonia. Ou você pode dizer algo como:

— Desculpe, deve ser a velhice, mas...

Este também é um apelo à piedade. Significa "não tortura um pobre desmemoriado, diga logo quem você é!". É uma maneira simpática de você dizer que não tem a menor ideia de quem ele é, mas que isso não se deve a insignificância dele e sim a uma deficiência de neurônios sua.

E há um terceiro caminho. O menos racional e recomendável. O que leva à tragédia e à ruína. E o que, naturalmente, você escolhe.

— Claro que estou me lembrando de você!

Você não quer magoá-lo, é isso! Há provas estatísticas de que o desejo de não magoar os outros está na origem da maioria dos desastres sociais, mas você não quer que ele pense que passou pela sua vida sem deixar um vestígio sequer. E, mesmo, depois de dizer a frase não há como recuar. Você pulou no abismo. Seja o que Deus quiser. Você ainda arremata:

— Há quanto tempo!

Agora tudo dependerá da reação dele. Se for um calhorda, ele o desafiará.

— Então me diga quem sou.

Neste caso você não tem outra saída senão simular um ataque cardíaco e esperar, e falsamente desacordado, que a ambulância venha salvá-lo. Mas ele pode ser misericordioso e dizer apenas:

— Pois é.

Ou:

— Bota tempo nisso.

Você ganhou tempo para pesquisar melhor a memória. Quem será esse cara meu Deus? Enquanto resgata caixotes com fichas antigas no meio da poeira e das teias de aranha do fundo do cérebro, o mantém à distância com frases neutras como jabs verbais.

— Como cê tem passado?

— Bem, bem.

— Parece mentira.

— Puxa.

(Um colega da escola. Do serviço militar. Será um parente? Quem é esse cara, meu Deus?)

Ele esta falando:

— Pensei que você não fosse me reconhecer...

— O que é isso?!

— Não, porque a gente às vezes se decepciona com as pessoas.

— E eu ia esquecer de você? Logo você?

— As pessoas mudam. Sei lá.

— Que ideia. (é o Ademar! Não, o Ademar já morreu. Você foi ao enterro dele. O... o... como era o nome dele? Tinha uma perna mecânica. Rezende! Mas como saber se ele tem uma perna mecânica? Você pode chutá-lo amigavelmente. E se chutar a perna boa? Chuta as duas. "Que bom encontrar você!" e paf, chuta uma perna. "Que saudade!" e paf, chuta a outra. Quem é esse cara?)

— É incrível como a gente perde contato.

— É mesmo.

Uma tentativa. É um lance arriscado, mas nesses momentos deve-se ser audacioso.

— Cê tem visto alguém da velha turma?

— Só o Pontes.

— Velho Pontes! (Pontes. Você conhece algum Pontes? Pelo menos agora tem um nome com o qual trabalhar. Uma segunda ficha para localizar no sótão. Pontes, Pontes...)

— Lembra do Croarê?

— Claro!

— Esse eu também encontro, às vezes, no tiro ao alvo.

— Velho Croarê. (Croarê. Tiro ao alvo. Você não conhece nenhum Croarê e nunca fez tiro ao alvo. É inútil. As pistas não estão ajudando. Você decide esquecer toda cautela e partir para um lance decisivo. Um lance de desespero. O último, antes de apelar para o enfarte.)

— Rezende...

— Quem?

Não é ele. Pelo menos isto esta esclarecido.

— Não tinha um Rezende na turma?

— Não me lembro.

— Devo esta confundindo.

Silêncio. Você sente que esta prestes a ser desmascarado.

Ele fala:

— Sabe que a Ritinha casou?

— Não!

— Casou.

— Com quem?

— Acho que você não conheceu. O Bituca. (Você abandonou todos os escrúpulos. Ao diabo com a cautela. Já que o vexame é inevitável, que ele seja total, arrasador . Você esta tomado por uma espécie de euforia terminal. De delírio do abismo. Como que não conhece o Bituca?)

— Claro que conheci! Velho Bituca...

— Pois casaram.

É a sua chance. É a saída. Você passou ao ataque.

— E não avisou nada?

— Bem...

— Não. Espera um pouquinho. Todas essas acontecendo, a Ritinha casando com o Bituca, O Croarê dando tiro, e ninguém me avisa nada?

— É que a gente perdeu contato e...

— Mas meu nome tá na lista meu querido. Era só dar um telefonema. Mandar um convite.

— É...

— E você acha que eu ainda não vou reconhecer você. Vocês é que se esqueceram de mim.

— Desculpe, Edgar. É que...

— Não desculpo não. Você tem razão. As pessoas mudam. ( Edgar. Ele chamou você de Edgar. Você não se chama Edgar. Ele confundiu você com outro.

Ele também não tem a mínima ideia de quem você é. O melhor é acabar logo com isso. Aproveitar que ele esta na defensiva. Olhar o relógio e fazer cara de "Já?!".)

— Tenho que ir. Olha, foi bom ver você, viu?

— Certo, Edgar. E desculpe, hein?

— O que é isso? Precisamos nos ver mais seguido.

— Isso.

— Reunir a velha turma.

— Certo.

— E olha, quando falar com a Ritinha e o Manuca...

— Bituca.

— E o Bituca, diz que eu mandei um beijo. Tchau, hein?

— Tchau, Edgar!

Ao se afastar, você ainda ouve, satisfeito, ele dizer "Grande Edgar". Mas jura que é a última vez que fará isso. Na próxima vez que alguém lhe perguntar "Você está me reconhecendo?" não dirá nem não. Sairá correndo.

In: SANTOS, Joaquim Ferreira (Org.). As Cem Melhore Crônicas Brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, p. 267-270

Disponível em: <http://www.releituras.com/i_artur_lfverissimo.asp>. Acesso em 18 abr. 2014.

 

 

Texto 7

 

Para você estar passando adiante — Ricardo Freire

 

Este artigo foi feito especialmente para que você possa estar recortando e possa estar deixando discretamente sobre a mesa de alguém que não consiga estar falando sem estar espalhando essa praga terrível da comunicação moderna, o gerundismo. Você pode também estar passando por fax, estar mandando pelo correio ou estar enviando pela internet.


O importante é estar garantindo que a pessoa em questão vá estar recebendo esta mensagem, de modo que ela possa estar lendo e, quem sabe, consiga até mesmo estar se dando conta da maneira como tudo o que ela costuma estar falando deve estar soando nos ouvidos de quem precisa estar escutando.


Sinta-se livre para estar fazendo tantas cópias quantas você vá estar achando necessárias, de modo a estar atingindo o maior número de pessoas infectadas por esta epidemia de transmissão oral.


Mais do que estar repreendendo ou estar caçoando, o objetivo deste movimento é estar fazendo com que esteja caindo a ficha das pessoas que costumam estar falando desse jeito sem estar percebendo.


Nós temos que estar nos unindo para estar mostrando a nossos interlocutores que, sim, pode estar existindo uma maneira de estar aprendendo a estar parando de estar falando desse jeito. Até porque, caso contrário, todos nós vamos estar sendo obrigados a estar emigrando para algum lugar onde não vão estar nos obrigando a estar ouvindo frases assim o dia inteirinho. Sinceramente: nossa paciência está ficando a ponto de estar estourando.


O próximo "Eu vou estar transferindo a sua ligação" que eu vá estar ouvindo pode estar provocando alguma reação violenta da minha parte. Eu não vou estar me responsabilizando pelos meus atos.


As pessoas precisam estar entendendo a maneira como esse vício maldito conseguiu estar entrando na linguagem do dia a dia.


Tudo começou a estar acontecendo quando alguém precisou estar traduzindo manuais de atendimento por telemarketing. Daí a estar pensando que "We'll be sending it tomorrow" possa estar tendo o mesmo significado que "Nós vamos estar mandando isso amanhã" acabou por estar sendo só um passo.


Pouco a pouco a coisa deixou de estar acontecendo apenas no âmbito dos atendentes de telemarketing para estar ganhando os escritórios. Todo mundo passou a estar marcando reuniões, a estar considerando pedidos e a estar retornando ligações. A gravidade da situação só começou a estar se evidenciando quando o diálogo mais coloquial demonstrou estar sendo invadido inapelavelmente pelo gerundismo.


A primeira pessoa que inventou de estar falando "Eu vou tá pensando no seu caso" sem querer acabou por estar escancarando uma porta para essa infelicidade linguística estar se instalando nas ruas e estar entrando em nossas vidas. Você certamente já deve ter estado estando a estar ouvindo coisas como "O que cê vai tá fazendo domingo?" ou "Quando que cê vai tá viajando pra praia?", ou "Me espera, que eu vou tá te ligando assim que eu chegar em casa".


Deus, o que a gente pode tá fazendo pra que as pessoas tejam entendendo o que esse negócio pode tá provocando no cérebro das novas gerações?
A única solução vai estar sendo submeter o gerundismo à mesma campanha de desmoralização à qual precisaram estar sendo expostos seus coleguinhas contagiosos, como o "a nível de", o "enquanto", o "pra se ter uma ideia" e outros menos votados.


A nível de linguagem, enquanto pessoa, o que você acha de tá insistindo em tá falando desse jeito?

In: SANTOS, Joaquim Ferreira (Org.). As Cem Melhore Crônicas Brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, pp. 329-330

Disponível em: <http://www.digestivocultural.com/ensaios/ensaio.asp?codigo=298&titulo=Para_voce_estar_passando_adiante>. Acesso em: 18 abr. 2014.

 

 

Texto 8

 

Recado ao Sr. 903 — Rubem Braga

 

Vizinho -

Quem fala aqui é o homem dos 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois a sua própria ­visita pessoalmente - Devia ser meia noite - e sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou toda razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a lei e a polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno, e é impossível dormir no 903 quando há vozes, passos e música no 1003. Ou melhor, é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita: pois como não sei o seu nome, e o senhor não sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois números, empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a leste pelo 1005, a oeste pelo 100], ao sul pelo Oceano Atlântico, ao norte pelo 1004, ao alto pelo 1013 e embaixo pelo 903 - que é o senhor, todos esses números são comportados e silenciosos, apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis: nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vir à minha casa (perdão, ao meu número) será convidado a se retirar às 21:45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois às 8: 15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará até o 527 da outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho está toda numerada; e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda o outro número, mas o respeita ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas - e lhe prometo silêncio.


Mas que me seja permitido sonhar com outras vidas e outros mundos, em que um homem batesse à porta de outro e dissesse: “Vizinho, são três horas da manhã. e ouvi música em tua casa. Aqui estou’” E o outro respondesse “Entra vizinho, e come de meu pão e bebes de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela”.


E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.
 

Disponível em: <http://contobrasileiro.com.br/?p=1334>. Acesso em: 18 abr. 2014.

 

Módulo 3

img

Disponível em: <http://colegiojao.com.br/wp-content/uploads/2012/06/redação.jpg>. Acesso em: 15 abr. 2014.
 

 

Atividade 1

 

Após terem lido mais alguns exemplos de crônicas, os alunos deverão, individualmente, produzir uma crônica. Eles escreverão a crônica pensando na comunidade escolar como público-alvo, pois os textos produzidos, após passarem por uma revisão textual, poderão ser divulgados nos murais da escola, ou então em um blog ou site da escola.

 

Uma vez que a crônica parte de um fato do cotidiano, o professor poderá levar para a sala de aula alguns exemplares de jornais de circulação local, para que os alunos escrevam a crônica a partir de uma notícia verídica.

 

Uma outra opção é pedir que os alunos escrevam uma crônica em que eles apresentem um recorte particular/pessoal sobre um fato corriqueiro do dia a dia no mundo moderno.

 

Atividade 2

Após a escrita das crônicas, o professor pedirá que os alunos leiam suas produções para a sala toda.

Recursos Complementares

Material sobre a redação jornalística:

Sobre a origem e evolução das crônicas:

Para mais crônicas interessantes, recomendamos:

  • SANTOS, Joaquim Ferreira (Org.). As Cem Melhore Crônicas Brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007
  • Coleção: Para Gostar de Ler: Crônicas (Vol. 1-5). Editora Ática.
Avaliação

Os alunos serão avaliados qualitativamente quanto à participação nas leituras e discussões dos textos jornalísticos e literários.

 
Em relação à avaliação quantitativa, o professor deverá observar se os alunos produziram um texto majoritariamente narrativo que apresenta a visão pessoal do escritor (aluno) sobre um fato/situação do cotidiano, utilizando-se de uma linguagem simples.

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Opiniões

  • Rosa Maria Rocha Alves, Colegio Estadual Dr. Feliciano Sodre , Rio de Janeiro - disse:
    rosamariaralves@yahoo.com.br

    06/05/2014

    Quatro estrelas

    A escolha das cronicas foi muito boa, entretanto, senti falta de uma que tivesse como tema o futebol, uma vez que estamos vivendo esse momento: a Copa no Brasil... No ano de 2013, levei para a sala de aula uma apostila que tratava de problemas na linguagem, tinha como titulo: de olho na linguagem, e abordei entre outros temas o gerundismo.


Sem classificação.
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