"A conferência contribui no processo de transformação do próprio jovem", diz José Vicente
Autor:Arquivo pessoal
A grande estratégia da Conferência Nacional Infantojuvenil pelo Meio Ambiente é promover o desenvolvimento da cidadania socioambiental, diz o coordenador-geral de Educação Ambiental do Ministério da Educação, José Vicente de Freitas.
Para ele, é fundamental que essa cidadania socioambiental seja desenvolvida e incorporada no processo de formação dos jovens. “Assim, pouco a pouco a gente vai criando os fundamentos de uma sociedade que a gente quer e a que a gente precisa”, enfatiza.
Professor do Instituto de Ciências Humanas e Informação da Universidade Federal de Rio Grande (FURG) e doutor em História e Sociedade, José Vicente foi secretário executivo da Comissão de Desenvolvimento Sustentável e Agenda 21 Brasileira CPDS e diretor adjunto do Departamento de Educação Ambiental, unidade então vinculada à Secretaria Executiva do Ministério do Meio Ambiente.
Exerceu, ainda, entre outros, cargos de gerente de projeto e de coordenador nacional do Programa Agenda 21 Brasileira, na Secretaria de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental do Ministério do Meio Ambiente.
Jornal do Professor – Quais são os principais objetivos da Conferência Nacional Infantojuvenil pelo Meio Ambiente?
José Vicente de Freitas – A Conferência Nacional Infantojuvenil pelo Meio Ambiente é uma estratégia pedagógica voltada para escolas dos sistemas estaduais e municipais, particularmente as que trabalham do 6º ao 9º ano, e tem o objetivo muito claro de promover uma grande discussão e mobilização das escolas para algum tema voltado à temática da sustentabilidade. Com esse processo de mobilização, articulação e reunião da comunidade escolar discutindo um determinado tema, o nosso grande objetivo é que, nesse contexto da discussão da conferência, se consiga promover o desenvolvimento da cidadania socioambiental. Essa é a grande intenção dessa estratégia pedagógica.
Cada edição da conferência gira em torno de uma temática e provoca a comunidade escolar a discutir um determinado tema. Na quarta edição, nós propusemos às escolas discutir a temática de escolas sustentáveis. Em torno dessa temática, os objetivos são promoção da cidadania socioambiental, mobilização da comunidade escolar, intercâmbio, troca de experiência, formação de professores. A base relacionada à formação de cidadania socioambiental continua a mesma.
– Como é feita a seleção desses temas?
– Procuramos selecionar os temas de acordo com as questões que são fortes no momento em que a conferência é realizada. Por exemplo, a terceira edição da Conferência Nacional Infantojuvenil girou em torno da temática das mudanças climáticas. A ideia foi a escola pensar sua própria ação e processos educativos a partir da discussão que naquele momento, em 2008/2009, estava chegando ao conhecimento da sociedade de maneira intensa. Por isso, propusemos o tema “Vamos cuidar do Brasil pensando nas mudanças ambientais globais” e, a partir dessa discussão, tentamos situar qual o papel da escola e dos alunos. Era uma temática muito condizente naquele momento devido à importância que o tema estava ganhando no contexto social.
Ao longo dos últimos três, quatro anos, tem sido muito forte, no MEC, nas universidades e nas instituições de ensino, a discussão sobre o que seria uma escola sustentável. Então, toda a movimentação dessa quarta edição é fazer que a comunidade discuta o conceito de escola sustentável, inclusive quais são as intervenções necessárias para que a escola se torne sustentável, até mesmo para dentro e para fora, ou seja, em relação à sociedade.
– De que maneira é organizada a conferência?
– Esta conferência trabalha com três princípios fundamentais: jovem educa jovem, jovem escolhe jovem e uma geração aprende com a outra. Metodologicamente, como ela se apresenta? A ideia é de que tenhamos sucessivas fases e, nestas, a gente tenha a possibilidade da construção da cidadania socioambiental. A primeira fase é uma provocação à escola para que discuta na unidade escolar essa temática. Acontecendo essa discussão, a escola vai escolher o melhor delegado e o melhor projeto elaborado a partir daquela temática. E os delegados vão participar sucessivamente de outras fases da conferência. A fase na escola é obrigatória. Os delegados escolhidos poderão participar das fases municipais e/ou regionais, que são optativas, e depois vão participar da etapa estadual, que reúne outros delegados selecionados. Esses delegados e esses projetos escolhidos na fase estadual vão participar da última etapa, a nacional, que tradicionalmente ocorre em Brasília.
– Como é feita a seleção dos participantes?
– A Política Nacional de Educação Ambiental coloca como responsabilidade do MEC a necessidade de trabalhar com a educação ambiental em todos os níveis e modalidades de ensino, da educação infantil até a universidade. Em um processo de conferência como esse, seria muito difícil envolvermos todas as etapas de ensino. Para melhor viabilização, fazemos um recorte no contexto do segundo ciclo do ensino fundamental, ou seja, que envolve estudantes de 11 a 14 anos, do 6º ao 9º ano. Assim, na etapa nacional, trabalhamos com estudantes que estão dentro desta faixa etária e fica mais fácil acolher e garantir a integridade deles.
– Como serão aproveitados os projetos apresentados pelas escolas?
– Nessa edição, nós propusemos às escolas que discutissem a temática de escolas sustentáveis e que elaborassem um projeto para dizer como a própria escola poderia se transformar em sustentável. Todas as escolas que se envolveram nesse processo, discutiram a temática e elaboraram um projeto vão entrar no Programa Dinheiro na Escola – PDDE - Escola Sustentável para se beneficiarem de recursos em 2014. Essas escolas poderão começar o processo de implementação dos projetos que elaboraram. Então é uma conferência que já vem com proposta de intervenção. Ou seja, estamos exercendo papel de indutores de uma proposta política pedagógica e que faz que a comunidade discuta-a e tenha condições de implementá-la.
– Qual é a importância de despertar o interesse pela preservação do meio ambiente entre os estudantes?
– Essa galerinha, esses meninos e meninas, serão os tomadores de decisão desse país, nas diferentes instâncias, junto às esferas municipal, estadual e nacional. E se essas crianças conseguirem desenvolver a sua consciência ambiental, naturalmente, ao tomar decisão, os indicadores socioambientais serão considerados variáveis ambientais importantes. Esse processo poderá levar a mudar a relação como a sociedade se estabelece com o meio ambiente. Então, é fundamental que esse espaço seja proporcionado, que a consciência, a cidadania socioambiental sejam desenvolvidas e incorporadas no processo de formação desses jovens. Assim, pouco a pouco a gente vai criando os fundamentos de uma sociedade que a gente quer e a que a gente precisa.
– Nesse processo de formação dos jovens, a conferência traz oficinas variadas. Explique.
– Temos cerca de 15 oficinas diferentes que não são apenas para desenvolver conceitos, teorias, mas para ensinar questões práticas aos estudantes. Todas as oficinas estão diretamente relacionadas ao tema de sustentabilidade. Por exemplo, a questão de permacultura. Um conjunto de alunos vai trabalhar com técnicos e especialistas da área para aprender permacultura em termos conceituais, inclusive fazendo intervenção durante a conferência. A permacultura é um conceito que nasce vinculado à ideia de sustentabilidade.
Hoje um dos temas mais atuais é a discussão das mudanças ambientais globais, que geram impactos nos municípios e nas escolas, bem como condição profunda de vulnerabilidade para as escolas e os municípios. Então temos uma oficina que ensina aos alunos como fazer mapeamento de risco no seu bairro e na sua escola, utilizando uma pipa associada a uma câmara. Esse mapeamento poderá ser levado para a sala de aula e discutido e compartilhado inclusive com autoridades que ainda não conhecem o problema. Todas as oficinas estão relacionadas ao campo da sustentabilidade. Depois da conferência, os alunos têm o compromisso de voltar para as escolas e replicar o que aprenderam nas oficinas nas escolas e nos territórios.
– A conferência então enriquece o cotidiano de aprendizagem das escolas e colabora para formar cidadãos mais conscientes...
– Não há dúvida de que é um processo que funciona. Há jovens que trabalham como gestores aqui no MEC, na Coordenação de Educação Ambiental, que participaram da conferência, em 2003, e depois foram para a universidade e se formaram. A conferência contribui no processo de transformação do próprio jovem. Agora, desde 2004, estamos tentando consolidar para que as escolas recebam recursos para implementarem a ideia que desenvolveram coletivamente. Esse processo de mobilização gera algum tipo de implicação em termos de consciência sobre a importância da preservação ambiental, de melhorarmos a nossa qualidade de vida e de superarmos a grave crise que o planeta e o Brasil atravessam.
– De que maneira a temática do meio ambiente entra no currículo escolar?
– Os temas meio ambiente e educação ambiental não têm disciplina específica. Essas duas áreas são incorporadas na matriz pedagógica das escolas como tema transversal. Todas as disciplinas consolidadas, direta ou indiretamente, teriam a obrigação de trabalhar essa temática. Mas um fato que auxiliou para que essa temática fosse incorporada pela sociedade, pelo governo e pelos sistemas de ensino foi a ECO-92, realizada no Rio de Janeiro. Até então, as informações ambientais que chegavam ao Brasil vinham por meio de grandes ONGs. Com essa Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a própria sociedade acordou para a temática ambiental que passa a ser vista como temática prioritária pelos governos nas esferas municipal, estadual e federal e replicada nas escolas.
A partir de 1992, o governo passou a fazer isso de forma bastante sistemática e, especialmente coordenada, a partir de 1999, com a aprovação da Política Nacional de Educação Ambiental, que obriga o MEC a implementar ações em todas as modalidades e níveis de ensino. E em 2012, aprovamos as Diretrizes Curriculares para a Educação Ambiental, para que a temática ambiental passe a ser observada em todos os níveis dos sistemas de ensino.
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