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A crônica e suas relações com a carta

 

22/04/2014

Autor e Coautor(es)
ROGERIO DE CASTRO ANGELO
imagem do usuário

UBERLANDIA - MG ESC DE EDUCACAO BASICA

Eliana Dias, Lazuita Goretti de Oliveira

Estrutura Curricular
Modalidade / Nível de Ensino Componente Curricular Tema
Ensino Fundamental Final Língua Portuguesa Língua oral e escrita: prática de escuta e de leitura de textos
Ensino Fundamental Final Língua Portuguesa Análise linguística: organização estrutural dos enunciados
Ensino Fundamental Final Língua Portuguesa Língua oral e escrita: prática de produção de textos orais e escritos
Dados da Aula
O que o aluno poderá aprender com esta aula
  • Reconhecer a possibilidade de se escrever uma crônica com a estrutura do gênero carta;
  • Conhecer o modo de construção de crônicas dessa natureza.
Duração das atividades
3 aulas de 50 minutos cada
Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor com o aluno
  • Conhecer os gêneros  crônica e carta.
Estratégias e recursos da aula

Estratégias:

  • Discussão ora.;
  • Leitura oral.
  • Apresentação de slides em PowerPoint.
  • Leitura silenciosa e discussão de textos literários.
  • Resolução de questionário escrito (em grupos).
  • Produção textual escrita.
  • Reescrita de textos.

 
Recursos

  • Quadro negro e giz / Quadro branco e pincéis.
  • Computador
  • Data show.
  • Apostila com textos e questionários.
  • Papel para a produção textual.
  • Jornais da semana (para a seleção de um tema para a produção textual).

 

Módulo 1

 

 

carta

 

Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/-K9qGDj4Fl0I/UaLm3IQ5aTI/AAAAAAAAA3I/HWjrXPc16-c/s1600/Carta.jpg>. Acesso em: 19 abr. 2014.

 

Atividade 1

 

Para  relembrar os alunos sobre o gênero Carta, sugere-se que o professor retome oralmente com eles  em quais situações se envia uma Carta, qual é sua estrutura composicional e quais suas características linguísticas básicas. O professor deve ir anotando no quadro a ordem dos elementos estruturais da carta, à medida que os alunos forem falando.

 

Em seguida, o professor  exibirá para os alunos a seguinte apresentação em PowerPoint:

 

 

cartas

Disponível em: <http://cl.ly/0U3i0C0M0F39>. Acesso em: 19 abr. 2014.


 

Durante a apresentação em PowerPoint, o professor poderá ir comparando com os alunos a estrutura que eles haviam mencionado no início da aula e a estrutura das cartas apresentadas nos slides.

 

Professor , vale ressaltar que nas cartas, duas características linguísticas são muito relevantes, quais sejam: marcas de autoria e marcas de interlocução.

 

Vale observar  que as marcas de autoria são a utilização de pronomes e verbos na primeira pessoa do singular, bem como a criação de uma máscara (quem está enviando a carta). Já as marcas de interlocução são as expressões e pronomes que marcam no texto a interlocução com o destinatário (a senhora, você, etc.).

 

Atividade 2

 

Após a ativação dos conhecimentos prévios dos alunos, o professor retomará, oralmente, com os alunos, o que são crônicas. Da mesma forma que foi feito sobre o gênero carta, o professor anotará no quadro o que os alunos lembram sobre o gênero crônica. Após  estas anotações,  o professor poderá apresentar a eles a seguinte definição de a crônica:

 

Crônica

A crônica é uma forma textual no estilo de narração que tem por base fatos que acontecem em nosso cotidiano. Por este motivo, é uma leitura agradável, pois o leitor interage com os acontecimentos e por muitas vezes se identifica com as ações tomadas pelas personagens.

Você já deve ter lido algumas crônicas, pois estão presentes em jornais, revistas e livros. Além do mais, é uma leitura que nos envolve, uma vez que utiliza a primeira pessoa e aproxima o autor de quem lê. Como se estivessem em uma conversa informal, o cronista tende a dialogar sobre fatos até mesmo íntimos com o leitor.

O texto é curto e de linguagem simples, o que o torna ainda mais próximo de todo tipo de leitor e de praticamente todas as faixas etárias. A sátira, a ironia, o uso da linguagem coloquial demonstrada na fala das personagens, a exposição dos sentimentos e a reflexão sobre o que se passa estão presentes nas crônicas.

Como exposto acima, há vários motivos que levam os leitores a gostar das crônicas, mas e se você fosse escrever uma, o que seria necessário? Vejamos de forma esquematizada as características da crônica:

• Narração curta;
• Descreve fatos da vida cotidiana;
• Pode ter caráter humorístico, crítico, satírico e/ou irônico;
• Possui personagens comuns;
• Segue um tempo cronológico determinado;
• Uso da oralidade na escrita e do coloquialismo na fala das personagens;
• Linguagem simples.

Portanto, se você não gosta ou sente dificuldades de ler, a crônica é uma dica interessante, pois possui todos os requisitos necessários para tornar a leitura um hábito agradável!

Alguns cronistas (veteranos e mais recentes) são: Fernando Sabino, Rubem Braga, Luis Fernando Veríssimo, Carlos Heitor Cony, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Ernesto Baggio, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis, Max Gehringer, Moacyr Scliar, Pedro Bial, Arnaldo Jabor, dentre outros.

Disponível em: <http://www.brasilescola.com/redacao/cronica.htm>. Acesso em: 19 abr. 2014.

 

Atividade 3

 

Depois de feita a revisão com os alunos sobre os gêneros carta e crônica, o professor entregará a eles a crônica abaixo, de Moacyr Scliar, que, embora apresente a estrutura da carta, é uma crônica:

 

Texto 1

 

natal

Disponível em: <http://estudos.gospelmais.com.br/files/2013/11/natal-natal-47056c.jpg>. Acesso em: 19 abr. 2014.


 

Desistindo de Natal — Moacyr Scliar



 Segundo pesquisa do instituto Ipsos, encomendada pela Associação Comercial de São Paulo, 32% dos consumidores não pretendem fazer compras neste Natal. Folha Dinheiro, 9 de dezembro de 2005



"Prezado Papai Noel: há uma semana eu lhe mandei uma carta com a lista dos meus pedidos para o Natal. Agora estou mandando esta outra carta para dizer que mudei de idéia. Não vou querer nada. Ontem o papai nos avisou que não tem dinheiro para as compras do fim de ano. Papai está desempregado há mais de um ano. A gente mora numa cidade pequena do interior, muito pobre. No Natal passado, o prefeito anunciou que tinha um presente para a população: uma grande fábrica viria se instalar aqui, dando emprego para muitas pessoas. Meu pai ficou animado. Ele é um homem trabalhador, sabe fazer muitas coisas e achou que com isso o nosso problema estaria resolvido. Agora, porém, o prefeito teve de dizer que a fábrica não vem mais. Não entendo dessas coisas, mas parece que a situação está difícil.

Portanto, Papai Noel, peço-lhe desculpas se o senhor já encomendou as coisas, mas infelizmente vou ter de desistir. Para começar, não quero aquela bonita árvore de Natal de que lhe falei -até mandei um desenho, lembra? Nada de pinheirinho, nada de luzinhas, nada de bolinhas coloridas. A verdade, Papai Noel, é que essas coisas só gastam espaço e, como disse a mamãe, gastam muita luz.

E nada de ceia de Natal, Papai Noel. Nada de peru. Como eu lhe disse, nunca comi peru na minha vida, mas acho que não vai me fazer falta. Se tivesse peru, eu comeria tanto que decerto passaria mal. Portanto, nada de peru. Aliás, se a gente tiver comida na mesa, já será uma grande coisa.

Nada de presentes, Papai Noel. Não quero mais aquela bicicleta com a qual sonho há tanto tempo. Bicicletas custam caro. E além disso é uma coisa perigosa. O cara pode cair, pode ser atropelado por um carro... Nada de bicicleta.

Nada de DVD, Papai Noel. Afinal, a gente já tem uma TV (verdade que de momento ela está estragada e não temos dinheiro para mandar consertar), mas DVD não é coisa tão urgente assim.

Também quero desistir da roupa nova que lhe pedi e dos sapatos. A minha roupa velha ainda está muito boa, e a mamãe vai fazer os remendos nos rasgões. E sapato sempre pode dar problema: às vezes ficam apertados, às vezes caem do pé... Prefiro continuar com meus tênis e o meu chinelo de dedo.

Ou seja: nada de Natal, Papai Noel. Para mim, nada de Natal. Agora, se o senhor for mesmo bonzinho e quiser nos dar algum presente, arranje um emprego para o meu pai. Ele ficará muito grato e nós também. Desejo ao senhor um Feliz Natal e um próspero Ano Novo."

Folha de São Paulo (São Paulo) 19/12/2005

 

Disponível em: <http://www.academia.org.br/abl_e4w/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?from_info_index=31&infoid=3323&sid=384>. Acesso em: 19 abr. 2014.


 

Depois da leitura do texto, os alunos deverão responder, em duplas, ao seguinte questionário:

 

  1. O texto lido apresenta local e data, vocativo, corpo do texto, despedida e assinatura?
  2. Apresenta marcas de autoria e de interlocução?
  3. O texto parece ser uma carta real, enviada de uma pessoa para outra, ou parece um texto ficcional?
  4. Você classificaria esse texto como apenas uma carta, ou também como uma crônica?
  5. Quais aspectos do gênero crônica podem ser observados nesse texto?

 

Atividade 4

 

Após os alunos terem lido o texto e respondido às questões, o professor pedirá para que alguns  deles leiam suas respostas. Partindo das respostas dos alunos, o professor conduzirá uma discussão com eles sobre o fato de que às vezes acontece esse meio termo entre gêneros, ou seja, os escritores às vezes fazem crônicas na estrutura de uma carta, tratando de um tema do cotidiano de uma maneira leve, na forma de uma carta ficcional.

 

Feito isso, o professor entregará a apostila com os textos abaixo, que são mais alguns exemplos de crônicas em forma de carta. Além disso, para cada texto os alunos responderão, em duplas ao seguinte questionário:

 

  1. Qual o assunto trabalhado no texto?
  2. O texto lido apresenta local e data, vocativo, corpo do texto, despedida e assinatura?
  3. Apresenta marcas de autoria e de interlocução?
  4. O texto parece ser uma carta real, enviada de uma pessoa para outra, ou parece um texto ficcional?
  5. Quem são os interlocutores pressupostos na carta? (Quem é o remetente e quem é o destinatário?)
  6. Quais aspectos do gênero crônica podem ser observados nesse texto?

 

Texto 1

 

londres

Disponível em: <http://intercultural.com.br/blog/wp-content/uploads/2013/11/londres.jpg>. Acesso em: 19 abr. 2014.


 

LONDRES, NOVEMBRO DE 1972 — CAMPOS DE CARVALHO

 

Meu caro.

O selo inglês é só você passar a língua nele e logo gruda. Aliás, a única coisa que realmente funciona mal aqui em Londres, pelo que vi, são os relógios públicos: cada um marca uma hora diferente, e tem até os que não marcam hora nenhuma. A proverbial pontualidade britânica é uma pilhéria: ou então cada um é pontual mas dentro do seu próprio horário, e todos os horários são válidos. Meu pobre relógio brasileiro já ficou maluco.
O londrino, tirante os trenagers, que não tem graça nenhuma, é em geral engraçadíssimo. Apieda-se pelo fato de você não ter agasalho próprio para o frio glacial que está fazendo. Perto dos franceses, são educadíssimos (o que não é nenhuma vantagem), mas também ignoram a sua existência, a menos que você se ponha a gritar no meio da rua Help! Help! - o que estou sempre fazendo. As mulheres são bonitas, surpreendentemente bonitas, mas todas iguais; já os homens não me agradam, e espero que eu lhes agrade ainda muito menos. Até os cachorros ingleses fumam cachimbo e trazem o olhar perdido no horizonte; educadíssimo: ainda não vi um cachorro sequer olhando para um poste.


Londres, pode escrever, é a cidade mais limpa do mundo: até os lixeiros aqui são impecavelmente limpos. Se você joga um pedaço de papel na rua, logo vem o guarda e o admoesta num perfeito inglês de Oxford; depois vêm os repórteres de tudo quanto é jornal e da televisão para entrevistá-lo e saber a que tribo selvagem você pertence finalmente vem o Exército da Salvação e se põe a entoar cânticos pela redenção da sua alma. Antes de sair de casa já cuspo 20 vezes seguidas por medida de precaução — e se me acontece ficar com um pedaço de papel na mão em plena rua, entro simplesmente na primeira agência do Correio e despacho-o para uma das ilhas Malvinas, com o selo da rainha e tudo. As casas, aqui, de tão limpas parecem até feitas de porcelana: não sei se o mesmo acontecerá no Soho ou nos bairros ainda mais pobres: suponho que não. A verdade é que não existe a menor relação entre o mendigo londrino e um mendigo digamos do Rio de Janeiro; o mendigo aí londrino passaria por lorde e seria recebido com um five o'clock tea pela Academia Brasileira de Letras: muito mais justo, aliás, do que muitos outros chás de que já tenho ouvido falar.


Comprar cigarro em Londres é um drama: você tem que ir à Escócia. Tem casa de tudo aqui perto do meu hotel, até de incenso indiano ou de figas da Guiné: só não tem tabacaria. Parece que o puritanismo inglês se fixou todo no combate ao fumo e ao tabagismo, e até já me explicaram algo parecido com isso; os poucos cigarros que lhe vendem são todos fraquíssimos e é preciso você fumar um maço inteiro, inclusive o próprio maço, para ter a leve sensação de que algum dia alguém passou fumando perto de você. O que salva os mendigos londrinos são os turistas, sobretudo norte-americanos, que sempre jogam disfarçadamente uma guimba ou outra no meio-fio, longe dos olhares inquisidores e cobiçosos do guarda da esquina. Dizem que o fog londrino desapareceu de uns tempos para cá, por motivos meteorológicos e outros que ninguém sabe ainda explicar: a verdade verdadeira é que o que desapareceu mesmo foi a fumaça dos cigarros e dos charutos, a minha inclusive, para total desespero dos cancerologistas ingleses do pulmão.


O londrino tem em média dois metros de altura, do que resultam sérios problemas para quem, como eu, tem pouco mais da metade: isto porque as coisas aqui foram feitas para ele e não para mim, evidentemente. Assim, por exemplo, para apertar o botão do elevador tenho que me colocar na ponta dos pés e depois de alguns minutos pedir o auxílio de alguém. Os mictórios públicos batem exatamente na altura do meu queixo e assim acabo urinando é mesmo no chão, onde pelo visto já andaram urinando antes de mim outros brasileiros, ou pelo menos algum cearense. Uma mulher londrina dá para dois homens tranquilamente e ainda sobra um pouquinho para o dia seguinte: mas nem por isso deixam de ser lindas, lindas, assim como é lindo o Evereste. Agora é que eu compreendo por que o inglês (a inglesa) tem fama de ser uma criatura distante, quase inacessível.

O abraço do

Campos de Carvalho.

Disponível em: <http://www.janainaramos.com/2014/03/londres-novembro-de-1972.html>. Acesso em: 18 abr. 2014.
 

 

Texto 2

 

Lima Barreto — Queixa de defunto

 

Antônio da Conceição, natural desta cidade, residente que foi em vida, a Boca do Mato, no Méier, onde acaba de morrer, por meios que não posso tornar público, mandou-me a carta abaixo que é endereçada ao prefeito. Ei-la:

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Doutor Prefeito do Distrito Federal. Sou um pobre homem que em vida nunca deu trabalho às autoridades públicas nem a elas fez reclamação alguma. Nunca exerci ou pretendi exercer isso que se chama os direitos sagrados de cidadão. Nasci, vivi e morri modestamente, julgando sempre que o meu único dever era ser lustrador de móveis e admitir que os outros os tivessem para eu lustrar e eu não.

Não fui republicano, não fui florianista, não fui custodista, não fui hermista, não me meti em greves, nem em cousa alguma de reivindicações e revoltas; mas morri na santa paz do Senhor quase sem pecados e sem agonia.

Toda a minha vida de privações e necessidades era guiada pela esperança de gozar depois de minha morte um sossego, uma calma de vida que não sou capaz de descrever, mas que pressenti pelo pensamento, graças à doutrinação das seções católicas dos jornais.

Nunca fui ao espiritismo, nunca fui aos “bíblias”, nem a feiticeiros, e apesar de ter tido um filho que penou dez anos nas mãos dos médicos, nunca procurei macumbeiros nem médiuns.

Vivi uma vida santa e obedecendo às prédicas do Padre André do Santuário do Sagrado Coração de Maria, em Todos os Santos, conquanto as não entendesse bem por serem pronunciadas com toda eloquência em galego ou vasconço.

Segui-as, porém, com todo o rigor e humildade, e esperava gozar da mais dúlcida paz depois de minha morte. Morri afinal um dia destes. Não descrevo as cerimônias porque são muito conhecidas e os meus parentes e amigos deixaram-me sinceramente porque eu não deixava dinheiro algum. E bom, meu caro Senhor Doutor Prefeito, viver na pobreza, mas muito melhor é morrer nela. Não se levam para a cova maldições dos parentes e amigos deserdados; só carregamos lamentações e bênçãos daqueles a quem não pagamos mais a casa.

Foi o que aconteceu comigo e estava certo de ir direitinho para o Céu, quando, por culpa do Senhor e da Repartição que o Senhor dirige, tive que ir para o inferno penar alguns anos ainda.

Embora a pena seja leve, eu me amolei, por não ter contribuído para ela de forma alguma. A culpa é da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro que não cumpre os seus deveres, calçando convenientemente as ruas. Vamos ver por quê. Tendo sido enterrado no cemitério de Inhaúma e vindo o meu enterro do Méier, o coche e o acompanha mento tiveram que atravessar em toda a extensão a Rua José Bonifácio, em Todos os Santos.

Esta rua foi calçada há perto de cinquenta anos a macadame e nunca mais foi o seu calçamento substituído. Há caldeirões de todas as profundidades e larguras, por ela afora. Dessa forma, um pobre defunto que vai dentro do caixão em cima de um coche que por ela rola sofre o diabo. De uma feita um até, após um trambolhão do carro mortuário, saltou do esquife, vivinho da silva, tendo ressuscitado com o susto.

Comigo não aconteceu isso, mas o balanço violento do coche machucou-me muito e cheguei diante de São Pedro cheio de arranha duras pelo corpo. O bom do velho santo interpelou-me logo:

— Que diabo é isto? Você está todo machucado! Tinham-me dito que você era bem-comportado — como é então que você arranjou isso? Brigou depois de morto?

Expliquei-lhe, mas não me quis atender e mandou que me fosse purificar um pouco no inferno.

Está aí como, meu caro Senhor Doutor Prefeito, ainda estou penando por sua culpa, embora tenha tido vida a mais santa possível.

Sou, etc., etc.

Posso garantir a fidelidade da cópia a aguardar com paciência as providências da municipalidade.

Disponível em: <http://www.releituras.com/limabarreto_queixa.asp>. Acesso em: 18 abr. 2014.

 

Texto 3

 

Carta aberta para um amigo além-mar — João Paulo Cuenca

 

Caro Chico, li o e-mail que você me mandou mas não tive tempo de respondê-lo antes. Fico feliz em saber que tudo vai bem por aí: os estudos, o trabalho e a mulher. Manda beijo pra Ana. Tenho saudades de vocês, temo que fiquem por aí de vez. Há dias em que acho que seria bom negócio. Lembro que você estava assustado com a leitura dos jornais brasileiros pela internet e me perguntou se o bicho estava pegando mesmo por aqui.



Está, não está. Tudo continua dando um jeito diferente de continuar igual. Os senhores barrigudos de sunga continuam tomando chope no boteco da esquina da Paissandu, as meninas com roupa de lycra continuam rebolando pelos quarteirões e os sujeitos continuam cada vez mais fortes e altos – se continuar assim, nossos netos terão dois metros de altura e 130 quilos. O nosso Mengão continua numa eterna hora da xepa, sétimo técnico em 16 meses. Fluminense levou o título do estadual num jogo roubado (como sempre) e a seleção do Parreira continua com o jogo embaçado.



A maioria dos nossos amigos continua encostada na casa dos pais, reclamando da vida, sem bom emprego e grana no bolso. A TV continua cada vez pior e cada vez mais batendo recordes de audiência, 80% de share, retorno total de mídia. A música que toca na rádio continua cada vez mais conchavos e jabá. A polícia continua metendo bala, os traficantes também. Lula, Garotinha e César continuam agindo como três patetas do inferno. E o povo na mesmíssima: esgarçado no meio do tiroteio. A coisa aqui, meu caro, tá pretíssima.



Nunca saí tão pouco à noite. A última moda são aquelas festinhas anos 80, lembra delas? Perderam a graça em 95, mas ninguém notou. Por semana aqui no Rio são no mínimo dez. Lotam o Circo Voador. No século passado, o Circo lançava tendência. Hoje em dia a tendência é a banda cover de música ruim. Barrigudinhos de 30 anos que não viveram adolescência se olham no espelho retrovisor, ajeitam a camisa para dentro da calça, tentam recuperar tempo perdido. Adolescentes difusos pegam nostalgia emprestada – zumbis de olhar ermo, mendigando sentido. Tocando o gado, os organizadores ganham boa grana com a indigência existencial dos outros. E quer saber? Estão certíssimos. Há de se ganhar o qualquer um e a vida.



Sabe aquela música do Bob Dylan, “People are crazy and times are strange”? Não chego a ficar raivoso como antes. Você deve se lembrar como eu era, Chico. Hoje só consigo sentir vazio e pena. Uma enorme pena de todos nós. Dos coroas filtrando o chope dentro de suas enormes barrigas, das moças e marombados feitos de lycra, dos chatos do Estação Botafogo, das mini-celebridades da internet compartilhando solidão em diários insossos, da galera se esgoelando ao som da novidade de 20 anos atrás, dos velhos jornalistas e sua boêmia enlatada, dos novos jornalistas, sem sonho ou estofo, e dos jovens e velhos escritores, compulsivos, mascando palavras e mascarando vaidades. Pena dos três poderes: policiais, traficas e políticos. Pena do povo achando que não tem culpa, que não é com eles – digo, conosco.



De vez em quando, passa um filme no cinema ou ouço um disco bom. De vez em quando, gosto de levar a menina para dançar e às vezes dá para ir a um lugar que não esteja cheio de babacas. Fazemos um casal bonito e a amo como um pobre desesperado. Eu a transformei em personagem de crônica e os leitores gostam mais dela do que de mim. Pedem crônicas e mais crônicas sobre a menina triste de olhos verdes. Estão certíssimos. Eu também gosto mais dela.


Você contou que viu um cara muito parecido comigo no metrô de Londres. Pois talvez tenha sido eu. Se o encontrar de novo, diga que preciso de uma horinha comigo mesmo. Sabe quando o céu escurece, as nuvens pesam sobre as nossas cabeças, o ar e a luz do sol ficam de um jeito estranho e o pessoal fala “vai chover pra burro”? Ando assim: quase chovendo pra burro.



Novidade mesmo acho que só o novo sistema de ar-condicionado e iluminação do Lamas. Ficou mais bonito. Resta saber se aquele odor inconfundível pós-Lamas, de cigarro e mofo, vai continuar. O perfume do Lamas é uma tradição aqui em casa. Desculpa tanta chatice, meu amigo. Acho que preciso de um tempo por aí. É verdade que na Inglaterra não existe chope gelado? Estou ficando velho cedo demais. Preciso sentir falta do chope gelado. E da paisagem. Essa cidade é muito bonita e a gente se acostuma. Na verdade, se acostuma com tudo, não é? Boa sorte por aí. Manda notícias. E não me leve a mal. Um grande abraço, JP.


Disponível em: <http://cubomagicoblog.wordpress.com/2009/06/14/ando-assim-quase-chovendo-pra-burro/>. Acesso em: 18 abr. 2014.
 

 

Texto 4

 

Folha de S.Paulo - Moacyr Scliar: A glória do falso - 14/08/2000

 

nike

 

Disponível em: <http://www.x10surfskate.com.br/imagens/produtos/original/tenis-nike-sb-erick-koston-13516023164169832.jpg>. Acesso em: 19 abr. 2014.


Nike destrói 45 mil pares de tênis piratas. Dinheiro, 9.ago.2000

 

Prezados senhores:

 

uns amigos me falaram que os senhores estão para destruir 45 mil pares de tênis falsificados com a marca Nike e que, para esse fim, uma máquina especial já teria até sido adquirida. A razão desta cartinha é um pedido. Um pedido muito urgente. Antes de mais nada, devo dizer aos senhores que nada tenho contra a destruição de tênis, ou de bonecas Barbie, ou de qualquer coisa que tenha sido pirateada. Afinal, a marca é dos senhores, e quem usa essa marca indevidamente sabe que está correndo um risco. Destruam, portanto. Com a máquina, sem a máquina, destruam. Destruir é um direito dos senhores.


Mas, por favor, reservem um par, um único par desses tênis que serão destruídos para este que vos escreve. Este pedido é motivado por duas razões: em primeiro lugar, sou um grande admirador da marca Nike, mesmo falsificada. Aliás, estive olhando os tênis pirateados e devo confessar que não vi grande diferença deles para os verdadeiros.


Em segundo lugar, e isto é o mais importante, sou pobre, pobre e ignorante. Quem está escrevendo esta carta para mim é um vizinho, homem bondoso. Ele vai inclusive colocá-la no correio, porque eu não tenho dinheiro para o selo. Nem dinheiro para selo, nem para qualquer outra coisa: sou pobre como um rato. Mas a pobreza não impede de sonhar, e eu sempre sonhei com um tênis Nike. Os senhores não têm ideia de como isso será importante para mim. Meus amigos, por exemplo, vão me olhar de outra maneira se eu aparecer de Nike. Eu direi, naturalmente, que foi presente (não quero que pensem que andei roubando), mas sei que a admiração deles não diminuirá: afinal, quem pode receber um Nike de presente pode receber muitas outras coisas. Verão que não sou o coitado que pareço.


Uma última ponderação: a mim não importa que o tênis seja falsificado, que ele leve a marca Nike sem ser Nike. Porque, vejam, tudo em minha vida é assim. Moro num barraco que não pode ser chamado de casa, mas, para todos os efeitos, chamo-o de casa. Uso a camiseta de uma universidade americana, com dizeres em inglês, que não entendo, mas nunca estive nem sequer perto da universidade -é uma camiseta que encontrei no lixo. E assim por diante.


Mandem-me, por favor, um tênis. Pode ser tamanho grande, embora eu tenha pé pequeno. Não me desagradaria nada fingir que tenho pé grande. Dá à pessoa uma certa importância. E depois, quanto maior o tênis, mais visível ele é. E, como diz o meu vizinho aqui, visibilidade é tudo na vida.

 

Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1408200004.htm>. Acesso em: 18 abr. 2014.

 

Atividade 5

 

Após terem lido os textos e respondido ao questionário, o professor discutirá com os alunos os textos lidos, partindo das respostas de diferentes duplas para o questionário.

 

Módulo 2

 

Atividade 1

 

Depois de os alunos terem percebido como se dá a relação do gênero carta e crônica, o professor pedirá que eles escrevam uma crônica em forma de carta sobre um tema que tenha sido debatido nas aulas de Língua Portuguesa, ou mesmo sobre um tema que esteja sendo discutido na atualidade. Para os alunos ficarem mais informados sobre os assuntos da atualidade, o professor poderá levar para a sala, no dia da produção textual, jornais de circulação local ou nacional, de datas próximas à data de produção.

 

Para orientar o trabalho de escrita dos alunos, segue uma sugestão de  orientações  que poderão ser entregues para os alunos, antes de começarem a escrever:

 

  • Defina os interlocutores da carta que será criada na sua crônica, ou seja, quem será o remetente e quem será o destinatário.
  • Defina qual o assunto será discutido na carta. Trata-se de uma reclamação, de um elogio, de uma pessoa que se mudou de cidade e está mandando notícias?
  • Lembre-se de seguir a estrutura do gênero carta: local e data, vocativo, corpo do texto, despedida e assinatura.
  • Não se esqueça de que sua carta/crônica deve conter marcas de interlocução e marcas de autoria.
  • Crie um título sugestivo para sua crônica.

 

Atividade 2

 

Os alunos deverão ler suas crônicas/cartas para os demais colegas e professor.

 

Sugere-se que o professor faça uma correção da primeira versão do texto, sugerindo eventuais correções gramaticais, estruturais,  dentre outros fatores, para que os alunos façam a versão definitiva do texto, que poderá ser publicado no blog/site da escola ou mesmo da disciplina de Língua Portuguesa.

Recursos Complementares

Para mais informações  sobre carta pessoal, acesse:

 <http://www.brasilescola.com/redacao/carta-pessoal.htm>. Acesso em: 19 abr. 2014.
 

Avaliação

Os alunos poderão ser avaliados qualitativamente:

  • quanto ao trabalho de discussão nos grupos;
  • quanto ao envolvimento nos trabalhos em dupla.

O professor poderá avaliar quantitativamente as produções textuais dos alunos, observando:

  • correção gramatical e ortográfica;
  • pertencimento ao gênero crônica/carta;
  • estruturação do texto em forma de carta.
Opinião de quem acessou

Quatro estrelas 3 classificações

  • Cinco estrelas 1/3 - 33.33%
  • Quatro estrelas 1/3 - 33.33%
  • Três estrelas 1/3 - 33.33%
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Opiniões

  • NUBIA MARA CAZARI SILVA, ESCOLASTICA ANTUNES SALGADO PROFA , São Paulo - disse:
    nubiacazari@gmail.com

    16/05/2014

    Quatro estrelas

    Não conhecia o portal. Adorei. As aulas e as estratégias apresentadas são boas. Vou trabalhar com meus alunos. :-)


  • CLAUDILENE BARBOSA DE FREITAS, EE RUI BARBOSA , Mato Grosso do Sul - disse:
    audi.barbosa@hotmail.com

    09/05/2014

    Três estrelas

    Todos deveriam saber ler e escrever qualquer tipo de texto, mas isso não ocorre na realidade. Principalmente no que diz respeito a escrever diferentes tipos textuais, visto que, a dificuldade em colocar as ideias no papel e sincronizá-las é muito grande. Assim, podemos concluir que o grande desafio da escrita está na fluência da língua.


  • CRISTIANE FERREIRA, ESCOLA MUNICIPAL DOUTOR SEBASTIAO CABRAL , Pernambuco - disse:
    cristianeferreira.bj8@gmail.com

    23/04/2014

    Cinco estrelas

    Amei a dica, colocarei em prática com minha turma de 9º ano já treinando para as Olimpíadas de Português. Até a próxima.


Sem classificação.
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