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JORNAL

Redação no Ensino Médio

Terça-feira, 31 de Agosto de 2010

Edição 43

EDITORIAL - Redação no Ensino Médio

Redação no Ensino Médio é o tema abordado pelo Jornal do Professor em sua 43ª edição. O assunto foi escolhido por 71,75% de nossos leitores, em enquete realizada em nossa página.

Você vai conhecer experiências desenvolvidas em escolas do Acre, Minas Gerais, e Distrito Federal. Também vai ter acesso a alguns modelos de aulas que incentivam a leitura e a escrita, que integram a seção Espaço da Aula, no Portal do Professor.

Nossa entrevistada é a professora Márcia Martins Castaldo, da rede municipal de São Paulo, que trabalha com redação há mais de 20 anos.

Ajude-nos a escolher o tema das próximas edições, votando na enquete colocada em nossa página. E aproveite para colaborar enviando sugestões, críticas, textos e músicas.

Seja bem-vindo!

Oficinas de redação, no contraturno, ensinam estudantes a escrever

Alunos vestidos como personagens do Sítio do Picapau Amarelo

A Escola Estadual Alcimar Nunes Leitão, em Rio Branco, no Acre, oferece oficinas de redação aos 420 alunos do ensino médio, no turno oposto às aulas regulares. As oficinas, com duração de uma hora e meia, são realizadas desde o ano passado, duas vezes por semana, sem prejuízo da redação que faz parte aulas de língua portuguesa. E os resultados já podem ser observados.

A escola foi a primeira colocada no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2009, entre as escolas da rede estadual do Acre e obteve a melhor média em redação: 723,08 . “Houve uma melhora muito significativa”, conta a coordenadora pedagógica da escola, Maria José da Silva Dias. Segundo ela, que é pedagoga com pós-graduação em supervisão e administração escolar e está há 22 anos no magistério, inicialmente alguns alunos não conheciam os passos básicos de uma redação e não sabiam o que era introdução, desenvolvimento, e conclusão.

Ela explica que a prática de redação tem uma ênfase maior no terceiro ano do ensino médio, visando o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o vestibular. Além das oficinas de redação, a escola oferece aulas de reforço de ortografia, leitura e escrita também aos alunos do fundamental.

Além disso, a escola promove concursos de redação, de dois em dois meses, sobre temas que façam parte do projeto que esteja sendo desenvolvido no momento. “Agora no final de agosto, por exemplo, a escola encerrou o projeto sobre folclore e foram escolhidas as melhores redações de cada ano do fundamental e a melhor do ensino médio”, diz Maria José.

A coordenadora inclui ainda outros pontos entre os fatores que podem ter contribuído para os bons resultados obtidos no Enem: a participação dos professores em cursos de formação continuada; a participação da escola nas olimpíadas de português e concursos de redação; o desenvolvimento de projetos de leitura; e a priorização da leitura e da escrita no planejamento dos professores de todas as áreas.

“A leitura e a escrita estão sendo trabalhadas em todas as disciplinas, desde o segundo semestre de 2009, por determinação da Secretaria Estadual de Educação. Todos os professores, sejam de biologia, matemática, ou geografia, por exemplo, devem trabalhar com textos e artigos de jornais”, ressalta Maria José.

“Costumo estimular a leitura entre meus alunos por meio de livros paradidáticos, onde eles refletem e interpretam as obras trabalhadas”, adianta a professora Glenda Leal de Araújo, que leciona português na Alcimar Leitão há quatro anos e está há dez no magistério. Para ela, que pede redações semanais aos estudantes do ensino médio, é possível estimular os alunos a fazer redação, por meio de temas da atualidade, fazendo com que eles pesquisem, reflitam e produzam.

(Fátima Schenini)

Leitura e escrita estão em todas as disciplinas

Alunos no saguão do CEMA

O Centro Educacional Maria Auxiliadora (Cema), em Brasília (DF), obteve uma ótima média na prova de redação do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), de 2009 – 731,58. Talvez o segredo para a escola ter obtido esse resultado seja o fato de que a leitura e a escrita são habilidades desenvolvidas em todas as disciplinas do ensino básico, desde os anos iniciais.

“A leitura e a escrita são aspectos fundamentais, são a base de tudo”, destaca a professora Cássia Vita de Ávila, que é graduada em letras e cursa, atualmente, pós-graduação em leitura e produção de textos. A professora que está há dez anos no magistério e há cinco leciona português no ensino fundamental, diz que o Cema incentiva os alunos a escolherem, na biblioteca da escola, os títulos que querem ler, sem deixar de lado, no entanto, as leituras obrigatórias para cada ano letivo.

“Os professores do Cema trabalham bastante a leitura extraclasse. A biblioteca é muito frequentada pelos alunos e eles, inclusive, muitas vezes pedem para a escola comprar algumas obras”, adianta a diretora e coordenadora pedagógica da instituição, irmã Amélia. Segundo ela, os livros didáticos adotados, desenvolvidos especialmente para as escolas da Rede Salesiana, da qual o Cema faz parte, estimulam muito a leitura entre os estudantes. Em cada capítulo das diversas disciplinas são feitas sugestões de leituras complementares, a fim de incentivar o aluno a ler e buscar mais informações. Além disso, segundo a coordenadora, as perguntas que aparecem nos livros para serem respondidas pelos alunos não são apenas para dizer sim ou não. Elas exigem que o aluno pense e reflita antes de responder.

“Peço a meus alunos que leiam um livro por mês, da lista do PAS (Programa de Avaliação Seriada adotado pela Universidade de Brasília como uma das formas de admissão ao ensino superior). O conteúdo da leitura é cobrado depois em provas e redações”, explica Maria Júlia Elias Stiebler, professora de português no 9º ano do fundamental e no ensino médio.

De acordo com ela, que é formada em letras e atua há cerca de 25 anos no magistério, para obter melhores resultados com as redações dos alunos é necessário, em primeiro lugar, estimulá-los a planejarem o que pretendem comunicar de forma escrita. Outro passo importante, na opinião de Maria Júlia, é o próprio aluno fazer a correção do que escreveu, reescrevendo depois que o texto foi corrigido. “É importante que o próprio aluno perceba os seus erros”, salienta.

Além de redações, propriamente ditas, os alunos de Maria Júlia também escrevem e pesquisam outros textos, integrantes de projetos desenvolvidos na sala de aula. Um exemplo é o projeto especial que desenvolve, no momento, com alunos do 2º do ensino médio. A partir do tema casamento homossexual, escolhido pelos próprios estudantes, ela pediu que fizessem uma lista com as idéias que haviam surgido na classe e depois pesquisassem sobre o assunto, que será debatido em sala de aula, com argumentos a favor e contra. “Observei que os alunos, na hora de redigir, ficaram um pouco confusos, pois queriam escrever todas as ideias que surgiam. Então, agora, pretendo ensiná-los a organizar as suas ideias”, destaca.

(Fátima Schenini)

A leitura tem importância fundamental na escrita

Imagens de arquivo mostram alunos na sala de aula.

Uma boa redação reúne os fatores técnica e conteúdo de forma indissociável. Um texto que atenda somente a técnica irá se restringir de conteúdo que provoque interesse no leitor; já um texto de bom conteúdo, que não atenda as solicitações do enunciado da proposta, terá problemas de inadequação quanto a esse quesito.

A opinião é doutor em linguística, Luiz Antônio Prazeres, 24 anos de atuação no magistério, 18 dos quais como professor de português do Centro Pedagógico da Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Minas Gerais. Segundo ele, de nada vale o treinamento de formatos rígidos de texto, feito por alguns professores, se esse texto não cumprir quesitos como qualidade, quantidade, objetividade, continuidade e progressão dentro do tema proposto, entre outros fatores.

De acordo com Luiz Antônio, a leitura tem importância fundamental na escrita, uma vez que pode possibilitar a quem produz um texto, conhecimentos fundamentais acerca do assunto a ser abordado, bem como de formas de texto que circulam na sociedade atual. “Um texto elaborado por um leitor apresenta características positivas marcantes, como possibilidade de aprofundamento em temas, conhecimento de gêneros textuais diversos e de seus elementos formais”, salienta.

Luiz Antônio também atua como validador de conteúdos disponibilizados na seção Espaço da Aula, no Portal do Professor, por professores do Centro Pedagógico. Ele explica que orienta os professores em termos de estratégias a serem adotadas, de textos-base a serem utilizados, de análise das atividades que compõem a aula, isto é, da possibilidade de execução das tarefas propostas e da verificação da continuidade da aula, para que ela forme um todo, coeso e coerente. “Por fim, faço uma revisão linguística da aula e a libero para análise da equipe central no MEC”, esclarece.

Uma das aulas validadas por Luiz Antônio foi a elaborada pelo professor de português, Igor Trindade – Preparação para o Vestibular: corrigindo redações com os alunos. “Essa aula foi trabalhada em sala, com estudantes da terceira série do ensino médio”, conta Igor, que atualmente está afastado da sala de aula para fazer mestrado em linguística teórica e descritiva – estudos gramaticais.

Para Igor, é importante que o professor acompanhe atentamente o processo de escrita dos alunos. “As aulas de produção textual devem ser verdadeiros laboratórios de edição, em que os estudantes exercitem constantemente a escrita e a reescrita de seus textos, conscientes da função social de cada gênero”, destaca. Ele acredita que trata-se de um excelente momento, inclusive para o ensino de aspectos linguísticos e gramaticais, para além dos aspectos discursivos e enunciativos. “É interessante, ademais, mostrar para os estudantes exemplos de bons textos, explicando o porquê de serem bons”, ressalta.

(Fátima Schenini)

Portal do Professor oferece sugestões de aulas de redação

O Portal do Professor oferece diversas opções que os professores podem usar em sala de aula. O Espaço da Aula é a ferramenta mais utilizada. Um lugar que serve para criar, visualizar e compartilhar aulas de todos os níveis de ensino.

As aulas podem conter recursos multimídia, como vídeos, animações e áudios. Qualquer professor pode criar e colaborar com o conteúdo das aulas. Há quase seis mil aulas elaboradas e publicadas por professores de todo o país.

Existem, atualmente, mais de 120 mil professores inscritos no Portal e interagindo nos fóruns ou elaborando sugestões de aulas.

Acesse aqui alguns exemplos de aulas que estimulam a escrita de textos.

O julgamento de um amigo!

Estudando o texto: perspectiva e argumentos

Pintura Rupestre: o início da arte de escrever histórias

(Sara Scaringi)

Aulas de espanhol atraem alunos em Araranguá

Professor Anderson Rodriguez

O ensino de espanhol como atividade extracurricular está sendo a maior atração na Escola de Educação Básica Professora Neusa Ostetto Cardoso, em Araranguá, no sul de Santa Catarina. O projeto atende alunos do ensino fundamental e ensino médio, no contra turno, além de membros da comunidade.

“Por ser uma comunidade de grande risco social, os alunos são incentivados a participar do projeto língua espanhola na escola. E os resultados têm sido maravilhosos e gratificantes”, conta o professor Anderson Rodriguez dos Santos, responsável pelas aulas. Há três anos no magistério, dois dos quais nesta escola, Anderson também leciona língua portuguesa para alunos dos 6º e 7º anos do ensino fundamental.

Ele explica que as aulas estão sendo diferenciadas, graças à internet, pois aproximam os alunos da realidade dos países que falam a língua espanhola, despertando a curiosidade e o interesse dos envolvidos. Segundo ele, as tecnologias digitais estão presentes na sala de aula, tornando o ambiente o mais natural possível. Para Anderson, ferramentas como o DVD são indispensáveis na compreensão auditiva e na contextualização dos conteúdos propostos, bem como para manter um ritmo de entusiasmo nas aulas.

Ele cursa, atualmente, o 6º período do curso de letras, habilitação português - espanhol e respectivas literaturas. Além disso, se prepara para fazer a prova de proficiência em língua espanhola no Instituto Cervantes, em Florianópolis. “Pretendo iniciar minha pós-graduação em língua espanhola no segundo semestre de 2011, quando termino minha graduação”, adianta.

Conheça aqui seu blog.

Márcia Martins Castaldo: a boa redação é fruto de um longo percurso

Professora Márcia M. Castaldo

A redação tem sido o tema principal do trabalho da professora Márcia Martins Castaldo, há mais de 20 anos. Doutora e mestre em educação, bacharel e licenciada em português, inglês e francês, ela integra o Grupo de Estudos e Pesquisa em Letramento e Alfabetização da Universidade de São Paulo (Geal/USP). Também exerce a função de coordenadora pedagógica na Escola Municipal de Ensino Fundamental Jairo Ramos, em São Paulo (SP).

Em sua opinião, a leitura é muito importante para a elaboração de um bom texto, pois promove a reflexão sobre o conteúdo ou sobre a forma. Ela acredita que é necessário cuidar da redação desde as primeiras letras, pois a boa redação é fruto de um longo percurso.

Jornal do ProfessorQual é a importância do hábito da leitura para que os alunos possam fazer boas redações?

Márcia Martins Castaldo – Ler e redigir são duas ações que envolvem a palavra escrita, entretanto, demandam diferentes modos de interação. A leitura é muito importante para a redação por fazer parte do conjunto de conhecimentos acionados por aquele que redige, e mais, compõe o lastro de recursos linguísticos do indivíduo. Ler promove a reflexão - sobre o conteúdo ou sobre a forma -, ato imprescindível para a elaboração de um bom texto. Embora importante, a leitura, sozinha, não garante uma boa redação, há outros aspectos específicos do ato de redigir a serem considerados. Ler e escrever se intersecionam na construção de uma consciência da palavra escrita; nesse ponto, uma ação influencia a outra proporcionando benefícios para ambas.

JP – Os professores devem estimular a leitura entre seus alunos? De que forma?

MMC – O professor precisa mostrar para seus alunos a paixão que ele próprio tem pela leitura e pela descoberta da palavra escrita. O professor deve proporcionar condições para que seu aluno amplie a “consciência linguística” e saiba despertar “as mil faces secretas” da palavra que dorme “em estado de dicionário”, resgatando Drummond.

JP – É possível ensinar a fazer redação? Como isso pode ser feito no ensino médio?

MMC – Algumas vozes defendem a ideia de que não é possível ensinar alguém a fazer uma redação; essas vozes alegam que escrever é dom e que esse ato demanda inspiração. Além disso, muitas pessoas têm a ideia de que, passado o período inicial de escolarização, o indivíduo já dominou a palavra escrita e encerrou sua aprendizagem. Não creio ser essa a realidade. Quando um indivíduo aprende as letras, ele apenas se inicia no universo da palavra escrita, apenas começa a entender como elas se harmonizam para formar o texto, há muito a caminhar; até o fim de nossas vidas, a palavra escrita oferece desafios, e isso torna possível o ensinar-aprender a redigir. O ensino-aprendizagem do ato de redigir requer a definição de uma trajetória de construção para fornecer ao indivíduo condições de descobrir os poderes da palavra, seus recursos. Eixos norteadores, enfoques, sequências didáticas, estratégias, reflexões, todo o universo dos expedientes de ensino-aprendizagem podem ser mobilizados para que um indivíduo vá realizando essa construção.

JP – O que é mais importante para uma boa redação: a técnica ou o conteúdo?

MMC – A articulação entre essas duas dimensões do texto é importante. Uma redação que meramente aplica uma técnica não tem alma, não seduz o leitor; não seduz nem mesmo quem escreve, pois o escrever se transforma em ato mecânico, creio que seja esse o motivo pelo qual muitos não gostam de escrever. Não há como escrever adequadamente sem conteúdo; ao redigir, um indivíduo materializa ideias, emoções. Essa divisão não deve levar à ênfase de um ou outro aspecto, ela deve ser concebida como um tipo de artifício para se estudar, entender a palavra escrita, avaliá-la.

JP – Que ferramentas os professores de português do ensino médio podem utilizar para que os alunos aprendam a fazer boas redações?

MMC – O ensino de redação é bastante complexo, mas dois eixos são fundamentais: a análise de textos e a reescritura a partir da correção e da avaliação. Com a análise de textos, o aluno vai criando a “consciência da palavra”, nesse momento, o professor tem condições de mostrar como se realiza a construção dos textos e explicar como o aluno pode utilizar os recursos da escrita para elaborar seu próprio trabalho. Os atos de corrigir e avaliar têm papel essencial nesse processo, pois promovem o diálogo entre os interlocutores e realimentam o processo de conscientização a respeito do ato de comunicar, é uma forma de perceber o “outro” concretamente. Há um risco: utilizar indevidamente essas práticas e criar barreiras, traumas, até. A correção e a avaliação precisam ser tratadas como forma de interação, um momento especial de encontro e orientação. Enfoquei essas questões em minha dissertação de mestrado: “A prática da redação na escola: avaliação, um caminho?”

JP – Em sua opinião, qual a melhor periodicidade para que os alunos do ensino médio façam redações?

MMC – O fato de a redação demandar a prática – para aprender a redigir é preciso redigir; regras, modelos, análises não frutificam se não forem experimentados - remete-nos a uma polêmica histórica entre quantidade e qualidade. A resposta para essa questão demanda algumas considerações. O que é redação? É aquela produção mais, digamos, extensa, como uma história, um texto de opinião? Ou uma simples resposta de exercício, o relatório de uma pesquisa? A redação é vista como um processo de construção articulada em etapas de elaboração ou um produto isolado? Considerando a redação como resultado de um processo de elaboração e de reflexão linguística, a periodicidade estaria vinculada à extensão dos processos, que, por vezes, são longos. Por exemplo, se um professor decidisse produzir com seus alunos uma epopéia, em um possível trajeto envolvendo várias etapas - pesquisa a respeito do gênero; leitura e análise de modelos,com apresentação, discussão e experimentação de recursos de elaboração; construção do texto, correção e avaliação, revisão, até o resultado final -, ele precisaria de maior intervalo de tempo, talvez um bimestre, ou mais, e isso poderia gerar um desconforto relacionado à ideia de produto: uma só redação no bimestre. Ao considerarmos apenas o produto final como redação, somos levados a achar que houve produção insuficiente. É um equívoco pensar assim. É preciso visualizar o trajeto para obtenção do resultado final: se cada etapa do processo de construção da epopéia for registrado de alguma forma, tais registros podem ser acatados como redação, produções intermediárias, até a obtenção do resultado final, o número de produções realizadas se amplia, mas com fundamento, com objetivos. Simplesmente aumentar o número de produções sem o cuidado de articulá-las não promoverá adequadamente o ensino-aprendizagem da redação. Há processos mais rápidos, que podem ser desenvolvidos em uma semana ou quinze dias, isso pode ocorrer, por exemplo, quando o objetivo é aperfeiçoar determinado aspecto da trajetória textual, como a produção com foco no vestibular.

JP – A partir de sua experiência de mais de 20 anos de trabalho com o ensino de redação, a senhora poderia nos dizer quais os principais erros cometidos pelos alunos?

MMC – A busca de uma receita padronizada de escrita é o principal erro cometido pelos alunos. A escrita é como impressão digital, cada indivíduo tem a sua, diferente daquela de todas as outras pessoas. Ao buscar tal receita, o indivíduo pode soterrar seus saberes, com isso, perde-se a autoria; sem autoria, perde-se a correção gramatical, o eixo de raciocínio, a clareza, a precisão, a exploração do conteúdo, o desejo de ser compreendido. O texto torna-se uma tarefa cumprida, apenas; um dever-dizer que não permite a transfiguração do saber-dizer de cada um.

JP – A redação é um item temido pelos vestibulandos. O que não pode ser esquecido pelos candidatos? O que não pode faltar em uma boa redação?

MMC – A boa redação não surge do dia para a noite, é um resultado do que esse candidato fez ao longo dos anos de escolarização; do seu grau de consciência linguística. Às vésperas do vestibular, não se amadurece como em um processo de anos; às pressas, só é possível aprimorar aspectos do texto, entender o que são provas de concursos seletivos, o que demanda esse gênero de texto. É necessário cuidar da redação desde as primeiras letras, não só no momento em que se demanda a produção de determinado gênero; a boa redação é fruto de um longo percurso. Não deve faltar, ainda, à redação, a autoria, é necessário mostrar ao interlocutor – independentemente de ele ser ou não um membro de banca examinadora – a autonomia em relação à escrita, esse envolvimento vai se refletir no adequado encadeamento do raciocínio, na exploração pertinente dos conteúdos, na boa articulação da palavra e das ideias, na correção gramatical, no uso correto dos recursos para a construção do gênero de texto requisitado pela proposta. Esse foi o tema de minha tese de doutorado: “Redação no vestibular: a língua cindida”; no trabalho, exponho a angústia do embate entre as prescrições do gênero, as distorções sobre o uso dos modelos e os saberes do candidato; embate que, em geral, impede a criação porque tolhe a autoria.

JP – A forma de fazer redação sofreu modificações nos últimos 20 anos?

MMC – Creio que sim. Percebe-se um movimento interessante de preocupação com a “consciência linguística”; cada vez mais, a prática da redação se distancia de propostas desvinculadas de uma análise de construção do gênero; tem havido preocupação com o preparo para obtenção do texto.

JP – Você considera importante que os professores ou as escolas promovam concursos de redações ou estimulem os alunos a participarem de concursos desse tipo?

MMC – Concursos são interessantes se não se tornarem motivação central do ensino-aprendizagem da escrita. Encarar um concurso como medida da eficácia de um programa de redação ou do desempenho do aluno não é salutar. Conceber a participação em um concurso de redação como uma atividade a mais que viabiliza a exposição do texto em outro contexto - se o concurso for externo -, ou para estimular a prática – se for interno - pode ser construtivo para analisar a produção em outra perspectiva: concretiza-se o intelocutor porque amplia-se o público-alvo, não apenas o professor lerá o texto. Ocorre, muitas vezes, que toda a programação de uma escola modifica-se para atender às demandas de um determinado concurso; isso é reduzir o poder da palavra escrita.

JP – As instituições de ensino superior preparam bem os professores de português para o ensino de redação?

MMC – Não. Em geral, o professor precisa articular seus conhecimentos para essa prática recolhendo informações espalhadas pelas várias disciplinas que cursou. Em grande parte, as práticas vêm mais do cotidiano, das experiências, dos conselhos de profissionais com mais anos de prática, das propostas dos livros didáticos.

JP – O que dificulta o trabalho de redação na escola?

MMC – São vários os obstáculos, mas poderia apontar alguns. O trabalho de ensino-aprendizagem de redação demanda muito esforço – pense na correção dialogada, por exemplo, seguida de revisão – e muitas pessoas não gostam de enfrentar esses desafios, nem professores, nem alunos. Redigir, assim como ler, requer reflexão e um tipo de concentração que não é estimulado em nosso cotidiano; os resultados não são imediatos, como se espera nos tempos da velocidade. Além disso, ainda vigoram as concepções da escrita como dom e de resultados obtidos pela quantidade, como produção em massa. Mesmo assim, creio que as pessoas têm redigido mais do que antigamente, no mínimo, porque os índices de indivíduos que atualmente têm acesso à escrita crescem; porque a palavra escrita, mesmo em seu modo peculiar, tem estado nos dedos da juventude.