Portal do Governo Brasileiro
Início do Conteúdo
VISUALIZAR AULA
 


Crônicas - tentativas de explicar/definir

 

21/09/2014

Autor e Coautor(es)
ROGERIO DE CASTRO ANGELO
imagem do usuário

UBERLANDIA - MG ESC DE EDUCACAO BASICA

Eliana Dias, Lazuíta Goretti de Oliveira

Estrutura Curricular
Modalidade / Nível de Ensino Componente Curricular Tema
Ensino Fundamental Final Língua Portuguesa Análise linguística: processos de construção de significação
Ensino Fundamental Final Língua Portuguesa Língua oral e escrita: prática de produção de textos orais e escritos
Ensino Fundamental Final Língua Portuguesa Análise linguística: organização estrutural dos enunciados
Ensino Médio Língua Portuguesa Produção, leitura, análise e reflexão sobre linguagens
Ensino Fundamental Final Língua Portuguesa Língua oral e escrita: prática de escuta e de leitura de textos
Dados da Aula
O que o aluno poderá aprender com esta aula
  • Descobrir as crônicas que trazem uma tentativa de explicação/definição dos tipos sociais e das situações presentes no nosso dia a dia.
  • Compreender como se constroem tais crônicas.
Duração das atividades
3 aulas de 50 minutos cada
Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor com o aluno
Espera-se que os alunos já tenham tido contato com o gênero crônica.
Estratégias e recursos da aula

Estratégias 

  • Leitura e análise de textos literários.
  • Discussão oral (em duplas e com a sala toda).
  • Produção e divulgação de textos.

 

Recursos

  • Coletânea de crônicas.
  • Questionário escrito.
  • Folha para produção textual.

 

 

Módulo 1

 

Atividade 1

 

O professor trabalhará com os alunos um tipo de crônica que se configura como uma tentativa de definição/explicação dos tipos sociais feita pelo cronista. Vale lembrar que, para essa tentativa de definição, às vezes, o narrador coloca-se do ponto de vista do próprio tipo social que está tentando definir e outras vezes o cronista se coloca como um observador, lançando uma tentativa de definição dos tipos sociais presentes na sociedade. 

 

Para essa atividade, o professor entregará aos alunos o texto, abaixo, juntamente com as questões propostas, para que eles possam, em duplas, analisá-lo, visando compreender  como é estruturado esse tipo de crônica em questão.

 

 

Idoso

Disponível em: <http://www.estatutodoidoso.com/wp-content/uploads/2012/06/estatuto-do-idoso.jpg>. Acesso em: 19 set. 2014.

 

Texto 1

 

Ser Gagá
 
Millôr Fernandes
 
 
Ser Gagá não é viver apenas nos idos do passado: é muito mais! É saber que todos os amigos já morreram e os que teimam em viver, são entrevados. É sorrir, interminavelmente, não por necessidade interior, mas porque a boca não fecha ou a dentadura é maior do que a arcada.
 
Ser Gagá é ficar pensando o dia inteiro em como seria bom ter trinta anos ou, vá lá, quarenta, ou mesmo, ó Deus, sessenta! É ficar olhando os brotinhos que passeiam, com o olhar esclerosado, numa inútil esperança. É ficar aposentado o dia inteiro, olhando no vazio, pensando em morrer logo, e sair subitamente, andando a meia hora que o separa dos cem metros da esquina, porque é preciso resistir. É dobrar o jornal encabulado, quando chega alguém jovem da família, mas ficar olhando, de soslaio, para os íntimos da coluna funerária. Ser Gagá é saber todos os mortos inscritos no Time, em Milestones. Não é saber o Who is who, mas os WHEN. É só pensar em comer, como na infância. E em certo dia passar fome as vinte e quatro horas, só de melancolia. É, na hora mais ativa do mais veloz Bang-Bang, descobrir, lá no terceiro plano, uni ator antigo, do cinema mudo, e sentir no peito a punhalada. É surpreender, subitamente, um olhar irônico que trocam dois brotinhos, que, no entanto, o ouvem seriamente. É querer aderir à bossa nova, falar “Sossega Leão” e morrer de vergonha ao perceber o fora. É não querer, não querer, mas cada dia ficar mais necessitado de amparo do que outrora. É ter estado em Paris, em 19. É descobrir, de repente, um buraco na roupa e dar graças a Deus, por ser na roupa.
 
Ser Gagá é sentir plenamente que tudo que se leu, que se aprendeu, que se viu e se viveu não vale nada diante do que estua. Ser Gagá é estar sempre na iminência de ouvir em plena rua: “Olha o tarado!” É ficar contente em ver Chaplin e Picasso como os “mais charmosos” de sessenta! É chamar de menina à quarentona. É ter uma esperança senil nos cientistas. É reparar, nos mais jovens, o imperceptível sinal de decadência. É ficar olhando o detalhe, nos amigos; a lentigem nas mãos, o cabelo que afina, a pele que vai desidratando. Ser Gagá é o orgulho vão de ainda ter cabelo e poucos brancos! A vaidade tola de não ter barriga; a felicidade de ter dentes próprios. E fazer grandes planos quinquenais que espantam os jovens que acham cinco anos a própria eternidade, mas que o Gagá sabe que voam como voaram tantos, tantos, tantos.
 
É se apegar, desesperadamente, pelo tremendo impulso da existência, aos filhos, aos netos e aos bisnetos, embora saiba que eles não o querem, que a convivência com eles é apenas parte e total do egoísmo vital que o enterra. É sentir que agora, outra vez, está bem de saúde. É sentir a saúde ocasional. É carregar o corpo o tempo todo. É sentir o caixão no próprio corpo. É saber que já não há quem tenha prazer em lhe acarinhar a pele. É já não ter prazer em passar a mão na própria pele. É esquecer de coisas importantes e lembrar, sem saber por que, um gosto, um calor, uma palavra há tempos esquecidos.
 
Ser Gagá é procurar com afã a importância do cargo para de novo ser solicitado, embora pelo cargo. É sentir que nada do que faça, espantoso que seja, terá a importância do feito de outro homem, nos inícios da vida. Ser Gagá é quando dormir tarde se torna uma loucura, resgatada em feroz resfriado que dura uma semana. É ter sabido francês, e esquecido. É já não jogar xadrez como outrora! É olhar o retrato amarelado e lembrar que fotógrafo usava magnésio. É dizer, como um feito, que ainda lê sem óculos. É ouvir que alguém diz, quando passa na rua: “inda está firme!” É ficar galante e baboseiro na terceira taça de champanha. É casar com uma mulher mais jovem e querer dar logo ao mundo a inegável prova de um filhinho.
 
Ser Gagá é, num esforço mortal, aceitar tudo que inventam, todas as ideias, as modas, a música, o ritmo de vida, mas não deixar de dizer numa ironia profunda e amargurada. “Eu não entendo”. É sentir de repente o isolamento. É ficar egoísta, e amedrontado. É não ter vez e nem misericórdia.
 
Ser Gagá é fogo. Ou melhor, é muito frio.
 
Disponível em: < http://www.releituras.com/millor_sergaga.asp>. Acesso em: 19 set. 2014.

 

Após a leitura do texto responda:

 

  1. Nessa crônica, o cronista faz uma tentativa de definição. O que ele tenta definir?
  2. Quais características (ou quais situações) são elencadas pelo cronista para definir esse tipo social? (Retire pelo menos três exemplos do texto)
  3. Além do aspecto físicos, quais outros aspectos são analisados?
  4. A voz do cronista parece falar do ponto de vista de um observador, descrevendo um outro, ou é uma espécie de autoanálise? (Retire uma passagem do texto que sustente sua opinião)
  5. As características elencadas pelo cronista revelam uma percepção positiva ou negativa do que é definido/descrito na crônica?
  6. O cronista utiliza-se da repetição de algumas palavras e expressões para dar continuidade ao texto, quais são elas?
  7. Essas expressões são colocadas em qual parte dos parágrafos/períodos?
  8. Como podemos interpretar o parágrafo final da crônica: "Ser Gagá é fogo. Ou melhor, é muito frio"?

 

O professor discutirá com os alunos o texto e corrigirá oralmente as questões, chamando a atenção para a forma de estruturação da  crônica.

 

Atividade 2

 

Após a primeira atividade, conduzida pelo professor, os alunos lerão quatro outras crônicas, que seguem o mesmo estilo da primeira crônica apresentada, porém deverão observar as diferenças existentes na forma como elas são estruturadas, sobretudo tentando perceber:

 

  • se o cronista faz a definição em primeira ou terceira pessoa;
  • se a definição traz um sentido  positivo ou negativo;
  • se a crônica reafirma ou desconstrói os estereótipos existentes sobre aquilo que o cronista se propõe a definir;
  • quais elementos fazem dessa crônica uma definição particular/específica sobre o tema abordado.

 

Texto 2

Ser Brotinho
 
Paulo Mendes Campos
 
 
Ser brotinho não é viver em um píncaro azulado: é muito mais! Ser brotinho é sorrir bastante dos homens e rir interminavelmente das mulheres, rir como se o ridículo, visível ou invisível, provocasse uma tosse de riso irresistível.
 
Ser brotinho é não usar pintura alguma, às vezes, e ficar de cara lambida, os cabelos desarrumados como se ventasse forte, o corpo todo apagado dentro de um vestido tão de propósito sem graça, mas lançando fogo pelos olhos. Ser brotinho é lançar fogo pelos olhos.
 
É viver a tarde inteira, em uma atitude esquemática, a contemplar o teto, só para poder contar depois que ficou a tarde inteira olhando para cima, sem pensar em nada. É passar um dia todo descalça no apartamento da amiga comendo comida de lata e cortar o dedo. Ser brotinho é ainda possuir vitrola própria e perambular pelas ruas do bairro com um ar sonso-vagaroso, abraçada a uma porção de elepês coloridos. É dizer a palavra feia precisamente no instante em que essa palavra se faz imprescindível e tão inteligente e natural. É também falar legal e bárbaro com um timbre tão por cima das vãs agitações humanas, uma inflexão tão certa de que tudo neste mundo passa depressa e não tem a menor importância.
 
Ser brotinho é poder usar óculos como se fosse enfeite, como um adjetivo para o rosto e para o espírito. É esvaziar o sentido das coisas que transbordam de sentido, mas é também dar sentido de repente ao vácuo absoluto. É aguardar com paciência e frieza o momento exato de vingar-se da má amiga. É ter a bolsa cheia de pedacinhos de papel, recados que os anacolutos tornam misteriosos, anotações criptográficas sobre o tributo da natureza feminina, uma cédula de dois cruzeiros com uma sentença hermética escrita a batom, toda uma biografia esparsa que pode ser atirada de súbito ao vento que passa. Ser brotinho é a inclinação do momento.
 
É telefonar muito, estendida no chão. É querer ser rapaz de vez em quando só para vaguear sozinha de madrugada pelas ruas da cidade. Achar muito bonito um homem muito feio; achar tão simpática uma senhora tão antipática. É fumar quase um maço de cigarros na sacada do apartamento, pensando coisas brancas, pretas, vermelhas, amarelas.
 
Ser brotinho é comparar o amigo do pai a um pincel de barba, e a gente vai ver está certo: o amigo do pai parece um pincel de barba. É sentir uma vontade doida de tomar banho de mar de noite e sem roupa, completamente. É ficar eufórica à vista de uma cascata. Falar inglês sem saber verbos irregulares. É ter comprado na feira um vestidinho gozado e bacanérrimo.
 
É ainda ser brotinho chegar em casa ensopada de chuva, úmida camélia, e dizer para a mãe que veio andando devagar para molhar-se mais. É ter saído um dia com uma rosa vermelha na mão, e todo mundo pensou com piedade que ela era uma louca varrida. É ir sempre ao cinema mas com um jeito de quem não espera mais nada desta vida. É ter uma vez bebido dois gins, quatro uísques, cinco taças de champanha e uma de cinzano sem sentir nada, mas ter outra vez bebido só um cálice de vinho do Porto e ter dado um vexame modelo grande. É o dom de falar sobre futebol e política como se o presente fosse passado, e vice-versa.
 
Ser brotinho é atravessar de ponta a ponta o salão da festa com uma indiferença mortal pelas mulheres presentes e ausentes. Ter estudado ballet e desistido, apesar de tantos telefonemas de Madame Saint-Quentin. Ter trazido para casa um gatinho magro que miava de fome e ter aberto uma lata de salmão para o coitado. Mas o bichinho comeu o salmão e morreu. É ficar pasmada no escuro da varanda sem contar para ninguém a miserável traição. Amanhecer chorando, anoitecer dançando. É manter o ritmo na melodia dissonante. Usar o mais caro perfume de blusa grossa e blue-jeans. Ter horror de gente morta, ladrão dentro de casa, fantasmas e baratas. Ter compaixão de um só mendigo entre todos os outros mendigos da Terra. Permanecer apaixonada a eternidade de um mês por um violinista estrangeiro de quinta ordem. Eventualmente, ser brotinho é como se não fosse, sentindo-se quase a cair do galho, de tão amadurecida em todo o seu ser. É fazer marcação cerrada sobre a presunção incomensurável dos homens. Tomar uma pose, ora de soneto moderno, ora de minueto, sem que se dissipe a unidade essencial. É policiar parentes, amigos, mestres e mestras com um ar songamonga de quem nada vê, nada ouve, nada fala.
 
Ser brotinho é adorar. Adorar o impossível. Ser brotinho é detestar. Detestar o possível. É acordar ao meio-dia com uma cara horrível, comer somente e lentamente uma fruta meio verde, e ficar de pijama telefonando até a hora do jantar, e não jantar, e ir devorar um sanduíche americano na esquina, tão estranha é a vida sobre a Terra.
 
Disponível em: < http://www.releituras.com/pmcampos_broto.asp>. Acesso em: 19 set. 2014.
 
 
 
bebe
 

Texto 3

 

Ser Bebê

Ivan Ângelo

 

Nasce o esperado. A expectativa torna­-se, então, um bebê. Aquelas roupinhas, aquele quarto preparado, aquele seio que se inchou leitoso, assumem suas funções. Em caso de primogênito, mãe, pai, avós, tios são acrescentados desses títulos, que não tinham, e com os quais serão designados dali para frente. É um novo elo entre as famílias, um ser inaugural.

Ser bebê é aventurar­-se em mar incerto, sem poder fazer outra coisa a não ser iniciar a viagem.

É irromper, chegada a hora, e berrar, anunciar­-se, impor­-se, eclipsar tudo. 

É ocupar, com a novidade de ser, um espaço de afetos, e ampliá­-lo a cada bocejo, choro, olhar, esperneio ou suspiro.

É apresentar­-se poderoso e frágil ao mesmo tempo; de todos fazer vassalos, tornar a que manda, submissa, e esperto o que vacila, e no entanto depender de mão que lhe chegue o manto, de proteção, de olhos insones.

É ter o poder mágico de transformar a menina de ontem, a quem era necessário aconselhar tudo, em instintiva, sábia mãe. Ser bebê é desconhecer, como só os ricos podem, que a vida está cara, o pão está difícil, a condução pode não vir.

É depender, como os pobres, de quem lhe dê leite, saúde, higiene, saneamento básico.

Escuta uma coisa, menino, dorme e escuta, e no sono aprende, prepara­-te.

Chegaste em um momento de muitas dúvidas. Em que possuímos muitas coisas que outros não têm, não terão, e isso não nos irmana, antes nos separa. Inseguros e ansiosos buscamos ter mais, e assim alargamos o fosso.

Brota violência onde pastavam bois. Saem das várzeas fantasmas que nos assustam. Eles celebram festins bárbaros em torno de nossos entes queridos, roubados de nosso convívio. Ainda não temos, menino, remédio para isso.

A cidade, a tua cidade, padece. A brutalidade dos viadutos destrói paisagens e sonhos. Jovens sem rumo rabiscam seus desafios em linguagem cifrada nos muros e nas fachadas. Não temos ainda, menino, instrumentos que resolvam o conflito entre a carência e o desperdício. As pessoas vão perdendo a gentileza que adoçava o convívio. É preciso brigar até para entrar num ônibus. Os motoristas se desafiam em buzinas de guerra. Ruas esburacadas moem amortecedores e colunas vertebrais. Gargalos transformam avenidas em armadilhas.

O entretenimento busca satisfazer o primário em nós. O trabalho transforma­-se em carreira, o que já pressupõe angústias, sucesso ou fracasso. Temos de escolher um presidente, menino, e a política soma­-se a outras tantas hesitações. Temos uma dívida federal, garoto, que vamos deixar para a tua geração e a de teus filhos pagarem. A tecnologia cria pontes tão compridas que não se sabe aonde vão dar. O saber de cada um diminui, torna­-se específico. O presidente da maior nação do mundo tem delírios hegemônicos. Drogas pesadas destroem tudo à sua volta.

Nasceste, és a boa-nova. Entre tuas mágicas, realizas a de eclipsar o feio. O poeta Drummond, ao mostrar o mundo para seu neto, teve a delicadeza de ensinar: “Repara que há veludo nos ursos”. A lição otimista se completa com outro poeta, João Cabral de Melo Neto, que associa o belo ao recém­-nascido: belo porque com o novo/ todo o velho contagia.

Renovação, é o sentido dos bebês.

Esperança, é o que nos anima quando pensamos na trabalheira que deixamos para eles.

Veja SP, 21 de agosto de 2002.

 

 

 

 

johnnt

Disponível em: <http://img1.wikia.nocookie.net/__cb20120423033926/hanna-barbera/images/2/24/Johnny_Bravo.jpg>. Acesso em: 19 set. 2014.

 

Texto 4

 

Homem que é homem
 
Luis Fernando Verissimo
 
 
Homem que é Homem não usa camiseta sem manga, a não ser para jogar basquete. Homem que é Homem não gosta de canapés, de cebolinhas em conserva ou de qualquer outra coisa que leve menos de 30 segundos para mastigar e engolir. Homem que é Homem não come suflê. Homem que é Homem — de agora em diante chamado HQEH — não deixa sua mulher mostrar a bunda para ninguém, nem em baile de carnaval. HQEH não mostra a sua bunda para ninguém. Só no vestiário, para outros homens, e assim mesmo, se olhar por mais de 30 segundos, dá briga.
 
HQEH só vai ao cinema ver filme do Franco Zeffirelli quando a mulher insiste muito, e passa todo o tempo tentando ver as horas no escuro. HQEH não gosta de musical, filme com a Jill Clayburgh ou do Ingmar Bergman. Prefere filmes com o Lee Marvin e Charles Bronson. Diz que ator mesmo era o Spencer Tracy, e que dos novos, tirando o Clint Eastwood, é tudo veado.
 
HQEH não vai mais a teatro porque também não gosta que mostrem a bunda à sua mulher. Se você quer um HQEH no momento mais baixo de sua vida, precisa vê-lo no balé. Na saída ele diz que até o porteiro é veado e que se enxergar mais alguém de malha justa, mata.
 
E o HQEH tem razão. Confesse, você está com ele. Você não quer que pensem que você é um primitivo, um retrógrado e um machista, mas lá no fundo você torce pelo HQEH. Claro, não concorda com tudo o que ele diz. Quando ele conta tudo o que vai fazer com a Feiticeira no dia em que a pegar, você sacode a cabeça e reflete sobre o componente de misoginia patológica inerente à jactância sexual do homem latino. Depois começa a pensar no que faria com a Feiticeira se a pegasse. Existe um HQEH dentro de cada brasileiro, sepultado sob camadas de civilização, de falsa sofisticação, de propaganda feminina e de acomodação. Sim, de acomodação. Quantas vezes, atirado na frente de um aparelho de TV vendo a novela das 8 — uma história invariavelmente de humilhação, renúncia e superação femininas — você não se perguntou o que estava fazendo que não dava um salto, vencia a resistência da família a pontapés e procurava uma reprise do Manix em outro canal? HQEH só vê futebol na TV. Bebendo cerveja. E nada de cebolinhas em conserva! HQEH arrota e não pede desculpas.
 
*
 
Se você não sabe se tem um HQEH dentro de você, faça este teste. Leia esta série de situações. Estude-as, pense, e depois decida como você reagiria em cada situação. A resposta dirá o seu coeficiente de HQEH. Se pensar muito, nem precisa responder: você não é HQEH. HQEH não pensa muito!
 
 
Situação 1
 
 
Você está num restaurante com nome francês. O cardápio é todo escrito em francês. Só o preço está em reais. Muitos reais. Você pergunta o que significa o nome de um determinado prato ao maître. Você tem certeza que o maître está se esforçando para não rir da sua pronúncia. O maître levará mais tempo para descrever o prato do que você para comê-lo, pois o que vem é uma pasta vagamente marinha em cima de uma torrada do tamanho aproximado de uma moeda de um real, embora custe mais de cem. Você come de um golpe só, pensando no que os operários são obrigados a comer. Com inveja. Sua acompanhante pergunta qual é o gosto e você responde que não deu tempo para saber. 0 prato principal vem trocado. Você tem certeza que pediu um "Boeuf à quelque chose" e o que vem é uma fatia de pato sem qualquer acompanhamento. Só. Bem que você tinha notado o nome: "Canard melancolique". Você a princípio sente pena do pato, pela sua solidão, mas muda de idéia quando tenta cortá-lo. Ele é um duro, pode agüentar. Quando vem a conta, você nota que cobraram pelo pato e pelo "boeuf' que não veio. Você: a) paga assim mesmo para não dar à sua acompanhante a impressão de que se preocupa com coisas vulgares como o dinheiro, ainda mais o brasileiro; b) chama discretamente o maître e indica o erro, sorrindo para dar a entender que, "Merde, alors", estas coisas acontecem; ou c) vira a mesa, quebra uma garrafa de vinho contra a parede e, segurando o gargalo, grita: "Eu quero o gerente e é melhor ele vir sozinho!
 
 
Situação 2
 
 
Você foi convencido pela sua mulher, namorada ou amiga — se bem que HQEH não tem "amigas", quem tem "amigas" é veado — a entrar para um curso de Sensitivação Oriental. Você reluta em vestir a malha preta, mas acaba sucumbindo. O curso é dado por um japonês, provavelmente veado. Todos sentam num círculo em volta do japonês, na posição de lótus. Menos você, que, como está um pouco fora de forma, só pode sentar na posição do arbusto despencado pelo vento.
 
Durante 15 minutos todos devem fechar os olhos, juntar as pontas dos dedos e fazer "rom", até que se integrem na Grande Corrente Universal que vem do Tibete, passa pelas cidades sagradas da Índia e do Oriente Médio e, estranhamente, bem em cima do prédio do japonês, antes de voltar para o Oriente. Uma vez atingido este estágio, todos devem virar para a pessoa ao seu lado e estudar seu rosto com as pontas dos dedos. Não se surpreendendo se o japonês chegar por trás e puxar as suas orelhas com força para lembrá-lo da dualidade de todas as coisas. Durante o "rom" você faz força, mas não consegue se integrar na grande corrente universal, embora comece a sentir uma sensação diferente que depois revela-se ser câimbra. Você: a) finge que atingiu a integração para não cortar a onda de ninguém; b) finge que não entendeu bem as instruções, engatinha fazendo "rom" até o lado daquela grande loura e, na hora de tocar o seu rosto, erra o alvo e agarra os seios, recusando-se a soltá-los mesmo que o japonês quase arranque as suas orelhas; c) diz que não sentiu nada, que não vai seguir adiante com aquela bobagem, ainda mais de malha preta, e que é tudo coisa de veado.
 
 
Situação 3
 
 
Você está numa daquelas reuniões em que há lugares de sobra para sentar, mas todo mundo senta no chão. Você não quis ser diferente, se atirou num almofadão colorido e tarde demais descobriu que era a dona da casa. Sua mulher ou namorada está tendo uma conversa confidencial, de mãos dadas, com uma moça que é a cara do Charlton Heston, só que de bigode. O jantar é à americana e você não tem mais um joelho para colocar o seu copo de vinho enquanto usa os outros dois para equilibrar o prato e cortar o pedaço de pato, provavelmente o mesmo do restaurante francês, só que algumas semanas mais velho. Aí o cabeleireiro de cabelo mechado ao seu lado oferece:
 
— Se quiser usar o meu...
 
— O seu...? 
 
— Joelho. 
 
— Ah...
 
— Ele está desocupado. 
 
— Mas eu não o conheço.
 
— Eu apresento. Este é o meu joelho. 
 
— Não. Eu digo, você...
 
— Eu, hein? Quanta formalidade. Aposto que se eu estivesse oferecendo a perna toda você ia pedir referências. Ti-au.
 
Você: a) resolve entrar no espírito da festa e começa a tirar as calças; b) leva seu copo de vinho para um canto e fica, entre divertido e irônico, observando aquele curioso painel humano e organizando um pensamento sobre estas sociedades tropicais, que passam da barbárie para a decadência sem a etapa intermediária da civilização; ou c) pega sua mulher ou namorada e dá o fora, não sem antes derrubar o Charlton Heston com um soco.
 
Se você escolheu a resposta a para todas as situações, não é um HQEH. Se você escolheu a resposta b, não é um HQEH. E se você escolheu a resposta c, também não é um HQEH. Um HQEH não responde a testes. Um HQEH acha que teste é coisa de veado.
 
*
 
Este país foi feito por Homens que eram Homens. Os desbravadores do nosso interior bravio não tinham nem jeans, quanto mais do Pierre Cardin. O que seria deste pais se Dom Pedro I tivesse se atrasado no dia 7 em algum cabeleireiro, fazendo massagem facial e cortando o cabelo à navalha? E se tivesse gritado, em vez de "Independência ou Morte", "Independência ou Alternativa Viável, Levando em Consideração Todas as Variáveis!"? Você pode imaginar o Rui Barbosa de sunga de crochê? O José do Patrocínio de colant? 0 Tiradentes de kaftan e brinco numa orelha só? Homens que eram Homens eram os bandeirantes. Como se sabe, antes de partir numa expedição, os bandeirantes subiam num morro em São Paulo e abriam a braguilha. Esperavam até ter uma ereção e depois seguiam na direção que o pau apontasse. Profissão para um HQEH é motorista de caminhão. Daqueles que, depois de comer um mocotó com duas Malzibier, dormem na estrada e, se sentem falta de mulher, ligam o motor e trepam com o radiador. No futebol HQEH é beque central, cabeça-de-área ou centroavante. Meio-de-campo é coisa de veado. Mulher do amigo de Homem que é Homem é homem. HQEH não tem amizade colorida, que é a sacanagem por outros meios. HQEH não tem um relacionamento adulto, de confiança mútua, cada um respeitando a liberdade do outro, numa transa, assim, extraconjugal mas assumida, entende? Que isso é papo de mulher pra dar pra todo mundo. HQEH acha que movimento gay é coisa de veado.
 
HQEH nunca vai a vernissage.
 
HQEH não está lendo a Marguerite Yourcenar, não leu a Marguerite Yourcenar e não vai ler a Marguerite Yourcenar.
 
HQEH diz que não tem preconceito mas que se um dia estivesse numa mesma sala com todas as cantoras da MPB, não desencostaria da parede.
 
Coisas que você jamais encontrará em um HQEH: batom neutro para lábios ressequidos, pastilhas para refrescar o hálito, o telefone do Gabeira, entradas para um espetáculo de mímica.
 
Coisas que você jamais deve dizer a um HQEH: "Ton sur ton", "Vamos ao balé?", "Prove estas cebolinhas".
 
Coisas que você jamais vai ouvir um HQEH dizer: "Assumir", "Amei", "Minha porção mulher", "Acho que o bordeau fica melhor no sofá e a ráfia em cima do puf".
 
Não convide para a mesma mesa: um HQEH e o Silvinho.
 
HQEH acha que ainda há tempo de salvar o Brasil e já conseguiu a adesão de todos os Homens que são Homens que restam no país para uma campanha de regeneração do macho brasileiro.
 
Os quatro só não têm se reunido muito seguidamente porque pode parecer coisa de veado.
 
 
Texto extraído do livro "As mentiras que os homens contam, Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2000, pág. 89.

Disponível em: <http://www.releituras.com/lfverissimo_hoqueeho.asp>. Acesso em: 19 set. 2014.

 

 

mulher acordando

Disponível em: <http://migre.me/lN207>. Acesso em: 20 set. 2014.

 

Texto 5

 

Quando as mulheres acordam
Xico Sá
 
Impagável uma mulher quando acorda. Nada mais lindo e misterioso do que uma mulher acordando. Do que uma mulher antes das 10h da manhã, como uma vez vi umas fotos num livro de arte inglês, pelo que me lembro ou sonho. Uma mulher e suas verdades nos olhinhos que se espantam com o mundo como uma criatura que acaba de sair do útero, o maior dos sustos, o maior dos assombros da existência.
Umas têm um mau humor tremendo, meu Deus, te deixam acuado, são capazes de te xingar, espezinhar, te maldizer, para depois te amar ainda mais.
Outras acordam paranóicas com os cabelos, tenham caracóis, segredos, ou sejam lisos, loiros ou negros. Ainda mais se for no começo do amor, do caso, do namoro, do ensaio de casamento. Estas nos deixam na cama e correm para o espelho. Tudo por uma rápida conferência de Narciso. Se acham que estão "horríveis", naquele jeito, como naquele hiperbólico julgamento, dote tão feminino, te abandonam por horas no banheiro... E voltam as mais lindas desse mundo.
Existem aquelas que não estão nem ai, estas são raras, acordam e te presenteiam comaquele sorriso, como se tivessem sonhado com a possibilidade do nirvana ao teu lado, cria da tua costela, como canta o outro Chico, uma beleza de menina!
Os mistérios de uma mulher quando acorda são muitos.
Umas simplesmente silenciam, no máximo um monossílabo, isso quando são, por alguma razão, indagadas. Elas têm dúvidas, ainda não sabem se amam ou não amam, elas ainda guardam velhas heranças amorosas, tudo bem, coisas da vida.
Algumas acordam assustadas, como se dissessem, "que besteira eu fiz, nunca mais eu bebo". Outros te mandam embora antes da aurora, para dormir o sono dos justos, o sono que livra de pesos na consciência e possíveis laços imediatos. Certíssimas.
Adoráveis aquelas que mantêm a posição de "conchinha", embora os motores da cidade já ronquem, apesar de todos os despertadores, todos os celulares. Estão são plácidas, jamais submissas.
Existem aquelas que acordam e põem logo uma música, uma música de acordo com o clima. Se tem sol, rock'n'roll, se faz frio, jazz, algo cool... Se o dia está cinza, toca aquela, que diz assim, como não quer nada, uma porrada, "ah insensatez, que você fez, coração mais sem cuidado...".
Nada mais lindo e misterioso do que uma mulher acordando, seus gestos, a dramaturgia, o arranque para a vida ou a inércia nos teus braços.
Os barulhos de uma mulher acordando, a música dos ossos se espreguiçando, os gerúndios tantos das ações e silêncios, o chuveiro ao longe a nos dizer tantos desejos e coisas, meu Deus, aquela água já escorre linda e faz pocinhas líricas nas saboneteiras...
Quantas dúvidas e quantas certezas acordam juntas quando uma mulher acorda.
 
Disponível em: < http://www.germinaliteratura.com.br/volupiaverbal_xicosa_jun07.htm>. Acesso em: 19 set. 2014.
 
 
 

Atividade 3

 

O professor discutirá com os alunos os textos lidos, buscando perceber quais as semelhanças e diferenças no modo de composição dessas crônicas. O professor deverá ressaltar que é recorrente o cronista apresentar não apenas as características, mas também situações que ajudam na caracterização do que se está tentando definir.

 

Módulo 2

escrever

Disponível em: <http://migre.me/lN33v>. Acesso em: 20 set. 2014.

 

Atividade 1

 

Os alunos deverão produzir, individualmente, uma crônica, apresentando uma tentativa de definição, sobre tipos sociais, próximos à realidade deles, por exemplo:

  • Ser aluno.
  • Ser jovem.
  • Ser atleta.
  • Ser brasileiro.
  • Ser nerd.
  • Ser amigo.
  • Ser rockeiro/funkeiro/sertanejo.
  • Ser mineiro/paulista/gaucho/baiano.
  • Ser rico/pobre.

 

Atividade 2

 

Depois de terem escrito e revisado seus textos, os alunos lerão suas produções para os demais colegas e, após uma revisão final, poderão divulgar seus textos com a comunidade escolar, por meio de murais ou publicação na internet.

 

 
 
 
 
Recursos Complementares

Livros com  exemplos de crônicas:

SANTOS, Joaquim Ferreira dos (Org.). As cem melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.

ÂNGELO, Ivan; Melhores Crônicas/Ivan Ângelo. [recurso eletrônico]. São Paulo: Global, 2013.

Avaliação
Os alunos poderão ser avaliados qualitativamente:
  • quanto ao trabalho de discussão nas duplas;
  • quanto ao envolvimento nas discussões sobre os textos.
 
O professor poderá avaliar quantitativamente as produções textuais dos alunos, observando:
  • correção gramatical e ortográfica;
  • pertencimento ao gênero crônica;
  • estruturação do texto e elementos de coesão textual.
Opinião de quem acessou

Sem estrelas 0 classificações

  • Cinco estrelas 0/0 - 0%
  • Quatro estrelas 0/0 - 0%
  • Três estrelas 0/0 - 0%
  • Duas estrelas 0/0 - 0%
  • Uma estrela 0/0 - 0%

Denuncie opiniões ou materiais indevidos!

Sem classificação.
REPORTAR ERROS
Encontrou algum erro? Descreva-o aqui e contribua para que as informações do Portal estejam sempre corretas.
CONTATO
Deixe sua mensagem para o Portal. Dúvidas, críticas e sugestões são sempre bem-vindas.